quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Memórias 25

Manteigas
1970-01-01

Novo ano, vida nova! Sendo isto assim, é bom começar! Caso contrário, não adiantava, pois sempre é duro o início de tudo!
!970! Perfaço eu já 52 anos, ao longo os quais vivi anargurado! Terei vindo à luz, sob o signo do medo?! De temores e receios foi a minha alma sempre alimentada. Não haverá, por acaso, outras iguarias?
Convém enormemente , seja embora custoso, não perder a esperança, que é, por assim dizer, o sustentáculo da nossa existência, O tempo tudo leva e torna a trazer! E quando tivesse
errado, no decurso da vida ; quando fosse tudo amarga decepção,
ainda restaria algo maravilhoso - a ventura de além- campa, tendo por compapanhia o nosso bom Deus, seus Anjos e Santos, os queridos pais e restante família, com outras pessoas também amigas.
Eu creio firmemente na vida eterna ! Irei lá encontrar-me com os seres mais dilectoa, para assim desforrar-me desta longa ausência, que a saudade aviventa!
Sem o bom Deus, que seria a nossa vida?!
Mistério horroroso, que faria de nós todos os mais infelizes dos seres terrestres! Cães, gatos e porcos vivem satisfeitoe, mas eu
não consigo! Os animais são todos felizes e eu ,afinal, debato-me anelante, numa luta encarniçada, que apavora e consome.
Vislumbro, à diistância, um raio de luz? Corro para ele, mas sucumbo a meio, antes de alcaçá-lo. Entretanto, se olho para cima, acho logo a explicação: exilado como estou, não poderei ser feliz.
Este dom é para a Pátria, onde rena o nosso Deus! Não busque alguém, crendo o Céu neste mundo nem se firme cá, para todo o sempre! Sem Ele não ha paz nem sombra de ventura!

Tudo é escuro, medonho, enigmático: tudo perde a atracção! Coração, meu tirano, deixa a rota que trilhaste! Vem rompendo nova aurora!Vai sedento inebriar-te!

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Manteigas
1970-01-02
Ainda longe, punha os dedos em tenaz, afim de expelir, do nariz atulhado, produtos viscosos, de cor duvidosa.
Avistara-me já e precisava dar mostras de alguém civilizado.
Na pressa de agir, não deixou de atender, por maneira cabal, ao
vulto narigudo, pois ficou tão vermelho como um belo pimento!

Se houvesse limpeza, criaria logo boa impressão, fosse em quem fosse!. O resto, afinal, pouco interessava! Premira o que era seu!. Ninguém tinha nada para objectar! Acautelando, no entanto, algum resto indecoroso, limpava ligeiro a mão às calças, náo ficasse, por ali algo pastoso, agarrado aos dedos.

Doesse a quem doesse!Com a sua mão tocaria a de alguém, sendo pois urgente preparar-se para isso. Eu, infeliz, que tudo verificara, bastante horrorizado! Como fazer?! Problema, na verdade, bastante complicado! Rede traiçoeira, cujas malhas apertadas não era fácil romper! Recuar é que não!

Mete, em seguida, as mãos nos bolsos. Era idiota, mas houve de ser! Lá contactos é que eu não queria! Doesse a quem doesse! Então essas banhas?! Famoso, não é?! Mal se apercebeu de que eu lhe falara!, pois que os olhos buliçosos, resumindo,afinal, todo o seu pensar, volteavam ligeiros, de bolso para bolso, mas inquiridores, tristes, inquietos,
Era assim, pois, que uma pessoa da época se avistava com outra?! Nunca tal! Via-se, afinal, mas o contrário!! E era tão grato ser alguém do seu tempo! Por que razão não havia de ser como as outras pessoas? Não havia já feito os seus preparativos?!

Tudo isto ouvi, nosilêncio profundo que nos envolvia, enquanto os dedos imundos revelavam sinais duma acção precipitada e assaz canhestra.
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Manteigas
1970-01-03
Vi-a de longe, encurvada no ribeiro.
Aproveitara ela uma réstia de sol, pois havia muito já, que ele se escondera, atrás das escarpas, para lá das nuvens. Exultava, portanto, de bater sua roupa, no grnde lavadouro, assaz polido que a própria Natureza habilmente ajeitara.

Quer velha quer nova, não foi o sexo que ali me prendeu.
Era observador e, por esta razão, contemplava.embevecido.Se eu não distiguia, com funda nitidez, como justificar tal contemplação?.Quem me visse, então. iria murmurar, fosse embora injusto aquilo que fazia.

Houve, finalmente que deixar o encanto, pois os deveres chamavam por mim. Largo então a custo e vou decidido. Por que
não ficar por mais tempo ainda, desfrutando em pleno o que figurava perfeito idílio?! Porquê, de modo igual aquele dificuldade em tirar-me de lá?!

Afigurou-se-me então ver lá minha mãe, batendo a roupinha no ribeiro da Portela. Era junto à fonte. Logo em frente dela, sombreado por nogueiras, um tanque maravilhoso, em cujas bordas, polidas já e meio dentadas, lavavam, conversando, as mulherea da zona.
Nós, os petizes, brincávamos ao pé, absortos e felizes, centrados em folgares, deveras inocentes. E elas, então, mergulhavam e torciam, para logo em seguida espremerem bem, espadinhando água para todos os lados.
A saudosa mãe fazia parte desse agrupamento. Mas ela não falava ou, se o fazia, limitava-se muito

Numa aberta oportuna do trabalho doméstico, rumava ao tanque e, num abrir e fechar de olhos, tinha o caso arrumado! Algo açodada, voltava para casa, onde as tarefas chamavam por ela
A lavadeuira de hoje, além à dirtâncian, não vendo eu seu rosto, esbraseado talvez, evocou esta cena, que eu lembro de novo, com grande emoção,
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Manteigas
1970-01-04
Homem destroçado, sem lar nem família, sem amigos nem ventura! Eis, na verdade, o que fizeram de ti os que se diziam, com modos inchados, teus educadores e responsáveis, perante Deus! Que grande humildade e louca presunção! Seriam ingénuos tais pedagogos?!Estariam convencidos?! Se o produto é mau, já de estrutura, provém o erro, da elaboração!

Será por tal razão que a cifra de satélites é bastante reduzida,
atendendo, já se vê, à população do nosso globo!
Urge emendar o que está errado, na preparação dos levitas do Senhor! O número de obreiros não é, decerto, o que mais interessa! Muito mais importante é a qualidade e perfeita escolha ao longo dos anos da preparação!,
Aqueles que ascenderem ao Monte do Senhor hão-de ficar disponíveis a cem por cento. Para isso, precisa o Seminário bons
pedagogos, finos psicólogos, muito hábeis Mestres e almas generosas que se dediquem, por modo inteiro, à causa do Senhor!
Tendo mercenários e bem instalados, veremos a seara coberta de ceifeiros, que nada percebem do seu mister ou se demitem, após breve espaço!

Nem Deus rejubila, com essa atitude nem a sociedade vai beneficiar! Que aproveitam a Deus os seres torturados que gemem no silêncio, vitimados pela dor?! Que apoio e firmeza apresentam às famílias os seres deformados, em que a rude natureza se calou, por algum tempo, voltando em seguida, com ímpeto feroz?!

Tais elementos não dão garantias.
Bem ao iinvés, constituem eles enorme perigo para a sociedade!
O Crime do Padre Amaro, embora tendencioso, é e será sempre a
expressão dum facto, assaz lamentável! Porquê? Eu sei muito bem que os há cumpridores, Aqui lhes deixo já o testemunho vivo da minha admiração.
Ao lado, porém, vegetam decerto os revoltados e constrangidos, arrastando-se igualmente aqueles que abiortaram ou que ninguém entende nem pode compreender... aqueles que são, em boa verdade, os mais infelizes dos seres humanos!

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Manteigas
1970-o1- 05 Como ensinavam os nossos Mestres.

Posso afirmar, sem qualquer receio de contradita, que usavam um processo, inteiramente mnésico. O espírito pronto de observação e o próprio raciocínio, fonte de solidez e caminho necessário, para triunfar, eram letra morta, nesses tempos desgraçados.
Quanto me ralava, para reter noções que havia de esqurcer em 24 horas! Decorar à letra, aprender definições,mecanizar o ensino, tal era o sistema da época inditosa!

Listas enormes de prefixos e sufixos, decoradas na íntegra!
Caberá hoje, na cabeça de alguém que ensine Português, sem qualquer relação com a Língua latina que se estudava a fundo?!
Pois foi deste modo que eu fiz a aprendizagem! Interpretação nem sabia o que era, pois a não havia.
Análise morfológica, estrutura das palavras, divisão de orações, verbos e pronomes bem como adjectivos, isso era em barda, mas sem reflexão!

Qual foi a cabeça que tanto guardou?! Que foi o que ficou de tantas horas, em labor porfiado?! Para que servia decorar tanto nome?! Nem famílias de palavras nem sua evolução, a partir da origem - o que faz belo e cativante o ensino duma Língua!

E aprender a estudar?! Nem uma palavra, sobre o assunto! E o método de análise, aplicado no Ensino que os povos civilizados
utilizam há muito? Por isso, os nossos alunos vão sempre na cauda, postos em paralelo com União Europeia.

Por que não formam professores idóneos, tirando a especialidade, para a Cadeira a reger?!
Continuaremos ainda a ser armazéns de artigos vários que,
dentro em breve, hão-de ser retirados, por serem inúteis?!
Urge, na verdade, tornar o ensino bastante mais prático e fazè-lo racional, eficiente e deleitoso.

Até quando, mergulharemos, pois, no largo chafurdo que nos tem envergonhado, perante os outrs povos?!

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3 Manteigas
1970- 01-06 " Partings are always sad"

Assim dizem os Ingleses. ( As despedidas são sempre tristes) E é verdade inegável, principalmente, quando se tem, como hoje, um sol quentinho, que nos deixara, havia muito já!

Além da tristeza, gera-se em mim profunda saudade.
Quem ama a luz e adora o calor,; quem não vive, de facto, senão por eles, que há-de fazer?! Sorrir para a luz... acarinhar o bom sol... irmanar~se com eles... ficar angustiado, pela sua ausência!

Quantos momentos de viva angústia, debruçado ali, sobre o calorífico, pedindo solícito, em altas doses o que ele regateia! Alguma vez já, pôde ele satisfazer meus grandes anseios?! Hoje, porém, através da janela, chega em caudais o radioso sol, de que ando aguado!!

Os raios dourados infiltram-se aqui, assaz prazenteiros e muito risonhos, clamando obsequiosos que o duro Inverno mosra findarr e que devo alegrar-me.

Como fazem remoçar, ateando no peito incêndios e chanas!
E eu, realmente, preciso de viver... necessito alongar a existência humana Que bom Uma visita amiga que ficará comigo!

Meses de Inverno, já podeis retirar-vos, pois aguardo ansioso quem teme os rigores, que vos são peculiares.
Acaba, assim o julgo, o tempo das bonecas, que os meus alunos puseram no Taunus, com esta legenda: :" Para atenuar a solidão!"

Para que servem elas senão para iludir?!
Olhos sem visão... ouvidos, sim, que não gozam de audição!!
Que direi eu? Seres inanimados que nada nos dizem! Só para crianças logram dialogar!. Agora, porém, esse tempo acabou!
Época nova, cheia de fulgor, vai já começar!

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Manteigas
1970-01-07 "Of Men and Mice"

Título discutível dum livro famoso, que apareceu, na Califórnia).e mereceu da crítica rasgados elogios.
O processo novo de encarar as personagens é original.Deixa ao leitor o descobrir e fixar d caminho psicológico, limitando--se a apontar o que as pessoas fizeram.
As razões verdadeiras que as determinaram, essas não importam. Lennie e George jamais se desvanecem, na mente do leitor.
A inocência cativante do primeiro referido e a amizade sincera que o segundo lhe dedica, sâo vivas realidades que prendem e ligam, enfeitiçando. Entretanto, Lennie é um ser anormal e, nessa qualidade, não devia figurar, como personagem de grande relevo.
Pretende o autor inculcar assim uma socidade, feita de animais?!. Quererá dizer-nos que apenas os tarados são inocentes e puros?! Por outro lado, em que vai filiar-se a amizade de George?!. Que fundamento lhe atribui?? Ser derivativo para o seu coração, deveras solitário?!

Não ter Lennie de quem socorrer-se, para subsistir?!
Na funda tendência, para acariciar o pêlo dos cães bem como o dos gatos, e o cabelo das mulfres, vejo eu, desde logo, manifesta propensão de carácter sexual.

Numa palavra, não enche as medidas a figura de Lennie. Por
ser anormal, não pode ser figura que siva de padrão.
Ou será o romance o retrato perfeito desta sociedade?!

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Manteigas
1970-01-08
Fernando Reis escreveu um romanse, intitulado "A Roça" que, pela radio, é agora transmitido, à guisa de folhetins.
Tenho seguido, com vivo interesse, a radio- transmissão.

A poucos dias embora, já tiro ilacções. O guarda-.livros e bem assim o administrador, o Vicente e outros são familiares.
A guardo ansioso quaisquer episódios, pois em todos eles enxergo
eu logo a ideia-mestra que preside à obra.

Para além do entre-choque de sentimentos e vivas paixões, com diferentes matizes, há um fundo comum, - a convivência pacífica de todas as raças, o mútuo afecto que liga a todos: brancos e pretos, mulatos e cabritos, incluindo também os mesmos cafusos.

A dureza da vida, por um sol inclemente, extravaza clara , das palavras eloquentes do Administrador. As temíveis biliosas, a
falta de recursos, no campo medicinal e a lastimosa ausência do lar organizado são vivos pormenores que o tempo não apaga!

Mas, assim como na Música há certa nota que vai e volta
breve, sem jamais se extraviar, assim também, naquele viver , assaz angustiado, há um índice comum, - a amizade que os vaivéns da sorte bem como as vicissitudes da própria vida não podem riscar.

A lavadeira sente com amargura o próprio casamento do Administrador. Apesar de tudo, se ele precisar, confessa ingenuamente, voltará, num tiro, porque branco é "bom mesmo" e
toda a gente gosta muito dele.

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Manteigas
1970-01-09
Passou o dia de Reis, mas não a trovoada! Admirado estava eu de que o ano 70 corresse tão plácido! Iria constituir uma
excepção à regra? Demasiado para mim! A adversidade acompanha-me sempre: não sei nem presumo quando ela cessará!

Pessoas há no mundo que nasceram, de facto, em signo mau e, por mais que tentem fugir à desgraça, não conseguem evitá-la!
Não parece, talvez, que estou a deslizar?!

Refiro-me, é claro, à vida terrena, pois a outra é estável e, se eu quiser, ninguém pode roubar-me a paz e a ventura que nela me aguardam: é esta uma certeza, uma nota fagueira. Na verdadee, quanto vemos neste mundo é tudo volúvel. quando não falso! Nada há que permaneça: tudo se altera e deveras se abastarda! Tudo se desvanece e entra em corrupção!:

Não vale a pena, então, pôr ali a confiança!Mister se faz que pensemos correcto, elevando a mente para Deus nosso Pai!
Este, sim, que não muda, apresentando sempre um rosto fagueiro!
A Ele, na verdade, podemos entregar-nos, sem a mínima reserva, porque não há perigo de torcer caminho!

Sempre igual, sempre bom, amável e constante!! Como é dulcificante viver sempre com Ele, trocar impressões, cantar-lhe louvores! Haverá quem lhe fuja?! O insensato apenas ou então o idiota! Quanto mais o conheço, mais forte lhe quero!

Precisamente ao invés do que vejo no mundo! Quanto mais o conheço, mais e mais o detesto!
Coração meu, tirano poderoso, ainda hesitas na tua escolha certa ?! Carne pecadora, que me torturas e tanto oprimes, chegando à náusea,, por que travas a ascensão para o Deus que me criou?!
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Manteigas
1970-o1-10
A cor da pele nada tem a ver com o próprio amor. É frase batida, consagrada pelo uso. Vem a talho de foice, a propõsito da Roça, formoso romance de Fernando Reis, transmitido pela radio. Ante-ontem já, ocorreu o seguinte passo: João Paulo, guarda-livros amoroso, viu chegar a ele uma preta guapa. Vinha a matar: precisava lavadeira!
Uma vez em presença, creio eu ter havido, logo à primeira,
impressão bem funda, em ambas as partes. Ele, branco e alfacinha, carecido de amparo, não foi insensível ao olhar da moça. De feições correctas, olhar buliçoso, olhos lânguidos e quentes geram troca de imporessões. levando-o a dizerz saber que gosta dela.
Havia de ser, no futuro próximo, a sua lavadeira, que não tinha nenhuma! Perante o facto, ela cora um pouco, alegando receosa que não pode resolver. A propósito ainda, consultará sua mãe bem como a avó," Sabem muito da vida, atalha sorrindo, por
isso é mister ouvi-las primeiro. Se eu não for amanhã procurá-lo, à Roça, não conte comigo! Creio, no entanto, que a mãe e a avó serão favoráveis!"
Separação dolorosa e grande ansiedade, vão de braço dado!
O dia seguinte nunca mais chega! A lentidão o retém.
Eis, no entanto, que ela se apresenta , de coração aberto!
Senhô guarda-livros, ele não está? - pergunta ela, em alto requebro.
-- Não, que é Domingo! Por isso, exactamente, não veio trabalhar!
Esquadrinha o aposento, com olhar furtivo e exclama importante; " Mulher faz miita falta! Vejo tudo em desarranjo!

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Manteigas
1970-01-11
Acabo de escrever uma longa carta que levou
duas horas. Foi muito pensada. De todas as missivas que já escrevi, ao longo dos anos, foi esta, por certo, a que mais inquietou!, Gerei-a no peito, durante vários dias e contém afirmações de grande projecção, no tempo e no espaço.

Nunca me lembrara que pudesse haver cartas de tal natureza. O objecto dela gastou-me vida e. juntamente, paz e alegria. Será por isso que fiquei aliviado. Já descarreguei e fi-lo decerto em boa consciência. Espero confiado que o sossego do espírito e a paz do coração ainda me consolem, poisDeus é bom.

Missivas há que não são banais, como eu cuidava. em tempos idos. Podem ser punhais que também assassinam... .espada nua, com gume afiada que também dilacera! Qualquer coisa, talvez, como estrela funesta, cuja luz feiticeira solicita a nossa alma!Ele há coisas!

Será Deus que as tece ou antes o demónio que as pensa e organiza? Eu sei muito bem que tudo isto é pura fantasia, pois a
vida humana é para todo o ser aquilo que deseja e muito se esgforça por alcançar, com Deus por ajjuda!
Mas como resistir a tanta armadilha?! Deparam-se aí, por todo lugar, sentindo na carne o duro aguilhão sempre a espicaçar!

Há uma força poderosa, para além da Terra, que o Céu nos
envia: é a graça de Deus, sorriso divino que endeusa a matéria, por milagre do Senhor!
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Manteigas
1970-01-12
Disse ontem a Radio: " O triste Biafra acaba de tombar!" O meu coração ficou logo doente! Não pude reter as lágrimas forçosa, ante a calamidade! Vae victis! Assim diziam os velhos Latinos, insinuando os maus tratos de que são objecto.
Ai dos vencidos!

Após tantos meses de guerra exaustiva,( foram 55?), em que morreram de fome, centenas e centenas de infelizes crianças, vem o mal supremo - a derrota humilhante... o exterm'inio talvez!

Tenho imensa pena de que o assunto em foco rematasse deste modo! Cidades em ruína, caminhos intransitáveis, pontes abatidas, ligações cortadas... Isto é óbvio, no campo da matéria.
Pois o do espírito?! Ante ruína de tal natureza, , o coração das gentes alvoroça-se pronto. e cai na angústia.

Sem lar nem família, arrostando agora com a adversidade,
rodeados de inimigos,! Que futuro é o seu, caídos na desgraça?!
São católicos! Por esta razão. sinto ainda mais pena,. Se o não fossem, lastimava-os de igual forma! " Nada do que é humano julgo estranho a mim!" Nihil humani a me alienum puto"

Refugiarem-se na mata, como fazem os brutos...não ter eira
nem beira,,, estatelar-se no chão e morrer em seguida! Que negro
horizonte, sem visos de aurora! E o mundo assiste, mudo e surdo,
à grande calamidade!! E o Sol de Deus não tirou sua luz, no alto sos céus! E as meigas criancinhas, despertaando para a luz, que lhes oferta a vida,ao chegarem do ventre?!
O horrendo estrondear de canhões e morteiros... o raio da morte... a visão do terror!
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Manteigas
1970-01-13 "Ein gutes Gewisen ist ein sauftes Ruhekissen!"
( Uma boa consciência é uma almofada branda, para descançar!)
Queres saber uma coisa?Tens de experimentá-la! A teoria é bela, mas a prática suplanta-a.. Ver bem de perto utilizar também a sensibilidade, pôr em acção o mecanismo estético eis o caminho... a senda real que nunca engana!
Avalio, a rigor, quanto seja duro pisar espinhos ou então brasas, bebendo até às fezes , o cális da amargura, principalmente se estamos culpados!

Quem é que vai dormir ou ter apetite! Por mais que façamos, quando tudo se empreenda, queira ou não disfarçar-se,
há sempre uma tenaz que nos aperta e constrange, martelo que oprime, lança que ameaça! A uma hora qualquer, por dia ou opor noite,0 no sono mais profundo, surge a mola importuna a comprimir-nos o peito.

Horas bem amargas são essas, de facto, pois atingem o rubro, quando sucede não podermos abrir-nos! Há então que ser forte, lançando mão firme de todos os recursos.

Na verdade, perder a fortuna é isso bem pouco; perder a saúde é já alguma coisa; perder a coragem ou então a esperança, é
dentre os males o maior de todos. Impõe-se, desde logo, ter enorme coragem, recorrendo à esperança Urge animá-las, como luz benfazeja, que nos tolhe a escuridão.

O tempo tudo leva e traz de retorno... Após a borrasca, vem a calmia! O que vai na Natureza verifica-se também nas paixões da alma! Exasperam-se, às vezes,qual mar encapelado, mas vem por fim a paz da calma.
A pós a noite escura, vem aurora sorridente, que nos liberta e sempre acarinha. Os mostrengos do escuro, os medos da noite e o pavor do abandono vão em breve dissipar-se, ao contacto benfazejo da luz matinal!
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Manteigas
1970-01-14 " Fazer o bem: não olhar a quem"

Sentença famosa que encerra, na verdade, uma grande lição. Efectivamente, não há-de tomar-se em conta alguma o proceder de alguém, ao dar-lhe esmola!, " Que a mão esquerda não saiba o que faz a direita!"

É frase do Evangelho! Para se tornar acção meritória, apenas o Senhor o há-de saber, caso contrário, recebemos já o prémio, constituído, afinal, pelo doce elogio que alguém nos teça!

Quanto à primazia a que devem ceder os actos beneficentes,
terá decerto o primeiro lugar a família de sangue. Manda isso,
exactamente, o nosso coração e até o impõe a voz da consciência.

Mas, se olhamos ao que vai, de pronto se ergue um movimento contrário. Não vi eu, em tempos, um colega distinto findar os seus dias, em extrema penúria?! Não tinha, na verdade, formado um sobrinho e ajudado os outros?! Que fizeram então àquele infeliz? Como retribuíram tal generosidade)!

E a mim também que vai acontecer-me?! Se bem atento nos princípios que vejo, fico horrorizado! Reputa-se em nada aquilo que se oferece e, em lugar de gratidão, surge pele proa feio descaro! Quase se perde, às vezes, o desejo de ajudar!
O cortejo vai agora no princípio, mas é já bem luzido!

Atutudes condenáveis,, acções de reprovar, agressivos rompantes! Que direi eu?! Em certos casos, vale mais e muito mais fazer bem a outrem Serão todos assim? Bem creio que não!

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Manteigas
1970-01-15 O Stop

O cão Stop é um pastor alemão que vive em Lisboa, no
Campo Grande.Não pode esquecer-se! Bom amo tem ele , pois o faz diariamente objecto de cuidados. O Sr, Saraiva não vê outra coisa. Quem lhe trate mal o prezado bicho, não vai gozar, por certo, da sua amizade.

\Que se tratasse duma pessoa, não seria, creio eu, mais obsequiada. O bem-estar do bicho, refeição esmerada,, banho sempre diário, a função digestiva como a urinária são ocupações de toda a hora e momento. Ele bem merece!: é o amigo constante e dedicado.
Há dois anos que o não vejo e confesso, não mentindo, que já tenho saudades. Tivera ele o dom da fala, seria mais prestável que muitos amigos! É que estes, por vezes, atraiçoam a gente, levantam armadilhas, urdem ciladas! Não assim o pobre animal!

Desfaz-se em mesuras, brinca sem fraude, encanta a presença! Não me ocorre o nome agora, mas alguém escreveu:" Quanto mais conheço os homens mais gosto dos cães!"E o autor da Imitação não anda longe disso, embora comedido e mais delicado!" Quanto mais vivo com os outros homens, menos homem me sinto!"

Efectivamente, só Deus é bom e merece o tributo dum peito generoso.
Senhor Saraiva, arrisquei um dia, por que é que não faz a uma criança o que destina a um cão?!
Razão tem você, disse ele prontamente, Era mais humano e até agradável,ao meu coração, mas já levei pontapés que não posso esquecer! Este, ao menos, é amigo fiel!"

Fiquei a cismar, pensando longamente nas palavras sentidas se não magoadas que ele proferiu. A experiªencia da vida e os vaivéns da sorte desterram a bondade para remotas paragens, Só pelo nosso Deus agiremos diferente!

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Manteigas
1970-01-16
Invernia rigorosa, longa, insuportável! Para despedida, não há pior!Como posso recordar, sem que o peito estremeça, este vale profundo, amarfanhado e sombrio, em que a neve e o frio assentaram arraiais que duram eternamente?! A própria Natureza foi mais que madrasta, ao dotar a pobre vila.

Estações não há 4, mas uma somente - o Inverno! Há também a dos Correios, mas essa... E que vou eu dizer, sobre maturação, em ordem aos frutos, ervas e sementes?! Maturação! É uma palavra de sentido incompleto, aqui na região! Pois se não há sol!... o sol criador, sem cuja influência a vida não existe ou é desmedrada?!
Que seria do vapor de água, a que devemos as chuvas?! Uma vez congelado o precioso líquido, era o mundo um cemitério!
O astro formoso que mantém a vida, fornecendo à Terra luz e calor, foge angustiado, por trás da serra, não se detendo um momento sequer!
Algumas vezes, espreita desconfiado, olhando furtivo para este vale, tão apertado! Logo espessa nuvem ou denso nevoeiro se interpõem decididos, para castigo das gentes.

Os que viram aqui a sua primeira luz, embora insegura, débil e mortiça, é muito natural que se prendam à estância.
Alguém há que não vibre, ao contacto inebriante do ar da sua terra?! Entretanto, o forasteiro inditoso que a sorte arrojou para esta zona, terá momentos felizes, metido entre gelos?!

A tristonha vista, aguada e saudosa, alonga-se em verigem,por largos horizontes, sonhados e fantásticos. Mas, enquantoisto sucede, o coração agoniza no peito, Enregelado, vai sucumbir!

Onde os belos dias, com sol benfazejo, a dar vida ao espírito,
a alindar a paisagem?! A resposta aguardada é um silèncio prolongado, qual será, bem o creio, após a nossa morte1

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Manteigas
1970-01-17
Os ditosos pardalitos cantam lá fora, Ouço agora os gorjeios, Mas, queira eu embora, não logro atinar com a pura razão do seu jubilar! Quereria, por ventura, que a minha tristeza fosse de longada, até às avezinhas?!

..Culpa não têm, se eu sofro ou choro. Que é que representa o meu viver, no concerto do mundo?! É uma areia perdida, na grande extensão da praia deserta! Não quero, já se vê, que as aves estremeçam, pelo facto banal de a vida me não sorrir!

Entretanto, se bem olho para mim, reconheço orgulhoso, as minhas grandes vantagens. Que valem os animais, se os comparo a mim? Algum já sofreu, na alma qie lhe assiste, a agonia do meu peito?! Algum teve já, no coração angustiado, a marca da sorte?! Constou, alguma vez, que um deles ou muitos chorassem desditas?!
Que é o que fizeram em prol da sua raça ou de outras diferentes?! Ideal não tiveram, pequeno ou grande, que ao nome desse jus de ficar na História?! Em nada contribuíram, para bem ou para mal. E se, deste campo, a outro me reporto, não encontro
vestígio da sua passagem!

Moralidade e sentir em nada me falam dum Ser amável que é justo e santo!Quanto a mim, porém, a coisa é diferente!
Se desço mais ainda que o próprio animal, apercebo-me disso e
a vergonha me cobre!! Medito longamente ,reflito e penso.
As lágrimas já brotam, arrependo-me e choro: todo o meu ser a Deus se entrega. Era uma ruína que o diabo espreitava, mas a breve trecho, meu destino mudou-se!

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Manteigas
1970-01-18
Falta mês e dia, para cerrar-se uma porta! Querendo eu abri-la, jamais o farei. Cinquenta e dois anos, coisa é que já pesa, mas o fruto do tempo algum bem acarreta!. Comparando agora, o bem com o mal, qual deles predomina? A resposta é fácil
Não me alegro por isso Construí alguma coisa Demoli também! Deus acolha e me valha, que não posso bastar-me!

Vem, bom Senhor, à minha pobre casa, que o vendaval açoitou. Arromba a minha porta, se eu não abro logo, mas gosto de Ti! Se eu não falar, fala Tu por mim, despertando em meu peito sede e fome do Céu, pois a Terra me aborrece.Nada tem que me encante.! Em vão, de facto, busquei a ventura! Se olho para trás, só ruínas é que vejo!

Tudo perdido? Nada mais terei a ver? Cerrou-se já, por ventura, o meu triste destino, para que eu, na verdade, não possa actuar?!
É a morte o Nirvana ou eterna escuridão?! Só chorar é minha vida, bom rosário de amarguras?!
Não, por certo, creio eu,que o meu Deus não morre!

Tudo passa e não volta: nada há que persista, a não ser o bom Deus a quem eu me entrego. desde esta hora! É justo e santo, bondoso e paciente. Se Ele me criou, para ser feliz, é também o que eu desejo! Perdi o jogo na Terra: falhei estrondosamente!

Quero, porém. desforrar-me, na Pátria Celeste.
Ruínas acumuladas, servireis tão só para meditar: de vós, afinal,só tomo balanço, para chegar ao Senhor meu Deus.

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Manteigas
\970-01-19
O homem viajor é o produto do seu meio.Tente embora libertar-se, fica tão enredado, em malhas tão fortes, e inextrincáveis, que não logra realizá-lo. Triste condição a do homem, neste mundo, onde ele é joguete de forças estranhas, debatendo-se em vão, por nada alcançar!

É o caso de João Paulo, no Romance " A Roça", por Fernando Reis. Como vai desenredar-se, ilaqueado fortemente, num mar de paixões?! A preta Domingas afeiçoara-se em extremo; Maria Cristina é louca por ele; o senhor Beltrão,Administrador da Roça em causa, é marido de Cristina e grande amigo seu.

O preto Vicente, devido a seus amores, recebe de João Paulo, incentivo e apoio.
Sendo isto assim, é fácil descortinar, embora a meia luz, uma intriga poderosa, da qual o Guarda-livros já se apercebeu.
Demais, a sua voz sufocada revela bem claro o drama horripilante que se está esboçando! E ele é cauteloso, prudente , circunspecto.,
De nada lhe valerão lealdade e respeito e.bem assim, o auto- domínio - Fugir! Mas pode fazê-lo?! Não é ele pobre?! Não anda vigiado por olhos ardentes?! Vítima inocente de paixões declaradas, rechaça-as prontamente, com gentileza.
Apesar de tudo, as malhas apertam-se, o horizonte ensombra-se e o ar sufoca.
A Ilha de S.Tomé, lá na velha Roça, é um campo de intrigas, meio assaz hipócrita, despudorado, lúbrico até, onde reina sempre a brutalidade, Mamona e a doblez.
Aguentaria João Paulo este choque obsediante, violento e
mortificante?"A educação recebida será, de facto, excelente?!

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Manteigas
1970-01-20
Que morreu, na minha aldeia?

Não é fácil a resposta, que os olhos se ensombram, e na alma se faz noite! Uma palavra basta! Um simples termo!Não obstante ser pequeno, desprovido na expressão, por modo concreto, é quanto basta! Após isto, já nada fica!

Que vendaval foi esse,imponente e lutuoso que levou em tropel quanto amava e queria? Pessoas adoradas, animais e coisas!
Que vou eu dizer?! Até quem ficou já nada me diz!

Foram eles que mudaram ou fui eu que assim fiz?!
O certo, porém, é que não me reconheço! Vou ali e sou estranho!Olho à minha volta e nada enxergo!
Meras sombras denegridas, que já o tempo esbateu! Olho-as choroso, mas não se condoem!

Que é que vós sois, espectros fatais, que vos olho agora e não sentis?! Humilde igrejinh,, cemitério apagado, caminhos e fontes,, já nada vos digo?!Muros velhinhos, tortuosas veredas,
por que não me levais aos sítios de outrora?! Azinhagas sombrias
carreiros e trilhos. indicai-me os lugares onde fui tão feliz!

Vielas e becos, fontes e Alminhas, dizei-me lá vós o que eu gosto de ouvir! Apriscos e lojas,currais e palheiras, pocilgas e estábulos, por que não me falais?! Que mudez é essa,vivendas modestas que, ao ver-vos de frente, não olhais para mim?! Olhai que eu sofro, no íntimo do peito e que o meu coração se debate em agonia!

Tudo aqui já morreu, no lugar da saudade, em que ficou minha alma, para sempre agrilhoada?!

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Manteigas
1070-01-21
A existència, no mundo é, se não erro, qual mar agitado. Desde o uso da razão, vive o pobre ser humano, em fadigas e cuidados, na mira de realizar-se.Cálculos gorados´
expectativas falhadas, um cortejo infindo de amargura e tédio!

E, afinal, para quê este largo Oceano, assim encapelado e
tão altivo?!Vaidade e ambição, orgulho e vanglóri, só nos acompanham até à sepultura! Quantos naufrágios, em que a vida se esgota! Quantas decepções, a destilar seu fel, no peito em chaga!
Onde achar abrigo, um lugar solitário, em que possa descansar?! Ou então, em vez de remanso, acharei por meu mal,
agitação e discórdia?!
Quem me dera refrigério, bem longe do mundo e pertinho de Deus ! A fastei-me bastante do rumo encetado, por falta de exame! Entretanto, espero compensar esta falha lamentosa! Deus
acuda e me ajude a levar esta cruz, para a vida não falhar nem eu ser condenado!
Seja, ao menos o final, repousante e sem demora, pois eu sinto a minha alma agonizante e incerta! Vai surgindo o nevoeiro!
Oh! que grande confusão! Náo terei, ao pôr do Sol, uns momentos sossegados?!Ou hei-de suportar esta vida tão ingrata, em martírio crescente?!
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Manteigas
1970-01-22
Após 15 anos de grato magistério, aqui nesta vila, irei finalmente deixar o Colégio! É caso arrumado. Há muito já que o devia ter feito, mas contra vontade, lá fui adiando.

Agora, porém, motivos prementes, forçam para agir. Já foi a
custo que passei, no local, os últimos Invernos. Como infelizmente veio a pleurisia, as coisas agravaram-se, tendo que actuar, em função do ocorrido. Um clima de altitude, arejado e seco, a céu descoberto e boa luz, será então ideal.

Nesta hra de abalada, tenho como alvo Nova Lisboa. Julgo
satisfará, de maneira cabal, os meus alt os anseios, respondendo assim a grandes necessidades. Por outro lado, é um meio progressivo que não desagrada.

Daria lições, que tem sido, há muito, a minha profissão, aproveitando o ensejo, para cuidar da saúde. A África do Sul, com médicos famosos, já estão acenando, para curar os meua males..
Ajudaria a família, fazendo bem à minha pessoa.

Dificuldades ainda a vencer? Julgo bem que não há, pois se trata, como afirmo, dum caso de saúde, A defesa da vida é um direito natural, sobrepondo-se logo ao Direito Positivo..
Que poderá impedir-me?! Nada que eu saiba.
Irei então em Agosto ou nos próximos tempos, sulcando novos mares e, ao mesmo tempo, dilatando a vista, por terras de mravilha!
Farei algo de belo, por Deus e pela Pátria, incluindo a família que me protege e acarinha.

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Manteigas
1970-01-23
Acabou o pesadelo? Apraz-me dizer que chegou a seu fim.. Longo foi ele, escuro e trágico, pesado, cruel!.
Que noites sem fim e que dias amargos! Tempestade violenta que
roubou energias, açoitou o meu peito e fez vir aos olhos lágrimas quentes! Acossado por ela, todo eu me dobrava! Choroso e só,enjeitado, infeliz, como suportar, corajoso e denodado, esse monstro fatal?!
Em toda a parte o via surgir: se eu fechava os olhos, mais claro aparecia Qua destino amargurado!Que imensa desolação!
Vinha dia após dia, mas o seu cariz ´é que não se alterava! Poderia viver com este pesadelo?! - perguntava, em surdina.

As forças da alma respondiam que não.Fado triste era o meu! Noite e dia a penar! Nada há que não finde - segredava para mim.- exceptuando o tormento, que ajouja o meu ser! Ia quase naufragando, neste mar encapelado!: Já quase não lutava, por me ver abandonado. Triste sina... fado negro.! Vou seguindo, sem alento: desespero, torturado, pois a vida não sorri!

Estremeço, fecho os olhos... tudo grita contra mim: e eu sozinho a debater-me, sem coragem nem vigor!
Que faria, pois, então, sem amor nem carinho?!
Uma vaga depressão já caía sobre mim. Mas um dia abençoado, por virtude que não sei, amanheceu radioso e sorria lá dalém!
Era o fim da tempestade, noite escura e já cerrada!

Começava nova fase, nesta vida o coração!

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Manteigas
1970-o1-24
À pergunta desfechada "Gosta de mim?", o guarda~
-livros, João Paulo, responde afirmativo
Decepção enorme para os radio.ouvintes? O conceito elevado, acerca de João Paulo não teria fundamento? Até aqui, jamais um deslize, uma palavra insensata, uma atitude indigna!

Fugir a tempo de situações delicadas... era, na verdade, o leal amigo, o conselheiro seguro de todas as pessoas.
Que demónio infernal veio pressuroso tirar-lhe estaa aura, para desviá-lo da sua rectidão? Ou então, quem sabe? Um truque desculpável, a ver se prende à Roça a enamorada Cristina e, depois, a seu marido?
Desilusão amarga!
Eu sei, de fonte certa que ele é perseguido e, ao mesmo tempo,
amado também....que o seu coração é bom e generoso, condoendo-se fácil dos males alheios. Mas não é João Paulo confidente e amigo do senhor Beltrão, que deposita nele confiança ilimitada?! Havará uma traição?!

Decepção estonteante, caso neste género, algo aconteça! As +aguas em que voga são, porém, diferentes! .
3 Manteigas
1970-01-25
Retornando à vaca fria, não tenho dados novos, sobre João Paulo. Se ele perde o bom nome,com fundadas razões, ainda encontro desculpa. Pois se Deus perdoou! O coração é de carne: a tentação muito forte. Não está ele só, bem longe de tudo e ausente de todos? Não teme ele, de facto, a sensibilidade e o próprio coração?!
Como viver, pois, sem amor feito carne?! Amor incentivado por um afecto ardente, fundo e palpitante?!
Com Maria Cristina é fruto proibido, mas o seu enleio irá diminuir, só por tal razão?! A carência psíquica , o tormento acutilante da sensibilidade e coisas quejandas...

Bem quero eu livrá-lo da condenação que lhe esteja preparada! Apreciamos o herói, por ser diferente de todas as pessoas e agir
a seu modo! Por que há-de João Paulo destruir, num momento,
essa ideia lisonjeira?! Mas, sendo homem, é o mesmo que ser fraco!
Aguardemos, pois,! O futuro dirá o que tem para dar-nos!
Entretanto, uma coisa é certa: que o homem tomba, ingloriamente, aliciado pelo mal, se não tem escora que o proteja dos embates.
Neste caso, vai logo ao chão, olvidando compromissos e não respeitando a própria amizade nem as mesmas leis da cortesia.

Essa escora firme só em Deus a encontra, pois o mal é sedutor, e a pessoa muito fraca! Rezará o guarda- livros, para Deus o ajudar?! Sr ele o não faz, estará perdido! Não tenho, de momento,
qualquer pequena dúvida, sobre um fim inglório que o leve à desonra e à mesma traição!
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Manteigas
1970-01-26
O guarda- livros J, P. vai deixar S.Tomé. Era exactamente o que eu esperava., atendendo, já se vê, à alta nobreza de belos sentimentos, que , há muito já, o vinham distinguindo. Outra via que não esta iria desdizer da sua lealdade,
inteireza de carácter e de todo o seu passado

Um pretexto chegou, afim de tomar a firme decisão: o passamento da tia: Era muito rica e tudo lhe deixava. Urgia, pois, a viagem a Lisboa, com a mira nos bens que julgava seus. Mas esta. de facto, não era a causa: pretexto banal, a justificar a sua atitude!
No campo da Moral, o que foge é herói. Ia levar saudades e também deixá-las! Que fazer, no entanto?! Já não chama as atenções e vive em liberdade!

Em S. Tomé, é assaz querido e muito amado, pelas suas qualidades, também cobiçadas! Trair um amigo? Contrair obrigações, já reprovadas pelo dever?! Fundar uma família, em que o seu Deus não esteja presente?!Fomentar a intriga, já de si tão medrada?!

Não, por certo, que tem um ideal!Poderá realizá-lo?
Em S. Tomé, não o creio possível. Olhares indiscretos o seguem a toda a parte; mil atenções o enchem de vaidade; problemas sem conto o afligem e torturam! Impossível se torna viver deste modo!
Rodeado de perigos; seguido já com ansiedade; objecto constante de adoração... não é felicidade! É, sim, um degredo...
uma vida submersa... uma luz que não brilha! Fugir, é solução!
Não olhar para trás!.
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Manteigas
1970-o1-27
A braços com a trombose, o senhor Beltrão deixou a Roça. Lamentara os outros e, de momento, ainda está pior!
Causa pena o seu estado, a avaliar pelos informes.que o médico dera! Como é a vida e o que ela oferece!

Julgando-se um dia na pista da ventura, desposara Cristina a
quem proporciona uma vida regalada! Ela, porém, não correspondia e, a breve trecho, abria em seu peito enorme ferida.

As coisas, à data, vão de mal a pior, até consumar-se a tragédia final. Seguirá urgentemente no próximo avião, esclarece Cristina. Assim, pois, o infeliz Beltrão que se vê atraiçoado e
incompreendido, fica para sempre reduzido ao silêncio!

Rumará para Lisboa, onde vai fazer tudo o que a Ciência recomende. A morte, porém, segue-o de perto.
Quem o tratará, se não pode mexer-se?!Infunde piedade seu
estado lastimoso!
Tanta economia! Tão grande afã e tudo para nada!
Pobre Administrador que já foi substituído! E porquê' Devido, certamente, a uma esposa felina, em cujo peito meddrava somente
joio e cizânia!
Destinos infelizes, em que o Demónio levanta, sem detença,
violento foco de borrascas infernais que atiram os seres para a suma desgraça!
Agora, João Paulo, aliciado por Cristina, remata a farça por
um acto vil de enorme traição!

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Manteigas
1970-01-28
Qual golpe de teatro que logo surpreende e nos deixa atónitos, o agir de Cristina pôs-me embasbacado! A reviravolta foi logo completa, O remorso, contudo, aliado por certo a um quanto de bondade, levou-a a pensar, repondo, a breve trecho, as cisas no sítio: não deixar o marido.

Foi nobre e digno o seu proceder e capaz de resgatar o seu enorme pecado! Embora isto me fale, com grande eloquência da
volubilidade que afecta o sexo, fico maravilhado, com tal revira-
-volta!
Não podia, realmente, seguir outro alvo, mercê do estouviamento e da leviandade, que tanto a dominavam! Agora, ao invés, nutro admiração que raia, sem dúvida, pelo entusiasmo! A figura de topo que era João Paulo, é agora suplantada por Maria Cristina
Um acto ponderado altera, num momento, o curso duma vida, pondo estrelas brilhantes onde havia escuridão!
Quanto a João Paulo, como vai resgatar sua grande fraqueza?! O coração é de si inconstante e já muito débil. Rumo
diferente vai decerto humilhá-lo, tente embora disfarçar!

Em que redunda a própria amizade, quando germina entre homem e mulher?! O caminho natural é, se não me engano, o do proprio amor!
Aquilo a que vulgarmente se dã o nome de traição merecerá o apodo?! Não será antes necessidade premente que se gera no peito e o verga impiedosa?! Uma espécie de venda que impede os os olhos de ver claramente?!

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Manteigas
1970-01-29
" O capacete de Inverno" assentou arraiais
Que dias longos de tormento e dor e que noites infindas de intensa
amargura! Humidade e frio, o vento e a chuva, geada também e neve a rodos! Se ao menos agora, aqui houvesse luz! Mas isso não!
Chega o novo dia e nada se vê, porque denso nevoeiro se prendeu a estas serras! Ergo olhos desditosos, suplicando em agonia. Tudo inútil e vão, porque nada enxergo!
Altaneiras, escarpadas, estas serras intimidam e eu fico meditando na crueza da montanha!

Bem espreito, cá de baixo, em ânsia longa, assz amarfanhante, arrastando o meu olhar! A dura Natureza tolhe-meo céu, a terra e o mar!.
Venha o Sol maravilhoso, com seu belo cortejo, todo feito
sorrisos!
Eu, assim, enervado, qual toupeira, no escuro, não posso com a vida! Quero luz! !Haja sol! Arredai-vos, montanhas! Vida como esta é mais que opressão e eu, realmente, nasci um dia, para ser livre.
Quem me trouxe a este sítio, onde a vida é a meias?! Como vim para aqui, se nem as feras cá moram?! Suicidar-me não quero, pois a minha vida é dom celeste!
Que me resta, afinal? Só fugir e não parar, que viria coisa má! Fujam antes as trevas, lugares escuros, as nuvens densas, e
minazes serranias!
Eu procuro a liberdade, para ser o que desejo, em lugar desafogado!
Em carreira de vertigem, siga eu desatinado, para alcançar noutro clima, o que não tenho aqui! Mais não venha à memória a
fundura deste vale. Quero antes, claro está, o sorrido da aurora e o gemer saudoso do Sol no Poente!

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Manteigas
1970-01-3o
Chegou, por fim o desfecho que eu há muito esperava: o donzel João Paulo traz por companheira Maria Domingas e depois de cursá-la, unem seus destinos.
Foi, desde início, o que eu previra e declaro sincero, a
grande realidade, por que andava ansioso!
Nada mais correcto, numa obra do género, a que deve presidir a fusão das raças.
A sós comigo, felicitei o autor, pela estrutura feliz , em que moldou o livro - A Roça. Perpassa na obra uma aragem lavada,,
tendente, como vemos , a promover e sempre elevar o nível social, não atendendo jamais à questão da raça nem à cor da pele.
Brancos, pretos e mulatos vivem harmonizados, em grande compreensão,. Além disso, a mulher que pode, na verdade, elevar este mundo ou então destruí-lo, sai desta obra regenerada e bela,
cativando os olhares e provocando a admiração

Maria Cristina, quase a sossobrar, raiando já pela negra traição, reflecte um momento e decide pronto jogar de ooutro modo .
Tal reviramento, cheio de unção e terna piedade, em ordem ao marido, já inutilizado, é suficiente, para remir o passado e até
perdoar-lhe a feia leviandade.

Fernando Reis é um homem bom que deixou no romance o modelo perfeito de integração. O mexerico, assaz detestável; a
tremenda alcovitice, a incompreensão e a mesma vaidade, teve artes de refundi-las, obtendo, por fim, uma sociedade, bastante melhor.
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Manteigas
1970-01-31
O rei dos animais foi um dia à caça. Junto dele, ombreava a leoa, que, muito senhora do papel a exercer, aguardava, paciente, a decisão do macho.
Apertando a fome, um nuce infeliz resolve o seu caso. O leão neste passo, ataca de improviso, tornando o herbívoro autèntico brinquedo nas garras do caçador.

Não julguemos, porém, que ele o devora, imediatamente, ou que a sua companheira lhe tome o passo! Há que vigiar, em todo o redor,espiar o inimigo, sondar o ambiente, não seja caso que lhe tomem a presa.!
Feitas em breve as primeiras diligências, arrebanha capim, tentando, em seguida, largar a presa.
A fêmea submissa é muito paciente, conservando-se ali na
expectativa. Irá comê-lo?
Mais olhares furtivos, à volta do lugar e eis que logo se atira sofregamente, à presa desejada.
Neste passo, é um estalar permanente de articulações, ossos e vértebras, havendo a impressão de que arbustos e árvores vão todos caindo, na floresta densa
Em pouco tempo, o que resta do nuce é já uma ruína.
A leoa, por seu lado, vai-se lambendo, mas chegar-se adiante não é com ela!
Quando o macho for beber, aproveitará o belo ensej , para
saciar o estômago vazio.
Ei-la agora, pois, resolvendo seu caso, e procurando tirar dali o maior partido. Que remédio!

Não vai ele, depois, continuar a operação?!
Fartada modelar não se compadece com a primeira parte!
Investe, de novo, com frio arreganho, enquanto a leoa se afasta prudente.
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Manteigas
1970.02-01
Mais uma porta hoje fica aberta, para novos horizontes. A 19, é outro degrau, na escada já breve, que leva ao topo.. São os meus 52!.Que estará reservado, para sofrer ainda e angustiar-me?! Na existência já longa, sinto o fardo pesar-me, sendo custoso aguentá-lo sozinho!
Só com ajuda, enviada pelo Céu, romperei animoso, pelos caminhos da vida! Deus nunca falta àqueles que O servem!. Se bem que não mereça, alcançarei seu perdão.

Mês pequenino, exíguo Fevereiro, que me trazes, desta vez?! Já me sinto alquebrado, sem alento nem estímulo!
Abre a mão e deixa ver o que levas escrito, pois quero assegurar-.me daquilo que me espera!

Já penei e sofri, no passado que voou! Deixa agora repousar este peito alanceado! Vivamente o desejo, todavia, não consigo!
As paixões vão gritando... Ó Senhor, vem comigo, pois me estou afogando!
Rompe os duros laços que me prendem à matéria: dá-me gosto diferente - nova luz... sabor divino.

Meu Senhor Jes us Cristo, dai remédio eficaz, que eu não caia, para sempre, onde as trevas são perenes!
Não mereço, é verdade, mas a Vossa compaixão vai além do meu pecado e acena das Alturas! Paciente como sois, ÓSenhor das maravilhas, dai-me paz, tranquilidade, que eu não sinta a desgraça de estar longe de Vós!

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Manteigas
1970-02-02
Vir a este mundo talvez não custe, mas já custa acertar como há-de viver-se. A afirmação é exacta e deveras candente, pois vimos a luz, sem nos consultarem nem pedir opinião. O mesmo não sucede às circunstâncias que a todos nos envolvem, na carreira da vida!
A ventura relativa que podemos gozar, cá neste mundo, é delas que depende. Concretizando, um pouco melhor: se alguém tem dinheiro, é para logo, objecto de cobiça. Por mais que se esforce, num sentido ou noutro, verifica amargurado que seus actos e planosvão sendo espiados. Mais ainda: seguido, amordaçado. não dá um só passo que evite observação, interpretando os outros, a modo pessoal, os factos e as coisas.

O seu objectivo é apenas um: a busca pertinaz do metal reluzente. Vida e saúde, bem-estar e alegria, coisas são, afinal, que pouco interessam! Vai a mão ao bolso? Olhos prontos, inquietos, a seguem inquiridores e, quando ali não entram, espias molestos a
fixam, de pronto!
Ideias, sentimentos, prazer e alegria, tudo seguem tais olhos, dando a seu modo, explicacção e objectivo. Situações desta ordem ninguém as aprecia.

O que se intenta, na Terra, é paz e alegria., amor e conforto. Para extorquir-nos todas estas coisas, conjuram-se na treva, a ambição e o Demo, fazendo a vida negra àqueles que trabalham!

Ora, sendo assim, urge dar saídaa, com muita energia e pronta decisão! Arredar, com presteza, abelhões e parasitas é também obra sã, nesta luta pela vida..
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Manteigas
1970-02-03 Morreu o ti Coixinho!

Noventa longos anos já pesavam bastante! Além disso, não tinha ninguém, pois era solteiro. Aleijado e pobre, atingira quase os 100. pela sua robustez. Já próximo do fim, comia de tudo e bebia com prazer, a sua bela pinga, se aiguém lha dava!

Há coisa dum ano ou pouco mais, arrastava-se ainda às portas amigas, para beber soro ou tomar, a capricho, " a bocada apetecida!"Vivia, na aldeia, a expensas da caridade e habitava no forno.Como deve ser triste viver sozinho, no mundo perverso!
Em idade como esta, sem um carinho, sincero,espontâneo, uma
dedicação , deveras amorosa, um abraço fremente, um beijo escaldante!,,, Não que houvesse fome ou sofresse de frio.

Isso é que não, pois Vide-Entre-Vinhas tomou o caso a peito!
Hoje, um deles, outro amanhã, velaram por ele!. Entretanto, persisto na minha: vale mais, com certeza, um olhar enternecido, em dadas ocasiões, que um bom prato de bifes!

De que serve a abundância, quando falta o amor?! Se ele, realmente, é néctar que deleita... a mola real da existência humana! Como é bela a imolação E donde vem este númen que
transforma e doura a vida presente?!
Que responda o filho, quando objecto certeiro dos carinhos
maternos! Que o diga a mãe, assaz desvanecida e harto orgulhosa,, sendo objecto constante dos cuidados filiais!

Nada há, neste mundo, por eloquente e assaz generoso, que
valha ou balance a voz do sangue! Aqui reside um segredo e se
esconde também poderoso íman!
Quanto eu, no passado, estremeci a minha! Como eu vivi a fundo seu longo penar! Haveria, na verdade, à margem do sangue,
alguma coisa real que, mesmo de longe, se pudesse comparar?!
Nem sequer por sombras! Estou ciente disso!

Mas o pobre ti Coixinho nada sofre já, no corpo mortal e,
lá na eternidade, onde os bons sao felizes, há-de olhar complacente para a terra natal, onde muito sofreu, sendo no final objecto de estima, embora sem amor!

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Manteigas
1970-02-04 " Isso não é comigo"

Esta fórmula rara, pela sua brevidade, apresenta-se logo qual divisa incomparável.
Servem-se dela argutos comerciantes; conhecem-na também egoístas e lorpas; é realizada, na vida prática, por todos os paquidermes.
Saiu tal frase dum lugar acomodado a estes dislates. maneira engenhosa de "bater com os pés", quando estes se afastam da função peculiar! Devemoos estar alerta conra eses choques!

E como fugir de entes perigosos, quando se acobertam, manhosamente, ostentando ar de santos e a postura enganosa de quem é gentil?! Não é muito fácil, O primeiro embate é de receber, em sua plenitude, ficando o peito a gemer e sangrar, Não
sendo mortal a ferida provocada, usa-se como norma a bela prudência.
Caso contrário, foi-se já vítima de grave atropelo. que roça
cruamente pela traição!
Mas que pode esperar-se de seres peludos, que se abrigam em choupanas ou vegetam ao sereno, sob dura penedia?!
Que há-de surgir de lugares imundos, onde a luz não penetra

nem o Sol os vem dourar, com seus raios luminosos?!
Se bem reparo, tudo neles é agreste,, esmagador, insensível e duro!
Ora, pois, se a Natureza foi algo madrasta , ao dotá-los assim, e se os homens impantes ainda nada fizeram para torná-la aceitável, que poderá então sair de lá?!l

Produtos grosseiros, se não desenfreados, cuja matéria é feita de rancores, a que misturam lubricidade, inveja, detracção!

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Manteigas
1970-02-05
Viver em sossego, dormir tranquí-lo, nada surgir que possa incomodar-nos!existência! Que aspiração excelente! Mas a vida tem espinhos e, ao darmos conta, já estão cravados, no âmago do peito, onde ficam vestígios, não fáceis de apagar!

Como é angustiante, na calada da noite, sentir-se homem oprimido por algo que não arreda! Se lutamos no escuro e alimentamos fantasmas, trava-se, às vezes, inglorianente, um duelo se morte, entre o ser e o não ser. Em tal caso, por mais que façamos, por mais engenho que então usemos, aquela opressão outra coisa não faz que subir e agravar-se.

Por arte diabólica, vai tomando corpo, medrs, agiganta-se, constituindo perigo para d´dbil saúde!

De nada serve o não querer. Melhor ainda: é contraproducente!. O regresso da noite bem como a insegurança,
formwm,a rigor, ambiente deletério, para a vida em angústia. Nada há no mundo como a bela aurora,, para dissipar agouros cruéis.
A esta luz de grande maravilha, tudo o que é mau se retira ou foge, surgindo no peito um vislumbre de esperança.
" A noite Deus a temeu!", assim reza o provérbio.

A doença pertinás debilita o ser humao, ficando presa fácil de vírus fatais. Que vai nesta luta que rouba alento e vida?
Amargos suspiros, ais mal contidos, ânsias dolorosas: tal o cortejo que a segue porfioso!
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Manteigas
\970- 02- 06 " É como o Vento!"

Assim diz o povo, s empre que alguém, por motivos banais e com grande frequêcia muda de opinião! Trata-se. é claro, de gente sem car+accter, que ora afirma ora nega, sem motivo para tanto!

Em boa verdade, quem assim faz não tem palavra! Poderá merecer a confiança de alguém?! Sem dúvida que não! Por outro lado, as pessoas versáteis constituem, por certo, uma fonte danosa de grande mal-estar, para a sociedade!

Aparentam, em regra aquilo que não sentem; prometem isto, optando por aquilo; sugerem vermelho e seguem o branco!.

Sendo isto assim, acontece o pior: os que lidam de perto entram breve em franco desacordo, pois vêem gorados seus belos projectos e sonhos queridos! O que haviam feito fica invalidado: urgente se torna rever posições! Atitude assim levanta conflitos, sendo logo origem de lutas porfiadas. Que lucrou o mundo, em boa verdade, com tal agir?
Começar algo. para desistir; resolver e não agir; subir uma vez, para logo descer. E a paz entre os homens irá lucrar?! Se o gelo aquece!...Por mais voltas adar, não achamos defesa, para gente assim! Inconstantes e volúveis, ao jeito de cata-ventos, mudam cada hora em vários sentidos, nenhum deles havendo que algo lhes agrade.
Ora riem, ora choram; agora, contentes, logo já tristes; partem num momento, para logo voltar.! Lidar com eles, autêntica desgraça! O mau agouro acompanha-os sempre.

Terão eles, de facto, responsabilidade naquilo que originam?! Nenhuma tendo, espera-os decerto, o Manicómio!
A verdade incontestável é que, realmente, ninguém pode suportá-los. Contar com alguém é suprema ventura
Que haverá, no mundo que valha um bom sono, descansado e feliz?!
Elementos daqueles hão-de ser alijados, após esforços nulos, sem nada potivo!.
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Manteigas
1970-02-o7 " Repousa, lá no Céu, eternamente\ E viva eu cá na Terra sempre triste!"
O saber que és feliz dá-me algum alento, nas horas aziagas que a vida apresenta. A tua perda, no entanto, foi irreparável e nada houva aí que pudesse equivaler~te! Ficaram indeléveis os inais da passagem, na minha alma doente.Nem a minha própria morte é capaz de apagá-los!

Cismando, cismando, horas esquecidas, vem a tua imagem servir de bom pasto a meus olhos saudosos; se repouso no leito, surge o teu rosto, qual outro não vi. Com luz ou em trevas, és tu, na verdade, a luz dos meus olhos!

Eu creio, firmemente, que me vês, lá do Alto, em companhia dos Anjos, onde vives feliz. Quero alcançar-te, nessa Pátria de encanto, onde tenho, afinal, raízes tão fortes, que nem a própria morte as logra destruir! Lugar ameno, aprazível, cujo só pensamento faz entrar em vibração a lira do meu peito!

Anseio, vivamente,, por encontrar-te de novo, pois és, com efeito, a razão do meu viver, apoio da mnha fé. Eu sei, não duvido, que rogas por mim, aos Anjos, teus irmãos e não olvidas, no empírio quem assim te amou!
Por esta razão é que breve sereno, volvendo-se logo o marulhar do peito, angustiado e sôfrego, em calma profunda.
Mar espelhado, luzente e fagueiro, assin é minha alma, onde fulgem agora estrelas cintilantes!

Anjo terno e doce, que o Senhor já levou, para os eternos Umbrais, vive em delícias; esquece, num pronto, a vida mesquinha e pede ao Senor que venha auxiliar-me, enquanto não raie a luz do novo dia!
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Manteigas
1970-02-08 Carnaval à minha porta!

A esta palavra, viva e dinâmica, pensamentos vários me assaltam de pronto! Quanto alegra a vida tudo ela desperta, na
alma torturada. É acção e movimento, esfuziar e delírio, extravazar retumbante do peito oprimido!

Como réstia de sol, numa casa avelhada e bastante sombria, põe tudo a bulir, sem diferença na idade! Velhinhos já trôpegos, acordam felizes, pensando no Entrudo que lhes traz um copito!
Os novos, então,capazes de tudo, estremecem alegres, a pensar na estúrdia
Carnaval divertido, por que não voltaste?! Que vemto soprou no teu rosto de troça?"Nunca mais o meu olhar se cruzou com o teu, Diz onde moras, que desejo visitar-te. Pudera remontar a meus tempos de criança, e arrancar deste peito o véu ensombrado que o encobre há muito.

Mal de ti me falaram, em tempos já idos, alcunhando-te de feio e chamando-te Herodes!. Eu, por isso, já não sei o que eras, ao menos para mim!: horrorizei-me, em seguida, e cheguei a não te amar! Mas de ti nada guardo que possa ofender-me.

O que lembro, a teu respeito, só me faz encantar!
Tua exótica figura levava a entreter, originando na mente, agradável cismar.Julgo não mentir, dizendo a propósito, que até me sorriste, ao passares um dia, na rua da Portela, sendo eu catraiozito! Figuravas num cortejo, demandando o cemitério. Era
branco o ataúde... tudo branco, à sua roda!

Varões de branco levavam teu corpo, avantajado e nutrido
que eu segui longan'mente, embasbacado e feliz! Perdi-te, em seguida, mas não pude esquecer-te!
Fiquei aguardando uma vida inteira, mas tu não voltaste!

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Manteigas
1970-02-09 Carnaval! Carnaval! Atende e escuta!
A mensagem que trago só a ti posso dá-la! Vais apressado e não me reconheces1 Entretanto, convém, julgo eu, me
dês atenção.
Sendo eu menino, passaste por mim, seguindo-te logo, em grande alvoroço. com olhos curiosos. Começava a existência a interessar-me de perto, mas enfim, o seu mistério não o pude alcançar!
Em ruído te mostravas e fugiste para longe.
Surpreendido ficarias, se atendesses à criança. No tocante a mim,
fiquei a meditar, longo tempo, na Portela. Escancarados, interrogadores, meus olhitos se alongavam, na direcção do Terreiro.
Quem me dera acompanhar-te, por eese mundo além, mas tu fugiste, e eu fiquei, sozinho... já sem ninguém!
Passavam os meus anos... rodava a minha vida: reservado, no meu peito, havia um cantinho, em que eras adorado.

Um belo dia, chamei alto por ti., mas não deste por isso ou então não quiseste! Aguardava-te saudoso, numa esperança radiosa, que morreu, de esperar!
Antevi claramente que eras mezinha, nas dores e canseiras da vida tormentosa. Levavas no peito um segredo embalador: pressenti-o em criança, mas não pude gozã-lo.

Procurei-te longamente, sem poder alcançar-te. e a dor recrudesceu, por modos bem cruéis.
Eras ópio da vida , ao chorar em desespero, trazenco lenitivo, para quebrantos mortais.
Ao teu nome deleitoso, acossadas fortemente, iam dores e mágoas fugindo para longe! Não podendo encontrar-te, não logrei a mezinha!
Meu risonho Carnaval da infância distante, por que é que não voltaste?!
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Manteigas
1970-02-10 Coisa horrenda a Tirania!
O famoso povo grego esse povo imortal, chamou 'tirania' ao governo dum só!
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Manteigas
197102-1o
Coisa horrenda a 'tirania!'
O famoso povo grego, esse povo imortal,, chamou "tirania" ao governo dum só! Em nossos dias, significa abuso grave de autoridade, despotismo intolerável, domínio dum homem por outro igual, servindo-se este a si mesmo e não `socie dade.

Já então era o mesmo: o ódio tremendo que hoje lhe votamos, em nada se distingue. Quem vai tolerar se escravize o ser humano, sendo tal acção exer cida por iguais?
"Nascem da tirania inimicícias", diz assim o Poeta, referindo-se à Itália, fragmentada,na altura, em verdadeiro mosaico de ducados e repúblicas. Execrável é isto!

Com ser tudo assim, mantém-se ainda tão viva,actuante e descrida como em data longínqua. Que ela opere em disfarce ou
proceda em clara luz,; que haja democracias ou rígidos sistemas,
o certo e provado é que não foi erradicada pelo esforço dos
homens!
Isto prova, certamente, a ruindade humana e também o cinismo que a segue de perto. Um pobre mortal calcar os outros!
A beberlhes o sangue! A extrir-lhes a vida! E por que modo! Tão
hábil e matreiro, que os leve a ficar gratos, e a manter~se dependentes! Não será isto rematada ousadia, provs de loucura,
enorme insensatez?!

Não preciso de mais nada, afim de ajuizar da bondade humana ou
da sua contrária!
Há escravidão ? Mantém-se a tirania?! Deduzo então: o homem é mau.
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Manteigas
1970-02-11 Sinais!
Bom prenúncio? Quantasvezes não será!
Remontando ao passado, vários dentre eles se tornaram patentes.

Só de lembrá-los o peito serena! A voz carinhosa de alguém que passou; o murmúrio d oce, pela manhã; passos furtivos, como de avezinha, um tanto receosa; leve roçar, junto do leito, para verificar se eu dormia ou só dormitava...

Belos sinais que a morte destruiu!
Além daqueles, outros ainda: iguarias preferidas, a chamar-me para a mesa, acicatando de longe o meu olfato guloso... um
olhar requebrado, a gerar mil coisas, falando, a toda a hora, de
imolação e entrega.
Uns passos retumbando, pelo balcºao da entrada...
Vem a noite já caindo, e nós preocupados,, aguardando ansiosos!
Chega, enfim o desejado. Todo ele é sorriso, alegrando a tert~ulis,com ditos jocosos!

Mas que faço, nesta hora, a lembrar o que foi belo?
Meditar... reviver! Para quê, afinal, se tudo foi um sonho?!
Foi isso, e verdade e sonho continua, quando abertos meus olhos,
o açoite me vergasta! Ai! Ó Senhor, quanto eu não daria por voltar ao passado e beijar loucamente esses rostos que eram meus! Mas, enfim, é loucura o que estou a pensar!

Minha vida é tão outrs do que foi, noutras eras!
Ouvi agora um sinal que me chama a atenção . Vem dizer-me que é prosaico meu viver, nesta data!
Um jerico orneando, por fria manhã de Invernonrigoroso!

Bem a custo vai mostrando a dureza desta quadra! É costume já velho, em tempo de mercado, levantar-se roufenha uma voz de je rico. por motivo ignorado
Detesto, vivamente o zorrar do animal, pois me lembra, a toda a hora que um sonho morreu.

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Manteigas
1970-02-12 Perderam-se os ecos do belo Carnaval.
É lei desta vida: o que principia acaba também.
Na mimha pessoa fez eco sonoro. Infelizmente, porém, não pôde assentar.
A educação puritana afastou-me, por sistema, deste regabofe
encarado, vulgarmente, como bacanal. Assim era no lar e o foi, em seguida: sempre rigidez! Sempre austeidade!
Quando o seu eco embatia mais forte, no ouvido assestado,
lá vinham conselhos, se não imposições, para levar, rezando, esse tempo de estúrdia.

Não pretendo, com isto, minimizar a crente oração ou o tempo de retiro, que são dados preciosos, O que eu pretendo é condenar, com toda a alma, o sistema educativo, que nunca respeita a liberdade humana nem forma o carácter. Se livremente aderíssemos, esplêndido seria!

Agora, pela força, recalcando o ser vivo, afirmo decidido que é revoltante! Insensatez! O mesmo é que enxertar o "garfo"
manso, em "cavalo! selvagem! Como pode ligar, se não misturam as seivas?! Continuarão àparte, livres e sem marcas,constituindo
obstáculo à vida um do outro.
São destinos divergentes, que mais e mais se afastam, à medida que avançam!
O passatempo é carência vital, que força alguma destrói! Inpedida em sua marcha, quando forte e premente, é erro danoso, no sistema educativo. Se não, vejamos: que lucro se tirou, dessas práticas forçadas? O que não é espontâneo e que não se
deseja nem é pedido, converte-se breve em veneno mortal!
Autómatos cegos, homens sem carácter, eis o que elas geram!
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Manteigas
1970-02-13 Cont,
Se encaramos o assunto pedagogicamente, não são menos graves os riscos prováveis. Jovens oprimidos, em regime de força, com aulas pesadas e jogos impostos, requerem por certo, uns dias de folga! Para que servem então, as férias de Carnaval?!
Espraiar os ânimos... aliviar o espíto, desempoeirando o cérebro
cheio!
A monotonia é fecunda em triateza e mãe do enjoo. Aplicar aos novos, costumes de velhos e, pior ainda, obrigá-los a isso, coisa é que não perdoa!, Que lhe dêem o exemplo! O resto virá.

O fruto desluzido de práticas assim é prova cabal da sua ineficácia. Quem há que trabalhe, sabendo de antemão que a fadiga é inútil?! Que diremos, pois, daquele que persiste, sabendo claramente ser causa de dano?! Que sinta eu em mim profunda amargura, quando olho o passado e vejo só destroços, acumullados à volta?!
Proibiram o desporto, impuseram jogos, fazendo à mocidade o maior desacato. Assim a transformaram em velhice perpétua., vastindo-a de negro e impondo-lhe a gravidade, imprópria dos anos!
Como pode um jovem, que é vida exuberante, ficar assim parado, à maneira dum velho?! Rir e folgar, desentranhar-se em acção, pôr em movimento a riqueza de seus dias... isso lhe quadra!
Estancar a corrente, pôr diques à volta, é contra a natureza...
é um crime, sem perdão! Dizer à vida que pare ou detê-la na marcha, é tentar o impossível... fazer, por certo, obra daninha
Correr em liberdade, à procura de Deus! Cada um dos mortais ponha freio a si: aos outros, não!

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Manteigas
1970-02-14 Encontro amigo,

A segunda- feira, véspera de Carnaval.
O filósofo romano estilou, em obra-prima,, a excelência da amizade. Razão tinha ele, ao expressar, com mestria, quão jocundo seja contactar um amigo.. Em vez de um, foram dois!

Havia muito já. que os não encontrava, o que fazia muito mais pungente a minha saudade. Um acaso, porém,deparou-mos
no Fundão, onde celebámos, com imenso prazer, o agradável encontro.
Que lugar escolheríamos? O Café Miséria! Concordância inteira, pois dissemos nós "miséria tem sido nosso triste viver!"

Eu, lutando firme e ingloriamente, contra a plerisia; o amigo Cabral, afiado e esquelético, denunciava claramente vestígios de operação; o compadre Salvado, com seus dentes novos e aspecto risonho, falava para nós, em tom magoado e assaz chocante, da
trombo-flebite,
Três amigos, três doenças... outras tanatas saudades!
A aproximação do meio século e o rosário de misérias não impediu , bem se entende, explosões de alegria! Alusões frequentes ao passado remoto, entretecido ali de bastas peripécias
e tristes andanças.
Situações lamentosas caminhavam a par, com horas de euforia. Os planos de futuro não podiam faltar, salientando logo um passeio, de Verão, Regar devidamente esta amena conversa é que não pudemos.o dava que fosse.

Chás e " garotos", humilhação e glória, triunfo e miséria.
A inserir o quadro em fundo condigno, veio por fim, o Café Miséria prestar-nos auxílio.

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Manteigas
1970-02-15 Ofício bom, Caminho seguro.

Ocupar-se alguém numa dada tarefa, constitui ela o próprio of'icio. O lucro auferido provém directamente do trabalho realizado: coisa a notar, em qualquer situação

Se o trabalho é útil, não falta o lucro nem tão pouco se admite obstáculo algum à receita devida e compensadora.
Alguns ofícios, porém, de modo nenhum recomendam a pessoa.
e, se bem reparamos, também o seu lucro não atrai ninguém.

Refiro-me, nesta hora, à chamada alcovitice.
O povo lusitano pratica-a , de longa data, cultivando-a esmerado,
pondo a seu serviço argúcia e dextreza." Tirar nabos do púcaro" e depois assoalhá-los!
Enquanto assim faz, é feliz na maldade, empregando seus dotes em cruzada. maléfica.Na última operação, há por vezes, comentários fantasistas, insinuações malignas. Não importa, assim julgo, aqueloutro ditado:" Não faças a outrem o que não queres te faãm a ti".
Senhores de seus direitos, não aceitam os de outrem. Deveres, sim, é o que têm os ortros. Eles, realmente, são a bondade em pessoa! A rectidão sem mancha! Todos fossem assim que o mundo seria outro!

Não é isto ruindade?! Alcoviteiros de uma grande figa, quem me dera vomitar-vos e, depoiis, em seguida, cuspir-vos nos olhos! A vossa língua é pior que a da víbora, pois quando mexe, arrasta podridão!
Vós sois, ninguém duvida, a escória vil da sociedade, que vos tolera ainda, por espírito cristão. No entanto, convém não dormir, pois tal emprego é desonra suprema!
Assassinos do próximo, agentes do Diabo! Elementos gangrenados que é urgente cortar.

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Manteigas
1970-02-16 O Ensino

Angustiador e assaz lastimoso é o aspecto que apresenta.O alcoolismo tornou-se, de facto, o grande responsável, pois grassa no país.
Além deste, merecem reparo as condições lamentáveis, em que é ministrado, por carência de meios e até de professores,

Voltando agora à primeira causa, assenta, de facto, a responsabilidade, nos grandes deste mundo, que apenas olham para a carteira, não querendo ver a dura realidade.

Por que é que não limitam o consumo do vinho?! Por que não proibem se plantem mais vinhas?! Dessem bom exemplo,
haveria que segui-lo, mas assim, vão esttas coisas, de mal a pior!

A responsabilidade vai logo caber a pessoas abastadas. Em nomede quem vão abrir-se as tabernas?! A quem pertencem os seus alvarás?! Quem estipula e ordena preços?! Manipuladores que o povo bajula, continuando sem escrúpulo seu agir destruidor! Por isso, apresentam-se risonhos e bastante satisfeitos.

Houvesse, aí, generosidade e altos princípios, ideal nobilitante!As coisas, em geral, não estavam assim! Quando o mal vem de cima, lá se deve estancar! Em baixo, é perder tempo!
Endireitar a sombra a uma vara torta! Não será utopia?!

Por este andar, vemos receosos caminhar a sociedade para a sua ruína! E vão as gentes gratas e deveras contentes, porque alguém contribui, para a sua perdição! Havará maior desgraça?!

Em feriados e festas, domingos e lazeres, por tempo variável, seja quente ou frio, de noite ou de dia, ei-los açodados.
por caminhos e veredas, ziguezaguiando, cretinamente, ou então espojando-se na lama da via!
Belo meio escolar, degenerado e pútrido, para tornar Portugal uma grande nação!
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Manteigas
1970-02-17 Rendimento escolar, em Colégios pequenos.

O que surge pequeno é já deficiente. Imaginemos, um porco exíguo! Que é o que sucede? Morcelas pequenas, chouriças diminutas, lombos reduzidos. Que dizer também de banhas e presuntos? Por demais conhecido é o facto em causa.

O que vemos aqui estende-se igualmente ao campo do Ensino Há poucos alunos? É tudo encurtado: gratificações e assim
ordenados, regalias e prémios .

E quanto a disciplina? "Hoc opus!Hic labor est!" ( Aqui é que a porca torce o rabo!") Impossível trabalhar! Por mais voltas que leve, não há solução! Que faz o cavalo, tomando uma vez o freio nos dentes?! Salva a distância, acontece, nos alunos!

Ignoram, por ventura, que o seu Colégio se encontra em apuros?! Nao sabem eles que o dinheiro maganão é alvo directo a que a mira se inclina?! Sanção e castigo, exigências variadas e até ameaças deixam de usar-se!
Vista grossa em tudo, sorriso e lisonja, ... hipocrisia. Informações ao invés, notas sem base, desculpas infundadas!
Não entram aqui honrosas excepções, filhas de renúncia e muito sacrifício.
Um cortejo abominável... Escola perniciosa que abastarda o carácter! Em anos de passagem. é tudo excelente!! Alguém que não avance?! Oh! certeza adorável Ficar bem, sem trabalho!

Merecer apenas 8 e levar 1o, no final!
Que mais precisamos, neste mundo tão vil, para criar desprestígio.
arruinando o ensino?! É este o cadinho, para formar homens?! Estes abortos são elementos, capazes e fortes, para arrostarem com perigos inúmeros e vencerem também enormes dificuldades?!

São estes os pilares, seguros e firmes, em que assenta confiada a sociedade lusa?! Estará segura uma pátria assim, com filhos poltrões?!
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Manteigas
1970-02-18 Vésperas!
A véspera, geralmente, é formosa alvorada, luz promissora de dias melhores.! Algo de belo que se espera e deseja remate final de uma obra feliz! Quantos devaneios se não criam promissores, na viva fanttasia. Que sinto eu, porém?!

Alguém me disse já que o meu aniversário passa amanhã. Que me importa a mim que passe ou não passe?! Caíram esperanças... evolou-se o meu sonho... esfolharam-se as pétalas duma rosa perfumada!: perdeu vida e cor... murchou para sempre!

É véspera hoje do meu anhvrsário? Nem quero pensar que mais um degrau já levo pisado, na escada fatal que vou subindo!

Se olho para trás, não vejo a base, mas enxergo, a claro, já
bem no topo, o degrau final da minha ascensão..
Cinquenta e dois anos é rol que não mata! Apesar de tudo, onde vai a robustez que dá ousadia aos filhos de Aão?!

Acumulam-se doenças, aumenta a desilusão, decresce a fé humana, esmorece a confiança, nos próprios homens que eu admirava! É tudo quanto vejo um montão de destroços, em que
tento caminhar, mas sem luzimento!

Como hei-de celebrar esta minha efeméride?!
Que hoje seja véspera ou não seja tal, vai nisso alguma coisa que me faça vibrar?Que avive a chama na alma... no peito o amor?! Já se foi, de longada, a bela capacidade para tais demonstrações. Aquilo que guardo para essas datas. respeita somente a ruínas e dores!

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Manteigas
1970-02-19
Após os 50, mais dois se evolaram. Não sei bem como nem acho porquê, a roda fatal, em seu torvelinho, girou, girou, sem pergunta-me o que dava prazer. Avançou constantemente e que eu o queira ou não, vou para a morte, como empurrado por destino cruel!
Se volvo o lhar ao passado remoto que vejo então e que vai deparar,se, através do camminho?! Vestígios de sangue...aquilo
realmente que eu não queria... queimadas fumegantes... aspirações que sempre abortaram!

Neste mar proceloso, em que naufraguei, houve companheiros que há muito não vejo.
Onde estais, desventurados, que a sorte enjeitou?!Foi desgaça, talvez, que vosso nome riscou?!
Como é desolador ver-me agira sozinho, em luta renhida, sem amparo de ninguém! Quem foi que atirou este corpo infeliz, para a voragem do tempo, a caminho da morte?!

Malogrou-se o que amava e perdi o caminho... fui alvo de ataques e ninguém me ajudou! Outros vi, a meu lado, realizar a contento, ideais inebriantes. Eu, porém, estrangulado por boa ou má fé, não tive coisa minha, Só vivi de imposições, Quem sou eu que faço anos . em dia amargurado?! Serei eu, realmente, uma sombra que passa ?!
Deus do Céu, bom Pai tão querido. não vás irritar-te, contra o pobre que eu sou! Já que todos me deixaram, para Ti me volto, sempre confiado no teu grande amor!
Anda, pois, abraça o filho que remiste no Calvário! Suaviza--lhe as dores, acarinha-o bondoso! Se ele foi um mau filho. sê Tu bom Pai, para que a vida na morte sa converta e glória!

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Manteigas
1970.02-20 Sexta- feira - uma abertura a sorrir!

Como viageiro que sobe, a muito custo, e volve satisfeito um olhar de triunfo,lá de alta cumeada, assim eu me inclino sobre
o tempo decorrido. O porvir imediato apresenta-se agora, qual
prémio desejado. Não é fruto de canseiras, porfiosa camiinhada!

Vão seguir-se dois dias, para eu repousar Por isso, exactamente, me sinto desoprimido, aguardando novo dia, que me imponha labor!.
Seguna-feira, é, na verdade, arrancada vigorosa, em que vai o nosso brio. Assim caminhamos, ora tristes ora alegres, até que Deus nos convide, para o eterno festim!.Maravilhoso o tal conite! nada a opor-lhe!!
Alguém nos consultou, para virmos à luz?! E de modo igual, para dela sairmos?! Por outro lado, que tem ela de atraente?, para nos apegarmos, com tanta firmeza?! O rosário de amarguras é tão variado, que, intenso e volumoso, que logo ansiamos por outra vida, em que haja desforra!
Apreensão e trabalhos, angústia e mal-estar, enjoo com tédio! A que vamos apegar-nos senão a Deus-Pai?! Fora d\Ele, nada há que sorria! o homem egoísta, a mulher versátil, a vida ingrat e nós, um mistério!

O fim da semana, por que todos ansiamos, é na verdade, uma pausa agradável, com vista a quebrar a monotonia..
Aulas e chamadas. exercícios e pontos,... coisas de saturar! Agora, o ensino já não chama ninguém! Quem trabalha por dever, preparando as lições?! A vida, hoje, é feita do não-faças que oprime e angustia!
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Manteigas
\970-02-21
Há momentos apenas, orneou debilmente um pobre jerico, no silêncio da noite. Veio dizer este voz bestial que amanhã é domingo. Agourento sinal?! Prenúncio de amargura?
É a voz de velho asno, roufenha, apreensiva , quezilenta e arrastada, que me póe nervoso! E se olho ao cenário?! O mais horrível e trágico!
Com luz indecisa, ao princípio da manhã, em noite de Inverno! O sono a deixar-me, enquanto ao longe, os galos se afadigam!. Seu canto metálico, agudo e vibrante, morre nas quebradas, impotente, igual. Chega aos ouvidos, coado pelo ar, notando-se mal que vem enfraquecido!

Desperta a Natureza de um longo cismar,esvaiem-se os medos... a vida continua!...Que pano de fundo, para uma cena, algo patética, em que brotassem mostrengos e quimeras, do seio da noite! Assisttência luzida, minada, ao certo, por grande ansiedade, querendo vislumbrar um ponto do mistério!

Eis senão quando rompe ali, da treva, medonho sonido, que é prenúncio mau, na hora de acordar. Calam-se os galos, emudecem as aves ou pipilam hesitantes! Consuma-se a tragédia.... horroriza-se o homem e ele, afinal, que é rei de tudo, fica assim dominado!

Aquela voz agreste, lançada na noite, ecoa no meu peito, qual funéria trombeta.. O silêncio da hora empresta àquela voz ,
importuna, indesejável, agouro e maldição!
Oprimido nestas malhas, geme inconsolável o pobre ser humano! Lamentoso destino o do homem, neste mundo!
Pois um burro lazarento é capa z de torturá-lo?!

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Manteigas
1970-02-22
A cabam de soar as 9 da manhã. Quem era matinal recebe, de mau grado, permanências do género..Longo tempo na cama, por noites sem fim, já lá vai quase um ano! E as manhãs convidativas, de céu puro e cor azul?! E o vivo chilrear de ágeis passaritos , esfuziantes de alegria?! Bem os ouço, lá fora, a cantar ao desafio, qual artista arroubado, que a ventura bafejou.

Pudera eu levantar-me, ao primeiro sorriso que a nova aurora, sempre enamorada,volve do Oriente! Quebrar as grilhetas de tanto mal-estar... fugir de mim próprio e fazer-me ao largo! Correr
sem destino, à mercè de vento forte, que ajudasse carinhoso a perder-me no além...
Esquecer o passado, crendo não ser meu, começando vida nova, muiuito outra da que levo! Fosse eu avezinha e pudesse voar! Tivera muitas penas, sem danar a existência, que as penas que tenho me abatem sem fim! Olvido total dum passado que me afronta", em que eu não fui eu, mas outros quaisquer!

Vou gravar a minha vida, numa fita magnética e, ao pô-la a correr, ouvirei o que apraz. Com as pistas marcadas, saberei, de antemão o que vai trazer paz ou dar-me aflição. Carregar em botões, fazer girar um registo! como então há-de ser fácil suportar a existência!.
Sepultarei o que é mau, no covão do olido e assim remoçarei,tornando a vida a sorrir para mim!

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Manteigas
1970-02-23
Quarta semana, também derradeira. no mês em curso.

Embora dimilnuto, quero.lhe um tanto, pois foi durante ele que vi, deslumbrado, a primeira luz! Como não prezá-lo?! O princípio da existência e, bem assim, quanto ela comporta, foi ele que mos deu!
A que deve o meu ser o primeiro oxigénio e, de igual modo, a primeira nesguita dum céu imaculado?! A quem, pergunto eu , os doces carinhos e também juntamente o primeiro beijo terno, depositado, na minha tenra face?! A quem o alvoroço dum peito solícito, que já sofria e tanto se imolava pela mina ventura?!
A ti os mil cuidados de que era objecto, por causa da chuva e do frio inclemente!
Fevereiro saudoso, que gratas lembranças me trazes ao de cima!
Poderei esquecer-te, alguma vez na vida?! Enquanto no meu peito bater o coração, jamais te olvidarei!. A recordação, perfumada e grata, que entornas em minha alma é, certo, refrigério para os males da existência,

Quem dera evocar-te, na hora derradeira, suavizando a a,argura do meu entardecer! Não me esqueças. então, que preciso de ti!, Ao veres-me em espasmos, condói-te de mim,
Desta maneira, esquecerei as agruras dessa hora final, por vires
prazenteiro sorrir para mim!

É partida, bem sei! Como sempre acontece, a alegria evolou-se, mas que importa a saída para o mundo de além, se tu vieres alentar-me, ao fazer as despedidas?!
Partirei gozoso, deste mundo traiçoeiro, ao encontro do Pai que me espera no Céu.
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Manteigas
1970-02-24
A manã de hoje convida a levantar
Após Inverno duro, como sabe à maravilha, o doudejar carinhoso dum sol negaceador! Chega tarde, bem sei, que não lho permitiram as altas escarpas, que cingem o Covão!
Desdenhosas se levantam, inexoráveis sempre, altivas. emproadas! E eu, que sou homem, que sinto e penso, rastejo, cá em baixo, dominado e aturdido!

Como é que a matéria, que nem sente nem pansa, me tem enredado, sem poder libertar-me?! Mas o Sol, apiedado, já vem a caminho, assomando além, pelas alturas da Serra

Fora ontem, de longada, por esse mundo de Cristo e, agora,
condoído, voltou, novamente, para aquecer-nos a todos!
Estremeço de alegria, ao sorrir pela janela, emquanto murmura que, fora do meu quarto, a vida continua.
So dentro do meu peito o escuro se anichou, qual prenúncio da morte que me ronda o viver. Afugenta-a de mim, Sol amigo e fiel,
que eu não quero morrer já e cair, de momento, na noite sem fim.

Levantar-me , sem demora é coisa bem assente: quero ir campos fora, banhar-me, a contento,, na carícia de teus raios.
Podias já ter vindo, a trazer consolação, dizendo em murmúrio, que a vida, ao presente, nem só treva a compõe.Tu não vias o silêncio reinar cá no vale, por motivo da abalada que fizeras há muito?!
Entorpeciam velhinhos, em tugúrios gelados e as canções dos passarinhos volveram~se em mudez
Era triste o viver, no Covão abandonado, em que homens e animais davam ares de morte.
Volta, pois, Sol amigo, com luz e calor Vem trazer-nos a alegria que do peito se ausentou!
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Manteigas
1970-02-25 Um Vizinho mau
Entre as desgraças que afligem o homem, não é esta, por certo, a menor de todas. Ver assim o Diabo, em figura humana,
apresentando-se vivo,, a cada momento, e ter de ouvi-lo sempre,
querendo ou não, horrível coisa é, para descrever-se.
O que diz e quanto faz é sempre orientado numa direcção: injectar veneno em corpo dorido. E, se tem argúcia, aliando à maldafr ruinoso poder?! É seu cuidado malsinar intentos, impregnando-os do vírus que lhe abunda na alma. Será possível a boa harmonia, em casos desta ordem?!

Por mais razoável que homem se aoresente, não vejo caminho, para seguir avante! A baba suja e harto infecta que sevurma de seu corpo, alcança o objectivo, a nada cedendo. Destino lastimoso o homempersegue!
Não vale habilidade nem oculto saber! Vá para onde for, com ar de inocente, a lava daninha segue-o de perto! .
É recto o proceder, no domínio social? N ão importa a faceta! Outra nova se cria!
De santo e afável, transmuda-se em vampiro, e ninguém se atreva pois corre perigo! E como o transbordar de rio caudaloso: tudo leva após. com danha desmedida! O caminho a seguir, neste caso lastimoso, é fugir sem parar e deter~se muito longe.
Não importa a fuga de pessoas tais, que a paz é de ouro: infernal a inquietação!
Quem me dera viver, em remota solidão! Só Deus me falaria, que é bom e me quer bem,

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Manteigas
1970-02-26
A Conceição, o Vítor Hugo e a própris Lúcia estavam, de facto, bastante ameaçados. Podia lá ser! Alunos capazes e só com 11, aCiências Naturais! Exous as razões e
prometi, quanto antes, levar a efeito medidas projectadas.

Quem não tem capacidade, vá que não vá, mas pessoas dotadas é crime sem perdão ficarem a meio!
Ontem cheguei e, meu dito, meu feito! Palavra de rei, não volta atrás!
Vi-os, logo de início, correr à secretária. Pareciam outros!
Falavam já três pelos cotovelis! Um pprazer ouvi-los! Pergunta feita, resposta imediata! Assim, dá gosto ensinar!
O que lamento, porém´, é que, só à pancada, hajam de estudar!
Os modernos pedagogog insurgem-se contra e eu próprio, no íntimo peito, não deixo de concordar! Meios violentos nem para animais!Os meios físicos deprimem a natureza!

Recordo, nesta hora, a s palavras famosas de Santo A gostinho, ao lembrar os meios, harto repressivos, usados à data ( (século IV), nas Escolas do seu tempo!
Aparecem também, nos muros de Pompeia,frescos diversos, bem elucidativos no tocante ao assunto: crianças nuas, a partir da cintura,, sendo açoitadas por modo cruel: eram chicotadas que
faziam o sangue jorrar do corpo.

Que fazer, porém, no caso português?'
Não pegam em livro, sujeitando a risco a existência dos Colégios.e de maneira igual , o sacrif´cio dos pais

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Manteigas
1970.02-27
Dois palmitos... nada mais! Bebé, engraçadinha que me fita,ao passar! Olho-a angustiado e chro sozinho! Como é isto dos olhos que facilmente se rompem?! Ela fixa.me também e, não sei porquê, vai acompanhando o meu andar arrastado!

Que pode haver, no entanto, que nos prenda aos dois?!
Eflúvios secretos, que dominam as almas?! Misteriosa corrente,
a aproximar os desprevenidos?! Que é, na verdade o que me liga a
ti, impedindo me afaste?! Por que sigo os teus passos, minado já por ansiedade?! Pequenino botão, florido e viçoso, donde vem o teu encanto, que me atrai e põe louco?!

Se não te conheço nem sei o teu nome, que me vai que tu
existas ou me sigas também?! A culpa é só minha que te chamei a atenção, mas a força íntima que sujeita o meu ser, donde é procedente?! Sou por ela vergado e não posso resistir-lhe.
Se reajo. é pior, que não tenho já mão!
Há, então, neste mundo, algo que me arrasta: quer eu queira, quer não, vou seguindo teus passos..

Que haja agora não sei, mas já houve, por certo,! Uma estrela brilhante que pronto deslumbrou, cativando o meu olhar!
Um belo dia surgiu, cá no céu da minha vida: maravilhado sorri, com essa aparição! Oh! momento formoso que jamais esquecerei!!
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Manteigas
1970-02-28
A roda voraz executa , pressurosa, a derradeira volta
nestemês agonizante! Chegar ao fim é sempre desejável, pois que
representa o desfecho visado ou, pelo menos, recompensa merecida. Quem não anseia pelo remate final?! Alguém haverá que não goste de colher?!
Não será deleitoso fixar com amor o fruto gostoso do sem mesmo trabalho?!
Fevereiro, no entanto, debate-se agora, em amargas convulsões de funda agnia,, visto que o fim, em dadas circunstâncias,é algo
tristonho! Se é belo e deslumbrante o raiar da aurora, por vir
cheiinho de promassas fagueirsa, dolente e saudoso é o pôr do Sol
que vai de abalada para terras distantes! " Partings are always sad"
Assim reza, de facto, o provérbio inglês.
Nas que fazer?! A vida o exige. Não é toda ela um vai-vem interminãvel, em que uns estão chegado e outros partido?
E o belo renovr das células corporais, cuja essência vai fora, em lentas combustões?!
O que dã, com efeito, ar de conformidade a todo este processo de natureza vital, é que a pr´pria morte de alguns elementos, é garantia firme para a vida de outros.
Alguns remates, porém, são em dados casos, portadores de alegria. Quem alcançou o que tanto desejava nºao vai alegrar-se?!
Farei parte deste número? Oh! não por certo!

O segundo mês do ano 70 leva com ele mais desilusões!
Cada um que se repete, ano após ano, é passo agigantado, para
abeirar-me da morte! Não demore, Fevereiro e trz-me no regresso, a ventura perdida!
Estivesse em tua mão tal possibilidade! Entretanto, sei muito bem onde ela se encontra! Para além das estrelas, onde reina o Paido Céu, aí se encontra a chave do nosso destino É pela morte que posso lá chegar! Pe r angusta ad augusta, ( pelos espinhos à glória") - tradução de Bocage -
Após o sofrimento, com os olhos no Céu, há-de vir o
triunfo.
Sendo isto assim, a morte é benvinda e até desejada~
uma vez que é porta da eterna ventura.

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Manteigas
1970-03-01
A roda fatal, a que nada se furta, inicia mais um giro.
Nove horas da manhã!
Enterrado embora num covão tenebroso, vi o dia clarear, há tempo já. Antes disso ainda, o chilreio das aves era grato anúncio de gozo sem par. Esfuziavam de alegria, postadas em sítios, donde viam bem a ridente aurura.

E eu ouvia deleitado, estranhando para mim que a vida lhes sorrisse. Formulei então, cá no íntimo peito, angustiosa pergunta:
que segredo é esse que eu não desvendo, por mais que o tente?!
Dizei, avezinhas o que é que vos enleia, neste mundo odioso!
Em mim, digo sincero, não acho razão, para rir ou folgar!

Quanto mais a procuro, tanto mais me cosumo, de não poder encontrá-la! Contai, passarinhos, vosso grande segredo!: desejava imitar-vos, para ser mais feliz!

É a luz da manhã que vos enche de gozo?! O sorrir da bela aurora que vos atrai e encanta?! Ou será que a vida furtou a meus olhos o que a vós franqeou?! Não acho, assim creio, razão suficiente, para haver disparidade! Se a houvesse, neste mundo, havia de encontrá-la e julgo, sem dúvida, que estaria do meu lado a parte melhor!. Não sou inteligente, livre e responsável?! Não tenho aspirações que transcendem a matéria?! Reside aqui, por ventura, a razão do meu pranto: querer e não poder!Triste coisa, por certo!

Agora, já percebo, ó meigas avezinhas, por que estais assim alegres!Vai chegar a Primavera. Três semanas apenas e ei-la entre
nós! Quem vos disse, afinal que, de facto, asim é? Foi a luz e a harmonia, o azul deste céu? Tudo é pertença, vossa e minha!
Mas, enquanto vos sacia, pode ela também fazê-lo a mim?!

Algo há que não abarco e se perde no além. Minha sina é sofrer, afim de ganhar, na eternidade, um lugar que vos não toca!

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Manteigas
1970-03- 02
Onze horas da manhã.

Decorre, precisamente, a aula do 4º ano, e o sol bata em cheio na janela do Nascente., Um oceano de luz... uma esperança
radiosa! Eis senão quando, chega uma surpresa, Fico hesitante, apuro o olhar e logo reconheço as belas andorimhas!

Eram elas, sem dúvida , as doces mensageiras, que voltavam ao lar!. O alvoroço é cer scente e não posso conter-me.. Não seria um engano? Oh! não, que bem as vi saudar-me , em jeito de mesura, pelo menos três vezes!
Alegrei-me de as ver e cá no íntimo, houve festa sentida.
É a vida que surge, a alegria que volta. o alerta de tudo! Primavera, a dois passos, o calor a subir...um mundo de promessas! Desabrocham os gomos que as plantas ostentam e,
dentro em breve, as flores sorrirão!

Eu dormia ou sonhava, amodorrado, inerte: Inverno longo,
frio, gelado, a tolher braços e pernas, por igual! Esquecera inteiramente as belezas da Terra, pois a neve bramquejava, no cimo dos montes. Quanto a mim, jazia inconformado, sem esperança nem nada, ajuizando de tudo, qual bebé amuado!
Nem sentia a rigor que o meu peito oprimido, almejava então por caudais só de luz.

O alerta, porém, soou breve em minha alma; vida nova me trazem as doces andorinnhas que saúdam passando! Por isso, eu medito, assaz recolhido, neste facto excelente!
Quem vos leu o jornal ou disse, pela radio, que devíeis voltar ao tristonho fundão?!

Foi ali resposta um silêncio pesado, que me reteve, por longo tempo, aguardando o momento que dá vida e saúde.

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Manteigas
1970-03-03
Findar e morrer, voluntariamente, aos 18 anos! Como é tal coisa? No princípio da vida! Afigura-se loucura um desfecho assim! Os pais angustiados... a irmã consternada... o mundo atónito! Que poderia causar fatalidade como esta?!

Enjoo da vida? Ou quem sabe, um desgosto amoroso? Mas, se bem comparo, nada encontro, na existência, que valha a nossa vida! Privar-se de tudo, fechando os os olhos, para todo o sempre,
denota abandono que a desgraça espreita!
Entretanto, à margem da fé, o caso explica-se.
Efectivamente, quando tudo se logrou e nada já resta, sobrevém o cansaço que o tédio gerou. A vida só é bela, se promete algo mais.

Quando tudo se esgotou,!sem qualquer esperança no porvir nebuloso, bocejamos amiúde, sem atalho nem desvio!. O que doura os nossos actos, infundindo valentia, é saber com lucidez, que alguém confiado, espera ansioso, com os olhos em nós! É razão suficiente, que logo justifica toda a imolação e enormes canseiras! ... É um prémio valioso que dá coragem na dor!

Ideal humano que seja ou então divino, razão de quanto faço, não me deixes,oh! não . Por ti esclarecido, vou seguindo o meu caminho, não deixando jamais que a vida tortuosa opere ruína!
Se vier o sofrimento e a dor bater à porta, vem ó Deus, em meu socorro, para não sossobrar.

Que esta vida amargurada seja anúncio de festa, e após a noite escura, brilhe para sempre a luz do novo dia!

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Manteigas
1970-03-o4
O grande Vieira escreveu um dia: "Terrível palavra é o não!"
Se ele o disse, lá tinha, decerto, as suas razões! A mim, por isso, não me cabe discordar, que sentiria ver gonha, ante a grande sumidade! Apesar de tudo, sem pruridos de saber, ouso agora afirmar que há outra palavra, tao feia como ela, seja embora mais pequena: o diminuto 'se'!

Antes, porém, de lançar-me em debate, é preciso expor o estado da questão. Não se foca, neste caso, o conteúdo ideológico.
Sendo esse o problema, não era eu, decerto, quem iria discordar.

Efectivamente, o 'não' é rigoroso, incisivo, enérgico, ao passo que o 'se', por ser duvidoso, incerto e problemático, deixa a mente indecisa e um tanto perplexa. Agora, porém, a faceta que eu viso é muito diferente! Foco em cheio o aspecto gramatical! Aqui, sim, é duro batalhar!

Ou seja, na verdade, o aspecto morfolõgico ou o lado sintáctico, não sei qual prefira! Limitando mais ainda o que oferece problemas: será termo apassivante ou sujeito da oração?

Admito aquela, em frases como esta: conta-se uma anedota.
Rejeito o segundo, em qualquer acepção, ainda em frases do tipo seguinte: é-se feliz; bate-se à porta.
Na última acepção, é pronome indefinido, não interessando que o seja até, por mera equivalência.
Devemos tomar em conta a história da Língua, sem esquecer igualmente a psicologia do povo que a fala e também modela.

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Manteigas
1970-03-05
Tornamdo à vaca fria, quero eu dizer, à questão do 'se', que a Gramática Lusa não costuma aceitr, como filho legítomo, venho citar, bem a propósito, o nosso Boletim da
Sociedade de Língua Portuguesa, no tocante ao assunto, -- como partícula de cunho apassivante, que Sá Nogueira repudia firme, e
pronome indefinido, com verbos intranstivos, de sujeito oculto
(indeterminado)
Diz o tal Boletim que, nesses casos, toma ele o nome de: partícula indeterminante quer do sujeito quer do agente da passiva

Quanto a mim, seja embora árduo o assunto focado, trata-se claramente duma palavra, com função apassivante ou pronome indefinido, nas frases seguintes, respectivament: conta-se uma hist+ória; é-se feliz . Vejamos nova frase: Que desgosto profundo ser desprezado por uma pessoa a quem se ama, apaixonadamente!
Aplicando, neste caso , a referªencia do Boletim,creio tratar-de pronome indefinido, em ambos os casos. ( Partícula indeterminante do sujeito)
Lá que seja pronome, só por adopção, nada faz ao caso. visto que há outros. em iguais circunstâncias.
O pronoma 'nada´ é-o por natureza?! Não fomos buscá-lo ao conjunto latino ´Nulla res nata´, em que 'nata´ em que nata é um adjectivo?
Como palavra apassivante, diz Sá Nogueira, que não é admissível, por não chegar a ter consistência científica.
Sei uito bem que a passiva latina não passou ao Português, mas
trata-se agora do Latim clássico.
.Ora, o que interessa é o Latim Popular que, na verdade, ou criou formas novas ou imitou o Latim clássico..virtus se amat; virtus amata est.

Por que é qie o povo emenda esta frase: 'Vende-se galinhas'?
Em resumo: à história da Língua deve juntar-se o exemplo dos
. Eles registam apenas os factos observados, sem qualquer autoridade, para travarem marcha ou aporem correcções.
Atente-se nisto: o pai corrige o filho, que é já homezinho. Para não magoá-lo, de maneira acentuada, foge desde logo ao pronome 'tu', socorrendo-se do 'se'., pronome indefinido.

Diz-lhe brandamente: Não se reflecte! É-se imprudente!
Que motivou ali o emrego do 'se'? Não há dúvida que foi esta ideia:: encobrir ou afastar o sujeito repreendido.... isolá-lo com um véu, para o não atingir violentamente., a censura paterna.

Uma espécie de pára- choque, barreira amortecedora ou cortina de protecção. O seu único papel é indeterminar, afim de que o choque não seja diirecto.. Este é, na verdade, o argumento psicológico.
Tal 'se' nem é sujeito nem o representa, como é óbvio.
Se tal acontecesse, não se conseguia o efeito desejado!

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Manteigas
1970-03-06
Em adição àquilo que afirmei, acerca do'se', entendo, na minha, que deve assentar-se em princípios estáveis,pondo fim a divergências, que nada esclarecem. O resultado é sempre desastroso, no campo do Ensino: levantam suspeita, originando, por vezes, quebra de prestígio e alargando o cepticismo à doutrina em causa.
Nesta matéria como em outras, muita coisa há que não pode provar-se, com rigor matemático. A verdade é que , atendendo imparciais a certos factores e não apenas a um,poderemos chegar a conclusões uniformes, aceitáveis e práticas.
Intermináveis foram, realmente, os debates acesos que o 'se'
levantou, chegando-se, às vezes, a forçosas violências e aaté injúrias. Que se lucrou, afinal?! Não tentemos, pois, jogar só com
um factor - o de cunho científico

Quem faz a Língua, como foi dito, não são os filólogos nem os gramáticos nem mesmo os escritores, quando não utilizam as fontes populares. Ora, é mais que certo que as ditas fontes são alimentadas em grande parte, sempre criadora pela fantasia, a
analogia dos factos, a psicologia do grupo, tendência e costumes.

Verdade seja que é, de facto, o Latim, a fonte principal da nossa língua, mas estamos táo longe dos tempos áureos da Latinidade!
Por outro lado, interessa-nos apenas o Latim popular, que foi influenciado pelas tendêcias locais., a que devemos juntar a topografia e o prõprio clima.

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Manteigas
51070-03-07
Ontem, fazia já ela 83 anos! Há mulheres dessa idade e outras conheço que vão adiante! Aquela, porém. que eu amava tanto e à qual votei o melhor que tinha no peito, levou-a a morte, em 1964.
Quão feliz eu seria se, nesta hora, como a tantos sucede, ainda tivesse o coração mais terno que jamais viu a luz! Mas, enfim, a vida é sofrimento! Não há que reagir! Se havia de perdê-la um pouco mais tarde, foi melhor assim, que mais gozou ela das celestes maravilhas!
Além disso, confio nos seus rogos, junto do Senhor, para ajudar-me, cá neste mundo, a trilhar os caminhos que levam ao
Céu! Estou muito seguro de que ontem houve festa, lá no Paraíso,
já que foi ali o dito aniversário!

Por esta razão, espero lenitivo, que Deus é bom, e o peito materno igualmente o é, embora noutro grau. Esse grande amor que aos dois unia, é agora maior, pois atinge no Além, a sua plenitude!. Junto dela, outro amor se encontra, que não fica abaixo!

São duas recordações, duas fundas saudades que eu tenho do Céu! Se mais não tivera, seria já bastante, para eu aceitar qualquer sofrimento! Creio no Além, onde habita o Senhor... outra grande saudade... outro grande amor!
Quem me dera um dia poder encontrá-los... beijá-los a todos, sentindo-me feliz!
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Manteigas
1970-o3-08
Vai cerrar-se um ano, após a doença! Entre as más recordações, avulta a derradeira, que foi a mais triste e mais duradoura. Ainda me lembro, com pena imensa: ao falarem, por
alto, de estadias, no leito, durante 40 dias, julgava impossível e coisa estranha! É bem certo o prolóquio: " Ninguém diga - desta
água não beberei!

Assim foi a minha vida^bebi a jorros, mesmo a cântaros e.
por má sorte, continuo a beber! Até quando? Só Deus o sabe!
Talvez seja melhor que eu o desconheça!
A pleurisia assanhada lançou.me inxorável num leito de
Hospital Quatro meses longos, intermináveis, assustadores!

É verdade animadora que já passaram, mas quanto sofri!
Solidão e vazio, noites de insónia, fastio na comida, apreensões amargas... um rol de miséria... um cortjo soberbo de amargura e destroços! O meu futuro... a vida no porvir, amargas ânsias, que
toturavam fundo o peuto doente!
Se não fosse minha irmã, que viera de África, estaria, por ventura, lã nos Anjinhos!

Por Deus bondoso, tudo sanará, Voltarei, uma vez mais, ao
trabalho exaustivo que me prostrava, já no passado?! Esse vigor,
penso eu, talvez me abandonasse mas, se voltar, irei dar-lhe um rumo novo. Matar-me... para quê?!

Acabar os meus dias com fama de abastado?! Não desejo tal, que a vida é só uma! Quem fica na Terra, acha que é pouco!
Trabalhem como eu, fazendo economias.
É uma tolice esperar confiado em sapatos de defunto!
Ajudarei os que necessitam, preferindo sobretudo os mais
trabalhadores e necessitados!
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Manteigas
1970-03-09
Veio hoje à memória o livro francês " Le voyageur
sans bagage, que li na Alemanha, em 1964.
Maravilhoso, inesquecível, o peqeno volume, que deixa em nossa
alma o perfume esquisito das coisas raras! Como eu desci fundo,
nos belos contextos, julgando-me, às vezes, personagem da teia.

Vi obrar-se em mim a tese, ali exposta, motivo bastante, para não esquecê-lo. E hoje, a quase 6 anos, melhor o compreendo. A diminuta bagagem que então me acompanhava,
( as tristes recordações dum passado amargo), tornou-se agora mais volumosa.
Seria meu desejo desfazer-me dela, riscar-lhe a lembrança
esquecer o passado, iniciando vida nova. É fácil consegui-lo, diz esse autor Basta começar, no momento que atravesso: para tanto,
renegar o passado, fixar-me no presente, e procurar rumos novos.

É voltar a menino, pelo olvido total dum passado que morreu! Para quê vivê-lo, se amargura a minha alma, constrangendo o peito! Urge apagá-lo, não levante a cabeça,
fazendo mais ruínas!
Que me presta a mim ser ente racional e tripudiar sobre mim
a desgraça que não amo?! Ser eterno joguete de forças obscuras e
morrer nestas garras, de olhos abertos?!

Lutarei, por meu bem, arriscando para isso o último cartuxo.
Esquecer o passado que morre no presente e começar, desde logo!

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Manteigas
1970-03-10
Outro livro francês, que não posso esquecer é aquele
de Camus: L'Étranger (O Estrangeiro).
É alguém que não se ama, um ser cujos ais a ninguém fazem mossa
Unidade sem realce, observam-no amiúde, vendo nele apenas um
espécime de fauna. Que sofra ou agonize, passa entre os homens.
qual nuvem do céu. É folha caída que pisamos no caminho, à margem da bondade e sorrisos do amor.

Pobre estrangeiro a queninguém se votou! Avida para ele é ingrata e amara. Aquilo que fez se é bom, não presta; o mal praticado
tomaram-lho em conta!
Quem és tu,infeliz que a ningué interessas?! Eu ouço teus ais, aqui
junto de mim, tão pertinho de julgar que o estrangeiro sou eu!
A sociedade, em que vivo, não me conhece; a ela tão pouco eu me ligo também! Meus lamentos ecoam, pelo espaço além; e ela passa indiferente, sem olhar para mim.

Eu olho e suspiro, que não tenho ninguém: a resposta é silêncio que me falss de traição.
Ela viu-me em pequeno e olhou para mim.Enredou-me em seus laços que não mais desapertou! Quando choro, aperta mais, afirmando
que sou mau; se canto, vem dizendo que sou vil e importuno.
Já não posso com isto que, para mim, é tormento! Quem se lembra... é só ferir; quem me esquece não é meu!

Estrangeiro, quem és tu, em lamentos chorosos?! Por que ficas soluçando, ao sorrir a branca aurora?! Já lá vem a Primavera! As
andorinhsd chegaram! A Natureza remoça: vai na Terra um ar de festa!
Acorda, pois, e reage: dá de mão a tudo isso! Não te importes!
Segue avante, refazendo teu viver!

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Manteigas
1970-03-11 " Senhor Professor, ainda estagiário: recomendo muito que não entorte, mas não queira endireitar!"
Em princípio de vida, foram tais palavras dirigidas, num Liceu, pelo Reitor, Padre Sá, ao Doutor João Teles.

Em frases concisas, reúnem-se, por vezes, conceitos elevados. Essa que aí fica, náo desdiz também, pois dá normas ideais, para agir, com prudência.. Efectivamente, qualquer outra via, que não seja a nindicada, traz dissabores e gera lograções. Entortar... endireitar são pólos opostos, mas juntam -se o dois, ao causar agonias.

O primeiro deles é demolidor; o segundo a ver, já construtivo
Arruinando, alguma vez, o que outros fizeram, provocamos o seu ódio, que irá perseguir-nos, embora edifiquemos.

Em boa verdade, fazer mais e melhor é quase sempre a forca de alguém Isso atesta bem claro a inépcia dos outros. E quem haverá que aprecie alguém, ao ver desdourar seu nome honrado?!

De ser parvo ou lambão quem é que aproveita?!
E de ser meticuloso, levando ao extremo o zelo do bem?!
Eu bem conheço o famoso ditado: "Água mole em pedra dura, tanto dá, até que fura!"Mas, em tal cso, a pedra citada não recusa a intervenção que o agente pratica!

Como posso actuar se, naverdade, me tornei indesejável?!
Que eu fale ou não fale , é igual o resultado! Para quê então falar?!
Acontece, por vezes, com pasmo e dor, ter efeito negativo aquilo que fazemos.
Que me vai a mim que outros andem mal ou então que andem bem?! Não são eles senhores da sua liberdade?! Suportam eles que eu diga o que julgue necessário?!
Nem grandes nem pequenos ouvirão os meus ralhos!
Criarei inimigos que vão lutar contra mim,

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Manteigas
1970-03-12
O peródo lectivo já se encontra agonizante. Na verdade,
com dia e meio, chegámos assim a 13 do corrente, onde fica a barreira. Oh! que alívio para mim , ainda convalescente duma enfermidade que me retém agrilhoado!! É bom descansar e é
urgente que o faça!
Que o Galeno o não dissesse, fá-lo-ia contudo.
É que sinto nos meus ombros um fardo enorme, a vergá-los fundo!
Atribuir aos 5o grande culpa de tudo coiusa é que não faço.
É provável, claro está, que fizessem desgaste, mas a fonte caudalosa a pleurisia a criou!
Já lá vai quase um ano, comprido e penoso, que baixei ao hospital, em procura de saúde. Houve muita injecção...hidrazida
não faltou; comi bem e repousei, com a mira no viver.
O trabalho não mata, que anda só por metade.

O que faz em mim ruína é estar convalescente. Eia, pois, coração rejubila, com ardor, que o descanso das férias vai trazer-te mais
ânimo! Ecos fortes na alma despertam a saudade, ao lembrar-me dum passado que me fez tão feliz!
Aih! as férias, que grande loucura, nos tempos de rapaz, quando
longe olhos meigos se alongavam pela estrada! À distância não se vê:
sente-a o coração, adivinhando, por certo, belas coisas de encantar!
Recordar é viver essa dita que já tive, quando o lar estava em festa, motivada por eu ir.
Chama viva a crepitar, diz-me ainda sincera quem foi que te apagou
e pôs no teu lugar cinza fria que não fala!

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Manteigas
1970-03-13
Finda hoje, exactamente, o período lectivo. Como sempre, ´é benvindo, pois traz o repouso que vitaliza, breve, a nossa existência.. A lém disso, é tempo maravilhoso de realizações, quando não de esperanças que, já de muito longe, estavam acenando.

Como tudo, aí no mundo, chegou este dia e, com ele também, a dor ou o júbilo. Chega tudo e tudo passa, ficando a lembrança, que
amargura ou dulcifica. Em lograções e fundos anseios , decorre a nossa vida, sem haver satisfação que alguma vez nos baste!!

Triste coisa é viver! Se não fora o Além-Campa e, por modo igual, seu rosário de mistérios, que importava a existência, entretecida que é em funda amargura?! Em contínuas lograções que meu peito dilaceram, vejo turvo o horizonte, que se estende à minha frente.

Quero muito e não alcanço, olho longe e vejo perto; sinto o peito em fogo que devora os meus anseios.
Sossobrou o ideal que não pude realizar: fui joguete de outras forças, que em verdade, nunca amei..
Impelido e comandado, fui seguindo meu caminho, sem saber a que mirava o intento de estranhos.
Que papel desolador e que sina lamentosa! Escolheram meu destino, evitando que fosse eu. Abri os olhos já tarde, quandi o nó estava dado.
Quis ainda rompê-lo, mas já não fui capaz! Deuxei-me conduzir.
Quem sou eu que vou assim, pelos caminhos da vida?! Não sou eu, com certeza! Outrem vai a comandar. O que eu faço não é meu!; o que eu digo é estranho e, se rio, é que choro, pois a vida foi-me imposta
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Manteigas
1970-03-14
Ó tédio, meu irmão e fiel companheiro, já que resolveste assentar arraiais, no meu peito dolorido, não queiras deixar-me! Seremos bons amigos, na viagem funérea, araves da perfídia que sempre encontrei no trilho de meus pés.

Há muito já que me habituei, e a longa convivência, é força poderosa a que eu não resisto. Poder grande ela tem sobre o meu coração, que não deixa nem tolera que eu viva sozinho!

Poderia acontecer, não tendo mais ninguém?! Em ermo, solitário, vaguearia decerto, já desesperado, objecto de insídias,
vítima de traições! Contigo, porém, avanço resoluto, arrostando vigoroso, com a sorte adversa?

Acompanha meus passos! Não retardes a marcha: os dois a lutar, quue vamos temer?" Não esqueças, então, o amigo de sempre: ele espera por ti; dá-lhe a mão pressurosa! Não me enjeites agora, que mais preciso de ti! Seria, de facto, aumentar o enjoo de viver, neste mundo!

Que me dás tu. ó vida,que chamaste por mim ?! Que é que prometeste à minha alma inditosa, só para enganá-la?!
A final, sou bem pobre de quanto eu amava! A dizer quem eras, não te dava ouvidos!
Mas, enfim, desfiou-se já o rosário de amarguras e reconheço agora haveres enganado meu pobre coração!

Do cortejo que sonhei, nesta vida atribulada, solitário me encontrei, sem desejos e mais nada!
Espoliado de tudo e bem calcado aos pés, induziram-me em erro e fui logrado.
Só já resta o meu Deus, que é Santo e Bondoso.
Pai do Céu, não me deixes, que morro e acabo, na solidão!

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Manteigas
1970-03-15
" Quem cabritos vende e cabras não tem, dalgum lado lhe vem"
O saber popular condensou, por vezes, em pequeas rimas , factos e máimas de perene realidade. Fruto mimoso de cuidada observação, mantém sempre cor viva , como fonte inexaurível de
bela poesia..
Foi o verso, com certeza, o primeiro arranjo como forma de expressão, Vantajoso é ele, que se guarda facilmente, contribuindo assim, para elevar a pobre Humanidade.

Voltando ums vez mais à sentença do início, temos ali, decerto, a clara explicação dum facto inegável.

Vender alguém na Praça aquilo que não ganhou e ter como seu o que não obteve é passar a si mesmo atestado de ladrão.
Efectivamente, como posso obter cabrito, sem cabra por mãe?!

Efeito de milagre? Achado precioso?! Ladroeira evidente!
A sabedoria de povos e gentes optou pela terceira. Opinião mais justa, reveste, ao mesmo tempo, algum ar de sensatez

Donde vem o que possuis? Se tu não trabalhas, como podes guardar?! Se o labor é diminuto, como podes engordar?!
Deduções apuradas, arrastam consigo fatal conclusão! Milagres... só Deus! Acaso não é regra! Logo, impõe-se o restante!
Aqui temos em síntese como o povo ignorante se não engana, ao fazer juízos! E podia acrescentar-se. em abono do que fica, um segundo provérbio, que os Latinos deixaram: Vox pouli-vox Dei! ( Voz do povo, voz de Deus!) É o mesmo que dizer, em
linguagem sintética: O povo não se engana1

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Manteigas
1970-03-16 Notícias frescas, chegadas ontem!.
Por mais que reaja e tente olvidar, não acho maneira!
Aquilo que me fazem, de bom ou de mau, grava-se a fogo no íntino da alma!
Com tudo eu posso, inda que seja a desgraça. mas nunca suportei um rosto hipócrita. Afáveis maneiras, ditos rebuscados,
atitudes calculadas, que não brotam espontâneas da alma de alguém!...
Que devo esperar de tal proceder?! Confiar em alguém que se desfaz em juras e depois, atraiçoa, descaroável, rudemente?!
Em que pode a falsidade vincular o coração, se eu detesto seus caminhos?! Que se come do fruto, quando os olhos o cobiçam?! Ir de encontro ao sabor, coisa é que não faço!
Sinto ganas de vómito... alanceia-se o peito! Vai na alma um furor que não posso evitar!
Um sujeito a mentir, sem honra nem palavra, garantindo mil coisas, para, finalmente, calcá-las aos pés! Eu que fiz por seu bem o que o pai não faria! Dão-me as graças assim, quais rudes muleteiros,!
Vale a pena imolar-me viver para alguém, quando a gente não espera o sorriso dum bem-haja?! Quem trabalha lealmente e procede como amigo, deve ser considerado e jamais ofendido!

Minha sina, porém´é levar assim troco.
Que me sirva de lição, no porvir da existência! Aprenderei com ardor, neste livro doloroso, a viver de outro modo!, sendo mais cauteloso!
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Manteigas
1970-03-17
Já mostrei desagrado, ao falarem do espaço, na mira de conquistas.Opunha eu então que, havendo tanta fome,achava insensato esbanjar deste modo, somas astronómicas, viagens hipotéticas e desnecessárias. Por outro lado, necessidades prementes, de cultura e progresso, a ajuda humanitária, enfim, mil coisas, a abundar na cabeça!
Hoje, por sinal, defendo a mesma causa, visto serem iguais as razões para o fazer! Entretanto, sou menos virulento e mais compreensivo. O meu globo é mesquinho e tão reduzido!!Quem sabe?! Para além dele, muito longe talvez, poderemos encontrar o que nos falta aqui: humanidade, compreensão, ventura e paz!
Não é dinheiro, bem sei,: representa mais ainda. Viver serenamente, adormecer tranquílo, não ter a gente a espada de dois gumes, prestes sempre a desabar sobre as nossas cabeças!

Como devia ser bom! Chegaá essa data?! O pão de cada dia, bem assegurado e garantido, e um pouco de sossego que as guerras vão roubando!
Como não havê-las se as famílias, de facto, não se entendem já e, por questão de interesses, cortam relações, vivendo
como estranhas! São as partilhas, assunto, já se vê, de lana caprina! Talvez, sei lá, inconfessáveis desígnios, que agora não vêm a talho de foice.!
Quem me dera, pois, vogar sem limites,, pelo espaço aéreo,
com vista a encontrar o que amo em extremo! Faltam asas para tanto: só me fica o desejo.. Este, sim, que voa sempre, mais veloz que a luz e, sem asas embora, vai ele trsnspondo as paragens mais remotas.
Se eu ficasse lá no espaço a vogar eternamente! Esqueceria o passado, iniciando outra vida. Renascer... quem me dera!
Isto é sonho e pura fantasia!

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Manteigas
1970-03-18
Quatro mil trezentos e setenta e cinco contos!

Ascendeu a tanto a compra dum prédio, na cidade Lisba.
Inventado não foi! Ouvi-o hoje mesmo à pessoa encarregada que interveio no assunto. Não duvido, realmente que haja suado quem mandou agir. Conheço a pessoa que é respeitável e muito considerada!
O certo, porém, é que mandou prevenir, com a mira, já se vê, noutro prédio igual
Factos do género, que são conhecidos e muito frequentes, vêm bulir-me com a sensibilidade. A grande riqueza vai-se acumulando,
excessivamente, nas mãos de poucos, em dano de milhares que não passam da miséria!
Os bens deste mundo foram dados por Deus, com vista ao bem geral. Por que vemos nós, então, de peito oprimido e olhos chorosos, reunir em poucos o que o Céu deu a todos?!

Sei muito bem que o dono de uma Empresa arrisca muito mais que os seus trabalhadores, razão pela qual mais lhe cabe também
Entretanto, o operário arrisca a própria vida, que é um bem superior, a nenhum comparável. Por esta razão, tem direito inegável a maior benefício do que está usufruindo.

Por que será então que uns prosperam tanto, ao passo que os outros não passam do mesmo?!
O trabalho humano é vida e alegria, alguma coisa de sagrado, inviolável e santo..
A concentração dos bens terrestres, em montões descomunais, o que,
ao mesmo tempo, é escândalo chocante, não pode entrar na cabeça de ninguém!
O capitalismo é feia doença que urge moderar, embora forças adversas se dêem as mãos. afim de obstar.

Comam todos à mesa que Deus ergueu generoso, para a Humanidade! Acabe, de uma vez, a fome e a penúria que deixam nos rostos sinais eloquentes! Vê-se ali estampada a marca da desgraça!

Não é Comunismo aquilo que se deseja, pois tenho fé e creio no Senhor! Quero eu, sim, distribuição mais justa dos bens inalienáveis que são afinal património de todos
Siga-se, na questão, a doutrina social que a Igreja apresenta!

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Manteigas
1970-03-19
" Se eu bem quiser, posso ainda voltar a menino, esquecendo o passado"
É a tese famosa do romance franês, "Le voyageur sans bagage".
Será possível realizar na vida este sonho tão belo?! Remontar ao princípio, começando outra vez?!. É bom demais, para ser crível!
Lançar no olvido quanto nos feriu... não mais pensar em tristes re alidades... apagar de vez quanto estava escrito! Era assim, de facto.
nos palimpsestos!
Por economia, apagava-se a escrita, utilizando de novo esses materiais. Contudo, sucedeu, por vezes, ficarem dois textos, igualmente decifráveis: o antigo e o moderno!

E se o mesmo ocorresse, no caso em estudo?! Começar vida nova e, ao mesmo tempo, avivar-se o passado! Havia de ser algo cruciante!
Um toque a rebate, em vivo protesto contra manhas da vida! Alguma
coisa, talvez, como um dobre a finados, quando o morto ouve ainda e não perdeu, por inteiro, a consciência dos factos.

Ah! Mas se fosse possível riscaria da vida, aquilo que a deslustra! Ânsias incontidas, amargos suspiros, veladas solitárias!
Qual náufrago inditoso que a desgraça poupou, também eu vim à praia, mas não para gozar! Joguete infeliz de estranhas manobras,
voguei à deriva, por ondas insofridas!

Lutei com energia, cansei os meus braços, perdi a coragem!
Um dia, porém, que julgava ser o fim, vi-me salvo na praia, sozinho
... sem nada! Esgotado já e sem esperança, volvo olhos tristes para as águas inquietas.
Pareceu-me estarem mansas, acenando de longe. Mas eu tive medo, recordando o naufrágio e, por mais que fizesse, não havia descansar!
Esquecer-me de tudo,... voltar a menino... quem dera que fosse!
Mas o perigo voltava em sonhos e o mar estava perto! Fugir de mim não podia!
Deixei-me ficar e logo adormeci, para não acordar!

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Manteigas
1970-03-20 " O mal e o bem à face vem"

Qual espelho de cristal, o rosto acusa logo o que vai cá dentro. A dor e a alegria estampam-se ali, de modo iniludível.
Por mais que disfarcemos,, impossível encobrir, pois somos denunciados, contra a nossa vontade.

Os olhos sobretudo, exercem, neste caso, um papel importante.
Quais janelas da alma, cumprem , a rigor, a missão reveladora.
Mortiços ou vivos, parados ainda ou então buliçosos, mostram claramente as paixões que nos afectam.

Erguidos ou baixos, de través ou a direito, acusam, prontamente,
favor ou má vontade. O que irrita ou deleita, o que os abre ou cerra , todo esse mundo, cheio de mistério, que nos embala ou deprime, é campo denunciado, em toda a extensão.

Vagaroso ou célere, o seu movimento vai pôr-nos ao corrente de quanto vivemos.
Em abono da verdade, acodem também as faces prestáveis,
Coradas ou pálidas, anunciam claramente o mundo interior. Como nuvem à distância, encobrindo o Sol, velam por modo igual, a luz dos nossos olhos,anunciando tempetade. São, pois, livro aberto, onde lêem nosso fado, abendo os estranhos quem somos nós e o mal que nos aflige.
Há mannhãs esplendorosas, com aurora de prata, vindo o Sol afogueado recobri-las de ouro. Que majestade soberba! Que oceano encantador! Fundo pélago de luz, quem me dera ali banhar-me!
É assim a nossa fronte, em bons dias de ventura, quando os olhos jã inundam toda a face, em redor! Manhã linda em nosso peito,
dia ameno vai na alma! Primavera sorridente, que inebria e logo aquece!
Mas a vida aqui, no mundo, não promete só ventura... só amor e prazer. Virá depois o Inverno molesttar os corações! Olhos tristes, apagados, em que a luz virou treva, acabai o vosso pranto, pois vou desfalecer!
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Manteigas
1970-03-21 Todos querem ser ricos.

Lutar, a valer, por uma vida melhor, coisa é de louvar; mas cobiçar o alheio, foi sempre detestável! Entretanto, a regra seguidal
baseia-se no útil, Deve fazer-se aquilo que dá lucro. A norma suprema baseia-se, como vemos , na utilidade. jamais se atende aos divinos Mandamentos.

É, a rigor, a teoria do Príncepe, escrito por Maquiavel: o fim em vista justifica os meios. Se for necessário, pode mentir-se, já que, deste modo, algo se alcança.

A ambição da riqueza estende-se a muita gente, ignorando, talvez que, para um ser rico, empobrecem mil!.
Partindo já dum falso princípio - enriquecer,custe ou não custe, doa ou não doa - envidam nessa mira todos os recursos. Mudam etiquetas; mentem, jurando; substituem, às vezes, a mercadria!

Eu sei lá bem do que são capazes!
Faz enjoo tal agir e causa repulsa irmos às compras! Ficamos sem dinheiro, rindo-se de nós!
Ao mesmo tempo, dois malefícios!

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Manteigas
1970-03-22 Domingo de Ramos.

Que saudade imensa, evocando o passado! Muito longe ainda, já andava preocupado! O ramo a descobrir, para levar à igreja,
onde encontrá-lo?!
Havia de ser alto, o maior de todos e muito engalanado!
Calculara tudo já, com enorme precisão! Laranjas vistosas, fitas coloridas, e florinhas silvestres.

Ao longo dos muros e até no seio dos mesmos carvalhais,
encontravam-se aos montes! Chamavam-se 'cordinhas': o aspecto arro- xeado casava- se bem com o tempo da Paixão.
Semana maior em que todos mergulham na tragédia imensa da Paixão do Senhor, no Monte Calvário!

Domingo de hossanas aquele das Palmas, seguido, em breve, de graves impropérios! Como tudo é volúvel, no mundo traiçoeiro!
Quero antes a Deus que ao terrível Mamona!

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Manteigas
1970-03-23 Quando esperam por nós.

Se alguém está esperando, há vida e alvoroço, e o peito estremece, ao grito da saudade! Há vontade, há intento, há desejo de partir... um grande à-vontade, que é força e vigor, poder forte que domina.
Passam dia, passam horas e o tempo não avança! Avança tão só o imenso desejo que tortura o coração!
Vai na alma tempestade, instigada com vigor! É-se outro, dizem logo os que vêem nossos modos.
Gentileza e serviço, tudo somos, nessa hora. O sorriso vem depressa espelhar-se no rosto, e os olhos são faróis que desfazem a treva.
Movimentos agitados,... ansiedade... inquietação...
Que vai então por nós que figuramos ali ser já tão diferentes?!
Haverá desdobramento que divida a nossa alma?! Ou será vida nova
que brotou, inesperada?!
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Manteigas
1970-03-24
Ao quadro anteposto que dá cor à vida, opõe-se outro bem triste, que dela nos desprende: é alguém que vai partir, com enorme alvoroço, porque ao longe o aguarda solidão opressora!

Em vez de sorrisos e ternura amorosa; em lugar dcarinhos e vozes de meiguice, apenas o silêncio, esmagador e tirano!
Arrastando a existência que lhe pesa tão forte, lá vai o infeliz, a caminho do infortúnio. Autómato e cego, com os olhos no chão, que
lhe importa chegar?! Que lhe interessa partir?!
Vede-o arrastando seus pés doloridos, que já ninguém lastima nem tenta suavizar! Objecto agora de suma indiferença, vai cumprindo seu destino, até que a morte se abeire e tenha compaixão.
Afastai-vos já!Não olheis, agora, que lá vai, sem Norte!
Não tem eira nem beira um desgraçado! Nem sequer inspira dó!
Somente Deus está esperando o triste solitário, num mundo já melhor!

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Manteigas
1970-03-25 Arranque para Lisboa

No dia 28, embarca meu cunhado, com rumo a Luanda. Que Deus o acompanhe, já que vai por bem..A luta pela vida obriga a renuncia, impõe sacrifício e origina, por vezes, cruéis separaçóes! O Infante
D. Henrique aguarda no Tejo, enquanto nós, pressurosos, levantamos o bilhete. Uma vez na baixa, é fácil obtê-lo.

Pela Rua antiga de S.Julião, avançamos logo, indagando os olhos, com todo o esmero e desembaraço. " Companhia Colonial de Navegação!"
É ali! Outros se empenham, levados também por iguais razões.
Haverá dificuldades? Não! Tudo em ordem! Nada há que desmanche! Há dois dias ainda, para a gente folgar ou melhor diria:
apenas um!
É 5ª feira. No dia seguinte, despacham-se as malas, até que, por fim, surgirá, no horizonte. o dia fatal!

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Manteigas
1970-03-26 Visita agradável ao Jardim Zoológico

.Entre a fauna variada, encontrei exemplares que muito
apreciei. Incluindo até os do meu conhecimento, originaram prestes
vivo entusiasmo que, a breve trecho, se tornou irresistível!
O curioso elefante, bonacheirão e tão paciente; o camarada velho, angariador de moedas, em troca manhosa de feixinhos de erva; a girafa-bebé; a aldeia dos macacos; a mãe-chimpanzé, de filhito ao peito, desventrando-se em carinhos, que encantam e chocam; o cemitério dos cães, ostentando, orgulhoso amáveis dedicatórias e chocantes legendas!
Que fauna abundante! Que variedade imensa! Que mundo animado e cheio de interesse!
Rinocerontes e diversos ursos, palancas e camelos, zebras e guanapos... Que doce enlevo para as crianças! Ali vão esquecer amarguras e pesares, para que reine a ventura , a paz e o bem-estar!

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Mamteigas
1970- o3-27 S. Pedro do Estoril.

Atravessar cauteloso a linha de Cascais, galgar a planura, começando, para logo, a ascensão da ladeira...Um desvio à direita, nova subida, ainda mais íngreme, fazendo em se guida, rumo à esquerda.
Após breve espaço, inclinado suavemente, o qual já convida, ergue-se airosa, dominando o horizonte, uma bela moradia.
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Procuro alguém, que vive ensimesmado, lá no interior - o Doutor e parente, Dr. Evaristo Franco. Hesito um pouco e olho então, demoradamente. Havia de ser ali, que a moradia era muito conhecida. um portão de ferro, aramado e baixo, veda a entrada, enxergando-se, ao cabo, a garagem do Opel. Logo à direita, uma torneira brilhante, acabou de convencer-me.
Ao passo que vou sondando as varandas que avisto, uma cortina se arreda, emergindo ali, discretamente, um rosto de mulher.
Reconhecendo-me breve, eis que a porta se abre.
Convidado a entrar, encaminho-me ao segundo. para abraçar o proprietário.
Fico estarrecido! Era aquele, realmente, o Doutor Especialista, Evaristo Franco?! Estragos de dois anos justificam tal baixa?! Amortecido e avelhado, lá estava ele, sentado numa cadeira
Onde o brilho intenso duns olhos inquiridores?! E o entono da voz, em que punha vibração?! E o chiste apropriado que lhe brotava dos lábios?! Dois anos somente provocaram tal ruína ?!
Sinto-me vergado! Uma amostra é que é! Ele, de facto, não creio que seja!
Vivo e brilhante, documentado e muito expressivo, era um regalo privar com ele! Amável e prestimoso, não podia esquecê -lo!
Agora, porém, como é diferente!. Foi o tempo, na verdade que o prostrou e venceu?!
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Manteigas
1970-o3-28 "Partings are alwys sad!

Rumo a Luanda, sai hoje de Lisbo quem eu estimo e bastante prezo! Por isso, lágrinas prontas rompem atrevisas! Ociitá-lo?
Para quê?! Desafogando o peito, mostramos, sem querer, um vislumbre de bondade. Quem não chora é feito de bronze!
Verter assim pranto é dar mostra clara de alma generosa! Como é bela a amizade! Bem custa perdê-la! Rareiam os amigos e há tanto desengano! Os que mais recebem é que são mais ingratos!

Fazer bem, sem retorno e à margem de lucro, é mosrar-se credor dum bem incomparável, que so em Deus encontramos. Por isso, quando temos, realmente, um vislumbre de amizade. é o Céu que nos acena, da brilhante Aurora!
Oito horas à espera, nada fez arredar-nos!
Às 6 da tarde, após grande tortura, desamarram-se os cabos, e o Infante deixa o porto!
A amurada, nesta hora, é um constante fervilhar: gente clama... gente acena... Ficam outros a cismar!
Troca longa de olhares, que se apuram então e logo embaciam! Vai andando, pelos ares, um murmúrio enternecido.

Vão suspiros afogados, dolorosos, tão fundos! Um cismar longo, longo, que toma o nosso peito, mergulhado em aflição!
Quantas ânsias irrompendo! Quantas mágoas sufocadas! Um futuro que negreja... um porvir que é mistério!
E eu sinto na minha alma despejarem-se aos montões, os destroços da vida, as ruínas da aflição!

Olhos vejo marejados, em crianças a sorrir! E os adultos pasmados, dos trabalhos passados, não crêem no porvir!

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Fátima
1970-03-29
Ah! Lugar abençoado que a Virgem, pisou!!

Vindo de Lisboa, ao tocar na Batalha, não pude resistir! Dezassete quilómetros que eu ia atrasar?! Que é que pesa em mim a matéria da vida?!
Outro alvo diferente, outra bela esperança me douravam a existência.. Recordar o pass ado, inebrear a minha alma...Seria pouco ainda ?
Fui aluno, em tempos, do velho professor, José Ribeiro de Almeida. Que me prende ao amcão, arruinado já pela trombose?!
A Escola Primária, que vai tão longe! Seja embora assim, eu tenho-a guardada, aqui no meu peito!

Quando vejo o professor, todo eu canto e rejubilo, e o meu ser em vibração, não conhece tristeza! Afigura-se logo que estou
remoçando! Fui ditoso, de encontrá-lo, embora, na verdade, uim pouco doente! Sorriu ainda, na dor importuna e conversou animado.

Recordámos o passado que se vai esbatendo e entre nós,surgiu, em breve, um mundo novo, colorido e viçoso! O olhar
amortecido já não tem, decerto, o brilho de outrora.Por esta razão, meditei longamente, na danosa erosão dos malignos vendavais!
Constante lima a obrar, sem cansaço nem repouso, és, ó tempo, bem cruel, pelas grandes ruínas que vais acumulando!

As pessoas venerandas que desejava encontrar, se as fixo, pasmo logo, porque foste impiedoso! Por que é que não descansas, por longa temporada?!. Pára lá, vai folgar, que receio teus empregos! Anda! Ouve e actua! Não persistas no querer!
Poupa, ao mesmo tempo quem amo... Vai para outro lugar!
Eu contigo nada quero! Nem sequer um dar-de.mão!

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Manteigas
1970-03-30 Chegada a esta Vila

Como é de supor, estranho logo o frio, cortante e gelado.. Parecia da Sibéria, com propósito firme de insinuar-se no peito,repassando a alma!.Por isso estremeço, horrorizado, ao sentir-lhe os efeitos..
Treze anos passaram, envolvido nestes montes,com invernos rigorosos, de chuva e nevoeiro. A rematar o final,,surgiu-me a pleurisia, resultado, por ventura, de frio e cansaço! Agora, tenho medo.Tudo causa apreensão:a morte e a vida, a eternidade e o próprio tempo!.
Por que é que não busco um lugar afastado, onde possa descansar, reavendo o perdido?! Foi já muito, bem sei, e o melhor desse bem nunca mais volta a mim.Resta apenas saudade, em que a dor se instalou, para falar dum passado, que foi e não voltou! Vou matá-lo no seio!
Serei capaz de o fazer?!
Com um golpe certeiro, firo a dor e o prazer!

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Manteigas
1070-03-31
Vai girando esta roda, que não pára jamais, para cerrar o trimestre e lhe pôr seu remate. Pelo fim, vê-se a obra, assim diz o Latim. Eu, porém, nada vejo senão a sombra de mim!

Sinto asas que pesam e me prendem à terra, em vez de me elevarem às alturas do Céu!
Sofro imenso com isto e a Deus indulgente eu peço perdão: não me tire contas, rigorosas e estritas, que d´Ele me afastem!

O prazer é engodo, mas não vai saciar-me: tenho em mim deselos que ultrapassam os astros! Por que vivo tão pobre de conforto e amor?! Ó meu Deus, é que eu mereço, de facto, esta cruz angustiadora!
Sinto em mim atracção que me puxa à direita, mas vem logo outra igual contrastar a primeira. Seu poder é imenso e eu, pobre criatura, não consigo furtar-me aos embates brutais!

Oh! Senhor, Que vida a minha! Por que é que não vens, em meu pronto socorro'! Grito, choro e gemo... a Ti invoco! Não quero
perder-Te.
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Manteigas
1970-o4-01
Já foi não sei quando, De passagem por Fátima, uns anos atrás, deparou-se-me à vista o saudoso professor. José Ribeiro de Almeida, que me ajudou, paciente, a dar passos firmes, nacarreir a da vida.
A pronta alegria invadiu-nos a ambos e foi grande o meu espanto, ao levar-me, habilmente a casa do ti Marto.
Velhinho simpático e marido estremoso, acompanhava a ti Olímpia,
junto à moradia.
O pai da Jacinta, vidente de Fátima, olhou-me indiferente. Vira
já tanto homem! Como não aborrecer-se a aturar tanta gente?!
Todos queriam vê-lo e falar-lhe também.
Sendo ali apresentado pelo meu professor, ganhou confiança, falando cordeal.

Impunha-se, desde logo, confraternizar. Foi o que fizemos, bebendo cerveja, na taberna próxima, onde galhofámos, sem restrições.
O bom do ti Marto , que me parece ver agora, aproveita o ensejo, para dar-me lições! Fosse eu então julgar que sabia os mandamentos! Trata-se, é claro,, dos preceitos da taberna!

Escutei-o, pois, nun silêncio de túmulo, escrevendo num papel
os seus ensinamentos!
O rodar do tempo fê-los olvidar, perdendo eu o papel de registo! Mas agora, volvidos alguns anos, ouvi reproduzi-los ao meu professor.
São eles 5: 1, entrar; 2 . mandar vir; 3, beber; 4 pagar; 5 , andar.
Creio serem estes! Apenas tenho dúvida, acerca de um.
Se bem me´lembro, rezava um celes: não se sentar!
Qual seria, dentre os 5? Vá eu lá saber! O ti Marto já partiu
para o mundo dos sonhos, bem melhor do que este
Nuta
Em vez do 5º, deve ser este: Não se sentar!

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4Manteigas
1970-04-02
Ontem. precisamente, foi dia de enganos! Toda a gente, em Portugal, salentando-se os novos, demanda ressurosa a bela
oportunidade, para fazer algumas partidinhas..
Com ares santanários ou então senhoris, abeiram-se de alguém, procurando lográ-lo.
Que prazer se não sente, quandio há bom êxito! É rir, desde logo, a bandeiras despregadas

A outra parte lá fica vexadaou mesmo sumida,, espreitando ensejo, para larga desforra! Passou o dia como tudo passa! Que é que ficou dele, em nossa lembrança?! Cinza, pó e nada!, pois nisto redunda o que vemos aí. É tudo matéria e, nesta qualidade, sujeita portanto a desagregar-se. Começo e fim! Um exige o outro! Apenas o espírito é que foge à regra
Voltando ums vez mais ao dis dos enganos, que é, de facto, a vida?! Engano permanente! Engano, logração!Descaroável frustração... decepção amargurante! PPodia até chamar-lhe
desapontamento sumo!

Se não fora, na verdade, o plano divino, que amargura a existência, com vista à santidade e, poresta ao Céu, com imortalidade, , nada tinha sentido!
Rimos dos outros, se ficam logrados. Por toda a parte, há ciladas, estendendo-se estas aos próprios animais. A traição e o
embuste, a vigarice e a doblez assentaram, há muito, arraiais, neste mundo! Hipocrisia da vida, quando vem o teu fim?!

Por que rimos dos outros,, se temos igual sorte?! Vivemos em engano... tentamos enganar e até alguns há que nasceram por engano. Que desconsolado é esse destino! Que miséria lastimosa e que fim miserando!
Se Deus não acode, remediando tais mazelas, estou que o nosso fado é bem de lamentar!

Providência divina que tudo alcanças, não me olvides, pobrezinho, neste mar proceloso!
O meu batel é frsquinho e as águas tão revoltas!
Impõe, desde já, teu poder soberano! Desta maneira, ficarei,
sos se gado!
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Manteigas
1970-o4-o3
Trilhei, uma vez mais,, a terra de Fátima. Foi a 30 de
Março, mas a sua lembrança jamais se dilui na mente
inebriada. Quem lá entra alguma vez sente,por força, alguma coisa estranho, ao primeiro embate!

Não foi em vão que a Mãe de Jesus ali apareceu! A sua influência vai perdurando: transformando : transforma em céu a Cova da Iria ! Aquele cenário falará eternamente dum facto divino.
Notei, de relance, azinheiras carcomidas e o meu coração alegrou-se de as ver!
Reconheci a copa o trono real, onde a Virgem poisou! Devprei, com oa olhos, a humilde capelinha, em cujo interior, sorri a nossa Mãe! Fixei, por longo espaço, o invóluc, velado a nossos olhosro do caule, velado a nossos olhos!

,Ramagem não ostenta, que a piedade filial há muito a levou1
e As brancas pombinhas, que animavam a estância?! Procurei-as em vão, pois tiveram seu fim. Moravam bem perto na azinheira assistida. Esta, sim! Já está remoçada, mas as pombinhas é que não encontrei!
Vela azinheira, como podes viver, se não te visitam as aves columbinas?! Se eu me não engano, também estranhaste! Vi-te mergulhada em longo cismar!

Não te falta, por certo, bela seiva a girar nem cops frondosa , bem exposta à luz! Diz-me, pois, que é o que te rala! As lembranças da azinheira que a teu lado morava e da qual resta apenas um caule trcado?!
Eu não sei bem, mas presumo, desde já, que algo te dilacera
abrindo em teus ramos fonte ao chorar! Por isso, afasto-me, de peito oprimido, lembrando a amargura que te invade o seio.

Deixa, não penses, que o cismar é doença!
Alegra os teus olhos: as pombas voltarão!

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Manteigas
1970-04-04
Postado num canto, esperava, resignado, que alma bondosa lhe prestasse ajuda. Era nada o seu vulto, pois todos passavam, não olhando sequer! Uma pedra sensível, objecto calcado, a ninguém interessando!

Oh! Praça do Chile,imponente e majestosa, que triste impressão me deixaste gravada! Foi a teu lado que o vi implorando!
A mão estendida! Os olhos cerrados!

Lisboa tão rica, olha indiferente para quem sofre! Resgatado por Cristo, no Monte-Calvário, aquele infekiz não merece atenção!
Deslizam peões, circulam viaturas e aquele velhinho... Quem olha para ele?! Que mal terá feito, para ser desprezado?! Se as próprias
feras, embora daninhas, geram compaixão, quando retidas, em escura masmorra!
Quem é que te lançou na agonia sem par de quereres comer, sem podê-lo achar?! Tratamos animais; há neste mundo, sociedades protectoras... somente os teus ais não comovem nunguém?!
Torcido e calcado, olhado com desdém! Já chorei teu destino, desgraçado irmão! Não entendo estes homens e sua filantropia!: so querem louvores, ignorando a modéstia! Tive pena de ti, pois que és meu irmão. Se Deus é nosso Pai, como hei-de chamar-te?!
Encolhido e sujinho, retorcido como cepa, vegetas a cuso, na aridez deste mundo!
Confia no teu Deus, que é Pai, não carrasco!. Ele ama os infelizes, que se arrastam como tu. Se não vês deste mundo a beleza sem par, outra ainda mais rara te espera no A lém. Vale a
pene sofrer, inda que seja bem duro! pela ventura do Céu, que se fez para os bons.
Eis, pois, meu irmão, não chores assim: um dis verás melhor,
nos esplendores da Glória!
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Manteigas
1970-04-05 A Moda

Esta palavra desorienta o espírito. É verdade que, às vezes, traz belos padrões. Outras, porém, e são em grande número, que desconchavados e excêntricos modelos!

Aconteceu,à data, nas ruas de Lisboa.
Curioso e pasmado, seguia, de olhar, os "andores! garridos. Que falta de gosto e não sei se diga,, rematada estupidez!

Admito, s.im, que se explorem os contrastes, pois fornecem asprctos que agradam bastante! Aqui, porém, não posso anuir!
Saia a fugir, com receio da perna, e capa-giigante a arrastar oelo chão!
Onde a belez que se imponha e triunfe?! Onde a harmonhia que seduza e cative?!

Eu até julguei, aqui muito à puridade, tratar-se de espantalhos, para aterrar os mortais! Também evoquei os jubilosos
folgares do ousado Carnaval, em que tudo se permite e tudo fica bem, a ninguém incomodando. Ou será que a mesma vida, em Carnaval transformada, não distingue já os tempos nem separa as situações?!
Que mundo estranho é este, em que vivo e me agito, oferecendo a meus olhos só causas de espanto?!
Deslizavam mocinhas, varrendo as avenidas, enquanto a seu lado, macerados pelo vício, arrastavam a existência lanzudos avelhados! Olhei para os seus olhos,, procurados em vão: eram fundos, encobertos, a tenerem a luz!
.
Tive pena, confesso, chamando então à fala um desses infelizes: aonde vamos assim, com os jovens já velhos?!

Elas, deslumbradas por uma luz fulgurante, vão cavando a ruína de uns e outros, juntamente! É o fim, não há dúvida! Acabou o nosso tempo! No.va era se processa, em que tudo é diferente! Fosse ela de progresso e amado bem-estar!. Não teria dizeres , para logo a exaltar!
Mas assim, tão canina e sensual! Poderemos contar só com pêlo e banhas! A matéria apodrece e não deia vestígios. Só a alma engrandece, pono cunho perdurável em quanto em quanto realizamos!
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Manteigas
1970-04-06 Ontem já, realizou-se o mercado.
Excepcional fervilhar, logo pela manhã, e inúmeros veícolos, estacionados, como usam, ao longo da ertrada!
O S ol radioso e o céu imaculado eram bom agouro para a vida mercamtil!!
Logo à entrada, mostravam perícia os hábeis condutores.
É estreito o acesso, o que obriga, por certo, à desxtreza em conduzir
Erguem-se barracas, em iugares diversos, já de antes fixados,
colocando os produtos em longos cordões ou vastas plataformas
Alguns vão suando, por estarem sozinhos,. Erguer f erros pesados, fixando-os na calçada, é tarefa bem dura pa quem está só!. Apesar de tudu, esforço e paciência realizam o milagre!

A luta pela vida, o anseio de ganhar, a necessidade...
E eu olho, inquiridor e noto, com tristeza , que grande amargura invade os c..oorações

Negócio fraco! Um dia perdido? O que foi em despesa, alcavala a pagar... será compensado em lucro razoável?!
O problema aviventa-se, o martírio encruece, a aflição vai minando as cabeças agitadas. Eu, no local, parece que não atento,
conservando-me alheio, mas a verdade é bem outra daquela que julgam!
Sinto imensa pena e deploro tal sina, porque vejo pintadas aflições e desgostos, Em frente do mostruário que ostenta a mercadoria, espera ali alguém que é também meu irmã. O sorriso apagou-se ,os lábios descorados e o carmim de suas faces vai-se já esvaindo! O olhar, quebrantado perdeu igualmente sei vivo fulgor!,

Sol posto, fez-se noite,, e a luz já não brilha!
Lá bem distante, olhitos inquietos,, meigs e ternos,devassam o horizonte e boquinhas famintas abrem-se ao pão que o pai foi ganhar!
Será h.umano e possível chegar o fim do dia, sem trazer o sustento que dá tranquilidade, paz e alegria?.

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Manteigas
1970-04-07 Aniversário

Ontem ou hoje é dia festivo, Embora não meu, é como se o fora!
Festivo, disse eu, e é mais que certo, mas unida a esse acto a dor
mais profunda! À maneira da saudade que, por vezes, alenta e logo desencoraja, também isso me eleva e depois me aniquíla.

Qual astro fulgurante que birilhou no céu escuro, arrebatou-me, desde logo, para deixar-me, seguidamente, desconsolado e só, mais torcido que nunca.
Que me resta, pois, agora?! A que posso agarrar-me?
A vida, assim escura, não tem incentivo que me prenda cá, em baixo. Q..ue pensar ou dizer, arrancando as raízes a uma planta de porte?! Desligada do solo. impossível viver!
Aonde ir buscar os sais necessários que formam a seiva, para manter a sua exirtência?! Que lhe presta o carbno, axistente no ar?!.
Por três fortes raízes, me firmava, neste mundo. Agora, portanto, se o vendaval as rompeu, que me resta, pobrezinho, sem apoio nem amor?!
Há mot.ivos ainda, para viver mais além, mas é débil esta causa! Eu aspiro a muito mais.
Bem pensava, realmente. qua tinha grande arrimo e sorria ditoso!, por me ver contemplado.

Mais ditoso não supunha que alguém pudesse haver, realizada como estava a suprema aspiração. O que sempre desejara, já o tinha em meus braços. Era meu... muito meu! Oh! que grande ventura!
Vi-te um dia pela tarde, e beijei-te na mão! Eras um anjo que beijava , dos mais puros e belos, Nunca dera. em minha vida, beijo puro como aquele! Foi tão puro e divinal, que logo trouxe, por efeito, dois sorrisos celestes.

Tu,, ó meu Pai, é que deste essa prenda, e a levaste para Ti, que de tudo és Senhor. Seja, pois, como queres! Fica mais uma saudade a prender-me a essa Pátria que desejo alcnçar,

Paizinho do Céu, em tarde amena de Abril de 1968, fiz esta pergunta se Tu a quiseres, privo-me já do meu rico tesouro. Não estou arrependido, mas tenho saudades.Cala-me a certeza de que
vais dar-me o Céu, em recompensa!

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Manteigas
1970-0-08 "Incapacidade total para a vida prática".

Assim escreveu Fidelino Figueiredo, se a memória é fiel, ao esboçar o retrato psicológico do opovo português.
Assiste-lhe, em verdade, grande parte de razão, pois se trata de pessoas, nas quais o sentimento e a afectividade excedem, geralmente a razão e o bom senso.

Imaginativos, harto sonhadores, amantes de perigose aventuras arriscadas, ninguém os convide para estudos calmos e bem aprofundados - trabalho árduo e assaz fatigante!
O lado prático da vida real e o esforço constante, o debruçar porfiado, sobre a realidade, coisas são que ele não entende!

Actividades leves,, transitórias e dispersas, pelo mundo do sonho, roçagar unic amente a superfície lisa da realidade! Por que temos pouca aura, no campo da Ciência? Na verrdade, à excepção de Pedro Nunes, Bartolomeu de Gusmão e coisa ssim, se nos se nos depara pouco mais se nos depara, no campo científico-
Mesmo em outras zonas, logo que se exija e sforço aturado,
já falha no geral!,
É examinar o que vai pelo Teatro. Com efeito, se tiramos Gil Vicente e o amoroso Garrete, que é o que fica?! Que vale, sem eles o nosso Teatro?!
Só com estes dois, não podemos igualar, de modo nenhum, a Inglaterra e a França ou outras nações.
O próprio Garrete só apresentou uma obra de génio - o Frei Luís de Sousa.
Se passamos ao Romance, verifica-se ainda a mesma realidade.
Pelo geral, mais se trata de Novela que Romance autêntico. Este exige, na verdade, aturado estudo, o que não se coaduna, bem entendido, com espíritos leves.

Até os meios de vida revelam o que afrmo.
A modéstia secular do nosso viver, com zonas coloniais, tão ricas e extensas, a que foi devida?" Unicamente à virtude?! Também não c creio seja apenas inépcia ou falta de acuidade! Há um resíduo forte de enorme preguiça e desinteresse.

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Mantigas
1970-04-09 Aniversário

É data festiva ou ainda, como hoje acontece, data funérea. Faz um ano, exactamente: Às 9 horas da manhã, dava eu entrada, no Hospital desta vila.

Entre os dias amargos da vida passada, ocupa este, sem dúvida, o primeiro lugar! Que futuro anegrado se estava se estava esboçando!
Que dias intermináveis, sem poder trabalhar! A ansiedade comstante oprimia-me o seio e a dúvida cruel espicaçava-me a alma! Como seria deveras angustiador o meu triste viver, no incerto porvir! Nem visitas nem livros! Iria sucumbir, esmagado pela dor!

Privar-me do que amava! - as minhas aulas! Impossível, já se vê! Não levava eu já uns, 24 anos ,em lidas escolares?! Dabatia-me, pois, entre a dúvida cruel e a grande amargura, atirando-me, atirand.o-me , sem dó, aos escolhos da angústa!

Os meus alunos, tão estremecidos, a obra predilecta e, acima de tudo,, a grande solidão! Estava sozinho e desarmado, lançando-me em vida no campo de ninguém! Família não tinha, que ninguém se abeirou!.
, Coração que sofresse, por ver-me no leito,; alma que vibrasse, estandoa meu lado; olhos inquietos que logo se cravassem, no meu rosto miserando, a ler, angustiado, a página fatal,; algo amoroso que pudesse invocar ou trouxesse refrigério...

Apenas a Guidinha, criança ainda, se mostrou consternada!
E eu, sozinho, a lutar com o gigante, sem um braço forte que me dissasse: Confia!

Onde vi eu um sorriso franco?! Onde escutei eu uma só palavra , assaz carinhosa, que revelasse no peito grande aflição?! Onde achei eu algo de singular, que desse vida, infundisse animação e
foment.asse a esperança?!

Treva densa me envolvia: era noite em meu peito!
Deus, no entanto, apiedou-se de mim!
Recebi, então, confesso gozoso, visitas esperadas e algo animadoras: eram velhas amizades! A voz do sangue, porém, é que eu não ouvi exceptuando as de Angola, que chegaram depois.

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Manteigas
1970-04-10 Defeitos sensíveis no povo português.
É ingrato, já se vê, falar de si próprio, seja a favor ou seja contra. Semdo a favor, levanta suspeita; em desfavor,suscita reparos
O motivo, porém, que me leva à crítica, não édecerto, mero passatempo! Faço-o , bem entendido, com mira construtiva..
Tenho presente o rifão: Quem nos avisa bem sempre nos quer.
De facto, eu amo vivamente a raça a que pertenço e era meu desejo que ela se elevasse à condição das melhores e também mais polidas
Entre os defeitos que mais nos rebaixam, devo apontar: inépcia e mentira; vincada preguiça e alcovitice;; imprudência e cobardia; indiscreção; assaz de inconstância e mordacidade;
Meia dúzia apenas, mas avultam muito. e abastardam o carácter.
Nada há, na verdade, que não possa emedar-se! Ora, portanto, apoiados na premissa, devemos encetar uma camppanha dinâmica e inteligente, propondo-nos um alvo: reformar os nossos hábitos, quando nocivos. Focando para já, de maneira especial,

a esfera escolar,, impõe-se aos pais e a todo o educador uma tarefa árdua.: criar personalidade, eliminando prestes o automatismo. Eis um grande passo que é preciso iniciar. Assumir, decidido a responsabilidade, jamais fugir a ela e sujeitar-se resoluto às sequelas fatais que os actos implicam.

Desenvolver no educando o gosto do trabalho, incutindo-lhe no espírito que é dignificante. Ofensiva igual nos é pedida também no que respeita ao defeito grava da alcovitice.

Nada temos com os outros, a não ser, claro está, o desejo vivo de ser-lhes prestável , ajudando-os na vida!
Ir contra isto é não ter digniade. Vasculhar o que se passa,, em casa do vizinho, é doença perigosa! Que temos nós com isso?!.
Que sentimentos revelamos?! Ninguém vá dizer que respeita a liberdade!
Levar até ao fim a obra começada é também dever nosso que que muito nos honra!. Fugir ao sacrifício desonra nossa vida!
Sejamos moderados, referindo-nos a outrem. Em vez de vinagre, utilizemos o mel.
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Manteigas
1970-04-11 Como hoje se entende a cara Liberdade
Entre os bens preciosos que Deus nos legou, ocupa este, sem dúvida, lugar de primazia. É tão valioso, que, por amor dele, se bate o homem, até à morte, num esforço prolongado, absorvente e constante,
A ânsia de liberdade apareceu com elee acompanha-o sempre. Por este bem ele joga tudo: cargos honrosos, altas dignidades, profissões didtintas e a própris vida!

Corre ainda hoje a famosa arrancada de Frei Heitor Pinto,
ante o rei de Espanha:" Pode D, Filipe meter-me em Castela; meter
Castela em mim, é coisa impossível!"

Foi sempre assim e, de igual modo, vai continuar.
Ninguém pode censurar este anseio natural! Efectivamente, se Deus no la deu, ninguém pretenda extorqui-la!. É um dom excelente e, ao mesmo tempo, sagrado, inalterável! Entretanto, reparável se torna que o conceito formado, sobre a liberdade, se altere de modo tal, que cheguem a negá-la!.
Liberdade absoluta não existe, c´na Tarra, pois iria destruir a liberdade alheia! É sempre condicionada por leis e costumes , tradições e praxes, interesses e. direitos.
Querermos tudo para a nossa pessoa é privar os que nos cercam daquilo que lhes pertence!
Em caso duvidoso, interroguemos a nossa consciência.

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