quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Memórias 27

Lisboa
1970-09-23
Vi-o hoje também, na Rua dos Fanqueiros.
Encostado à esquina, bengala na direita e cofre na esquerda, aguarda ansioso que passem boas almas. Uma vez por outra,
ia gesticulando, com dada amplitude, acompanhando ali os seus movimentos de frases entrecortadas.

O que ele dizia não me cabe repeti-lo, pois me encontrava do lado oposto. mediando os eléctricos. Avaliando, no entanto, pelo exterior, fui levado a inferir que ele estava borracho. Não posso jurá-lo, mas parecia. Descomedidos os gestos, impetuosos, às vezes, como se, na verdade, poderosa mola o fizesse girar!

As pessoas bondosas detinham-se a olhá-lo e, cheias de compaixão, extraíam de seus bolsos a moeda suspirada. Ele, então agradecia, com beijos simbólicos, denotando calma e sossego de espírito. Se me engano, pois, na questão do álcool, tenho a certeza, no tocante ao fumo. Sugava alarvemente! A fumarada subia, perdendo-se nos ares, enquanto era substituída, em menos de três tempos!

Quando eu julgava que ele ia descansar, puxa breve do maço,
pendorando-se logo noutro cigarro! Sim, senhor, disse eu então, para os meus botões! Borracho e fumador! Há-de ser grande a receita, para nutrir dois vícios horrendos! E que é que os sustenta?
A compaixão e a caridade! Será justo fazer tal?!

Devemos notar que é uma obra de alta corrupção e um trabalho danoso que arruína o ser!
******
Lisboa
1070-09-24
O Padre Congar falou aos jornalistas. Foi interrogado, sobre vários assuntos, incluindo o celibato. Ora, li hoje, com grande interesse e funda curiosidade, a resposta equilibrada que ele encontrou. Não há dúvida nenhuma. de que os seus dizeres estão de harmonia com o meu pensar e que tal assunto é muito delicado.
E também é verdade que a igreja errou,( embora talvez de boa fé!), impondo aos homens o que Deus não quis nem achou bem.
Se bem me recordo, os pontos de vista do Padre Congar são os seguintes:1 A sociedade moderna isolou o padre; ele, por sua vez, compensa a falha, procurando uma família; 2. a sociedade, sensual e erótica é aliciante e provocadora, em matérla de sexo. Ora, se o padre, por força, reflecte a crise, é incitado, por modo igual, pois não faz excepção!

A atitude da Igreja, através dos tempos, foi como é sabido, meramente proibitiva, bastante repressiva e, em geral, negativa,
considerando a sexualidade como simples fenómeno de ordem biológica
No entanto, a psicologia actual veio demonstrar que isso é falso. A sexualidade tem raiz mais funda. Sendo assim, é fenómeno orgânico e também psicológico. ou então. um dado humano, assaz precioso, que engloba o homem todo, pois fica integrado na personalidade.
É um bem fundamental que nenhuma sociedade pode contestar..
Desenvolverei este assunto de monta, para maior clareza e compreensão
******
Lisboa
1970-09-25 Isolamento do padre na sociedade moderna.

Fala-se muito, em dizeres românticos, de família paroquial,
pastor e ovelhas, filhos e pai, lealdade e afeição. Isto, porém, são hoje meros sons,. que passam breve e não voltam mais.

O padre, em nossos dias, tornou-se indesejável, por formar uma casta, por ser egoísta, não compreender os problemas da vida, não merecer aquilo que lhe dão e ele mesmo exige; por haver diminuído a fé religiosa, entibiando-se as crenças; por ser celibatário, não ligando aos assuntos que a todos respeitam, uma vez que fazem parte da ´própria vida.

Se ele aparece, muda-de a conversa e vem a doblez; acomodam-se todos, bem falsamente,, assumindo, para logo, ares de santidade. Sendo isto assim, é o padre, realmente, fautor de hipocrisia e caminho certo dde perdiçã. E caso não haja essas atitudes, vem sem demora o ataque descarado, como se fosse realmente um bicho mau, que é preciso eliminar.

Postas as coisas nesta plataforma, o padre fica só, com a sua dor Como preencher o vácuo aberto?! A quem pedir auxílio, na grande solidão?! Sociável, por natureza,, o homem é gregário, , não
podendo viver só!. Sujeito de deveres, mas também de direitos, precisa compreensão. Onde encontrá-la?!
Sentindo-se frustrado, porque não é aceito, vive oprimido e
contrariado, exigindo alguém mais que seja derivativo. Aonde acorrer?! A um lar seu, onde haja amor, esposa e filhos.

******
Lisboa
1970-09-26 Crise erótica geral: aliciamento ao próprio erotismo.

Um dos traços mais profundos, que distinguem este século é, incontestavelmente, a sensualidade. Esta, de facto, revela-se em tudo, abrangendo alma e corpo, embora se exerça, visivelmente, através dos sentidos. Estende-se a todo o ser,e tem. na verdade, a
expressão mais intensa e até aliciante, nas relações sexuais.

As causas profundas de tal exacerbação, que é um facto inegável, devemos ir procurà-las na própria natureza, com suas aspirações e cobiças vincadas. Viciada a natureza pelo pecado de origem e pelas faltas pessoais, essa tendência é cada vez mais forte, segúndo a lei constante dos hábitos adquirdos,, que se vão revigorando, à medida exacta que são alimentados.

Entretanto, a necessidade orgânica, de carácter biológico é
também psicológica e brota sempre da raiz da alma.O ser racional, ainda quando ama , de maneira sincera, exige contactos e vida se-
xual. Por outro lado, ninguém pode subverter a potência de amar, pois isso é contrário à natureza humana.

" Vita cordis est amor", escreveu S.Tomás.
Sendo assim,, a sexualidade perde em breve o cunho pejorativo e proibitivo. que a Igreja lhe deu, ao longo dos séculos.. Deve ser regulada por normas morais, isso bem está, mas não reputada má
ou aviltante. Demais, foi o Criador que dotou assim a natureza humana.
Voltando às causas, ainda ajuntarei que a mulher moderna se
apresenta de tal modo, que leve decerto o homema pecar. estimulando assim a lubricidade.

Explicar, de momento, a atitude da mulher? As guerras mortíferas que dizimam os homens; a necessidade de amor e amparo; a concorrência, no tocante aos fins; a falta de fé e nobreza de sentir
******
Lisboa
1970-09-27 A sexualidade como dado humano

Mercê, claro está, de influências estranhas, a Igreja Católica, ao longo dos séculos, foi elaborando a Teologia, dita sexual e as suas directrizes, dando-lhes sempre carácter negativo e de repressão.

Efectivamente, já muito antes de propagar-se o Evangelho, ao tempo dele e posteriormente, grassavam pelo mundo ideias semelhantes, no aspecto negativo. Se nos lembrarmos agora do dualismo persa,
que tinha por imundo e até repelente o que respeita ao homem afim de não mancharem a terra contactada; os não lançava ao mar, para não inquinarem, as benéficas águas, teremos encontrado as verdadeiras raízes de tal negativismo, em matéria sexual.

Este facto foi uma constante, na Igreja Catóica, sobretudo latina!. Agrada-me pensar que o não faria por mal, quando obrigou os religiosos, as religiosas e os sacerdotes a permanecerem célibes.Foi uma luta violenta, quase agressiva, que redundou brevemente em atrofiamento, para o amor e a família, encarando. pois. a sexualidade, como acto repelente, só próprio de animais.

Maniques e Albigenses propalaram tais erros,, vincando assim , mais e mais, a faceta em causa.
Ora, verifica-se, à data, por meio de estudos, harto consenciosos.
que os nossos psicólogos nos hão legado, que, afinal, o sexo tem raízes mais fundas que a função biológica da reprodução ou
?prazer venéreo. Ela abrange o homem todo, a quem aperfeiçoa;
confere, acto breve, maturidade forte; dá para logo, o sentido claro
da responsabilidade, no trabalho e afeições; evita ainda o egoísmo soez,; liberta o homem de taras bem como de satisfações malsãs.

******

Lisboa
1970.09-28 A Juventude e a Igreja

Um grande sector da nossa juventude vê com maus olhos a Igreja Católica, por esta se aferrar à velha tradição ou por ela se voltar, porfiadamente, para um passado já longínquo.

Uma parte dos jovens, deslumbrados hoje pela Ciência e pela Técnica, a marchar velozmente, olham para elas como sendo ídolos
julgando erradamente que bastarão elas, para resolver os difíceis problemas que se apresentam ao homem..

Por outrolado, o erotismo do século, a que sempre a Igreja se mostrou avessa, revelando até agressividade, contribui para ignorá-la, se não mesmo hostilizar as instituições sagradas
. O espírito de casta e a incompreensão de certos problemas,
consequência fatal dum celibato imposto e mal entendido , também originaram certa indiferença, quando não hostilidade, contra a Instituição

Em consequência, pois, do que fica dito, vemos os jovens
afastar-se mais e mais, virando costas , enquanto os seus problemas não forem, de facto, encarados a sério e resolvidos com mais acerto. A nossa juventude não admite incoerêmcias nem sequer doblez. Exige certeza e sinceridade, compreensão, testemunho e lealdade..

É assaz legítima a sua atitude e não pode condenar-se..
Ouçamos, pois, o seu grito, estudando prestes a sua posição.
Atendamos pronto as suas reclamações... temperemos ainda o que for exagerado ou inatendível.

A juventude encontra-se virada para o futuro: não é do passado!. Ora, na Igreja há muito do passado, que não se adapta já aos tempos modernos nem está de acordo com as aspirações e a
mentalidade, vigentes no presente.

Quem não agir, de harmonia com isto, vê o mundo seguir,
ficando parado, inútil e vão, num mundo em marcha.
Época atómica, na matéria bruta, dinâmica também, no espírito
acordado!.
******
Lisboa
1870-09-29 A Civilização e o Homem moderno

A civilização do nosso tempo acusa fortemente o dedo da Igreja, que deixou vestígios fundos, por todo lugar. Em qualquer expressão de arte ou sentimento, se notam claramente as suas pegadas: Pintura e Teatro, Arquitectura e Escultura, a Música e a Dança, assim como o Bailado.O folclore nacional é prova irrefragável.
Que dizer até das nossas romarias?! Pois, se vamos para a Música?!Em qualquer ramo de actividade humana, é indubitável a
nfluência criastã, não somente no campo científico,se não também
no campo Artístico..
É ver apenas como se efectua a sublime Epopeia desses Descobrimentos, nos séculos 15 e 16! A obra dos Cronistas e a voz de Camões lá o dizem claramente: " Dilatando a fé "
Este é um facto inegável, altamente confirmado pela voz eloquente das Catedrais medievas. As suas flechas airosas, a perder-se nas alturas, afirmam solenemente que que essa era de fé caminhava para Deus.

O homem moderno já nasce desvinculado Não é, de facto, para Deus que segue directamente. O encanto dele é antes a Ciência, a Técnica e o sexo. Está, pois, virado para o tempo futuro e não para o passado!. O que a Igreja precisa é adaptar-se às novas condições, estudando-as bem, para não ver fugir-lhe as massas juvenis que são, na verdade , o futuro do mundo

Outrora, nascia-se cristão, indo-se a Deus pela Tradição e pelo exemplo: hoje, vai-se a Ele por vias diferentes, que é urgente estudar, para torná-las assaz eficientes

******
Lisboa
1970-09-30 Valor do Sujeito, no século XX.

A Idade-Média foi toda ela uma época ardente de relegiosidade, em que o homem viandante tinha a Deus por alvo de
todos os seus actos, podendo nós afirmar que todo o seu ser mergulhava em Deus. O homem, afinal, emergia sempre de um ambiente religioso, aceitando como bom o que lhe propunham. A
autoridade era tudo na vida.
No campo religioso foi, porém, diminuindo a tal influência, quando os protestamtes, no século XVI, negaram. sem rebuço a Autoridade máxima, atribuída ao Papa, rejeitando, ao mesmo tempo s Tradição cristã. Era o próprio homem a virar-se para si, descobrindo os seus dotes, que muito apreciava e, achando-se mais belo,.
Endeusado já, vem a tornar-se, aos próprios olhos, genuína divindade.A razão era grave e de tomar em conta,, pela sua grandeza.. O individualismo, característica forte, nos povos bárbaros, ia agora ressurgir, mais firme ainda, nos povos civilizados. Assemelhava-se ele, como bem vemos, ao homem pagão.
Deus-Providência, relegado em breve, para um plano inferior ,
deixava de ser o alvo supremo das gentes do tempo.

A Igreja, porém, com acção moderadora, conseguiu deter a onda e apaziguar o novo surto que avassalava o mundo. Mas o homem de hoje avançou ainda mais, tomando consciêncis de tudo
quanto vale ou lhe haviam cerceado: aspira a reslizar.se, de maneira cabal, sem tomar em conta influências estranhas.

******
Lisboa
1970-10.01 Juventude actual,Sociedade, no porvir

A sociedade, amanhã, brotará, com certeza, da nossa
juventude. O que esta for hoje, será depois aquela. O passado morreu para ela que se encomtra virada só para o futro.

Evidentemente, há certo exagero em tal concepção, mas os factos reais não podem contestar-se e hão-de ser tomados na devida conta, para estudo esmerado, com sentido construtivo.

Atendamos. pois, à voz dos novos, em suas reclamações,
desacordos e protestos, limando, a breve trecho, arestas ruinosas,
que não sejam adequadas aos tempos de agora. É certo e sabido
que algo de bom se vê, desde logo, na contestação, urgindo, portanto banir o que é supérfluo ou entao eliminar o que se jukga daninho., afim de nos firmarmos num centro comum, tendo como
base a verdade e a justiça.

Que importam, na verdade, tradiçóes venerandas, que realizaram outrora obra vultuosa, e apresentam agora sintomas claros de envelhecimento? Demolir em fúria todo o passado? Nem
por sombras é admissível, porque muito existe de belo e estável,
para o tempo futuro. que se está esboçando!. Quanto ao mais, não haja rebuço em fazer limpeza!

Cativemos, desde já, a nossa juventude, pois de outro modo caminhará sozinho, à margem da experiêmcia, não tendo realmente a que possa arrimar-se

Ganharemos simpatia, sendo coerentes, leais e compreensivos. Os novos ideais acabam em vitória, e as velharias
bafientas vão juntamente com seus defensores, para o rol extenso das coisas sem préstimo
******
Lisboa
1970-10-02 Juventude; Igreja do Futuro.

Como a Santa Igreja remonta ao passado, no aspecto disciplinar, entre ela e os novos, há coisas diversas que desamam e rejeitam a civilização. dita cristã.

Esta vem marcada com o selo da Igreja que a nossa juventude escolheu para si, não tendo ela o selo da Ciêmcia, do erotismo e da Técnica. Haja vista. por exemplo, a famosa reunião
de jovens entusiastas que, não há muito ainda, se fez na Inglaterra.
e na qual se proclamou, de maneira solene, a preeminência do erotismo e do densualismo.
O Evangeho e Cristo não sofrem mudança, pois eles são de ontem, de hoje e de amanhã.

Estruturas religiosas, meios de difusão, a mentalidade e os mesmos processos, bem como o governo e administração da Santa Igreja estão decerto, sujeitos a variações, conforme as circunstâncias Há caminhos hoje que estão em plena luz, como por,
exemplo,a sexualidade. Alguma vez, no passado, se apresentou como dado humano?! Não era reputado mera porcaria?!

Daí, realmente, o aspecto proibitivo que a Igreja lhe deu.
Embora ela seja de origem divina e imutável também, na verdade que prega,, a qual vem impregnada de beleza eterna,vê-se impelida a ajustar-se aos tempos e às novas concepções: vida, ciência e arte. .
Fazendo assim, não vai negar-se: antes mostra a claro , a eterna vitaliade e poder de adaptação. Existe, realmente, poder de adaptação. Há, na verdade, que reformar costumes, ponderar tradições, algumas das quais se verifica hoje não serem de facto, as mais aceitáveis, embora o tivessem sido, em épocas distantes.

Persistindo intransigente, verá não longe caminhar sozinha a
nova sociedade, já tutelada por outra bandeira que não a sua.

******
Lisboa
1970-10-03 Juventude e Tradição

O que vem do passado e se transmite oralmente, embora por vezes fixado por escrito, chama-se Tradição. Equivale a dizer que as suas raízes mergulham fundamente em épocas distantes, que muito se afastam do nosso tempo!.

Ora, estando a juventude abertta ao futuro e desamando o
passado, conclui-se, desde logo, que não podem conciliar-se as duas correntes. . Uma é novidade, outra experiência. Uma delas mergulha no
porvir, outra , no passado. Esta respeita sempre a digna autoridae; aqela , por seu lado. ignora-a simplesmente.

São antagónicas as duas posições.Qual triunfará? A lição da História diz-nos claramente que levam a palma as ideias novas.
Trazem ar de mistério, bem assim de promessas e de libertação!
O Sol de nascente é mais promrtedor e fascinante que o de poente!
Não vemos a esperança ultrapassar, de longe. a mesma realidade?! A coisa possuída já perdeu o encanto!

*****
Lisboa
1970-10-04 Juventude virada ao Futuro

Desiludida, pois, a nossa juventude com a civilização, onde vê, não raro, germes de corrupção e vest´´gios claros de decadência, levanta-se em peso a clamar por outras vias. Contesta, sem rebuço a presente situação, por não achá-la autêntica nem verdadeira.
Para ela só conta a coerência, a compreensão, a sinceridade. Tudo o mais é entulho, que importa alijar. Hipocrisia,e
doblez, clandestinidade, jogos de palavras. Tudo isso é banal e até desprezível. Atraída e levada por sentimentos nobres, projecta construitr um mundo renovado, em que a guerra e a ambição já não tenham lugar!
Nasida e criada, à margem da Igreja, surge pagã e naturalista. O seu mundo, afinal, é bem dtferente do que houveram outros jovens A Ciência arrebata, a Técnica surpreende, a s paixões aliciam. Afinal de contas, é puro naturalismo, do qual o divino se encontra afastado. Se a matéria é precisa, mais ainda o espírito que a ordena e transcende.
Se a vida presentem no pensar da juventude, há-de ser isenta de quaisquer sobressaltos, e bafejada por ares mais sadios, não se pode esquecer que a outra a seguir é mais duradoura e que assenta na presente.
O mundo, realmente, não fomos nós que o fizemos nem tão pouco decretámos a ordem admirável, que nele é surpreendente e
nos enche de pasmo Já tudo existia, antes do homem! Alguém o fez e nos fez també,!
Urge, pois, construir um mundo novo, sem quaisquer estorvos, mas sempre com Deus e para Deus.
Que a nossa juventude se deixe influenciar, pois não tem expeiriência nem dequer equilíbrio que lhe sejam favoráveis.

******
Lisboa
1970-10.05 Educação e Juventude

.A nossa juventude acredita nos mestres, se forem abertos a casos actuais, riscando no passado uma parte da herança. É, pois, delicada a missao do professor, que vê comprometido deu nome e prestígio e até perdido seu esforço e porfia. Ora, sem autoridade, vai-se logo a aceitação, gorando-se
afinal todo o seu labor.
Que fazer então., em circunstâncias, demasiado críticas?
Acamaradar com os nossos jovens, dando-lhes razão, sempe que a tenham, mas sabendo. nestes casos, temperar bem as afirma-ções com o sal da prudência.
Demolir é fá il; construir é maid difícil! Tentar experiências, a título provisório, sem vanalismo nem tom agressivo! O que for inútil , indiferete ou prejudcial, pode eliminar-se. por via de regra, tentando fazê-lo, com serenidade, após um plsno, bem elaborado, quanto ao futuro
O provérbio holsmdês há-de estar presaente ao labor f
delicado:!" Não deites fora os sapatos velhos, antes de saber se os
novos te servem!"Aconselhhar aos novos o uso da prudência ; observação cuidada; exame atento; comparação, deveras minuciosa; exame imparcial;

O que há-de haver de belo, nesta civlização, já bimilenária, em que, no passado, estiveram empenhados, corações generosos, espíritos altos. e tão esclarecidos!
Sobre manchas possíveis, desdourando tal obra, vá um pano molhado,, mas guardemos a substância, que há-de ser maravilhoda: obra de séculos e obra de génio!

******
Lisboa
1970-10-06 Juventude e Ensino

Para ministrar o ensino aos jovens, vários factores são necessários: competência e calma; engenho e paciência; boa disposição; eloquência e prestígio; adaptação-- da parte do mestre:
receptividade: , alegria e senso; aspirações; interesse e entusiasmo;
humildade e constância... por parte do aluno
O interesse desempenha, sem dúvida, papel importante. Prender o aluno com alguma coisa, de modo a interessá-lo, eis a mola real de todo o agir! Que sucede, no entanto? O mestre inamovível, virado ao que foi, contrapõe-se ao aluno, aberto ao futuro.
O que a um desagrada é precisamente o que enleva o outro!
Sendo isto assim, gera-se desde logo incompatibilidade. O aprendiz adora futebol, mas o seu mestre ou não lhe sorri ou até o verbera, impiedosamente; o mestre acata respeitosamente os valores do passado, os heróis e os santos, ao passo que o jovem escolhe outros factos.
Que urge fazer?
Descobrir primeiro os centros de interesse da nova geração, para logo se adaptarem os processos em vista. Conhecidos os clubes, os cantores da rádio, como da televisão, actuar em seguida. Estes elementos entusiasmam os jovens.
, Organizados em grupos, apontam no quadro os erros, detectados: uns, representam o Sport; outros, o Benfica.
As meninas procuram imitar um célebre cantor. Se nós atacarmos as suas preferências, mofam de nós e seguem outras vias, com alto prejuízo, para todo o Ensino, envolvendo igualmente
o nome e o prestígio do professor rejeitado.

******
Manteigas
1970-10-07
Chegou-nos agora o frio cortante e, com ele também, a nossa tristeza. É um ar gelado que fere e arrepia, insinuando-se no peito. Havia muito já que o não lembrava e era-me agradável tentar
tar esquecê-lo, inteiramente. Mas não há bem que sempre dure nem mal que sempre ature! Razão especial por que o frio incomoda, sem dó nem piedade!

O cortejo a que preside é luzido e pomposo: vento, chuva e neve! Constou-me há pouco haver já nevado, na Serra da Estrela!
Sendo assim, como não temer?!
Neve branca e fria que enregelas o peito, angustiando a alma:
como hei-de querer-te, se me pões a tiritar?! Como hei-de amar-te, se enregelas a alma e torturas o corpo?!

Homenagear-te é coisa que não faço, pois, na verdade, falece-me a coragem! Que dizer de ti? Mais vale calar-me e ser discreto pois de outro modo, a vida é mais dura! Eriçam-se logo todos os cabelos arrepiam-se as carnes… entorpeçam-se os membros! Um horror
Consumado! Que monstruosa desfeita! Chegou sem aviso e depois banqueteou-se, de maneira lauta, ostentando na fronte um sorriso escarninho !
Fugi logo para casa, em busca nervosa de pobres agasalhos
Aqui fico tremendo, enquanto aguardo e sofro como alma penada!

******
Manteigas
1970-10-08
Muito a sério foi este início das aulas! Toca, pois, a vez ao 2º ano.que tem Português. Avisados embora, de nada valeu! O
Biscaia do Sameiro é que usa da palavra, quanto verbo ‘ser’.
Interrogo e pasmo! Era impossível! Falta de trabalho! Não há dúvida! Ameaço, de novo! Estais perdidos comigo! Inauguramos a ‘palma!’
A estas palavras que eles, por tradição conhecem já, tremendo calafrio percorre o seu corpo. Os mais cábulas julgam chegada a hora do amargor! Mas a vida é isto mesmo e há que lutar, para enfrentá-la, sem desconsolo! Para tanto, urge trabalhar!
A preguiça é herança que fundo se entranhou em nossos membros! Só pode vencê-la quem, for instigado! Fora, pois, cigo eu, com manias tontas! Que perturbam alma e corpo e não deixam avançar!
Todos olham para mim, algo consternados, aflitos alguns, parecendo fazer já uma promessa estável;” trabalhar e porfiar, pois assim não é viver! Siga a lida… fuja o dano! Nós queremos lutar!”

Olho. Uma vez mais, figurando rancor, tendo embora no peito a brandura de sempre. Era apenas receio que desejava infundir, não fossem valer-se da pouca energia!
´´E semana decisiva a primeira do ano: vai sempre influir no passo fatal que se apresenta no fim.
******
Manteigas
1970-10-09 A ti, Joaquim Cuco.
É asilado, cá nesta vila, fazendo. parte viva da exígua comunidade que reside no Hospital. Pequena, agora! Concluídas as obras, vai por certo, aumentar!
Ora bem! Voltando à personagem, cabe dizer, a propósito, que é bem apanhado o to Joaquim Cuco e um tanto velhaco!

Mal empregado, sem dúvida, pois é inteligente e algo expedito. Se pusesse as qualidades ao serviço do bem, era bom elemento, na Cruzada Cristã. Entretanto, as suas locubrações revestem, ao que julgo, aspectos negativos e nunca me foi dado saber, alguma vez, que tivesse, de facto, objectivo diferente,

Poderíamos até chamar verrinoso seu carácter agressivo, traiçoeiro e mordaz! A virtude, para ele, não conta nada e malsina os actos, seja de quem for! Faz a penas excepção, quando alguém o contempla, dando-lhe moedas Se é por meio delas que lhe vem o tabaco! Mas, francamente, alimentar os vícios é coisa que não quadra! Eu também não fumo e vou subsistindo!

Há dias, falou-me ele num caldo de botelha que é “ levezinhoo e agradável so estômago. Referiu-se também, com segunda intenção, à água da comida, que está precisando de maior economia, pois “se gasta em excesso”.
Aquilo é boa rês, o malicioso ti Joaquim!

******
Manteigas
1970-i0-10

Primeiro fim de semana, já no tempo escolar.
Qual turista ansioso que chega, finalmente, ao cume do monte, respira já fundo, com alto prazer, assim eu também repouso satisfeito, ao chegar o sábado. É um ponto de apoio, um desvio agradável, um arejar interior que dispõe sempre bem.

Com toda a certeza, não pode o homem trabalhar sem descanso, pois se esgotaria, ficando arrumado. Urge, pois, fazer paragens, de vez em quando, afim de refazer-se e tomar alento.

A caminhada é longa, extensa como a vida, exigindo, por isso, esforço e coragem. Empecilhos e obstáculos de várias origens, problemas a rodos, um sem número de coisas, por vezes, inesperadas e até insuperáveis,!

Nesta lida constante, vão-se as energias e dissipa-se o esforço: gasta-se a existência, Ninguém pode esquivar-se, que nascer e trabalhar é tudo o mesmo. Apesar de tudo, quanto mais árdua for a tarefa, mais apetecido se apresenta o descanso!

A minha lida, bem que agradável e assaz estimada, gera monotonia e produz cansaço que redunda em nervosismo! Sempre igual ou semelhante, desafina os nervos… pede silèncio…demanda sempre caminhos novos, ,A isto se destina o fim de semana, que nos acena de longe, com doce refrigério.

******
Manteigas
1970-10-11
É um velho asilado que andará pelos 70, se bem calculo. Passava eu, de manhãzinha, para S..Sebastião, distendendo os nervos e gozando o belo dia que é tão desejado, no Covão sombrio.
A essa hora, ainda matinal, já Manuel Badoca chegava ao tanque, para lavar a roupa de uso, que não quer extraviada. Avistando-o ali, fixei-o por momentos: agitava um lenço, na água resfriada, Movimentos retardados, a atitude prostrada e o busto recurvado,, denotavam fadiga, talvez necessidade e bastante cansaço.
Detive-me lá, por mais algum tempo, olhando para ele.
, , na vida terrestre. Dizem, realmente, que não é só, pois tem uma filha, o que é excelente, na vida do homem. Há, na verdade, quem ponha nisso a maior aspiração.

Uma filha dedicada é o que há de mais belo, para um homem viúvo.
Que centro formoso de gratas recordações! A noiva e a mãe, nos dias de glória e vivo encanto, vê-os o pai no rebento novo! A esperança no porvir, arrimo e consolo, fortaleza inexpugnável, contra os dias maus, tudo nela se encontra!

É um sorriso permanente, doçura que enternece, carinho que adormenta ! Quem a pode igualar?! Só Deus do Céu é, na verdade, mais belo e santo, por não ser criatura! Mas, neste mundo, uma filha abençoada é tesouro sem igual!
Entretanto, aquele homem vive só… está isolado e não tem ninguém! Que dor e aflição! Que tristeza imensa!

******
Manteigas
1970-10-12
Ontem, finalmente, resolvi pôr à prova a minha resistência, após a grave e longa enfermidade, que me reteve, no Hospital.
A minha partida foi às 9 horas, depois da Missa. Saí de casa, sem rumo definido mas. Em breve tempo, aclarou-se tudo.

A capelinha airosa de S. Sebastião acenou-me lá do alto , com o seu Cruzeiro a dominar-lhe a fronte. Hesitei alguns momentos, por der difícil a íngreme subida, mas por fim, decidi-me fui!

Havia já 10 anos que o não fazia, indo sempre a pé! Ainda me lembro ! Tinha, na verdade 42 anos, quando fiz, em 2 horas a ascensão da montanha. Em regime forçado, escalei vitorioso a Fraga da Cruz! Agora, porém, tinha de ser moderado! Não faltaram desejos que a tal me estimulassem! Nem brios caprichosos

Olhei uma e muitas vezes para a crista da Fraga, dizendo para mim que era possível! Se não fora já tarde, ia lançar-me na grande aventura
Assim, limitei-me um pouco e,às 11 horas, arribava ao terreirinho que faz restada `Capela. Durante meia hora, sentei-me a divagar. O suor foi secando, ao passo que eu olhava, um tanto embevecido, as últimas leiras..
A vegetação começava a rarear e só a de altitude se mostrava
Já. A videira, o milho e as couves ficavam para trás, cedendo o lugar ao pinheiro vivaz. A esteva e o zimbro alcatifavam o chão.

******
Manteigas
1970-10-13
“A menina gentil dos 5 olhos” ganhou nome e fama, neste Colégio. Havia já insinuado um possível regresso, caso fossem preguiçosos e não trabalhassem. Aconteceu, pois, o que era de prever! Um descuido lastimoso, certa indiferença, quase
Inexplicável, servem de pretexto.

O Biscaia do Sameiro foi o causador. O verbo ‘ter’ não é com ele ! Vai gozando a vida, compra tudo o que vê, sem peso nem medida, tendo os pais de custear as despesas frequentes e vultuosas. Eles que aguentem ! Utilidade ou proveito das coisas não lhe interessa!
Mas uma desgraça nunca vem só! Um abismo chama outro.
-
O diabo tece-as. Por isso, lá veio a sexta-feira que, por ser dia aziagado, trouxe a desgraça. O prometido é devido! A “menina adormecida” apareceu em breve, mas a sorte bafejou o Biscaia a quem não coube vez, para ir à lição.
Eram tudo olhos, tudo ouvidos. Atenção como aquela é raro encontrar.
Na primeira fila, evidenciava-se o Zé Borrego que, chamado, nesse dia, revelou ignorância, merecendo, por isso, o cumprimento rasgado que a “ menina” lhe fez.

******
Manteigas
1970-19-14
Ocorrem hoje as bodas de Ouro da Irmã Divino Auxílio.
Cinquenta anos de vida, consagrada a Deus, na sua totalidade!
É, realmente, epopeia vasta de generosidade, imolação e até heroísmo! Algo há de belo, na vida religiosa que lhe dá grandeza: é
A renúncia!
Numa época de egoísmo, consola em extremo ver alguém generoso dedicar-se ao próximo. Porque Deus e Senhor é a suma Bondade, não deixa de premiar, com grande largueza quem se doou, em corpo e alma, a um alto ideal.
Deixara a Galiza, em terras de Espanha, e, tudo abandonando, fez-se tudo para todos. Durante meio século, quantos espinhos e incompreensões! Quantos sacrifícios?! Enquanto uns demandaram o prazer, trilhou ela serena os caminhos pedregosos em que, tantas vezes, sangraram seus pés!

Enquanto outros se atolavam no vício, oferecia a Deus, na tribulação, os espinhos agudos que feriam sua carne!,
Este, para o Clube; aqueloutro, para a Casa do Povo; um, para o Cinema, outro, para o Teatro! Ela, porém, calcando ousada veleidades e caprichos, prosseguia animosa pelo caminho tortuoso.
Onde acúlios penetrantes iam logo feri-la.

Se o Deus que serviu é pura realidade, como tem de ser, que,
Distinção vai fazer, entre a freira imolada e os tais gozadores da vida terrena?!
Pod era, na verdade, haver dois Céus?! Terão todos gual recompensa?!
******
Manteigas
1970-10-15 Ecos de Manteigas

Emudeceu esta vila, que morreram os Ecos! Se não há fumo, é que o lume cessou! Quando é que, na verdade, se extingue o eco? Quando a voz já não soa ou não acha condições, que pronto lhe garantam a eficiência.
O jornal acabou e ficámos sem notícias! É como um ser que deixou de expressar-se, um emissor arrumado, que já não transmite, um amigo provado que se espera ainda e já não aparece!

Deixa-me saudades, bem claro está! Apesar de pequenino, votava-lhe o afecto das coisas grandes! Por que nos deixaste, querido amigo, diligente informador, companheiro fiel de todas as horas?!
Afeiçoei-me a ti, por falares do ambiente, me dizeres também o que eu esperava, reprimindo o mal.

Eras que ansiamos por ti! mensageiro de nobres ideais, censor arguto de coisas repreensíveis, defensor incansável de quanto elevasse o pobre ser humano!

Agora, porém, a tua voz já não soa! A tua presença é apenas
um sonho e não temos quem fale! Vem, já depressa abeirar-te de nós que ansiamos por ti!! No abrir da porta, vamos revelar o nosso carinho! Ah! Como és lembrado e objecto de convefsas!

Foi a velhice quem te prostrou?! O desânimo dos homens ou a má vontade?! Seria tudo isto e mais ainda!

******
Manteigas
1970-10-16
O 4º de Francês já se vai adaptando. É a primeira vez que me ouve, no assunto, quase o mesmo se dando no que toca Português. Estranheza de método, pronúncia diferente e aperto cerrado, é o que os alerta, nesta primeira quadra do ano escolar.

Por outro lado, não me adapto a estranhos nem deixo passar,
Fazendo vista grossa. Seria mais cómodo, menos fatigante,e mais lisonjeiro, mas não me submeto a este processo.

Sendo assim, é muito natural que surjam dificuldades e alguns desaires. Mas a vida humana é feita de tudo e podemos afirmar: sempre a variedade foi devida, em parte, a estas circunstâncias.

O princípio é duro, mas vencidos que sejam os primeiros obstáculos e montada a “carruagem”, é um regalo no tempo vê-la andar e progredir! A Prazeres e o Porfírio, o Mendes e a Amélia,
assim como outros sentem hesitações, não sabendo, realmente, como proceder.
Apesar de tudo, é um ano bom e de grandes esperanças!
Disponibilidade e capacidade é coisa que não falta.
Dar-lhes-ei, para já, um período razoável, para adaptação, procurando habilmente ser bastante humano e compreensivo, embora persista no meu ideal.

Alimento a esperança de que hei-de conseguir aquilo que desejo, embora com dissabores e momentos de aflição.
Que há, no entanto, sem o dedo fatal do martírio cruento?!
Não é, de facto, à custa da semente que se prepara, no grande silêncio, a nova planta?!
Não queira eu viver, para os outros morrerem!

******
Manteigas
1970-10-17
A discussão não é oportuna, jamais entre gente de têmpera irritável. O calor provocado obscurece a inteligência, impedindo o raciocínio, enquanto o amor próprio vai criando volume e toldando a luz. Postas as coisas nesta plataforma, qual será o fruto duma discussão?!
Rivalidades, malquerenças e ódios, separação! É, pois, factor negativo, que urge eliminar, assim como tudo o que leve à discórdia.
Que importa, realmente, se os outros não aceitam a minha opinião?! Sou eu, por ventura, obrigado a aceitar opiniões alheias?! E pretendo, às vezes, impor a minha?! Muito mais acertado é ouvir e calar, ainda que passe por ignorante e incapaz!

Sendo consultado, apresento, sereno, a maneira de ver, tentando firmá-la. Ficarei bem aceito, sem criar inimizades. De outra maneira, olhar-me-ão de soslaio, vendo sempre em mim o adversário terrível
que é preciso eliminar,
Daqui, pois, indisposição, falta de apetite, insónias e nervos!
. Que lucrei eu? Será proveitosa a minha atitude?!
De modo nenhum! A minha experiência aconselha, pois, calma e bom senso, na maneira de actuar, quando em sociedade.

******
Manteigas
1970-10-18
“ Sou livre, porque amo o que faça e faço apenas aquilo
Que amo”
Pôde alguém escrever isto e, se o fez com verdade, no que eu convenho, e ra por certo um homem feliz! A liberdade é, com efeito, o dom mais belo que o Senhor nos ofertou, mas ela, tantas vezes, não passa de uma sombra que aparece e logo foge!

É nela e por ela que o homem se realiza, fazendo eleição daquilo que lhe agrada. Mas, afinal, a que distância mora? A grande massa humana vive longe desse termo, imersa como está nas trevas da ignorância.
Escolher livremente, dar a preferência, conhecer a matéria!
Quantos, neste mundo, poderão fazê-lo?! É fraca minoria, na Terra infeliz, onde chora o escravo, algemado nas mãos e castrado no espírito! O atrazo lastimoso, a par da ignorância, o medo traumatizante, após a violência, o despotismo, ombreando sempre com a tirania,! Dura é a vida que se enterra nos antros, em vez de brilhar, nas alturas do céu! Escolher e pronunciar-se, ver e seleccionar, amar e realizar-se!
Como é ditoso aquele que afrma, não mentindo, no que diz!
Preferir seus gostos à ruim opinião! Escolher o que aprecia, amargando aos outros é caminho de rosas,, âncora pronta que insbria o peito e dá refrigério. Não há conselhos que igualem os meus! Os dos outros são bons,, mas eu, por minha parte, nem sempre os quero!
******
Manteigas
1970-10-19 Encontro Marcado

Após breve troca de algumas impressões, em que mostrou à evidência não ter capacidade, para certos cargos, fez-se luz, no meu espírito. Através dela, vejo eu agora. Novo-rico e poderoso,
viu-se muito em breve senhor do ambiente.

Exercer altos cargos é algo desconcertante., para quem veio de longe e não tomou chá, no tempo devido Por outro lado, sem a mínima cultura e formação sócia, ignorando a nossa época e as graves consequências de actos praticados, apresenta-se ele como árbitro zeloso e déspota iluminado,

Hoje, porém, surgiu de pronto a luz da liberdade. Nele nem outro poderão sobrepor-se aos factos em marcha.
Habituado há muito a calcar os inferiores ou a ser lisonjeado por vis aduladores, persiste na tarefa, inglória e danosa, de estender além- fronteira, as garras aduncas, na mira de arranharem, segurando a presa.
É o tipo do Marquês, homem bem exíguo, que se crê iluminado. A um tempo enjoativo e harto pedante, conserva a luz, afim de actuar, e pergunta se é visto.

Para ele, há só o exterior a tomar em conta. O que se faz em surdina, longe de testemunhas, e olhares indiferentes, isso na da vale! Protocolos e praxes, vistosos programas, jantares suculentos,
vaidade animada, tais são os carris, em que vai deslizando sua velha carruagem!
O meu barco, porém, singra noutras águas Não concede a ninguém seja ele o diabo, me imponha seu querer!,

******
Manteigas
1970-10,20 A Paixão das Crianças

Quando vejo uma criança, o meu ser estremece: :alvoroça-se a alma ! Qual flor delicada espalha seu perfume! Eu sinto-o de longe. Embrenho-me nele e folgo de aspirá-lo!

Inebriado e feliz, permaneço alheado, sem atender seja ao que for. É um sortilégio, encanto e feitiço, e não posso resistir! Detenho-me parado, feliz, pensativo e de olhos risonhos. Eflúvios talvez ou correntes ocultas me prendem e cativam! Inocentes e puros, esses anjos dominam!

Ali, de facto, não existe malícia! Falta ainda, por certo,
o sopro abjecto, emanado a flux, da vil sociedade! Hipocrisia
ou fingimento, deslealdade ou ficção não podem, ao certo, achar-se neas.l
É um mar bonançoso, de superfície clara; um lago azul, em que apetece vogar; um céu risonho, em que brilham as estrelas.
Meigas criancinhas, que trazeis no olhar, para assim me encantardes?! A luz da eternidade e o encanto do Céu? O reflexo de Deus e o sinal do Além?!
Que me dizem os olhos de inocentes criancinhas?
Oh! Que o Céu é maravilhoso!

Que doce refrigério! Quem me dera ser criança, para Deus gostar de mim e levar nos meus olhos o sinal da eternidade!
Eu, na verdade, também já fui criança, objecto de carinhos,
reflectindo no olhar a pureza virginal, mas depois, o meu olhar turvou-se e perdeu o brilho, ficando na amargura, que é saudade e amor,
******
Manteigasa
1970-10-21 Encontro não marcado

Petrarca viu Laura, quando ela, de 9 anos, foi alvo fascinante do seu olhar. Era bela, por certo, peregrina formosura, que iria dominar a sua vida inteira. Jamais ia vê-la, mas havia de ajudá-lo,
Inspirando ao poeta, em horas felizes, sonetos primorosos.

Preparado este encontro?
Filho do acaso, se merece tal nome, foi mera coincidência. Ela,
criança ainda, já maravilhava as gentes de Avinhão!
Em alguns, a maioria, decerto, episódio amoroso, sem qualquer projecção! Um momento apenas, em que uma luz fulgurante
Embateu no seu olhar! Apesar de tudo, mera impressão! .
O poeta dos sonetos e seu burilador, melhor diria talvez, criador do soneto, com as linhas modernas, deixou-se marcar por um sinal invisível, selo já divino que Deus lhe apôs, afim de notar-se, engrandecendo as Musas.
Quem foi que vos disse o lugar do sacrifício? Seria acaso, talvez, em que ninguém pensou?! Não posso dizer! Muito menos afirmar! A verdade, porém, é que fala sem peias.
Há encontros de morte, que geram na alma o tédio da vi da.
Outros ainda que não imprimem calor algum ao cenário, onde actuam.
O de Laura formosa tocou-o tão fundo, que jamais a olvidou.
Foi-lhe luz e certeza, amparo e coragem, gozo e saudade.

******
Manteigas
1970-10-22 Encontro com Anjos

Por não serem de matéria, impossível enxergá-los!
Eu, porém, já vi um, em tudo semelhante aos que vivem no Céu.
É verdade, sim, que tinha corpo, mas tão delicado, mimoso e subtil, que o tomei por um dos outros. Beijei-o na face, tenrinha e mimosa, tendo logo a impressão de não ser material.

Olhei com demora, analisando contornos, descobrindo pormenores. Não falava ainda, mas sorria já. Agora me lembro do belo pensamento que então me assaltou: linguagem celeste que eles trocam entre si?
Para mim, enternecido que faria tudo, só para vê-lo, não teve um olhar nem pequena atenção! O que então se passava era maravilhoso. Havia, pois, outra esfera, que prendia o seu espírito: o
Mundo puro do Além, onde os Anjos, seus irmãos entoam belos hinos ao Senhor de tudo.

E ele ouvia, com certeza, o murmúrio distante de vozes celestes. Por isso, não olhava e, quieto na mudez, entretinha-se
Gozoso, em colóquios angélicos. Devido a isso não olha e, de vez em qu
ando, sorri meigamente.
Quis eu, depois, beijar-lhe as mãozinhas, mas não as encontrei. Agora, já não posso, que a morte o levou. É mais feliz do que eu, que morro de saudade, ansioso por vê-lo!

******
Manteigas
1970-10-23 Tradicionalismo e Progressistas.

Observam-se hoje, no campo religioso, fortes correntes de acção e pensamento: uma, parada, que não arreda pé e se prende ao passado, com unhas e dentes; outra, agitada e assaz fervente, como todos os movimentos e que olha desdenhosa para o passado remoto,
tentando libertar-se, para montar, afinal, uma estrutura diferente.

Ambas são extremistas e, por isso mesmo, dignas de censura. Apesar de tudo, olho com mais carinho os chamados Progressistas, quando moderados. Aquilo que é novo é sempre mais belo. Basta compararmos o Sol-nascente com a despedida, ao entardecer.
Principiar traz a vida consigo e, juntamente, a radiosa promessa. Já o entardecer leva-nos o sonho e, ao mesmo tempo,
a sua beleza
Ideias novas, prenhes de euforia! Veículos risonhos de quanto seduz! Abrir-se à vida e sorrir para ela! Ouvir atento o apelo da História e gritar-lhe “presente!”, eis pois a atitude que é sempre razoável e urge tomar!

Emudecer e alhear-se ou ainda ensurdecer é, desde logo ficar em ponto morto ou suicidar-se! O mundo caminha e tem aspirações. Há
Vários conceitos, já ultrapassados; costumes envelhecidos; tradições bolorentas, Há que olvidá-las, criando outras vias e outros centros de interesse!
Unicamente Deus é sempre antigo e sempre novo!

******
Manteigas
1970-10-24 Extremos condenáveis.

Por serem extremos, não merecem adesão, já que eles se tocam, segundo o anexim. Mas, se os hei-de condenar, com certa veemência, venham desde já os conservadores, que não arredam pé e tudo empreendem, para denegrir ideias e factos que
mostram no seio o gérmen do futuro.

Todas as velharias, sediças e bolorentas ou deram o que tinham e já não acham lugar, por serem desnecessárias, inconvenientes e assaz ruinosas, ou geram furor, não podendo nós
deixar de condená-las.
Trastes já velhos, acomodados e sujeitos ainda a maneiras de ver, que foram postergadas e fizeram sua época, d evem ser repelidos e postos no lixo. Quem é que vai olhar para tais empecilhos?! A fazê-lo alguém, só para arredá-los!

Conceitos houve que hoje nos envergonham, lamentando nós que os homens de então os tivessem aprovado! Bem sei, realmente, que os tempos são outros, e bem que assim é, mas não
Deixo agora de lamentar bem alto, com toda a energia, que os homens brutais hajam escravizado os seus irmãos em Cristo?!

Não é essa, afinal, a prova mais clara da sua ruindade e causa fatal do nosso desdém?! Reprovo e rejeito a perseguição,
Que é movida, por vezes, aos profetas do futuro, que se vêem
desprezados e postos à margem não por certo, em nome da caridade.
Os derradeiros, chamados progressistas ver-se-ão obrigados a ser contundentes, utilizando meios que eles próprios condenam.
Para que servem ,hoje, as divisões senhudas, e as mal querenças?!
Que proveito advirá para a causa do Senhor?!
Não está em jogo a causa dos senhores?!

******
Manteigas
1970-10-25 “ Est modus in rebus!”

Há medida (limite) para tudo!
Evitar excessos, duma parte e doutra, será o ideal! Por outro llado, seguir o exemplo de cima, que é dialogar. Quando falo assim,
refiro-me ao Papa e a certos cardeais, com visão profética.. Os
factos convincentes devem aceitar-se, pois condicionam a nossa atitude..
Não será o Espírito a revelar-se a nós, chamando-nos à razão ,ela põe-nos à margem e Jesus Cristo fica olvidado.
Quando alguém barafusta, pode exagerar, mas assiste-lhe o
direito de ser escutado, indagando-se as razóes que o levam à revolta. Nesse caso, devemos assentir, pois de outro modo, veremos sem fruto o nosso papel.: será contestado.

Impõe-se desde logo a boa vontade, a compreensão, a humanidade., aliada ao bom senso e à caridade. Esta deve partir de ambos os lados, principalmente dos que são depositários( ou se
dizem tais) ) da tradição cristã

Se é certo que, por meio de vinagre, não se apanham moscas, apliquemos a nós a doutrina dos séculos, procurando sempre o justo equilíbrio.
As novas ideias vêm, como é sabido. pletóricas de vida e criam seus mártires. Sejam humanos e condescendentes os
tradicionalistas e verão a tempestade acalmar-se em breve. Ao menos, vai perder muito da sua violência. Deste jeito, limar-se-ão, com certeza possíveis arestas, ficando em preparação o mundo de amanhã. Na confusão e na luta, nem progresso nem paz! As novas ideias triunfam sempre.

******
Manteigas
1970-10-26
O Verão prolongado está prosseguindo, com viva angústia para o lavrador.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.