16-4-1974
O Zunda todos o ouvem, na vila do Chitembo.
É um doente mental e, segundo julgo, inocente, inofensivo. Passa, diariamente, do seu quimbo exíguo para outro maior que é o Samalenso. Terá família, nesse local? Haverá ali alguém que o atenda e acarinhe, dando-lhe alimento?
A verdade é que o rapaz atravessa a vilória, tocando a sua lata que jamais dispensa..É um toque discreto. sempre a compasso,
utilizando os dedos,sem desatender o ritmo igual das sus passadas.
Se passa por nós, ao sair do Chitembo, volta-se um tanto e
saúda sem falta, ostentando nos lábios um sorriso débil e adocicado.
Veste muito mal e apresenta, às vezes, rasgões enormes, que
atingem meio corpo, se não todo ele. Mesmo andando ou chamando-o pelo nome, não deixa a latinha nem suspende a atenção.
Gosta-se dele e, em vez de lamentá-lo, por ser infeliz,vem
desejo de rir, por causa das maneiras.
Pois o bom do Zunda acaba de perder o seu grande arrimo - a mãe extremosa.
Afinal, constou lá baixo, no sítio dos eucaliptos, ( um tufo
de árvores, mimosas e copadas) que o bom capinador perdera a esposa.
Efectivamente, deixou de aparecer e o capim subia que era
um assombro!
As plantas, em geral, encontrm-se envolvidas ou já imersas , não
havendo gosto de ver o pomar nem ir às hortas que ali o circundam.
Sobe, a olhos visto, o dito capim, na ânsia irresistível de tudo envolver: casas e plantas e tudo o mais..
Ora, a finada era mulher dele!. Pensávamos até que estivesse doente! Nunca mais aparecera, lá pelo Chitembo, no dia escolhido, para ir à fuba..
Os pretos servem-se dela, para fazer o pirão, base imutável
da sua refeição.. De maneira geral, fuba e peixe seco garantem o
sustento destes ganguelas.
Pobre Zunda! Com a morte da mãe, a família desta limpou o que havia, na humilde palhota, É tradição!
Que vai ser do Zunda, se perdeu o seu bem?!
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Silva Porto
17-4-1974
Uma luz nas trevas
Geralmente, pelas 19 e 30, avisto, à distância, no exterior, uma luzinha que alguém acendeu, carinhosamente,
para eu subir, quando venho das aulas. Parece banal, mas não
para mim. Não sei que me invade. logo que a enxergo, além, da
estrada!
É algo que me aquece e dispõe à maravilha, mola ideal que
transmite energia, para superar as dificudades.
Àquela hora, após uma lida, insana e aturada, com os meus nervos, já destemperados e os músculos doridos, é maravilhoso
um sinal de afecto, que me anima e encoraja.
Realmente, a ventura, cá neste mundo, consiste em pouco: um sorriso amigo,uma palavra de estímulo, sinal de concordância; qualquer atitude que o peito sugere e faz rejubilar a alma de alguém! Pequenas coisas que pesam como grandes e valem por elas!
Moído, por vezes, quando não exausto,; vexado outras vezes, por maneiras e palavras, cujo apodo nem me ocorre agora;
outras ainda, cheio de propósitos e intenções derrotistas, que me
levariam pronto a deixar a liça, basta que tu, ó lâmpada mágica,
da nossa habitação, me sorrias, da fachada, para eu mudar logo, de planos falhados e ostentar prontamente ar feliz e ditoso!
Continua, pois, luzinha amiga, a espancar a densa treva
que circunda ali a nossa casa, pela noite de breu.
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Silva Porto
18- 4-1974
Prova Escrita de Inglês, para os soldados do nosso exército. Lá tive de a fazer! É o 3º de Comércio, tarefa ingrata, que deu maçada, em virtude, claro está, de não ter visto a matéria.
Verdade seja que fiz prova única, para o Comércio e para a Indústria mas, ainda assim,complicou-se a vida.
Houve de aproveitar as férias de Páscoa, impedindo-me logo de fazer o repouso. Efectua~se hoje, pelas 5 horas.Vamos ver, finalmente, o que percebem do assunto!
A prova é grande, para ter boa margem. Prefiro sempre os Pontos extensos.Se não respondem a uma parte, escolhem outra
que saibam melhor.
Já tenho em perspectiva um bom fim de semana! Ver estas Provas e classificá-las absorve-me essas horas. No dia 22, seguem naturalmente as provas orais, caso não cheguem a 11,5 na Prova Escrita..A media é 12, mas aquela nota arredonda para isso.
As Provas de hoje efectuam-se a horas, em que não tenho aulas, na Escola Técnica; as de segunda- feira, caso haja de presidir, preenchem a manhã, em que tenho 4 aulas, até ao almoço.
Bom! Entre mortos e feridos, há-de haver alguém que possa escapar!
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Silva Porto
19-4-1974
Ainda há quem, trabalhe! Num tempo de indolência e preguiça desmarcada, diria até, de apatia, se não inconsciência, em que todos afinal tentam gozar a vida, sem jeito de seriedade, surgem, de vez em quando, exemplos raros, dignos de menção.
Foi o que ontem notei, ao longo dos exames.
Eram 5 os rapazes a prestar suas provas, logo às 8 horas: 2 em Inglês, 1 a Desenho; outro a Cálculo; finalmente, o que trouxe matéria para este Diário, o caprichoso furriel. que fazia uma cadeira para agente rural.
Era o Regente Abreu quem estava a presidir à prova em causa.. Disse-me tais coisas, a respeito do jovem, que fiquei maravilhado. Trata-se de um rapaz com grandes aspirações, que nunca está satisfeito e tenta valorizar-se, aproveitando ao máximo
qualquer tempo disponível.
Após um curso, vem logo outro.Os tempos livres são encaminhados em tal direcção.
Que bom modelo para a nossa juventude, que gasta lazeres e outros momentos , ocupada em vilanias, insignificâncias e banalidades!
O citado jovem não veste com apuro nem traz como outros o pêlo comprido.
Bem se vê, por este jeito, que as suas maneiras são próprias de homem e não de menina.
Apraz sobremodo encontrar, pelo caminho. elementos desta ordem! Por eles faria tudo, na mira de ajudá-los!
São os homens de amanhã, de quem tudo se espera. Estes, sim. é que são varões, no sentido verdadeiro que a palavra encerra!
Quem dera houvesse muitos, para contrastar, de maneira vigorosa à onda de imbecis, cabeludos e sensuais que enxameiam nos jardins!
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Silva Porto
20-4-1974
Outra sexta-feira se apresenta em frente. Hoje, respiro mais fundo, se bem que tenha ainda várias aulas a dar: uma leccionação, duas aulas ao 1º, uma ao 5º, atrasada, e mais 4 ao mesmo. O rol não é mau!
Mas, enfim,lá vem o Domingo, para fazer que tenho descanso! Pois não é fingir,havendo como há, 4 séries de exercícios, em turmas respeitáveis de 40 alunos?! Cento e sessenta Pontos e todos no Internato! Isto apavora e causa assombro!
A maneira insana como destronco e gasto a vida é quase
suicídio! Eu não ignoro que, procedendo assim, o físico não aguenta e arreia mais cedo!
Esta noite, ao deitar, eram 23 horas. Sabendo então que me havia erguido às 4 e 30, perfaz-se um total que alarma e aterra!
Ficaram apenas breves intervalos para as refeições e, mesmo assim, houve precisão de sacrificar o do meio-dia, para ver as provas dos nossos militares.
Assim, corre a minha vida, à base de nervosismo e intranquilidade.
Vaidade e capricho, necessidade e alguma ambição, tudo se conjuga. para me perder.
Não é bem verdade que alguns se contentam, de muito pouco?! O aspecto moral há-de tomar-se em conta, bem entendido,
mas eu pergunto: não haverá exagero, na consciência do homem, quando formada por homens "pequeninos")!
Certo é, claro está, que o temperamento dos nossos educadores e a craveira psicológica entram necessariamente em linha de conta, para fazer vítimas e criar, desde logo, interpretações, harto erradas.
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Silva Porto
21-4-197 Às 5 e 30, assomei à janela.
Como ouvisse cantar os galos dos quimbos, acordei logo, pela segunda vez, tendo a primeira ocorrido já, pelas 2 e 30.
Deitara-me, é verdade, um pouco mais tarde, embora a Guida e o Carlos me houvessem ajudado nos Pontos escritos do 1º ano, o que eu aproveitei, para finalizar essa árdua tarefa.
Estimulado, então, pelo canto matinal, que me pareceu reanimador, abri logo a janela, para um relance de olhos, na paisagem circundante.Fico surpreendido! Um quadro belo, belo, que eu gostava de pintar!
Tivera eu a paleta e o génio criador dum grande artista, podendo lançar na tela o delicado e majestoso que agora me enleva!
Um fundo extenso de ouro e carmim, com leve tendência para volver-se em prata dourada! Cá muito mais perto, em frente da janela, um grande maciço de árvores copadas, tentando ocultar o quadro maravilhoso, constituído, ao longe, pelo rosicler da linda manhã"
Será que o arvoredo nutre ciúme de alma sedenta?!
Sinto boas ganas de malquerer a essas árvores, mas devo confessar que elas, por sua vez,.põem também uma nota de beleza, encanto e mistério, que torna o quadro mais sedutor.
Esta mancha negra, com pontinhos de luz, que as lâmpadas irradiam, ao lusco-fusco, tem o seu quê de grande e admirável!
Meia hora, depois, espreitando outra vez, já tudo se esbatera
num vivo prateado que dominava e absorvia as restantes cores de ouro e carmim!
Os cães, agora, já começam a ladrar, e os galos cautelosos cantam a medo.
Hei-de chamar a Guida, para verificar se ela faz, ao presente, o que eu não posso.
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Silva Porto
22-4-1974
Que grande maçada! O meu nariz a pingar em fio, quase sem parar! Aconteceu ontem, de modo especial, não sabendo, a rigor, o que hoje vai ser! Há certa irritação nas fossas nasais e dói-me o peito. Brônquios inflamados?
Seria corrente de ar?! Resfriamento inesperado?
O caso, em si, pode realmente, não ser grave, mas tendo em conta a medonha pleurisia,que me reteve firme, num hospital, durante 4 meses, sendo três deles sem vir à rua! Lembrança terrível do
hospital de Manteigas! Não que me tratassem de modo inconveniente! Isso não! Mas qualquer homem. habituado ao trabalho, ver-se ali preso, sem poder expandir-se nem ter energia!
Nem visitas amigas podia receber! Sucedia, não raro, que a febre aumentava, com a troca de impressões! Bastava falarem um pouco mais alto ou ainda provocar uma leve emoção, já se alterava o estado febricitante. Um grau a mais era normal! Casos
tive eu em que eram dois!
Cenas que vivi, no seio da minha alma, desânimos infindos, lutas, ansiedade, isolamento e alguma solidão!... Que grande cortejo de pranto e dor!
E tudo isto me vem à memória, logo que os pulmões estejam desafinados!
«Lembre-se sempre que é um homem tocado!» - assim prevenia o agressivo Galeno! Diligente e incansável vivia a profissão mas, de vez em quando, autêntico pavor!
Bastava simplesmente que a febre se alterasse para mais um pouco,! Era logo tempestade!
Pois ontem, quase desanimei! Pontos a ver, neste fim de semana, houve de pôr a cabeça um tanto inclinada sobre o tapete,, afim de trabalhar! O fio do nariz era quase iininterrupto.
Situações encravadas!
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Silva Porto
23-4-1974
Veio carta de Lisboa: é da Firma conhecida, Mendes e Saraiva. Ali tenho uma reserva que já venceu juros, no ano 73.
Anunciam de lá que, em Fevereiro próximo, vão devolver parte do montante e, se for possível, a totalidade,.
Rendia o capital 8%, quando os nossos Bancos pagavam apenas 5%.
Sou levado, pois, a traçar um caminho, noutro sentido.
Como a Torralta paga 10%, logo de início, livre de imposto, é atraente depositar os fundos, naquela Organização.
Será este, pois, o caminho a seguir, provavelmente!
A propósito,vem-me agora à ideia o caso do Felismino da Estação..ferroviária.
Era eu criança ainda, mas ouvia contá-lo, registando o facto.
Tratava-se dum banqueiro, ao tempo residente no meu concelho ( Celorico da Beira) .Acontecia que, pagando, muito mais do que outro qualquer, recebia as poupanças da população.
Bastava falar nele, para logo se dizer « É o melhor lugar para o nosso dinheiro!».
Quantos e quantos vendiam o que tinham e se davam a poupanças, para confiar ao Felismino todo o remanescente!
Um dia, porém, soou amargamente a nova ingrata:« O Felismino banqueiro desapareceu e levou os capitais!»
Nunca mais souberam dele!
Assim terminou o sonho acarinhado, havia tanto já! Promessas e
planos, aspirações e ambição, alvoroço e desejos, tudo morrera, naquele dia fatal!
A cegueira do cobre levou o Felismino a um crime hediondo!
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Silva Porto
24-4-1974
O caso do Rui.
Pretende a nossa Guida e vive, ao tempo, em Moçambique. Diz-se nas cartas, finalista selecto de Engenharia e carteia-se amiúde com a pequena, há mais de um ano.
Começaram por desporto e acabaram a sério, como deixa ver, nos
seus escritos.
Entretanto, sendo coisas de longe, quem sabe, a rigor, no que elas vão dar?!
Quem fez a apresentação, para admiti-lo, sem nenhum receio?! As diligências feitas nada trouxeram que seja positivo e
confortante! Os dados que obtive são escassos e vagos.
Investiguei, diligente, na Universidade, mas o seu nome não consta da lista. Assim fui informado pela Secretaria.
Segundo ele diz, os seus progenitores têm uma fazenda com muito gado: 10000 cabeças!.
A ser verdade, é isso importante e denota cálculo,esforço e visão.
Será bastante?!A mãe do Rui trabalha há muito, na Cruz Vermelha e o dito filho é primeiro finalista.
Por que é que o seu nome não figura então, na lista universitária?!Que grande seca!
Virá para Agosto, após os exames.
Que atitude assumir, perante coisas tais, que ninguém identifica?!
Há tanata vigarice, por esse mundo além! Se fosse, realmente, um caso genuíno de sinceridade, com intensa alegria e grande confiança era logo acolhido!
Pelas cartas enviadas, fica a impressão de que ele é sério.
Mas quem é que foi juiz, em causa própria?! Informações deste género teriam valor, se não partissem de estranhos! Assim... encolher os ombros e deixar correr. enquanto o assunto não for aclarado.
Pode ser casado; viúvo, divorciado; comprometido e não sei que mais! Pode ser cruzado, repetindo-se depois o tipo antigo!
Será, de facto, universitário? Quem o pode garantir, se não for matriculado?! Não fosse tão longe e eu indagaria!
Coisas á distância, não merecem confiança, até que alguém as esclareça, garanta e confirme
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Silva Porto????????????????*
25-4-1974
Vizinhança nova! Alguém apareceu, no pátio grande,
com ares de mandão! Trazia a fita métrica e, acompanhado, media e pensava.
Novo inquilino para a casa do meio - explicavam os vizinhos. Mas tão absorvente, apoderando-se logo do que não lhe
pertencia?!
Para que haviam de ser aquelas medições?! Nada mais, afinal, que uma pobre capoeira! Não se lembrava de que havia ao lado, 6 inquilinos, em volta dele! Entretanto, ningúém se atravessou, para dizer-lhe o que pensava. Não fora o sujeito polícia de viação! Uma multa e pronto!
O cavalheiro, depois. foi trazendo móveis, aves e animais, e o que falta dizer. Com isto, as obras iam crescendo, e o volume interno bem como externo aumentavam breve, a olhos vistos.
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De um lado e outro, olhavam as gentes, furtivamente, para o local apanhado, inqirindo em minúcia do que ali se instalara: galinheiro e canil; lavadouro e horta, arrumações várias e quem podia saber o que faitava ainda, para ser trazido!
A fauna do polícia é algo heterogénea: perus e galos ; pintos e borregos, sem faltarem os cabritos!
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Silva Porto
26-4-1974
Ontem, zanguei-me a valer com a turma do Comércio.
Muito numerosa e também formada por elememtos díspares, não havendo pulso, é o cabo dos trabalhos!
Há, na verdade, um meio seguro: pôr um na rua e marcar-lhe falta. Entretanto, custa-me bastante recorrer a processos que tragam dano ao próprio aluno.
O certo, porém, é que, segundo uso de fazer, quem se prejudica sou apenas eu. Desafinam-se os nervos, causando assim enorme depressão na minha pessoa. Tal situação reflecte-se em tudo: falta de apetite, má disposição, um mal-estar que afecta, desde logo, a alma e o corpo
O 2º ano, há pouco referido, com 39 alunos, precisa urgentemente que o reduzam a metade. Não é questão de vingança, que nunca a usei, em vida minha: mera depuração, pois há muitos alunos que, não tendo trabalhado, suficientemente, são já candidatos à reprovação.
Os de Electricidade são outra causa importante do que ali sucede. Alunos e alunas de procedências várias: europeus e hindus,; africanos e cruzados; brancos e pretos¸mulatos e cafusos,
cabritos e o mais... É uma salgalhada!!
Ora, em tal complexidade, claro se torna que há-de haver, por força, as remoções mais diversas
Transigir um pouco está no meu ideário, mas é que eles vão logo para o abuso! Levar tudo a rigor, faz o ambiente quase indesejável, o que não é aconselhado, para rendimento de tipo escolar!
Afastando já, meia dúzia de elementos, vinha logo tudo para o normal, até porque serviriam de tremenda lição para os outros colegas.
Eliminar esses tais, por serem inquietos e mal comportados, quando não maus alunos, até seria o melhor!.
Chamar a contas o Gil e o Hernâni, o Rui e o Francisco, junto com duas meninas,ficava arrumado o assunto em causa
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Silva Porto
27-4-1974
O Golpe de Estado
Tudo o que é humano está evoluindo, constantemente. No tempo de Salazar, a vida era outra. De facto, os tempos mudaram, sem que mudassem as Instituições.
Marcelo Caetano procurou em vão suster a onda, mas já não teve pulso ou lhe foi vedado. Iniciou ele uma linha de abertura, mas recuando, por vezes, ou deparando-se-lhe forte oposição, começou logo a descontentar.
O mal-estar agravou-se com a alta de preços.
A população, adormentada já, caíra na apatia, aquele estado triste em que nada se projecta nem algo se faz. É um povo inteiro que se vota à ruína.
As virtudes de Antanho como o patriotismo, e bem assim a lealdade, o amor ao trabalho como a própria obediência vão-se obliterando, a pouco e pouco.
É uma vida a arrastar-se, mas não um ser que se vai realizando a seu talante.Sono persistente, deletério e profundo, lança um povo no abismo perigoso, donde já não sai, o qual tem por efeito a inanição e o vácuo total.
A política seguida, no caso do Ultramar, foi também uma causa.
Dizem alguns, por meio de Spínola que o dito caso não tem solução, pela força das armas. A experiência o demonstrou.
Treze anos de guerra! Qual foi o resultado?
Que fazem, realmente, os soldados brancos, na luta horrenda que nos foi imposta e tanto prejuízo vai já causando?!
Não falo agora das mortes nem do enorme desgosto que lavra na Metrópole. Tudo isto foi razão para o Golpe de Estado, que derribou o Governo, em 25 do corrente.
A Imprensa, a D G S e a Legião Portuguesa eram, desde há muito, causa de revolta. Escritores havia e jornalistas que deixavam transluzir desacordo formal, nas obras publicadas.
Hajam vista Miguel Torga e outros mais.
Não se podia falar - dizem também - nem manifestar ideias pessoais.
Vai começar uma era diferente! Oxalá, sim, que seja para bem. No caos cessa tudo: liberdade e progresso e total bem-estar!.
Que Deus e Senhor proteja a nossa causa e a todos nós acompanhe de perto, iluminando os espíritos e fortalecendo as
boas vontades!
Os presos políticos foram já libertados e a Junta Portuguesa de Salvação Nacional promete sanar tudo, em breve espaço, dando ao País nova Constituição. Deus nos acompanhe!
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Silva Porto
28-4-1974
De 15 em 15 dias. ia sempre ao Chitembo, para fim de
semana. Desta vez, porém, o caso é diferente! Aprovetar o tempo, em orden aos pequenos e a cuidados meus, tudo se conjugou para não irmos.
A quem há-de custar mais é à mana Agusta, mas a vida é assim! Corre, geralmente, em sentido imverso àquele que mais agrada.
É manhã pardacenta de um Domimgo esquisito, pois segundo parece, o ano passado foi mais regular e bastante aceitável.
Este ano houve chuva, já fora de época. Ainda ontem choveu e não foi tão pouco!.Será Deus que assim quer ou os homens atrevidos, que transtornam, com asneiras, o curso da Natureza?
Que Deus lhes dê juízo, até à hora da morte, para evitarem
casos desta ordem!
Hoje. levantei-me, sendo já mais tarde! Bem se deixa ver que ultrapassei os meus 50! É assim a vida! Agora, só resta desandar!
Lá diz o ditado: «Quem andou já não tem para andar!»
Apesar de tudo, não me sinto velho! Como havia de ser tal, se aguento ainda uma tarefa exaustiva?!Não dei eu 11 aulas, na
sexta-feira passada?!
Não faço o mesmo ou coisa semelhante, em outros dias da pesada semana?! Nunca menos de 9!
Deus seja louvado, pois é Ele que me ajuda e infunde alento.
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Silva Porto
29-4-1974.
Contra o meu costume, reservei o Diário, para hora tardia. De facto, há mais assuntos, pois é o termo do labor usual,
permitindo observar muitíssimas coisas de que posso falar, com maior acerto.
Há decerto inconvenientes, não sendo o menor o peso razoável que vai na cabeça. Lembro-me bem: Diários assim, escritos a desoras, terminam desdourados, perdendo-se, amiúde o fio da meada...
.. Apresentam-se, às vezes, tão emaranhados, na parte final, que é
difícil, ao revê-los, achar a saída. Que luta inglória, entre o espírito e a pobre carne, quando já exausta pela fadiga!
Por isso, escrevendo pela manhã, as coisas mudam, forçosamente.
Que leveza não sinto ao raiar da aurora, prevendo, na claridade, um dia reconfortável!
Como sinto euforia, nessa hora matinal que traz vida e impulso a todo o meu ser! Dá enorme gosto lançar ideias frescas
ao papel ansioso, discorrendo a bel-prazer, sobre quanto me rodeia!
Hoje, no entanto, a cabeça está pesada, que andei labutando
a partir das 4 e 30! Após as aulas que dou, cheias de vida e grande interesse, não havia de ficar arrombado e caído?!
Aonde vou buscar a energia precisa, para aguentar este fardo ingente?! Excelente espírito me acorrenta à vida, para levar a cabo um plano excepcional?
Amanhã, finaliza Abril, não sabendo ao certo qual será o meu
futuro. Deus seja comigo e com todos os meus, afim de que, vivendo unidos, aqui na Terra, nos juntemos no Céu.
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Silva Porto
30-4-1974
Como tudo o que é humano, sensível e terreno, chegou
Abril ao termo. Tanta ansiedade, tanto excogitar, preocupações,
longas insónias, tanta diligência, para tudo se esvair, como belo sonho, que não deixa vestígio!
Só Deus não passa. Igual e imutável permanece, pois, e não se altera! Sublime grandeza, inigualável e tão formosa!
Pois lá vai andando o belo mês da Páscoa, vizinho e chegado ao
Maio florido. Este inicia amnhã sua marcha no tempo. É o de maior incerteza, no meio estudantil.
Gastarão os alunos seus últimos cartuchos, com mira na passagem, ao fim do ano escolar. Uma esperança fagueira?
Incerteza cruel? Veremos depois, como diz o cego!
O certo e provado, como consta aí,é que amanhã vamos ter feriado.
Ignoro o motivo desta inovação e não descubro, ao presente, causa para tanto!
Pode ser que me engane, mas tenho para mim que é de origem esquerda!.
Sendo isto assim, é mais um rastilho que vai atear-se!.Triunfo
do sistema, lá em Portugal, após tanta depressão? Ascensão ao poder, de tantos elementos afastados, há muito, da vida pública,
ou postos à sombra? Terão envergadura ou experiência bastante,
para logo assumirem a responsabilidade, sendo membros prestáveis da nova sociedade'!
Regressam à luz todos os cidadãos, indiscriminadamente, sem atender ao motivo real que os lançou na prisão Assassínios!Roubo?Impudor?
Prelúdios de paz? Segurança nacional?
Custa-me acreditar que todos os prisioneiros tenham sido libertados. Há crimes nefandos que originam excepções. Nisto, é
preciso senso!Alguns, sim,mas outros, não!
Que os meus pressentimentos não sejam realidade!
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Silva Porto
1-5-1976
Decretou-se para hoje feriado nacional, sem que eu saiba, a valer, a razão de tal medida! Bacoreja-me, em parte, haver motivos politico-sociais, pois em dia como hoje, havia
frequentes vezes, motins subversivos, em diversos lugares do nosso planeta, apresentando sempre cariz avermelhado.
Declaro, a propósito, que nada me satisfaz o engenhoso achado e me causa, desde já, profunda repulsa.
Aonde iremos parar? Qual será, na verdade, o futuro de Angola,
que tantos sacrifícios e sangue generoso custou a Portugal?!
Após a descoberta, pelo imortal Diogo Cão, no século XV.
podemos nós calcular a imensidão de renúncias, abnegação e dor
que esta parte do império nos tem custado?!
Irá então ser entregue, de mão beijada, em salva de prata, sem nenhum compromisso?! Que planeará, em Lisboa, nesta hora grave, a nossa Junta de Salvação Nacional?! Que vai intentar, de
modo igual a África do Sul?! Sem os dois tampões que são Angola e Moçambique?!
Terá, realmente, possibilidades para subsistir?!
Spínola, ao que dizem, ter-se-á metido em perigosa aventura, donde sai burlado, talvez confundido e assaz humilhado!
Só com o génio e visão de Salazar, um Salazar ainda jovem, com larga abertura, ao mesmo tempo, é que teria bom êxito a cruzada grandiosa, delicada e premente, que agora se intenta levar a bom termo.
Eu, para já, não creio no triunfo!
Vejo à minha roda, tamanha ânsia de liberdade! Ouço, amiúde, tantos vivas quentes à Democracia!
Com a História na mão, infiro, sem dúvida que ela nunca existiu, ainda em Atenas! Democracia! Só os nossos Lusitanos! Palavra delirante! Um dom celeste que é sortilégio... ópio maravilhoso, de efeito belo e arrebatador!
Poeira dourada que se ergue com perícia, mas que, na verdade, representa serviço a poderes tenebrosos, que manejam habilmente, para conseguir os seus objectivos!.
Talvez o General tenha boa vontade, mas é tão pesada, complexa, intrincada a obra que o espera! Abrir a Democracia, logo de uma golfada, a nação latina, que não seja a França, é atirar, salvo seja,
com pérolas a...
Devido, já se vê, à mananeira de ser própria, ao feitio singular, arrebatado e assaz impulsivo, a que não é estranha a irreflexão e os modos precipitados, que pode esperar-se de um povo assim?!
A meu ver, só gradualmente devia fazer-se.
Onde está o civismo, a responsabilidade, a consciência bem formada?!
Liberdade somente para alguns indivíduos, com exclusão de outros? Deixa, por este meio, de ser Democracia, porque,afinal, todos os cidadãos constituem a nação, tendo iguais direitos e semelhantes deveres.
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Silva Porto?????????????????
2-5-1976
Após o feriado, vamos finalizar a semana em curso, alentados já por nova energia, que ontem recuperámos. Não soube mal, pois ficou a meio, exactamente no dia, em que tenho 6 aulas, só na Escola Técnica.
Digo sinceramente que deixa saudades um feriado assim!
É que, neste período, somos invadidos por tremenda febre de aulas e Pontos, notas e exames.
O 5ºano do Liceu Silva Cunha realizou um piquenique , no qual tomou parte a professora de Inglês.Os nossos alunos nada fizeram que fosse do género. Eu, sempre enclausurado! Estudei e fiz repouso. O muito dar dói!.Foi sempre assim, desde os tempos mais remotos!
A propósito. Lembro-me agora de certas perguntas que, por vezes, se fazem: qual é o nome completo do nosso avô e bem assim da cara metade?
Se o não souberem, vou já dizer-lho, dispensando "bem haja" Ele, Adão de Barros; ela, Eva da Costa.
Como se vê logo, são nomes simples e despretensiosos que não causam alarde nem servem de reclamo! Que aproveite a lição, uma vez que a História é mestra da vida.
Numa época destas, em que apenas valem ( ou pretendem valer!)exterior e fantochada, não será descabido meditar um pouco ,sobre os nomes curiosos de nossos primeiros Pais. esse
casal perfeito, formado por Deus.
Agora, outro assunto: conseguirei eu levar a bom termo a
tarefa urgente de professor? Jamais parei, a meio do caminho!
Fá-lo-ia agora?! Estua-me o sangue, por veias e artérias, mecê de
apreensões de vária ordem.
Efectivamente, os alunos do Internato, mercè do atraso. desfazem-me a cabeça.
Alguma coisa adiantei, mas de modo nenhum, aquilo que desejava.. Hábitos maus e falta de bases originaram em mim uma
luta de morte e são, para logo, anos de exame
Inglês e Francês é meia secção, bastando ela só, para arruinar a vida de alguém!
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Silva Porto
3-5-1976
A felicidade reside em pouco: um alvo que se mira; um plano que se esboça; uma ideia que se vive; um sonho maravilhoso que alguém alimenta; um sorriso belo que nos atiram; uma atitude que logo embriaga; um nada, talvez ou equivalente a encher-nos a alma!
Havendo sempre disto ou algo semelhante, ficava assegurada a tranquilidade e o nosso bem-estar.Se a mira é mito alta, não podendo atingi-la, vem logo a dor apoquentar a existência! Se
fica ao alcance, como é doce então lutar e agir, vendo, a cada passo, caminhar para nós esse vulto amado, que nos embala e enche a alma!
Hoje, são três de Maio, dia de Santa Cruz.Que doce e grata emoção! Que suaves momentos a data não recorda!
Além do aspecto, meramente histórico, digno de menção, pelo que nos liga à terra brasileira, quero, nesta hora, reviver em minha alma o que os anos levaram e horas belas me facultou.
É manhã tropical, amena e clara, saudada festivamente por dezenas de galos, que se respondem, sempre à compita.
Chego à janela, pelas 5 e 30. Que deslumbramento! Um céu de prata, com visos edénicos, para o lado Nascente!
Esta bela manhã transporta-me, em espírito, à terra natal, sendo adolescente.
Aih! meu jogo da péla e cruzinhas bentas de loureiro e oliveira!, oferecidas, na igreja, em Domingo de Ramos! Que fé se não ligava às cruzinhas singelas, colocadas, nas searas!
Buscava, desde logo, um penedo emergente, com vista dilatada, em cujo topo fixaria a cruzinha, para defender a esperançosa colheita, de malefícios e tempestades.
Os campos de centeio, pertencentes a nós ficavam a meu cargo, na matéria em causa.. Um dia em cheio, que eu utilizava,
jogando a péla, de manhã à noitinha! Só ao lusco-fusco eu correria, algo desabrido, iniciando a tarefa que me haviam confiado.
Ansiara vivamente que tal dia chegasse. Satisfazia-me então e era ditoso, pois tinha em meu poder o que exigia da vida: jogar e ganhar!
Quem então observasse a tendência do garoto que desejava ser alguém, angariando pobres fundos no jogo da péla, descobria, assim. a minha vocação.
Era a tostão o jogo aludido, correndo a disputa, de maneira calculada, para não perder!.
Com os primos da Portela era a 5 tostões. Ganhando eu. o que geralmente sucedia. obtinha 10 tostões ou 1 escudo..Eu, sozinho dum lado, fazia duas mãos!.
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Silva Porto
4-5-1976
Hei-de apurar o caso infame! Não vim ao Bié, para ser enxovalhado! Tenho para mim que tal ousadia é devida a um branco! A pronuúncia, o timbre!...É de garoto impúbere. Raríssimas vezes presenciei tal facto!
Ao sair do Internato, após a tarefa, por altura das 7,quer viesse a pé, quer de automóvel, ouvia exactamente o mesmo arranhar.
A princípio, não liguei, pois até julgava não ser para mim. Rodando o tempo, comecei a duvidar, até que ontem
cheguei à certeza. Pela insistêmcia e também por ser perto, convenci-me realmente de que era para mim.
O facto não aquece nem arrefece, pois voz de burro não chega ao céu!. As coisas valem por quem as diz. Sendo estúpido aquele que se atreve, ninguém se incomoda a
exigir, alguma vez, satisfação para o caso.
Apesar de tudo, prefiro vivamente que o grosseiro rapaz se entretenha , quando livre, a desfeitear a família de
sangue, se a cabeça o não ajuda. Que dê com ela numa parede, tantas e tantas vezes quantas forem necessárias.
É certo e sabido que, havendo eu perdido algum cabelo, não faculta a ninguém que possa irritar-me. Chega o meu desgosto!
Pelo que o facto insólito representa de audácia, atrevimento e impudor e também pelos efeitos,intento dar-lhe lição que se torne proveitosa.
Vim para Angola, afim de civilizar quantos precisem: pretos e mulatos, cabritos e cafusos e brancos incorrectos, ainda talvez no estado selvagem! Ora, se um garoto assacanado me tira o prestígio, que posso eu fazer?!
O péssimo exemplo que oferece aos pretos origina desastres e até imprevistos.
Se não sabe, por ventura quem é o pai e a mãe, que os busque diligente em lugares suspeitos, onde é provável que haja de encontrá-los.
Mãos à obra! O sujeito vai saber quem é um português!
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Silva Porto
5-5-1976
É amanhã já que apuro, diligente, as responsabilidades. Lancei o caso ontem, numa das turmas do 1º ano. Como era de esperar, houve boa vontade nos meúdos em geral, o que assaz me penhorou.
Prontificaram~se logo a dar vários nomes,incluindo neles o Camilo do 2º e um filho malcriado do Mestre P. Sugeriram até que eu tomasse nota, que eles em breve descobririam mais alguns dados.
Isto surpreendeu-me, porque eu julgava, na minha, que só os mais velhos estivessem ao corrente. Confirmaram, na verdade, haver aíi figurões que se divertiam, à minha custa.
Agora, é conveniente identificá-los todos, o que parece fácil, já que os próprios internos se interessam pelo caso.
Como tal ousadia se tinha verificado fora da cerca,
Julgava eu que só os externos se achassem ao corrente.
Ainda bem que assim é!
Oportuno se faz dar-lhe boa lição, que sirva ate à morte! Que pésimo exemplo para os nativos! Vendo fazer assim a brancos atrevidos, julgam-se desde logo no mesmo direito,
E nesta data, após o golpe de Estado! O que se ouve, aqui e além, é o pregão da liberdade!
Os que tiverem pais, aqui na cidade, entrego-lhes o caso; no tocante aos outros comunico ao Reitor, para os
chamar à ordem, infligindo a propósito o castigo que merecem. Tal arreganho e ousada petulância demandam severidade.
Andam sem brida os tais selvagens e não medem já as longas distâncias que agora os separam.
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Silva Porto
6-5-1976
Outra semana teve já início. Com mais agitação e
tremendos cuidados, são apenas três mas, ao todo, elevam-se a 5, uma vez que as aulas só vão terminar a 11 de Junho.
É verdade, sim, que temos depois um belo feriado, em honra de Camões, que proporciona à malta um bom intervalo, em vésperas do fim.
Entretanto, afigura-se o caso alterosa ladeira, para subir a qual não tenho já membros, possantes e válidos.
Devia lembrar-me de que há dois colegas, um tanto mais velhos: Dr. Mesquita Tavares e Engenheiro Luís Rebelo,que têm 60 e 63 anos, respectivamente, dando, ao que julgo, mais aulas do que eu
Exigências da vida que oprime o ser humano, candidatando-o , precocemente , a velhice tenebrosa.
Entretanto, o que me verga, nesta hora precisa, não são, de facto, as exigências da vida: é antes o cansaço e a náusea que sinto de quanto me rodeia. Qualquer dificuldade toma logo visos de barreira insuperável!
Eu não era assim, de modo nenhum!
Aos 56, noto com prazer que suporto ainda pesada tarefa. Se eu, na sexta-feira, assisti a 12 aulas! O meu caso, porém. assenta no psíquico.
Que me prende na Terra, com certo afinco?
Irmão e irmã são raízes bem fundas, mas ainda há outras
com alcance igual, incluindo para logo um alto ideal, coisa que eu não tenho, infelizmente! Se me trancaram, em passadas eras, num beco sem saída, que me tirem já dele,
com indemnização!
É tarde e a más horas! Burro morto, cevada ao rabo!
Aguentar e cara alegre! Deus não manda nem quer jamais,
que alguém seja asno.
Todos os conselhos tu ouvirás: só o teu não deixarás!
Tivesse feito isto, nos meus 2o anos! Nessa altura, era um ingénuo e bem intencionado que apenas me guiava pela cabeça de outrem.!
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Silva Porto
7-5-1976
Movimentos Libertários.
O General Costa Gomes lançou já o repto àqueles Movimentos, convidando-os para logo a depor as armas. Caso contrário, seriam atacados.
O que sucede, realmente, é que eles, afinal, intensificam a luta, de modo satânico: combates e mortes;
pilhagens e rapinas; espancamentos; captação de material;
soldados mutilados...
Que será de tudo isto?! Só Deus o sabe. A verdade, porém, é que anda tudo assaz amedrontado, sem exceptuar
os Milícias Pretos que, por serem fiéis e amigos dos Portugueses, temem agora a retaliação, caso o poder venha a ser entregue aos tais Movimentos.
Quanto aos brancos, nem é bom falar!
A Junta Portuguesa de Salvação Nacional será capaz de enfrentar este momento grave?! Suprimidos já aqueles fundamentos, que aguentavam , no passado, a máquina social;
libertados também os prisioneiros que punham em perigo a segurança pública; chamados à pressa, não fazendo destrinça, todos os elementos que estavam exilados, afigura-se. desde logo, que tudo em breve ficava resolvido. As coisas, no entanto, vão muito mal!
Haverá em todos eles boa vontade e senso prático, para debelar tamanhas dificuldades?! Terão eles, acaso, bastante amor pátrio, para deporem ódios e vinganças, postergando também interesses pessoais? Óptimo, para já, ,,se for assim!
Além disso, requeria-se ainda coragem e denodo, para levar ao extermínio os Movimentos da guerrilha persistente.
Trazem a população em desassossego. O dia de amanhã é muito incerto, pois tudo se apresenta de mau cariz!
Uns decidem partir; outros ainda, estão indecisos, esperando um pouco mais, para que tudo se aclare bem.
Situação angustiosa que só traz complicações! Aumenta o
ódio, grassa em força a desconfiança, princípio destruidor
que só gera amargura!
Silva Porto
8-5-1974
Andava em meu peito a fazer devastações e não havia maneira de fugir-lhe um momento. Meras palavras, um caso de segundos ocasiona, de facto, o mal-estar que eu sinto?! Sim.
Seguia-me a toda a parte, dormia no meu leito e acordava, ao mesmo tempo, logo de manhãzinha. Uma coisa assim!
Raramente hei sentido, ao longo da vida, impressão funda e, ao mesmo tempo, assim dolorosa e constrangente!
Alta noite despertava, com os nervos tensos, já vertendo lágrimas, já soltando gritos. Lamentos e queixas, ameaças e protestos, foi
longo rosário que não posso descrever.
Aquelas palavras, incisivas e malévolas. atiradas pela noite e
encobertas pela treva! Cobardia manhosa, bem encapotada e deveras ignóbil! Aquele cinismo tão arrogante e devastador! Meu Deus!
Que longos momentos. intermináveis e insofridos, em que a
minha alma suspirava e gemia, debatendo-se obscura, sem réstea de luz!
Seria negro, acaso, o autor do enxovalho?!
Aquela bandalhice proviria de brancos? Pelo menos, estava convencido, pois ouvira bem e não julgara haver engano!
Um fedelho qualquer a insultar , de viva voz e frente a frente, alguém da sua raça, já de certa idade e, para mais, sem motivo nenhum!.
. Aquilo,realmente, dava-me no goto! Em vez de união, harmonia e concórdia, numa época destas, em que todos somos poucos, para levar a cabo a tarefa que se impõe, aparece um canalha, filho talvez de gente honrada, em alta voz!...
Não sei , confesso, quando será possível
esquecer o arrojo, a canalhice dum garoto branco de tão vis sentimentos! Mas ontem desabafei. Encontrando o pai, narrei-lhe o caso,
descendo a pormenores.
Mostrou-se revoltado e bastante confundido. Pareceu desgostoso e lamentou, prometendo uma lição ao rapaz sem vergonha.
Notei que sofreu, e as palavras proferidas não deixaram dúvida, sobre o espírito recto de
compreensão e honestidade.
Silva Porto
9-5-1974
Às 21 horas, atravessava o jardim.
Estava fresco e havia humidade, pelo que vestia
um casaco de lã, por cima da camisa. Àquela hora, ninguém na Avenida que separa a Escola
Técnica, do Liceu Silva Cunha. Apenas o meu vulto se recortava indeciso, na noite densa, ali
favorecido pelo brilho intenso de inúmeros candeeiros, ao longo do jardim.
Seguia apressado, na mira de chegar cedo, para dar Inglês ao 2º de Comércio. O tempo escasso fazia, pois, estugar o passo, afim de neutralizar a frescura da noite.
Eis senão quando enxergo, no relvado, um
vulto horizontal, de barriga para baixo.
Medroso nunca fui, mas tive receio, que o tempo de agora é incerto e mau.
Com o golpe de Estado, grita-se liberdade por
toda a parte. Em deveres e cuidados ningém se ocupa.
Ora, sendo assim, ignoro inteiramente o que outrem projecta. Se apetece ao meliante disparar, à passagem, envia-me logo para o outro mundo, em nome da liberdade!
Não obstante o caso, detive-me um pouco,
examinando ao de leve aquele vulto esquisito,
jacente na relva. Neste lance de olhos, descobri
algo mais que trouxesse luz.
A reacção foi esta: «Boa Noite, senhor Padre!»
Tinha um livro por baixo: estudava com afinco!.Certamente, ao que julgo, é da Escola Técnica ou do Liceu Silva Cunha.
Segui o meu caminho, depois de saudar e,
passada uma uma hora, regressando a casa, encontrei-o ainda na mesma posição. Despedi-
me ali, sem ouvir resposta
Ora este caso deu-me que pensar!
Utilizando o jovem, por noite velha, a luz do candeeiro, no jardim Reboxo Vaz, aquele preto
estudava no relvado, em noite desagradável.
Grande lição foi esta para mim e para todos os brancos! Mal enroupado, ali permaneceu, durante horas a fio, sem companhia! Por fim, já cansado, teria adormecido! A posição era a mesma!
Sublime exemplo de amor ao trabalho, desejo forte de valorizar-se, aspiração constante a uma vida melhor.
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Silva Porto
10-5-1974
Quem precisa é que anda! Exames à porta, dobram os cuidados. É o que sucede a pais e benfeitores! Chegada que seja esta quadra escolar, tudo se agita, na mira de um pedido, que vá garantir a passagem do aluno.
Na verdade, um ano perdido é um mal irreparável. Inutilizar o tempo e, por igual a vida, é muito mais que perder os bens.
Representa sangue, suor e lágrimas!
Quantos planos gorados! Canseiras baldadas!
Quantos sonhos belos que se dissiparam! A vida é uma luta,sem tréguas de permeio, em que apenas vencem persistentes e audazes. Os outros elementos ficam na reserva,
incapazes e vencidos, fazendo aglomerado com a massa anónima.
Os humilhados pela vida ingrata que não lograram impor-se, acumulam, no peito, séria má vontade e forte azedume. Em suas conversas, aparece quase sempre o trunfo amesquinhador: «Tinham mãos largas, pois de outro modo. não,podiam , certamente, arranjar o que têm»
Deixemos uns e outros - vencidos e vencedores - pois este mundo foi sempre assim, já com razão, já mesmo sem ela.
A propósito ou não, foi ontem o caso: surgiu uma visita, que me surpreendeu, porque a nossa estadia é leve e passageira e não temos o bastante para receber pessoas de fora. Por um ano ou dois não valia a pena comprar mobiliário. para o vender, seguidamente, quase ao desbarato.
Por esta razão, não interessam visitas nem damos ocasião a que isto suceda.
Apesar de tudo. lá vão perguntando o lugar da residência e, de vez em quando, por isto ou por aquilo, surge uma visita: aparce então o Mendonça da Chicava, fazendo-se acompanhar dum saco de batatas e dum cacho de bananas.
Vem o casal, na mira de proteger os seus estudantes que são meus alunos. É natural este enorme desvelo, tanto mais que os miúdos não
são brilhantes.
Provavelmente, falhas já de longe! Uma coisa têm eles, a seu favor: bom comportamento!
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Silva Porto
11-5-1974
O colega, Hamílton, professor de História, na Escola João de Almeida, é um bom
conversador. Imergindo num assunto, caso não tenha outro,forma tal emaranhado, com factos e ideias, que jamais têm fim.
Já se deu váriasvezes, ainda à sexta-feira, pois tenho 11 aulas. É então de avaliar a grande boa vontade com que ouço dados, sobre o golpe de Estado. bem como ainda acerca de planos e empreendimentos que se propõe realizar o novo
Governo.
De facto, qual jovem-rapaz, com ideal traçado e altos projectos, segue enlevado, com muito carinho, o que se vai passando,com a Junta Portuguesa de Salvação Nacional.
Se não fosse, realmente, a hora tardia! Após 11 aulas,quando não 12, estacionar o carro, durante hora e meia,junto da Avenida e demorar-me tanto, que se ouve a meia noite, é esforço quase heróico. Já se deu várias vezes e ontem foi o mesmo
Claro se deixa ver que as pernas refilam e todo o meu corpo vibra em protestos! Mas que fazer?! Por um lado, gostava de ouvir e ser gentil; por outro, dava-me o sono e abria-se a boca, de maneira desconforme!
Consegui manter a linha, com heroicidade,
repousando, à vez, sobre a perna direita e a congénere do lado.Além do mais, ouviam-se, em claro, todos os apupos, vivas hilariantes e
manifestações do Circo Mariano.
Ali a dois saltos, com um público ansioso de gracejos e àpartes, jocosidades e fartos reparos, o que não ia, cá dentro do peito!
Nisto,um choque violento! o Meia Onça da
Técnica seguia pela mão, na sua motorizada, quando pela frente lhe surge um camião.
Todo estremeci, dos pés à cabeça, admitindo que o rapaz se esfacelava, de encontro à viatura.. Felizmente, ao que julgo, apenas os faróis se fizeram estilhaços, embora o
rapazinho se tornasse lívido. Deu-se este caso
junto a mim, pois creio até que fui atingido pelos fragmentos.
Lá se entenderão, sem recurso ao Tribunal.
Mais vale ruim acordo que a melhor demanda!
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Silva Porto
12-5-1974
Outro fim de semana, a decorrer na cidade.O cansaço extremo é agora o meu bordão.Sinto-me de facto bastante deprimido, se não esmagado.
Tenho para mim que a raiz da questão vem do lado psicológico.Tem havido coisas que me aborrecem deveras: má educação e indelicadeza. É que eu pertenço, de facto,a uma geração que não admite variadas coisas, ao tempo ocorrentes.
Agora, porém, já não sigo outra linha: aquela que trilhei será também a do meu futuro. Aos 56, não há caminhos novos!
Estes delineiam-se aos 20 anos! Por isso mesmo, penso eu agora não ser já possível qualquer adaptação, ainda que parcial. Se tivesse, por sorte, um coração mais largo! Mas
não! É taxativo no empreender e não sofre desvio.
A minha educação, os princípios rígidos
em que tenho vivido, a corrente familiar, o ambiente em que girou a minha vida inteira, tudo se congrega, nesta fase da existência, para não renunciar.
Há coisas, na verdade, em que sou mais aberto. admitindo e aprovando; outras, porém, reviram-me as entranhas, pelo que apresentam de inadmissível. e, certas vezes, até irracional.
Seriedade nas aulas, respeito ao professor, e
pessoas mais velhas, sejam elas quem forem!
Postergo com ânimo, rejeito e verbero quanto seja abuso, tirania ou violência! Sou um peixe fora de água e a falta enorme de acomodação
faz-me sofrer!
Deixar as aulas também não é processo!
Que faria então, habituado ao trabalho, desde tenros anos?!
Por outro lado, gostava de ganhar, para dar a mão a quem precisa de mim.
Custa-me a fundo, viver numa sociedade, feita de hipocrisia e desmandos sem conto! Se tivesse amarras fortes que me prendessem à vida! Mas, assim, tenho grande receio de que o batel sossobre e me deite a perder!
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Silva Porto
13-5-1974
Nova barreira que tenho de subir, esta semana? Os membros tremem e quase se agitam, ao
pensar nos trabalhos que hei-de levar a cabo.
Sinal bem claro de que vou descendo! Mas, ainda assim, olhando por outro lado, à enorme quantidade, em planos e tarefas que estou realizando, não ouso dizer que estou já no fim!
Não posso, é verdade, remexer e actuar, como fazia, aos 50 anos, quando tive a pleurisia. Mesmo após ela, ainda consegui realizar muitas coisas, em fins de semana, recorrendo também a grandes madrugadas.
À data presente, se aguento muitas aulas, tenho de repousar, em fim de semana e dizer adeus às tais madrugadas.
Os 20 e os 30 foram hóspedes outrora,largando, em seguida. para a longa viagem, donde se não volta.
Tomei a sério demais os prncípios de outras eras! Nem férias tinha nem descanso algum. A divisa era esta: não perder tempo! E para quê?! Com
a mira honrosa de ganhar o Céu?! Só deveres a cumprir! Nunca alguém falou nos meus direitos sagrados, em tempo de Internato.
Seria justo e correcto proceder assim?!. Só obrigações! Apenas restrições de toda a natureza!
Como aguentei e me foi possível cruzar o Oceano?! Com vendavais e tormentas sanhudas
naufrágios temerosos e alto desforço, desânimo e luta... fui arribando, para vir a ser aquilo que não sou.
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Silva Porto
14-5-1974
Mais um desastre, em Silva Porto.
Cidade pequena e de ruas tão largas, como justificar-se um número incrível de graves sinistros?! A gente de agora anda talvez com o siso de rastos ou a prestações! Raro é o dia que não traga incómodos!
Desta vez, foi um carro vermelho que, por vir lançado, não logrou dar a curva, atirando-se pronto contra a parede que rodeia o Ninho e levando em
simultâneo gradeamento e tijolos.
Se apanhava alguém, era vítima do álcool!
E haverá direito que andem tropas malucos ou então embriagados, pelas ruas da cidade, pondo em sério risco o viver dos transeuntes?!
Quem vai sossegado, ao longo dos passeios, arejando o espírito, afim de espairecer, está sujeito em breve a perder a vida?! Não seria a cadeia o lugar indicado para estes mafeitores?!
Que dizer de pessoas que se embriagam e drogam, atrevendo-se a pôr mãos no volante dum carro?! Se eles, na verdade, não amam a vida e a querem largar, não têm o direito de exgir a mesma coisa das outras pessoas!
Efectivamente, a vida humana é un direito sagrado e um bem de tal valor, que só o próprio Deus a pode tirar! Não foi Ele quem a deu?! Lá porque ha borrachos e gente sem nível, não podemos então sair à rua e tratar das nossas coisas?!
Lá porque o siso desta gente insana ( a tropa em foco!) anda por casas suspeitas e se dana, aqui e além,por quimbos e sanzalas, em devassidão, não podemos sair da nossa habitação, para evitar atropelamentos ?!
A que tempo nós chegámos! Dizem agora que há liberdade! Grande pena é que só alguns a tenham!
Onde a liberdade dos que são assassinados e
vítimas inocentes de espancamentos?!
Se abusaram dos outros, bem justo é que fiquem à sombra,expiando o seu crime. Mas, se o não fizeram, sou de opinião que gozem o sol do Supremo Deus que a todos se destina.
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Silva Porto
15-5-1974
Intranquilidade
Com o golpe de Estado, chegou o momento do grande sobressalto! O dia de amanhã é um ponto enorme de interrogação, que ninguém talvez consegue decifrar.
A gente nova e sonhadora afirma e garante que vai ser maravilhoso e que a nova época será de liberdade e grande progresso.
Sempre optimistas e prometedores, arranjam argumentos, para condenar os que são mais idosos.
Lembra-me o episódio que termina o 4º Canto da nossa Epopeia. Duas correntes se formam, inimigas e opostas: a fila dos novos e aventureiros, com o Império na Índia; a dos velhos, calculados, optando pelo Império, ao Norte de África.
Momento enfadonho e de grande expectativa que acaba, naturalmente pelo triunfo dos novos.
Quando surgem algures ideias arejadas ou alguma coisa a afastar-se do comum, raro acontece não triunfarem!
Agradava-me, por certo, que o 25 de Abril fosse
bem sucedido, trazendo para todos coisa melhor! Mas se o porvir continua a enevoar-se, gerando ansiedade e falta de confiança, adeus encomendas!
Os "turras" aumentam de ferocidade, trazendo consigo horas de agonia aos que nasceram aqui ou
aguardam por cá o fruto de longos anos! Até há quem fale noutro Vietname!
A título de amizade, por uma parte e outra virem povos estranhos laborar este solo e enganar as suas gentes. que tantos cuidados nos foram dando, ao longo da História!
Num momento horrível, sinistro e funéreo, desaparecerá como nuvem de fumo o fruto belo de tantos anos! Tudo irá pelos ares? Há receio fundado.
pois tem acontecido, noutros pontos de África, quando veio às mãos a independência, não preparada e mal dirigida
Quem vai prever ou conjecturar o dia tremendo que não poupa ninguém?! Se a política geral do mundo que nos cerca, actuasse de outro modo, não seria difícil pôr tudo na ordem.
Entretanto, se isso não ocorre, dias bem amargos surgirão, no futuro, para aqueles infelizes que mourejam, há tanto, no solo angolano.
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Silva Porto
16-5-1974
Surpresa agradável, na manhã de ontem! Ao chegar ali em frente, à rua de Silva Porto, vem ao
encontro o amigo Salvador que desfecha a novidade: «Não há aulas!»!
Ninguém me avisara! Por isso, avancei, para ter a certeza! Mais um passo ainda e chega o mesmo informe:« Não há aulas» Quase acreditei! Pois não!
Por toda a parte, alunos hesitantes! Alguns porfiam, outros não assentem! Uma parte deles já está de regresso, ostentando no rosto sinais evidentes de grande alegria.
Em que ficamos? Há aulas ou não há!?!
- Não senhor, que toma posse do cargo o General Spínola!
Estou quase a aderir, mas o receio leva-me por diante e chego à Técnica.Dois feriados em Maio?! Um, no princípio, outro no meio?!Falta agora mais um, no fim do mês, para dar o remate! Entretanto acham muitos que não é mal, tratando-se, é claro. da causa citada.
Nada há neste mundo como ir a fonte limpa!
Ao entrar no recinto, diz o contínuo:: «Não há!».
Era o Albino,mas não me satisfez.
Foi o Director que mandou dizer!
Não me fio ainda e sigo adiante! Nisto, enxergo o
Director, sob o alpendre. Junto dele também o Eng, Rebelo. O mesmo assunto? É provável.
Olho à minha volta e só vejo dois carros! Digo então para os meus botões: agora já creio!
Como tinha 6 aulas, na Escola João de Almeida´
alegrou-me em extremo a cofirmação: era verdade não haver aulas!
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Silva Porto
17-5-1975
Se não me engano, é dia consagrado a S.Pascoal Bailão. Quantas recordações, em parte agradáveis , em parte dolorosas, não acodem à memória! Começavam os exames, no Seminário Menor. Era no Fundão.
Tratava-se, é óbvio, de assuntos leves: Religião e Música. Designo-as assim, por não oferecerem qualquer dificuldade. O facto em si nada significa, pois a palavra "exame" está banalizada e pouco nos diz.
Onde ela tem, na verdade, pleno sentido é no aspecto educativo, social e religioso. O que não representavam essas provas ligeiras, significando o
princípio da minha libertação! A espécie de terror que eu sentia pelo "monstro" enchia-me o peito de grande amargura, e a pobre cabeça , de enorme horror!
Ficaria reprovado? Viria como efeito a minha expulsão?! Filho de pais humildes que mourejavam
todo o santo dia, afim de alcançar, por meio de espinhos, essas migalhas!... Não tinha o direito de
malbaratar esse enorme sacrifício.
Lá se imolavam os progenotores, na velha aldeia serrana, aglomerado infeliz, sem água potável
sem luz nem telefone e, para mais, desligado, por inteiro, do mundo civilizado, por não haver estrada!
Aguardavam prestes o meu regresso, com êxito
visível, firme garantia de continuidade. Isto afligia o
pobre rapazinho, tímido, inculto, mas amigo sincero de seus pais extremosos.
Quanta ansiedade e amargos de boca, nesses dias longos, já tão distantes! Por outro lado, aquelas
actividades lembravam-me também que, passado um
mês, estaria de regresso ao lar saudoso,onde não havia tudo, mas compreensão, amor e carinho nunca
faltavam.
Contrastava, desde logo, com o ar de caserna, todo artificial e desamoroso, São de amargura tais recordações!
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Silva Porto
18-5-1974
Outro fim se semana equivale a mais um passo, na mesma direcção. - fim do ano lectivo.
Como eu suspiro pelo termo desejado, que dará ensejo para descansar e logo esquecer! Por outro lado, este final vem anunciar-me que a linha extrema já se aproxima: meta e alvo fascinante a que tenho aspirado, com veemência, ao longo deste ano!
Sete dias mais e extingue-se já o lidar febricitante, com noites agitadas e dias tormentosos!
Mal-estar persistente que rouba aos nervos ensejo
bastante, para repouso capaz!
Evidentemente que, na base de tudo, se encontram as aulas,ministradas no Internato a Inglês e Francès, ao 5º ano. Se tivessem alicerces,!
Foi para mim horrorosa lição! Mas, enfim, o monte- calvário já se aproxima! A humilhação vai-se
esboçando, com rosto escarninho!
Não tive culpa dos anos anteriores, mas que fazer, neste passo difícil?! Sou, na verdade, incapaz de actuar, diferentemente!
Com o termo da canseira, virá por fim a paz merecida?! Deus é quem o sabe.Uma coisa sei eu: ao terminar a vizinha semana, restam mais três: uma delas passada em frequências ( 4 dias ); a segunda e a final, em desinteresse, generalizado, por parte dos alunos.
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Silva Porto
19-5-1974
Uma nota fraca.
Após o Medíocre de reles classe, algumas notas de Mau e coisas no género, fico num estado que me afecta ao vivo
Ontem, por má sorte, recebeu a Guida mais outro Medíocre, no Liceu Silva Cunha, quando se esperava um pobre Suficiente!, em Ciências Naturais.
Tratando-se agora, como é óbvio, de matéria acessível, que só demanda esforço e boa vontade, não havia razão para tais dislates!
Em Matemática - Mau; Física - Medíocre; para
remate, outro ainda a Ciências!
É claro: foi tempestade, à hora do almoço!
A vida dos pobres é mesmo assim! Até a dos ricos, se não há regulamento, vai-se à vela também, de igual maneira.
Antevendo, pois, os graves efeitos que logo se adivinham, foi um desespero o almoço de ontem!
Faltou só...
Ela, coitada,, procurou defender-se, mas as razões eram tão pobres, ( aquelas razões, ordinárias e gastas
que os alunos arranjam, com o fim de exmir-se a castigos fortes e duras represálias) que eu cortei cerce, reduzindo-a ao silêncio.
Para tal facto, não havia defesa. Espírito generoso de pronto sacrifício e nada mais é que vai contar!
Moer o corpinho, gastar as pestanas, sem olhar para trás!
Quem não trabalhar, afincadamente, jamais tem na vida aquilo que precisa! Qualidades de trabalho é
grande promessa e firme garantia de bom resultado.
Mas tentar adquiri-las?!
Se ela não fosse doente! Mas assim!
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Silva Porto
20-5-1974
A nossa conterrânea vai breve casar. Já tem, de facto, o anel de noiva e, ligada, há muito, por com promissos, não é fácil renunciar. Havendo, porém, uma causa forte como julgo existir ( se avalio o que dizem pessoas amigas ) não devia ter pejo de faltar ao prometido.
São coisas muito sérias: duram toda a vida.
Ora vejamos: para dar um passo destes não se vai em frente, de ânimo leve! É presença a dois, que
abrange a vida imteira e leva, do mesmo passo, a grande intimidade.
Se não encontra palavras, para conversar e se obriga a letra gorda , para encher, é prova clara de que o amor findou, se é que ele de facto chegou a existir!
Quando os lábios se fecham, emudecendo a boca, temos o sinal de que a nosa fantasia cessou de
actuar e de que nutria uma falsa chama.
Postas assim as coisas referidas, devia cortar cerce, tanto mais que os seus intentos são encaminhados noutra direcção.
Por que não enveredar pelo segundo caminho, se ela nada tem a comprometê-la?! Não são por ventura casamentos destes que originam em breve
toda a casta de males?! Sendo tudo assim, por que não escreve ela uma carta ponderada, apresentando a questão, com imensa lealdade?!
Valia mais agora do que fora de tempo!
Quem vai sanar depois o que já não tem remédio?!
Machado pronto no caule da árvore e ponto final!
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Silva Porto
21-5-1974
Eram 8 menos 15, seguia o meu caminho para a Escola João de Almeida, onde ensino Inglês, vai já para dois anos.
Atrás de mim, dois pretos "calcinhas" desabafavam, com grande euforia, referindo-se a um facto que eu desconhecia. Dizia um deles que punha na voz acentos inflamados::« Eu, se algum branco ou mulato me põe as mãos, desgraço-o logo!
Que ele agora já há liberdade! Basta que a gente escreva uma cartinha para a Junta Portuguesa de Salvação Nacional, - zás! Aquilo, em seguida, é um abrir e fechar de olhos!»
Eu, então prosseguia , no meu lidar constante, fundamente ocupado: Pontos de Frequência... aulas a
dar!
No entanto, aquela voz sacudida, agitada e nervosa sobrepunha-se a tudo, chegando bem nítida ao meu alcance. Interiormente, deplorava o caso, imaginando a sós que algum incidente houvesse ocorrido,
Dizia então para os meus botões: mas que seca! O diabo do preto acordou certamente, de papo para o
ar! Ora, que grande maçada! O gralho do rapaz o que havia de tentar!
Afinal, tinha havido em 18 uma grave discórdia, entre brancos e negros. Cada um deles acudia pelos seus.
Aconteceu, nessa data, que o polícia branco foi
enxovalhado, agitando-lhe o braço, de pistola aperrada. Uma comédia perfeita e deveras lamentável! Finalmente, veio a tropa lusa, ignorando eu o que houve depois.
É de lamentar que isto aconteça, pois aumenta logo a desconfiança e dificulta, ao mesmo tempo, a acção benfazeja da JuntaNacional.
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Silva Porto
22-5-1974
Com o golpe de Estado, ocorrem episódios que dão para rir, se é que não para chorar!. Ontem, foi o caso. Um preto do quimbo acabara , havia pouco, de comprar um casaco e levava-o cauteloso em grande embrulho.De repente, lembrando-lhe alguma coisa, desamarra o papel. tira do conteúdo e.
agitando-o no ar, com toda a força, dá com ele, prestesmente, no passeio lateral, exclamando ao mesmo tempo: «Viva o Spinola que nos deu a libardade!»
Repetiu, repetiu,vezes sem conto, numa atitude berrante, cómica, agitada, que provocava o riso.
Parecia um homem endemonihado! Quem passava ali olhava-o hilariante, chegando a pensar que o pobre rapaz estava realmente falho do cérebro. Mas
não!
Ou que tivesse, de facto, bebido a mais ou lhe saísse do peito o grito espontâneo, continuava imperturbável, sem olhar em redor.
O preto, em geral, não sabe o que faz. Ontem,
precisamente, foi interrogado o jovem Abreu, contínuo da Técnica, já com Diploma do 2º ano.
Perguntou-lhe casualmente o nosso Director: «.
- Olha lá, tu sabes, na verdade, o que é, de facto,
a auto-determinação?!
- Não, não sei, mas vou ver ao Dicionário! Nunca pensei nisso tão pouco!
- Independência imediata?
- Sei lá! Não me tenho ocupado nisso!
Ora, esta gente que faz apenas o que vê fazer e diz somente aquilo que ouve, sem entender nem reflectir
estará de facto à altura, para emitir opinião, sobre os
graves sucessos que agora nos ocupam?!
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Silva Porto
23-5-1974
Será ele, na verdade? O Nequinhas de outrora, Ministro do Ultramar ou melhor dito, da
Coordenação inter-territorial?!Os dados obtidos parece convergirem! De facto, nome igual - António
de Almeida Santos; formado em Direito; actividade exercida em Moçambique; naturalidade - concelho de Seia!
É muita convergência, para não ser ele! Se o Ministro é, realmente, da fregesia da Vide, onde eu vivi quase três anos!...
Quem me dera já saber, com toda a certeza!
Hoje ou amanhã, vem a Nova Lisboa, afim de ouvir os repreentantes daquela região, para ser escolhido o Governador de Angola.
Gostaria de o ver e cumprimentar.
Que saudade imensa e grata recordação, ao lembrar velhos tempos!Tinha eu 25, e ele um pouco menos.
Era, eessa data, o princípio alvoroçante da minha carreira, motivo pelo qual tudo se gravou, indelevelmente, na alma sonhadora. Hoje, avivou-se a bela realidade!
Tudo vem a pêlo: o primeiro encantamento; serenatas ao luar; altas classificações; a famosa sueca, nos serões de Inverno, do finado Padre Cândido
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Silva Porto
24-5-1974
Casamento.
É assunto momentoso que preocupa toda a gente
pois nasce da alma, onde vive e se alimenta.
Levados por amor, homem e mulher ligam seus destinos e unem as vidas, pondo tudo em comum.
Duas forças imperiosas comandam a propagação: uma dentre elas, de crácter psicológico; outra, a se segunda, de tipo sensual.
Qual seja mais profunda não é fácil indicá-lo.
Ambas são potentes e quase desenfreadas.
Quanto à segunda, só a muito custo alguém se lhe furta.
Usar a fuga e ser herói! É que irrompe da alma, através do corpo, com ímpeto forte e arremesso tal, que, a não ser por ideal e pronta vigilância, que tem seus altos e baixos, não é possível fugir-lhe de vez.
A ajuda celeste faz-se basilar, no grande prélio que demanda tamém esforço humano, generoso e pronto. . De outra maneira, há quedas certas e graves humilhações.
Potentes molas sacodem forte almas e corpos, as quais por vezes, mercê de repressão actuam depois com dobrado vigor!
Quando tal caminho de heroicidade e renúncia é
escolhido livremente, sem intervenções, fanáticas e matreiras, tudo corre bem.Nada aí há como auto-
determinar-se, depois de saber os prós e os contras.
Que outrem se imiscua, seja quem for, em assuntos destes, é crime sem nome! Quantas não são as tragédias sem fim que, pelo mundo além, se estão consumando, mercê de influências que vieram de fora!!
É fundamental, neste grave assunto, a educação sexual, ministrada pelos pais.
Sem isto, vem a desgraça.
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Silva Porto
25-5-1974
Após uma noite, bem mal dormida, com seu
início,às 24, acordei, finalmente, pelas 4 horas. sem programa definido para o dia presente. Algo difícil para resolver, não haja dúvida.O fim de semana coincide, em regra, com a precisão de paz e repouso.
Devo lembrar-me de que passaram os inta e que
vou nos enta, pela segunda vez. Mas há um factor, estranho a mim, que é mais responsável: o 25 de Maio de 74.
Se não, é ver: fim de semana; ida minha ao Chitembo e a chegada ao Huambo do nosso Ministro.
Para fazer as duas viagens, é sobrehumano; para fazer só uma, refila o coração. Resolvido ficou ir aos dois lados, embora, já se vê, com tremendo sacrifício.
Arranquei de Silva Porto com a mana Agusta, logo de manhãzinha, pelas 6 horas. É que eu, realmente, não podia afastar-me de Nova Lisboa!
Vir ali ao Huambo o Ministro do Ultramar e não estar eu presente?! Quero relembrar o nosso tempo de jovens,!
Tinha eu 27, ao deixar para sempre a sua terra natal! Outros tantos já passaram, sem tornarmos a encontrar-nos! Agora, pois, tinha de ser!
Às 8 e 15, a antiga capital sorriu-nos de frente.
Saudámo.lo então, cheios de alegria, embora os estômagos se achassem vazios.
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Silva Porto
26-5-197
A funda emoção, que ontem senti, preencheu.-me o dia, prolongando-se também, pela noite fora.Que forte maneira, tentando ilaquear a alme e o corpo!
Grata sensação experimentei eu, nessas horas belas e inolvidáveis, esperando por alguém que
trazia de novo o passado até nós, com brilho diamantino!
O Dr, Almeida Santos, a Dona Guiomar, o Sr, Santos, Nininha e Fernandinha! Que mundo vivo, agitado e fagueiro, em que eu vivi, no começo exacto da vida profissional!
Tinha eu.à data, 25 anos, havendo finalizado o Curso de Teologia, alguns meses antes.
Foi nessa altura que travei para sempre relações de amizade, que não posso olvidar.
Um descolamento, operado na retina, obrigou-me a separar desta honrada família que jamais esqueci. através dos anos.
Ao pressentir que se tratava, realmente, do amigo de outrora, o meu coração agitou-se no peito: ninguém me conteve já!
Como se o bom amigo fora do meu sangue, aprontei-me breve , para ir ao seu encontro. Tinha de vê-lo e dar-lhe um abraço. Assim aconteceu.
Sabendo anteriormente que ele chegaria às 8 e55,
encaminhei-me logo para o Governo Civil, onde aguardei, pacientemente.
Seria meu desejo colhê-lo, à chegada e, sem protocolo, endereçar-lhe os meus cumprimentos.
que levava guardados no íntimo peito.
No entanto, ele não parou, à entrada do portão
nem à porta do Palácio.
Qual seta arremessada com grande violência,
encaminhou-se para as traseiras, subindo apressadamente, ao 1º andar.
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Silva Porto
27-5-1974 (cont.)
O nosso Ministro
Acorreram todos, quase em tropel, na mira de o ver ou talvez saudar.A verdade, porém, é que não se lobrigou!
Pela escadaria, caminham açodados membros numerosos da informação e representantes de grupos diversos. Também eu acorria, de modo igual, quando ouço uma voz, elucidando os presentes: «Só representantes da Radio e da Inprensa!»
Aquelas palavras, trazidas até mim pelo alti-falante, queimavam nos ouvidos. Entretanto, não perdi a fé.
Duvidava,contudo, por haver muita gente. que desejava falar-lhe, havendo previamente feito a inscrição.
Eu, realmente, nada tinha a favor, para tais recepções.
Dirijo-me a um contínuo e exponho lealmente o assunto que me inquieta: sou um amigo do Sr, Ministro, desde longa data e queria abraçá-lo.
Bem, atalha ele, se não está inscrito, vá sem demora ao Governo Civil, porque se ele não tiver tempo, leva a nota do facto em questão.
Assim faço com presteza.
Entretanto, foram logo dizendo que muita gente estava inscrita e que o Sr. Ministro não dispunha de tempo que bastasse para tantos! Iria sair, impreterivelmente, às 14 horas, a caminho de Benguela.
Então, acentuei: mesmo sem protocolo, hei-de falar-lhe!
Impossível o caso - sublinhou a contínua.
Posso, na verdade, registar o seu nome, mas perde o tempo! É melhor talvez arranjar um memorial. O Sr.
Ministro leva-o com ele!.
Não! Ele vai atender-me!Estou confiante!
Após as minhas palavras a que juntara outras mais, quebrarm um pouco. De facto, havia muita gente!
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Silva Porto
28-5-1974 O nosso Ministro (cont,)
Mandaram sentar-nos, aguardando na sala. Ali ficámos então, por tempo indefinido: uns, com esperança; outros, incertos e algo desanimados.As horas passavam e grande multidão enxameava no Largo, em frente do Palácio.
Entretanto, um senhor, relativamente novo, ia devassando, com muita gentileza, o porquê exacto de tão longa espera. De lugar em lugar, indagava dos motivos, procurando ele próprio resolver os casos ou fazê-los chegar ao Dr. Almeida Santos.
Segui-o com interesse e alguma curiosidade, a ver se descobria quem era a pessoa e, se em tal caso, poderia ajudar.
Eis senão quando profere as palavras : « Eu sou
Oficial de Serviço».
Bom! - monologuei com os meus botões. Vou
apresentar-lhe a minha pretensão.
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Silva Porto
28-5-1974 (cont,)
Dei-me pressa em fazè-lo, porque as horas passavam. Ele empunhava uma lista enorme de inscritos, na véspera. Quem teima vence, pensava eu, receoso e triste, Avanço dois passos e aguardo oportunidade.
Senhor Major, embora sem protocolo, gostava imenso de cumprimentar o Senhor Ministro. Nenhum caso pessoal me traz aqui: apenas relações de sincera amizade, que vêm de longa data.
Ele então, já sorridente e compreensivo, atalha, com firmeza: «Sendo assim, o Senhor Ministro há-de ter muito gosto em recebê-lo!»
Agradeci, reconhecido, afastando-me logo, com
prontidão.
As Delegações entravam e saíam. O tempo minguava, a olhos visto.
Era já 1 hora! Quantas vezes olhara para o meu relógio, na mira fagueira que chegasse, em breve o momento esperado! Quem espera desespera! Assim precisamente me estava sucedendo. Entretanto, como vence quem teima,chegou também a hora desejada!
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Silva Porto
29-5-1974 (cont.)
Em expectativa, quase angustiosa, ao menos da minha parte, enfiei-me pela porta, algo receoso de não ser reconhecido. Vinte e oito anos haviam passado!
Olho em volta: o meu espírito clarifica-se em breve, uma vez que, em pé, junto da janela, aguardava amigável a minha chegada o velho e bom amigo de tempos idos.Era ele o Nequinhas, aluno distinto, de porte irrepreensível que fazia justamente o orgulho de seus pais.
Sorridente e afável, procura-me logo, com olhar carinhoso, tentando recordar o passdo longínquo.
Foi um momento de grande emoção, para a minha alma. Mal podia falar e as palavras morriam, na garganta sufocada.
Vimos trazer-lhe dois grandes abraços! São de parabéns e votos sinceros de acção fecunda.
Ele, então, ainda com ar jovem, um tanto galhofeiro, ameniza o ambiente, dizendo pronto: «Quando voltarmos à Vide, havemos de jogar uma partida de bisca, à maneira de outrora! Quando voltam lá»
Pergunto, depois, em grande minúcia, pelas pessoas a ele mais chegadas, incluindo os pais e a saudos Nininha. Conto-lhe, a prpósito, como ela reagia, quando o pai ganhava ou eu perdia.
Falámos ainda um pouco mais, envolvendo-nos sempre um ar acariciador de familiaridade e franco entendimento.
Que seja feliz este bom amigo e contribua, com o seu talento, para o bem da Pátria,nesta hora decisiva de grave apreensão
Silva Porto
30-5-1974
Estão decorrendo os Pontos de frequência. Os meus já ocorreram, a 28 ou seja o primeiro dia, consagrado a testes.
Para ontem, ficou apenas o 3º de Comércio (nocturno).
Hoje, vigiei duas turmas: 2º de História e formação Feminina; Naturais 1º ano - Curso de Técnicos e Electicistas.
É tempo de efervescência, em docentes e alunos. Para uns e outros não há mãos a medir. Agitação, por todo o lado, serões e madrugadas, iniciativas e projectos vários... enfm, uma grande tarefa que é levada a cabo.
Fazem cálculos aos centos, criam-se amizades... excogitam-se a fundo mil subterfúgios. Recorrer diligente a préstimos alheios e agora normal.
O ano vai findar e, uma vez perdido, não tem remédio!.
Ralhos da família, privação de regalias, enfim uma série grande e
interminável de maus princípios, que agora se glomerama, avivam e pungem!
Exconjurar tal perigo - eis a tarefa! Os meios não interessam! Moralidade também não importa! Recurso ilícito?
Que é que vai nisso?
É a tese fecunda do famoso Príncipe: «Os fins em vista justificam os meios».
Contra a Moral?! Não se faz caso! O triunfo é que
importa e não a Moral!
Terrível Maquiavel! Fugir , correndo!
Descobriste os fracos e exploraste habilmente, quanto há de malicioso, ruim e vilão, nos fundos baixos da natureza humana!
Caridade? Há muito a afugentou o homem avaro,
de seu frio coração! Não é ela,certamente, a inimiga figadal do grosseiro egoísmo! Para quem vive o homem senão para si?!
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Silva Porto
31-5.1974
Por Deus, que vai acabar! Que alívio para mim ,finalizar este mês, com visos de eternidade! Tantas aulas!
Tanto exercício e quebreiras de cabeça! Em desejo e cálculo fazia-o avançar! A verdade, porém, é que ele vinha lento, como
os glaciares, ao longo das planuras.
Quanto mais desejava que ele se esgueirasse, mais lento e moroso era o seu andar! Mas, enfim, que chegou o termo! Sucedeu agora o que vai no turista, que faz, a pé, uma longa jornada, subindo porfioso a encosta dum monte. Fatigado e ofegante, olha para o cume, ainda de longe, e os olhos prontos, gulosos e inquietos fixam o topo, com ansiedade!
Mais um um impulso e outro ainda, aos quais se liga o amargo desânimo e vários titubeios. No entanto, a confiança vai luzindo,embora envolvida em ténue luz. Transpira ali, enxuga o suor, leva as mãos à fronte molhada, e suspira fundo!
Mais uma passada, em que as pernas vacilam, por cansadas e trementes! Foi assim, a rigor o meu longo caminhar, incerto. ansioso, durante o mês, quase interminável que tem hoje o seu termo!..
Bem se vê que já não sou criança! Tivesse eu os meus 30 ou mesmo 40!, mas o tempo decorreu e quem andou já não tem para andar!
Por que aceitei eu um fardo tão pesado?! Que me sirva de lição, em trabalhos futuros! Não é a História a mestra da vida, no dizer de Cícero?!
Não posso já com tanta fadiga nem tenho urgência, como opino, de esquartejar o pobre corpo,à maneira dum pai, com filhos numerosos, que morrem de fome e cuja vida, na Terra, fica pendente do seu esforço heróico.!
A causa real da minha apreensão está nas aulas do Internato e em dadas circunstâncias que rodeiam os alunos, em anos de exame.
Estou preocupado, já que, havendo insistido, não vou conseguir o que desejava.
Todos vão a exame! São já maiores, propondo-se a exame, pelo
Ensino Individual ou então, pelo doméstico.
Há-de ser bonito!
******.
Silva Porto
1-6-1974
Pedido insistente sem deferimento. Ocorreu ontem, pelas 7 e 3o. Finalizada a Eucaristia, a Irmã Jacinta, Religiosa do Ninho, muito convicta do seu papel, dispara contra mim um arsenal de argumentos, adrede preparados.
«Senhor F.é hoje a festa das nossas crianças...»
Eu, nessa hora, estava pelos cabelos, visto que às 8, havia-de estar no Internato, para dar as aulas.
Ela, no entanto, servindo-se ali de mil razões, que precederam o visado intento, não acabava, tolhendo-me a saída.
Ouvi, ouvi, deixando esvaziar toda a bateria.
Que havia-de eu fazer?Assoberbado com trabalho a rodos, ao fim duma semana, violenta e agitada,com
os pobres nervos já desalinhados,... Esperar em seguida um pouco de calma, afim de repousar, isso sim!. Mas não!
Ver os Pontos de Frequência e classisficá-los; dar classificações em fim de ano, com vista directa às propostas a exame, é tarefa pesada que não deixa tréguas nem alivia, de modo nenhum, a cabeça esgotada!
Aonde ir buscar tempo, serenidade e paciência?
Bom! É preciso, tudo!
A Irmã Jacinta vinha, ois decidida, com forte argumentação, dizendo sem rebuço que tinha
obrigação. Já que era feriado e ninguém mais se encontrava disponível. Nem mesmo o Semhor Bispo!
Encontrei imensa graça àquela ingenuidade, um
tanto apalermada, pois que eu seria, naturalmente, o menos disponível! Não dou eu, a rigor,46 aulas, ao longo da semana, exccluindo já leccionações e Pontos Escritos, que exigem correcção?! Chegada a
sexta-feira, o que preciso é descanso e lugar sem ruído.
Enfim, a malícia de uns tantos e a simplicidade,
própria de outros muitos fazem coro diabólico a que náo posso afazer-me!
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Silva Porto
2-6-1974
Ontem, já por noite, acabei então os Pontos de Frequència! Que grande maçada! Turmas enormes, com provas diferentes!
O Curso Nocturno, o 3º Industrial e os segundos anos! É uma estopada, como não creio haver suportado. A razão principal do meu desconforto reside no seguinte: deixar para o fim o 3º Industrial.
Não o fiz de propósito, no entanto, deu-se a triste coincidência, verificando-se, pois, aquele provérbio ou máxima corrente que aprendi em pequeno: «O rabo é o mais difícil de esfolar».
De facto, assim aconteceu. Nunca fiz bom rosto àquela turma mista, composta globalmente de 4 secções: Formação Feminina, Agrícolas e Mecânicos e Electricidade.
Além do mais, tinham alguns só 1 ano de Inglês; outros então possuíam os dois.Enfim, uma
baralhada tão grande e completa, que me pôs a cabeça em ritmo acelerado!
Trabalhei quanto pude, um ano inteiro - talvez
mais do que devia - mas, avaliando pelas fracas provas, creio ser exíguo o resultado final. Esta geração não quer trabalhar.Entende, lá na sua, que é bom para os pais e também para os Mestres!
É o que se enuncia pelas seguintes palavras: deram, afinal um tiro no trabalho!
Já não há remédio para tanto mal! Se não colaboram!...Também estou convicto de que há muita estupidez
Em 30 alunos, como admitir l6 medíocres?! Além disso, as notas positivas são de baixo nível!
Eles ou eu, se não todos nós, andamos errados!
É melhor arranjarmos outra profissão!
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Silva Porto
3-6-1974
Momento Histórico.
Alguém escreveu, lá da Metrópole, que o alvo democrático do 25 de Abril havia degenerado em alta demagogia e que, possivelmente, havíamos de recuar.
Ignoro, a bem dizer, como as coisas decorrem
mas, avaliando pelo que soa, não caminham bem.
Demais, o epistológrafo imerge no ambiente, pois nele se agita. Integrado no exército, conhece bem os factos e não fala de cor.
Asco e má vontade contra o regime? Reflexo exacto de observação, rigorosa. imparcial dos factos ocorridos?
Seja como for, cá por Angola, vive-se agora num ambiente inseguro de grande expectativa. Ninguém prevê, ao certo, o dia de amnhã.
Os Brancos, em geral, já estão convictos de que Angola morreu, para a sua causa e que dias bem
trágicos podem seguir-se. É um mal-estar, vivo e constante, em que a paz, o conforto e a mesma alegria já não têm palavra.
Desconfiança mútua é aquilo que se nota, no
dia a dia.. Olhar de soslaio, falar em surdina...
esquisitas atitudes que não deixam à-vontade seja quem for. Sendo de noite, é pior ainda!
Quem nos diz a nós que, estando a repousar,
não chega um bando, sem brida nem lei e, levado pela droga, nos põe na salgadeira?! Quem é que assegura aos brancs de Angola que o lar estremecido, fundado, talvez, à custa de sacrifícios
e tremendas privações. não vai pelos ares, lambido em breve por chamas devoradoras!
Deus e a Virgem protejam os inocentes, pois se encontram expostos aos maiores vexames! Ódio a represados e vinganças nutridas, podem, num momento, causar grandes males.Não tivemos a prova em 61? Passaram 14 anos, mas ninguém o esqueceu.
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Silva Porto
4-6-1974
Dispensa-se agora com 9,5. Q uem já viu, alguma vez, baralhada como esta?!Num povo qualquer, em extremo preguiçoso, o que urge, na verdade, não é facilitar, mas exigir e dificultar.
Se a uma pessoa, deveras indolente, exigirmos só 20, dará. quando muito, 5 valores apenas mas , se ao contrário, pugnarmos por 100, é capaz de 50.
Enorme diferença! Ora bem. Que é que sucede com um povo afectivo,arrebatado e emocional, em que os sentidos e a fantasia governam ferreamente, com dano manifesto da inteligência e da vontade?
Que desprestígio para o corpo docente e que horrendo pontapé no progresso do mundo!
Alguém com 9 ,5 merece um prémio?! Que darão, pois, a uma pessoa que tire 20? E após tais medidas, haverá ainda quem se esforce, a valer, intentando fazer algo, no campo científico? Que mira houve, aplicando tal medida? Atrair os estudantes, massa
inexperiente, que não sabe o que é melhor?
Que pode esperar-se dos nossos jovens, quando
passam o tempo a cuidar do cabelo e a provocar o sexo?
Poderá o homem distinguir-se alguma vez como animal de pêlo?!
O que não trabalha tem direito a recompensa? Aonde iremos buscar os santos e heróis, como as almas devotadas a nobres causas?
Ao campo imenso da rendição? Ao da preguiça?!
Acaso já deu fruto essa terra sáfara?! Não é isso postergar os valores que fizeram de nós um povo glorioso'!
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Silva Porto
5-6-1974
Da Velhice
Quando o orador e filósofo romano ideou o seu livro «De Senectute», devia estar sonhando ou então, pelo respeito e grande estima que há muito lhe voto, seria, talvez, um ente privilegiado.
Na verdade, tudo o que há de mau se junta e avoluma, no fim da vida!
Decepções e desenganos, achaques e doenças,
desejos gorados, frustração e tédio formam longa cadeia que amesquinha o ser humano e o faz sucumbir
Além disto, que já é bastante, vem juntamente a ingrata deformidade, a impotência física, a que segue a moral, factores importntes que aborrecem a gente e a diminuem. E se juntarmos a isto a chacota dos novos, zurzindo impiedosos a mentalidade e sentir que reputam acanhados e já obsoletos?!
Que oceano imenso de angústia e desdita, aquele em que naufagam todos os velhinhos!
Que longo rosário, pesado, interminável, de contas escuras, a exprimir.decepções, logro e prostração!
Acresce a tudo isto a perda irreparável dos entes queridos; a ausência angustiante das pessoas amigas;
tantos outros factores que não posso enumerar!
Que direi então, quanto a enfermidades e total privação de tudo o que é bom?
Aparelho digestivo a caminho da ruína; estômago ulcerado; fígado... esse então! O fidalguinho que é número um, com dezenas de funções, é artista consumado e muito sensível.
E os intestinos?! Aqui, a pena hesita. Gorduras e fritos não são com eles! Que dizer também de bebidas alcoólicas? São apreciadas? Que é que vai nisso?!
Martírio de Tântalo.
Junto ainda o aparelho urinário que pode ser também um grade bico de obra!
Acabará o cortejo? Só tenho ainda 56 anos!
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Silva Porto
6-6-1974
Após a Abrilada do século XX, fortes emoções nos têm abalado: umas, agradáveis, outras, ingratas e amesquinhantes. Ontem, foi o caso. Indo eu para as aulas, o colega Hamílton, saiu-se com esta: «Sabe uma coisa?»
Olho para ele, um tanto curioso, aguardando o que faltava, por julgar, realmente, ser coisa de monta.
- O Dr. Avelãs Nunes está no Governo!
- Que me diz? Tem a certeza?
-Tenho! Vi no jornal e não se discute! Ficou no
Desporto..
- Ora ainda bem, segredei, atalhando.
Perante o facto, sensibilizei-me, pois me trouxe à memória os tempos de Pinhel, cidade inesquecível,
onde leccionei, durante 7 anos!
No velho Colégio, então designado por João Pinto Ribeiro, fez ele. sem dúvida o Curso Geral, cabendo-me a honra de o ter como aluno.
Distinto no porte e qualidades belas de amor
ao trabalho, jamais em vida poderei esquecê-lo.
Dispensava-se então com 16 valores, razão pela qual só poucos alunos realizavam, à data, essa aspiração.
Ele foi um, se a memória não falha.
Ora, sempre que me lembram esses velhos tempos, sinto no peito vibrar o coração. Julgo remoçar e encher-me de energia, voltando assim aos tempos de outrora
Por lá gastei o aço, desde os 32 aos 39 anos,
criando amizades e lançando raízes que é muito difícil alguém extirpar.
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Silva Porto
7-6-1974
Últimos dias lectivos do ano corrente. Que
grande alívio sinto no peito! Afigura-se até que um peso enorme vai sendo arredado, ficando livre e à minha vontade! Un ano inteiro nesta lufa-lufa, com ritmo igual, de manhã até à noite, fazendo as mesmas coisas!
Vivo prazer me vem de ensinar, contribuindo assim, para erguer o nível do povo angolano.
.Apesar de tudo, há limite para as coisas! Uma vez ultrapassado, vem logo o enjoo, campeia a monotonia, arrasam-se os nervos. Logo que chegamos a esta linha, tudo perde o encanto e a vida presente já não tem fascínio.
Pensei, durante o ano que seria incapaz de ultimar a tarefa! Razões tinha eu, muito fundadas, para assim julgar! Entretanto, com esforço próprio e o auxílio de Deus, lá fui vencendo, até chegar esta data, em que ponho o remate.
No Seminário- Colégio terminaram as aulas do 1º ano, restando agora somente as exclusivas do 5º.
Já pouco interessam, uma vez que os alunos preferem rever, entregues a si. Aparecem alguns, geralmente os mais cábulas que, à última hlora, como o bom ladrão, querem o Céu.
Confesso abertamente que tais aulas e alunos me não interessam, pois faltaram aos Pontos e andaram passeando, à sua vontade, para virem agora, com falinhas mansas e ares importunos, incomodar quem precisa descanso.
Mas a vida presente é isto mesmo! Seja como for! É certo e notório que as nossas aulas vão terminar.
Após esta maçada, que outras virão?! Mas lá diz o provérbio: «Enquanto o pau vai no ar, folgan as costas».
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Silva Porto
8-6-1974
Ontem, foi um dia cheio, embora sem trabalhos. Sete aulas na Escola e três no Internato.
Afinal de contas, as ministradas no Ensino Particular
ficaram reduzidas à expressão mais simples!
Quanto às da Técnica ,é tão somente fazer as despedidas e dar os meus conselhos. Restava como espinho a última da noite, que só terminaria às 22 e 30.
Entretanto, os nossos alunos resolveram a questão: por livre iniciativa, chamaram os professores para um ágape, às 18 e 30.
Estavam presentes quase todos os nocturnos. Só
não me lembro de ver a colega Fátima e o professor Vidal, na última função. Quem faltou ali foi certamente por fortes razões.
A confraternização decorreu à maravilha: ambiente cordial e boa harmonia, verificando-se então, em miniatura, a concretização do ideal angolano. - uma sociedade pluri-racal.
Efectivamente, havia pretos, brancos e mulatos,
de envolta uns com os outros, em camaradagem, aberta e sincera, que chamava as atenções.
A mesa estava ajoujada com peso descomunal.
Havia de tudo, em qualidade e quantidade: vários tipos de bebida, desde wisky à cerveja, e variedade notável de bolos e sandes, sem faltar o pudim.
Pelas 21, fiz as despedidas, saindo logo.
Hoje, tinha de erguer-me bastante cedo.
Vão começar as longas reuniões, para efeito de notas, tendo início já, às 7 e 3o .
Dos fracos e anémicos não reza a História!
Viva o Estado Novo!
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Silva Porto
9-6-1974
Até que enfim, terminaram as aulas, estando já em curso as reuniões para notas! Foram
ontem as primeiras.
Formação Feminina e 2º do Comércio levaram todo o tempo. Este ano é um bodo aos pobres, devido às medidas, agora adoptadas, pelo novo Governo, dito provisório.
Com 9,5 ficam dispensados!
Que pechincha! Que mel saboroso, passado habilmente por lábios inocentes! Mas bem! Como
processo de fácil conquista, utilizado uma vez, passa
facilmente!
Seria, porém, bastante ruinoso, se tais medidas se tornassem constantes!
Pois não são os Portugueses assaz indolentes, por
natureza?! É preciso, pois, exigir 15, para chegarem aos 1o!
Quanto às Escritas, informou a Radio que, obtendo 8, por arredondamento, já são admitidos à prova oral, ficando dispensados, caso eles cheguem aos 9,5
Pouco tempo de exames haverá este ano. avaliando a rigor, pelos sintomas que estamos verificando. O que interessa, em boa verdade, é que
este processo redunde para logo em gozo de todos,
contribuindo a valer para a união, entendimento e boa harmonia, entre povos e raças, culturas e credos.
O momento histórico, grave e delicado que o país atravessa, impõe, desde já, boa harmonia, compreensão e mútua confiança, para obtermos a paz, sossego e bem-estar, há muito em crise, pela
terra portuguesa.
O desgaste notável em vidas e bens, durante 13 anos, é suficiente para dar-nos que pensar, julgando com acerto.
Que Deus nos favoreça, nesta encruzilhada, para que tudo se normalize. Malquerenças e ódio,
vingança e rancor não são factores para a hora presente!
Espírito generoso de larga clemência, de parte a
parte se torna urgente.
Se o Govermo Provisório resolver capazmente o problema em questão. ficará na História como fonte
de bênção.
Que Deus bondoso ilumine estas gentes, afim de as
livrar de morte inglória.
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Silva Porto
1o-6-1974
A menina X tem 18 anos.
De maneiras livres e moda actual, compraz-se em diversões que a tornam suspeita.
A família reage, procurando obstar a qualquer
dissabor, pelo simples facto de ser abusadora.
A mãe sobretudo mirra-se logo em conjecturas,
calculando e prevendo. mais que ninguém a desgraça fatal!
Já por várias vezes desapareceu a menina teimosa, regressando apenas, quando lhe aprouve.
Comentam de um lado, criticam do outro e a
própria vizinhança anda alertada, à espera do pior.
Admoestações, com luva branca, e repreeensões não lhe fazem mossa! Um degredo, pois, a vida no lar!
Calcula~se, desde já, um futuro infeliz, para a jovem desordeira, leviana e fácil que não atende a pedidos nem se verga a rogos,
Vivendo a capricho, tanto sai por noite como à luz do Sol. Dá-se a bailes e farras, em que ela, por norma, é elemento de nota.
Conhecida por tal, apontam-na a dedo, segredando àpartes que não lhe abonam, por certo,
a idoneidade moral,
Os areolas e mais desordeiros são esses, na verdade, os companheiros de sempre.
Que fazer de tudo isto?! Em tal idade, a seguir tal gente! Passa desde logo a odiar a família, que
procura entravar-lhe os lúbricos amores, evitando, assim, que ela se entregue a suspeitos apelos.
Apontada agora como jovem leviana, diz-se muito mais do que é na verdade.
Em casa, a mãe atribulada, consome-se de vergonha! Até que um dia sobrevém a tempestade!
São ralhos e berros, desacerto e pancada!
Ouvem de seus lábios as maiores grossarias, pondo
em pé o cabelo dos pais.
Nem tanta desvergonha, diziam eles , animosamente!
Ela, no entanto, quer libertar-se e pede enxoval,
alegando impudente que já fizera tudo quanto era pfrreciso para o ganhar!
Chega-lhe o descaro para dizer à mãe que fizera o mesmo, na sua juventude!
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Silva Porto
11-6-1974
Celibato e Casamento
A questão momentosa dos votos religiosos é
assunto melindroso, pois vai implicar com a longa
tradição, que os reputa invioláveis, dando-lhes até carácter sagrado.
A verdade, porém, segundo eu penso, é que. muitas vezes, aqueles que os fizeram, não tinham ainda maturidade afectiva nem sexual. Isto não depende só, dos anos vividos.
Há outros factores que são importantíssimos, como sejam por exemplo: ambiente familiar;
pressão moral e fanatismo; educação unilateral; salientar alguns aspectos e ocultar, outros;
repressão constante; vigilância descabida; falta de contacto com o exterior, a sociedade e os livros; mãe possessora que tem o filho como seu e imprescindível.
O caso em foco é bastante delicado, ainda para aqueles cujos votos religiosos foram totalmente isentos de coacção.
Preparação deficiente; falta de auxílio médico-
-psicológico; maturidade, já psicológica, já social e cultural encontram-se na base de muitas deserções.
A mudança de ambiente, em ordem ao passado
gera logo distúrbios que levam a pessoa a julgar-se frustrada
Quantas vezes, afinal, não foram tais votos efeito de sugestões, ao longo da infâncis e da
adolescência?!
Partiu-se, a rigor, dum falso princípio: gosto dos pais ou restante família, porque sentiriam imenso prazer em dar ao Senhor um filho ou uma filha!
Desejo louvável, mas perigoso, quando mal encaminhado. A intenção é boa, mas a vocação deve partir do sujeito e não de fora.
Somente depois, é que é prudente abrirem-se os pais. De outra maneira. criam, desde logo, ambiente suspeito, em volta da criança
«Tu hás-de ser isto ou então aquilo». «Aih! Eu
gostava tanto! Que imensas vantagens para este mundo e mais para o outro!»
É, na verdade, uma falsa via! Tantas vezes se ouve, que imprime carácter! Camisa de 7 varas que
manieta e retém! Vem pronto a fantasia, com tiradas ao vivo, para criar logo um mundo irreal.
Partiu-se do absracto para o concreto; da causa para o efeito; do irreal para o real, devendo ser ao contrário
Por causa disto, quantos dissabores e quedas
lamentáveis! Quanto desassossego! Quantos males deploráveis e até consciências em grande alvoroço!
Se não me engano, a pessoa infeliz que vive em tal mundo, é membro inútil, se não perigoso, na
comunidade.
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Silva Porto
12-6-1974 ( cont.)
Escolher a vocação é o assunto mais sério que
existe na vida. Por ser delicado e muito complexo, requer diligência e várias achegas. Devem participar, no momentoso assunto: pais e confessor;
pedagogo e médico; um bom psicólogo.
Caberia a cada um labor específico, não intervindo na esfera vizinha. Diligenciariam todos nada sugerir,
antes de verificada a tendência da criança.
Uma vez descoberta, usando de rigor, após confirmações, repetidas, insistentes, tomar-se-ia logo pela via prudente da insinuação, de preferência indirecta, havendo sob exame o temperamento da criança visada.
Espécie de amparo, concedido à árvore, ainda tenra, afim de a preservar de vendavais e geadas.
Neste ambiente preciso, será bem feliz o ser humano, pois que, a rigor, não está sujeito a fortes
pressões. descabidas e maléficas que têm feito de muitos seres pessoas desditosas
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Silva Porto
13-6-1974
Após um ano, quase interminável e cheio de trabalhos, veio algo de tranquílo que , por fim. deixa a alma em paz e o resto em equilíbrio. Durante o ano, febre constante, lida porfiada, intranquilidade!
Horas longas e pesadas, que não podem esquecer-se... descanso falhado que não é repousante...
actividade insana que somente pára,, afim de continuar!.Nem sei para quê tanta agitação!
Se tudo vai acabar, um dia qualquer, tamanho rebuliço, à margem do repouso! Vinte e três aulas, na Escola Técnica e número igual, no Seminário-Colégio, havendo aqui um horário insuportável e feito a martelo!
Compreende-se lá que, diariamente, haja de ir 4 vezes, à distância exacta de 2 quilómetros?! Por que é que não punham as horas de aula todas seguidas?! Trabalho descordenado a que não presidiu inteligência e senso, mas simplesmente o bem-estar de alguém, que eu desconheço!
Tudo passou, embora, já se vê, com amargor!
De futuro, mais equilíbrio, logo de princípio.
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Silva Porto
14-6-1974
Notícia agradável, através da radio. Creio que foi ontem, ao noticário das 13 horas, que ela chegou, em primeira mão.
Os professores, ditos eventuais, de algumas Escolas e bem
assim de alguns Liceus, existentes em Angola, encontram-se em greve. Expectativa geral, com perigo iminente de mais adesões.
Veio ontem, pois, o que era já esperado, com enorme ansiedade.
Os profesores em referência, foram atendidos, nas reivindicações, que julgo importantes.
Nada mais dizia o tal comunicado, mas tenho para mim que a mais importante vai ter relação com o vencimento, referente a férias.
Sendo isto assim, é um passo justo do Governo Provisório, para satisfazer um belo anseio, há muito vivido.
Nem sempre está o diabo atrás da porta!,O que neste momento
ainda ignoro é se, realmente, ficamos desligados, quando o ano
termia.
Havendo passado à nova caregoria de contratados, as coisas processam-se de maneira diferente.Ainda assim, dado que o facto não tenha acontecido, é já meio remédio.
Efectivamente, ganhar nas férias, à maneira de efectivos,
é deveras humano e tranquilizador. Por causa disso, vou já prender-me um pouco mais ao Ensino em Angola.
Até aos 60 anos, tinha eu em mente não me desligar.
Agora, porém, caso tenha saúde, irei mais longe.
Provavelmente, aguardarei os 65, data precisa em que tenho conseguido a aposentação.
Tudo isto, afinal, são cojecturas, uma vez que o tempo é muito incerto!.
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Silva Porto - Chitembo
15-7-1974
Gostosamente sentado na cadeira de encosto, delicio-me agora, contemplando em paz o rasgado horizonte, que se desdobra ao longe, a perder de vista..
Sete horas e meia de límpida manhã, com ar fino e cortante,,
a açoitar-me o rosto, em jeito de ameaça!
Tempo de cacimbo... nada mais se espera!
Apetece, realmente, ficar no leito, até que o Sol, erguendo-se mais, venha aquecer-nos o corpo resfriado, iluminando o espírito.
Do alpendre branqeado, vou relanceando os olhos gulosos,
pelas cercanias, enquanto a gatinha aguarda paciente, a hora do almoço.
Olha friamente para aquilo que a rodeia, ao passo que as orelhas, algo arrebitadas e trnsparentes, acusam sensações, agradáveis ou não.
Quando nada lhe interessa, abaixa as pálpebras, para
erguê-las breve , ao ouvir, indisposta, o mugir furioso de uma vaca do Jacinto.
Pela estrada plana que se estende ali em frente, levando a Serpa Pinto e depois ao Cuangar, ( logo que seja concluída),
passam , de vez em quando, pretos açodados, que se dirigem contentes às lidas matinais.
Os brancos, por sua vez, continuam no leito, aguardando ansiosos que o Sol benigno aqueça o ambiente.
Meio sonolento, contemplo e ouço, mas sem entusiasmo, por estar fora da cama.
De pés ao Sol e o resto à sombra,, escrevo as Memórias que vão saindo copiosas, da minha esferográfica.
Um galo atento vai qurbrando além a monotonia, enquanto ergue no ar seu canto vibrante,sacudido e metálico. Outro lhe responde, com enorme arreganho, dialogando razões que não posso entender.
A paisagem alonga-se aqui à minha frente, em belos tons,
fortes e variados, onde predomina o verde matizado. Vivo ao perto, escuro mais além, apresenta cambiantes que não posso,
agora, expressar, devidamente.
O terreno, por vezes, ostenta ondulações, achando-se coberto de arbustos espinhosos e tenazes de vida.
Chamam para a mesa, vindo pois o Sancho Pança destronar o D.Quixote.
É sempre a matéria em luta com o espírito, no eterno combate em que andamos empenhados
.,.
Silva Porto .,... ,
16-6-1974 (cont.)
Ocupar-se a gente, seja no que for, havendo prazer, é processo justo, que eleva o espírito e serve
de bom exemplo, Será esse o caminho que leva à felicidade?
De facto, em que é que reside o nosso bem-estar, sinónimo exacto de felicidade? Nem mais nem menos que em sentir gosto naquilo que fazemos!
Foi o caso de hoje.
Durante duas horas, após o dejejum e uma antes dele, distraí-me por aí, regando as plantas e limpando o chão, de folhas mortas.
Três horas agradáveis, escolhidas livremente, que preeenchem a vida e geram prazer.Estes citrinos, junto com outras árvores, hão-de no porvir ( alguns
já agora) desdobrar-se, generosos, em frutos suculentos e proporcionar agradável sombra a homens e gados.
Como sinto deleite, ocupando-me assim e facultando, ao mesmo tempo, bom alimento e comodidade àqueles que se aproximam!
Mal dei pela manhã que se abeira do fim!
Passar as férias não reside, com efeito, em nada fazer, pois tal agir causa logo tédio e náusea da vida.
Mudar de labor é que é o ideal!.
Como é belo e nobre fazer coisa útil que aproveite aos outros!
Que há-de entender-se por coisa útil? Segundo me parece, é tudo aquilo que dá prazer. Ora, para sentirmos prazer, é necessário exercer actividades que sejam espontâneas e, por isso, geradas em nosso coração: jamais impostas ou mesmo sugeridas.
O caso da sugestão é apenas admissível, quando está de harmonia com a tendência de outra pessoa,
adivinhada por sagaz pedagogo, que pode ser o próprio pai bem como a mãe ou outro qualquer, não leigo na matéria.
Cada ser humano tem as suas preferências. que geram, desde logo, ambiente ideal, conforme em tudo a seu próprio agir.
Ingerências manhosas; sugestões cavilosas e, para mais, ainda abusivas; imposições descabidas, é o que há de mais vil, contra indicado, repugnante e censurável, no mundo em que vivemos.
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Chitembo
17-6-1974
Regar e capinar levou-me 4 horas.
Foi trabalho agradável, embora os efeitos fossem desastrosos. Tremenda e persistente a dor de cabeça é o efeito concreto do labor matinal.
Esta situação acarretou, desde logo, mal-estar
insuportável, o que me levou depois a ficar no leito, durante horas seguidas, após o almoço.
No momento exacto. em que lanço estas notas, para servirem de justa memória, já me sinto esperto e apto bastante para o trabalho.
Surpreedeu-me em extremo o incómodo havido,
pois tivera cuidado em me proteger, contra os raios solares. Mas nem assim!
Bem se vê claramente ser o cabelo deveras necessário! Por não estar habituado ao Sol tropical,
tudo converge no sentido mau e que eu mais temo.
Seria do meu gosto dar-me a fainas destas, ao
longo do dia. Certo e seguro de que a terra generosa se desdobra em bênçãos, as horas passam e nem me apercebo. É como se voassem pelo espaço infinito,
em marcha louca.
Ao pé das laranjeiras, extraindo solícito as ervas daninhas, que momentos gratos passei, de manhã!
Desenraizei as ervas mais fundas que lutavam ali, encarniçadas, junto dos citrinos, roubando. o sustento.
Enchendo as covas de água, aguardava paciente, olhando com doçura e enternecimento, para os frutos sazonados! Pendentes da árvore que os oferece a todos amavelmente, parecem deleitar-se em acenos generosos.
A linfa subia , nas cavidades um tanto alargadas, esperando ocasião, afim de chegar a toda a parte, onde a sede torturasse.
Agora, em consequência, avivou-se o pomar,
embebendo-lhe o terreno em frescura e bênçãos.
Só os mamoeiros não beberam então da água refrescante.! Que eles não precisam, pois sendo xerófilos, guardam em si reservas que bastem, para o tempo da seca.
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Chitembo
18-6-1974
Havia muito já que eu abandonara a horticultura. Ontem e hoje, posso afirmar que venci o grado, nesta agradável e benéfica tarefa.
Diversas horas que passaram por mim, gastei-as, de manhã e, por igual, de tarde, ocupado a valer, na horta-pomar, que ladei a casa.
O mais demorado foi, sem dúvida, a irrigação, trabalho útil que desejo bem feito, sem nada ligar ao tempo dispendido.
Transplantei, seguidamente, alguns tomateiros.
psra servirem de barreira eficiente, à penetração das
teimosas formigas, que fazem ali criação de pulgões.
Junto a cada uma das viçosas laranjeiras, lá se encontra agora a tal plantazinha,com fim protector.
Além disso, transplantei 7 couves e 5 cenouras, procurando logo regá-las bem, afim de resistirem ao
Sol tropical, no tempo do cacimbo.
O mais difícil foi o capim que tive de extirpar.
Exigiu do meu físico pulso e constância. o que me obrigou a puxar pelos músculos
Por ser, na verdade, um trabalho exaustivo, ficaram os pulsos bastante afectados.
Resta-me agora descansar longamente, afim de recuperar, das energias perdidas. Sinto-me exausto
e cheio de sono, pois que já são 21 e 15.
Em casa, todos se deitaram, ficando apenas eu a velar a noite.
Amanhã, logo de manhãzinha, continuarei a função, para tudo limpar e fazer passadiços. Não
gosto de pisar toda a superfície, que afeia o terreno,
remexido há pouco.
Aprumei levemente duas laranjeiras, ainda novitas, após havê-las regado, abundantemente.
Oxalá o meu trabalho frutifique brevemente, rendendo cem por um!
As árvores amigas pagam generosas quantos
sacrifícios fazemos por elas: frutos e sombra, lenha
e oxigénio, berço e caixão!...
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Chitembo
19-6-1974
São vinte horas e vinte minutos.
Sentado na cama, antes de entrar em"vale de lençóis, escrevo no papel breve apontamento, para servir de memória àqueles que amei e a quantos apreciam o nosso idioma
Não tenho. confesso. nem tive jamais, a pretensão de ser Mestre consumado, mas nutro no peito o culto acendrado à minha querida Língua.
Gostaria imenso de vê-la amada e glorificada por quntos a falam..
Há frio, nesta época, razão pela qual abriguei os ombros com leve casaco, visto ser cortante o ar da noite.
Na Serra da Estrela, coração de Portugal, havia muito mais e eu aguentei-o, durante 15 anos, pois tantos foram os que ali me conservei. O contacto directo. com a Natureza fez-me enrigecer. Por isso é que agora, não estranho nunca baixas temperaturas.
Apesar de tudo, por já estar habituado ao clima tropical ou porque, na verdade, o cacimbo é agora de fugir, sinto visivelmente que as pernas se enregelam e nutro desejo de meter-me no leito.
Logo que ultime estas breves notas e apronte
a maleta, para sair amanhã, sacrifico breve nas aras de Morfeu.
Havendo de madrugar, não posso alongar-me, em comprido sermão, até porque, realmente, não estou habituado. Após 8 dias de férias desejadas, e
repouso merecido, volto breve à liça, para ultimar os
trabalhos escolares.
Iniciamos amanhã as Escritas de Inglês e tenho
de assistir a várias outras, uma vez que faço parte de 4 júris, nos dias 24 e 26 também,
Em 1 de Julho, correrão as orais da matéria precisa, que leccionei.
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Silva Porto
20-6-197
Regresso hoje à capital de Província, para efeito de exames, pois me haviam dito ser agora o início das minhas actividades.
De facto, assim foi. Às 8 horas, dirigia-me açodado, à Èscola Técnica, para inteirar-me dos serviços a prestar. Como é óbvio, pedi o calendário
e as instruções, ditas confidenciais, afim de orientar-me
Li, cuidadoso, verificando então que devia estar
presente, às 9 horas da manhã, em Dactilografia.
Pus-me logo em campo: como presidente do júri instituído, sobre mim incide a responsabilidade.
Inqutri seguidamente, sobre exames de externos, apurando ali que só há dois alunos. Um tanto surpreendido, muito mais fiquei, ao notar, a propósito, que o Joaquim Amarelo se apresentava sozinho a exame final.
Tinha já na minha mão a pauta em duplicado, que estivera afixada no placar do átrio.
O Amarelo que, afinal, é branco, lá foi à Prova, mas falhou bastante!
Como é ano de larguezas e muita clemência,
Mestre Paiva esticou levemente, para chegar a 1o valores.
Fizera exame em Janeiro, ficando excluído. Agora o caso era outro!. Conferido o resultado, mandei prestesmente afixar o edital, com a designação: F.aprovado.
Notei mais ainda que vou fazer parte dos seguintes júris: Ciências Naturais; Português e Inglês.
Cabem-e deveres, nos dias: 20, 24. 26,27 e 3
do mês seguinte.
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Chitembo
21-6-1974
Ontem, pois, só houve exames de minha incumbêcia, razão decisiva, para vir de Silva Porto,
regressando ao Chitembo, que agora faz as vezes da mimha terra natal.
Uma vez aqui, entrou o alvoroço no meu coração, ao julgar possível que a minha presença fosse requerida, lá no Bié. De facto, nada estava previsto: só presido a exames, no dia 20 e assisto a outros, em 24, 26 e 27 do mês corrente. Portanto, a minha
comparência , atendendo ao calendário, não era exigida..
Entretanto, dos candidatos à Dactilografia
apenas um foi presente, restando o outro. Que é
feito dele? Dar-lhe-ia na gana, para requerer um novo exame? Tê-lo-á feito hoje? Oxalá que não, pois de outro modo, incorro em falta.Ninguém me disse nada!
Sendo como é, estava aborrecido, nos dias 21,22
e 23 ou seja: sexta, sábado e Domingo! Claro! Sem fazer nada, o tempo não passa!
Quanto a mim, não era o pior, mas o caso grave de minha irmã, com o marido enfermo?! Como ia
aguentar-se?!
Justamente ponderadas causas e efeitos e
avaliados ainda os prós e os contras, arrancámos
prestes de Silva Porto, chegando aqui, por volta das 1o. Tempo mínimo de viagem que exige a média de 1oo.
Por Deus e Senhor, chegámos bem e a horas cristãs, para encomendar o almoço da praxe.
O nosso regresso é no dia 24, por volta das 7.
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Chitembo
22-6-1974
Improvisou-se, à data, uma espaçosa garagem, para abrigar o Taunus. Agora, estou mais descansado.
Efectivamente, quem não pode, em geral, chegar a um carro, todos os anos, tem acautelado aquele que possui.
Há 10 anos que é meu, habituando-se a mimos que são de vária ordem:lubrificantes e peças, óleo e gasolina, afinações e garagem.A ultima vistoria realizou.se em Lisboa, no Stand Moderno. Tão completa ela foi, que houve de pagar 52oo$00.
Naquele Stand fazem tudo perfeito, embora levem caro. Ora, como não tenho recursos, para vender o que está usado e atirar-me a um novo, cada ano que passa é imperioso conservar o que me serve
Por esta razão, custava-me sempre vê-lo exposto à chuva, ao Sol e ao vento! Julgo o calor mais danoso ainda que a própris chuva! Faz, muito em breve, estalar a pintura, originando a ssim enormes cuidados. Por esta razão, foi improvisada modesta garagem.
Seis chapas de zinco e 10 barrotes resolveram o caso! Afinal de contas, exige mais chapas! Medíramos apenas para 5 metros e deviam ser seis,
o que eleva para 8 o número de chapas.
A medida exacta é 6x3.
Encostados ao muro três velhos pneus originam o regalo de estacionar ali o Taunus 17.
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Silva Porto
23-6-1974
Noite de S.João.
A Guida havia-me pedido que fosse à fogueira, pois abstendo-me disso, nenhum sairia. É que os pais dos meúdos não me deixam sozinho, aqui na moradia,
motivo pelo qual também os pequenos ficariam retidos.
Lá fui também, afim de comprazer!
Fora ele, na verdade, o S.João de outrora a despertar interesse, pois vinha acordar-me de um sono longo,
durante o qual olvidei o passado!
Isto, porém, é harto diferente, nestas paragens!
Organizado pelos soldados, o S, João de Angola é bastante pesado e algo sonolento, enjoativo e assaz berrado! Fiz assim um frete, como usa dizer,se!
Ah! não serem as fogueiras de Vide-EntreVinhas!
Rosmaninho e belas-luzes, plantas rescendentes, que
embalsamáveis o ar e, de igual passo, o meu coração!
Agora, pinhos a arder, lembrando, afinal, motivos diferentes! Não é, pelo Natal que isto acontece, em terras da Metópole?! Não lhe achei graça! Mudança de gostos? É natural!
De facto, aos 56 anos, já não vejo em nada a poesia dos 20!
Entretanto, encarados a rigor os factos presentes creio, a fundo, não terem de si razão suficiente, para cativar-me.!
Bem poucos brancos, além da tropa; bastantes pretos, algo desejosos de boa pinga; mulheres e garotas que não primam, afinal, pelo bom exemplo!
Lá estive, é claro, até que chegaram as 22 horas, momento exacto, em que a nossa caravana arrancou de vez!
Vim enregelado, pois havia , na verdade, um ar frio e cortante!
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Silva Porto
24-6-1974
Impô-se o regresso a esta cidade, pois ocorrem hoje as Escritas de Inglês, 3º Industrial.
Cinquenta por cento dos meus alunos foram à Escrita, não obstante o bónus que o Governo lhes dá.
Como haverão caído no espirito deles tais facilidades sei eu muito bem. Por certo não queriam a Prova Oral, mas que fazer?!Sou incapaz de trair os graves princípios em que fui educado. Cada um de nós é fruto do ambiente, em que foi moldado.
Alguns, por vezes, renunciam a tais normas,
criando a bel-prazer, sistemas de agir.
Eu não sou capaz: não tentei jamais assassinar a consciência. A verdade, para mim, está acima de tudo, haja o que houver.
Quanto aos meus Colegas e ao nosso Director,
ignoro ainda como encararam este meu critério.
Apesar de tudo, a minha consciência está segura e assaz tranquíla. De 3o alunos, foi metade à Escrita.
Não será vulgar, no ano corrente, um facto assim!
Pode ter acontecido levarem a coisa bastante a sério e estudar mais, revendo noções, adquiridas antes.
O nosso Director é que emenda as Provas, verificando assim o progresso ou retrocesso do 3º Industrial.
Formado o conjunto por vários elementos heterogéneos, deu-me que fazer, ao longo do ano.
Lutei, porfiando, ingloriamente?
Formação Feminina, Agricultura e Electricidade, a que se junta a Mecânica, já ralam a cabeça a qualquer professor.
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Silva Porto
25-6-1974
Indesejável esta noitada! Ao mesmo tempo, a vida é cómica! Aquilo que aflige e tortura uns,faz
outros ditosos.
Lá dizem já os Sul-Africanos: Die een se dood is die wader se brood.
Aconteceu precisamente a noite que findou, em frente da sacada. Logo após a rua, nas traseiras da casa, depara-se enorme Largo que, há poucos dias ,
ainda, se vestia de capim. Alindado já e terraplanado, serve, ao presente, para as festas do S,João.
Fogueiras e batuques, comes e bebes, nada faltou, durante a noite. Muita gente, é claro, sem destrinça de raça ou cor, tribo ou credo.Enxergavam-
- se ainda inúmeros automóveis, ao perto e ao longe.
Temeroso do ruído e também dominado pela fadiga, pois dormira pouco, a noite precedente, fui deitar-me cedinho, com algodão nos ouvidos, pondo assim em
prática a sugestão da mana Agusta.
Bem o calquei, enroscando-me em seguida, por
baixo das mantas, pois havia muito frio.
Procurando alhear-me e fazer, a propósito.
jogos malabarísticos, para furtar-me aos ruídos maléficos, tentei depois conciliar o sono, sacrificando em breve, nos altares de Morfeu.
Entretanto, por mais que fizesse, nada obtive. O
ruído do conjunto e a dissonância das vozes gritadas,
e avinhadas, não formavam decerto, ambiente favorável ao que eu intentava. Chegou um momento, em que tive a impressão de me estarem bloqueando a pobre cabeça.
Os pretos adoram, em grau extremo, a balbúrdia de vozes e o ruído instrumental. Eu, porém, é que não me conformo. Detesto algazarra e falta de gosto! Conceitos diferentes, acerca da arte e diversas maneiras de ser feliz?
O certo, porém, é que eu não pus olho, em toda a noite!
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Silva Porto
26-6-1974
Notícias frescas, acerca de Savimbi!
Havendo ontem regressado o Padre Coelho que no Luso entrevistara um zeloso Missionário do Coração de Maria, transmitiu-me, a propósito, dados valiosos e interessantes, sobre Chefe da UNITA.
Padre Oliveira (é este o nome do Missionário)fora indicado pelo nosso Governo (ainda provisório) para avistar-se com o Chefe Savimbi, tendo por fim uma troca de impressões, sobre o momento político.
Razão desta escolha?
Sabia-se, há muito, que o tal Missionário estava de facto, em boas relações com o povo da área, em que a UNITA se instalara.
Necessitando remédios ou outras coisas era ao Padre Oliveira que pronto se dirigiam.Por esta razão, todos o estimavam, não fazendo excepção o próprio Chefe da UNITA.
De tal maneira se foram estreitando as boas relações , que o Dr. Savimbi o chegou a prevenir ,sobre o modo rigoroso como havia de trajar, para que a sua vida não corresse perigo. Sempre de batina! Muitíssimas vezes se corresponderam e
encontraram.
Trata-se, ao que julgo, de um homem equilibrado e cheio de bom senso, que tem o raro condão de atrair e prender quantos dele se abeiram.
O seu partido será talvez o único que não está vendido a potências estrageiras.
É o que ouço dizer!.
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Silva Porto
27-6-1974
Findaram as Escritas, em matéria de Português, sendo eu, nas ditas, presidente do júri.
A meu lado, vai ficar par já, o Dr.Tavares e Mestre Claro.
Este Colega vê-se em apuros, querendo lançar os termos de exame, pois se trata realmente de várias
turmas, reunidas em grupo. Houve de bom, na prova referida, que ninguém faltasse, o que põe o júri em grande sossego, por não ser necessário perder mais horas.
Isto de faltar às provas, sem motivo grave, coloca os professores numa situação, deveras deprimente, em relação aos alunos.
Dos examinandos, a tomar parte na Escrita, metade são externos, razão pela qual tive eu de comunicá-lo à Secretaria da nossa Escola.
Quanto ao mais, tudo corre normal, àparte alguns incómodos, que surgem,às vezes, quando menos se esperam.
O serviço de exames é bastante enjoativo, possivelmente, devido ao tempo, em que são feitos.
Na verdade, chegados, felizmente, ao fim da tarefa, o que se deseja é fugir de tudo quanto lembre exames.
Afinal, com amarra desta ordem, fica-se
aperrado, sem válvula de escape: primeiras chanadas; segundas chamadas; escritas.e orais;
alunos diversos, internos e externos; lançamento de
notas nos livros de termo; averiguação de trabalhos realizados; mil coisas e loisas que aparecem, por vezes,e não podem evitar-se.
Mas são estes, afinal, os ossos do ofício, como usa dizer-se.
Nem tudo são rosas, na vida escolar e estas escasseiam, para aqueles abundarem!
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Silva Porto
28-6-1974
Hoje, é sexta-feira! Dia de mau agouro? Assim o crê o povo, embora se trate de velhas crendices, como tantas outras do mesmo género
Entretanto, lá por mera brincadeira, já por hábito
longo e radicado, a frase vem a pêlo, embora eu não
creia nem tão pouco a admita. Seja como for, a verdade inconcussa é ocorrer hoje uma de tantas...
Provas de exame, isso não tenho, se bem que haja serviço, relacionado com elas.
Por outro lado, efectua-se logo, às 16 horas, a freunião de alto nível, em que participan todos o
professores, para ajustar, em definitivo, o plano global de reivindicações, que já se encontra bem elaborado.
Com tal mira, foi agora nomeada uma comissão, à qual preside o antigo professor, Mesquita Avares,
para debater alguns pontos relevantes. Boa parte deles já foi apresentada, em outros lugares do Estado Angolano, como Nova Lisboa e outras cidades
Quanto a nós, trata-se apenas de confirmá-los,
dando-lhes apoio. Tenho para mim que serão outros ainda consignados também, os quais serão sujeitos à aprovação, merecendo o beneplácito do corpo docente.
Dos já conhecidos, há dois que interessam, de modo particular: subsídio mensal, para renda de casa, extensivo a todos; pagamento integral de todas as férias.
Há parágrafos diversos que respeitam somente aos Mesres da Técnica mas, se forem defensáveis,
também outros igualmente vão ser apoiados.
Antes dessa reunião, há conferència de notas,
para marcação da 2ª chamada.
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Silva Porto
29- 6-1974
" Vem. Espero-te ansiosamente. Eternamente tua!"
Vi hoje um quadro a que esta legenda serve de chave. Fruto possível da imaginação? Obra talvez de belo coração, harto apaixonado?
A verdade é que ela traduz, a rigor, um sentimento empolgante e denota, com argucia, um facto universal.
Relembro agora o que diz a Escritura:" Serão os dois uma só carne!"
Por causa desse amor, sinceoro e profundo, deixarão pai e mãe e formarão os dois um corpo só. Já foi o Criador, Sábio universal que tudo fez bem e gizou com visão, que lançou no ser humano esta funda ansiedade..
A vida continua, sem qualquer obstáculo, a travar-lhe a marcha. A centelha de vida que o Grande Arquitecto depositou em Adão, está presente e vive ansiosa em todo ser humano.
Há urgência funda em transmiti-la, embora deva fazer-se honestamente, assumindo os encargos.
A nossa Guida mostrou-me o quadro, fruto de enlevo e paixão ardente.Uma jovem rapariga mantém-se alheada a quanto a cerca.
Seu olhar cismador projecta-se ao longe, lá muito longe na distância infinita, onde vê assomar um BMW, que desliza pela via, a toda a velocidade!
O seu rumo é Angola, no Bié-Chitembo.
Partira de Moçambique o veículo imaginário, trazendo no seio duas pessoas eleitas, dois irmãos ou melhor, irmão e irmã.
O centro de tudo é o jovem sonhador, o noivo encantado, que pela vez primeira. vem ter com seu Bem.
Comoveu-me a legenda.Doação para sempre!
Rapidez! Ansiedade!
Senhor Deus, que o Engenheiro Rui Pires seja honesto e sério, trabalhador e crente e amigo de todos nós!
Deus o traga, em boa hora e que a atitude por ela assumida seja bilateral!
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Chitembo
30-6-1974
Vai o ano em meio, finalizando hoje a primeira metade.
Segundo o costume, aproveito sempre o fim de semana, para recobrar energias perdidas e afastar de mim, por algum tempo, a monotonia deveras cruciante dum ano lectivo, cheio de trabalhos, sempre iguais e preocupantes.
Sinto-me bem, no ambiente familiar e, quando nele me integro, vejo nitidamente que o espírito repousa
e o meu coração, de modo igual.
É um remanso inestimável, onde sou, na verdade, objecto de carinhos e termo de atençõe que
me sensibilizam. Já são três vezes que ali me refugio, durante os exames. Fá-lo-ei mais duas, até finalizar a tarefa que me incumbe, como professor.
Fiquei ao serviço, para assim ganhar, durante as férias, pois não via sentido que deixasse de receber, uma vez efectuada a reunião do Conselho!
O compromisso, porém, traz encargos pesados,
uma vez que obriga a estar ali, durante o mês de Julho e, quando ausente, a deslocar-me lá,sempre que necessário.
Ida e volta são 300 quilómetros. É certo, na verdade, que a estrada solicita, e o tráfego diário não aflige em demasia. Entretanto, devido a complicações, respeitantes aos olhos, sem jamais ultrapassar a média dos 100. Noventa, 100, 11o é o
meu habitual.
Excepção, apenas há uma: um pouco antes de
íngreme subida. Então, o acelerador vai bem ao fundo, atingindo 120 ou 130. Desta maneira, faço tudo em 4ª.
São um regalo as estradas em Angola!
Para bons condutores, é uma insignificância, mas para mim que tive sempre limite restrito de velocidade, antolha-se já um facto prodigioso.
Posso fazê-lo, havendo como há excelentes estradas,
boa visibilidade. e tráfego exíguo
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Silva Porto
1-7-1974
São 15 horas. Tarde sufocante!
Deixando o Chitembo, apresso-me já, a lançar no papel, as minhas impressões, afim de cumprir o que há muito decidi: escrever diariamente.
Almocei, na vilória, às 12 em ponto, efeito natural de haver antecipado a minha refeição.
Valeu para o efeito uma boa laranja do nosso quintal, verdadeira especialidade!.
Ando sem apetite e arrasto-me a custo.
Semana terrível a que vai decorrendo e toca no fim.
Nunca assim acontecera, ao logo da vida.
Quanto às aftas, anda a língua atada, Lá na Europa, era o pão de cada dia! Aqui, em África,raramente acontece, motivo pelo qual fui tomado agora de enorme surpresa, ao ver-me assim. Verdadeiro calvário em miniatura: foi-se o dormir, o comer e o falar!
Grande seca! Isto, assim, nem é viver! As noites
de insónia, autêntico inferno! Seca-se a boca e, ao tentar de algum modo, engolir a saliva, são dores horríveis!
Comparando este facto com os de outrora, não
acho semelhança. Efectivamente, sempre exerci a actividade normal.
Tratar-se-ia acaso de uma afta diferente, uma ferida maligna?! Ainda agora me fico a cismar!
Apesar de tudo, como sinto melhoras, ando mais confiado,pedindo a Deus que afaste para longe a incómoda mazela ou a aceite por moeda, para ganhar o Céu.
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Silva Porto
2-7-1974
Fiel aos meus hábitos, cá estou uma vez mais,a transmitir ao papel as impressões do tempo.
A questão agora é de carácter político.
Partidos e chefes são consultados pelos jornalistas,
acerca do efeito.
Ultimamente, o Secretário Geral do MPLA deu
como é sabido, uma conferência `Imprensa do Estado.Fez afirmações que deixam entrever claa má
vontade, se não ódio e rancor aos brancos de Angola,já nascidos em Angola, já de origem europeia.
A entrevista, publicada na Imprensa, faz pensar três vezes aqueles que a lêem. Na verdade, afirmou ele:
«Os brancos de Angola, em cuja consciência há
rebates graves, fazem só bem, pondo-se desde já, a caminho da Metrópole. Aqueles, porém, que não prejudicaram poderão ficar, sim, desde que obedeçam às leis vigentes.
Quanto às empresas, serão nacionalizadas».
Evidentemente que todos os quesitos seriam executados, desde que obtivessem, como estão julgando, a maioria absoluta, em solo angolano.
A quertão, afinal, segundo me parece.não é tão simples: há diversos Partidos, entre o povo nativo.
Sendo eles três a degladiar-se, não pode certamente haver coesão nem tão pouco maioria absoluta.
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Silva Porto
3-7-1974
Ainda a propósito dos três Movimentos de
Libertação, ocorre-me o seguinte: tenho para mim que os tais Movimentos não representam, devidamente o povo angolano, uma vez que, em Angola, há diversas etnias, como também vários grupos linguísticos.
Ora, é sabido que, só após consulta aos chefes tribais, se pode obter conhecimento exacto dos verdadeiros anseios deste rico Estado, a caminho, já, daquilo que chamam auto-determinação.
Os três grupos maiores,encabeçados há muito
pelos chefes respectivos, só parcialmente representam Angola, caso os separemos.
Até me parece haver compromissos com potências estrngeiras, pondo assim em risco toda
a espécie de convénio.
Por que exigem eles independência pronta?!
Não estarão eles já comprometidos, havendo feito promessas que têm de cumprir, necessariamente?!
Exceptuando a UNITA do Chefe Savimbi estão os outrps pendentes de nações estraangeiras, às quais
eles devem aquilo que precisam.
Que interessam, afinal, esquemas estranhos, se o caso de Angola é diferente dos outros, para não dizer único?!
Por declaração do próprio Savimbi, que parece equilibrado e dveras sensato, com visão clara do
problema político, social e económico, só nós e mais ninguém é que devemos gizar o esquema do futuro,
uma vez que tem havido integração racial.
Não será este caso único no mundo?
Que entendem os outros do que vai por nossa casa?!
É talvez o problema dos ricos diamantes?
O caso do petróleo, como também das madeiras preciosas?! Assunto de café, algodão e tabaco?! As
riquezas imensas deste solo abençoado que o Céu nos concedeu e hemos de proteger, após a independência?!
Em tal caso, não venham dizer-me que se trata, afinal, de libertar os pretos!
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Silva Porto
Chitembo
4-7-1974
Passar o tempo!
Esta expressão ocorre requente, sem atender-se ao alto significado. Com efeito, se pergumtarmos, seja a quem for, que anda a fazer, responde geralmente:«Ando a passar tempo!»
Tal frase corriqueira equivale a estoutra:«Ando a gastar o tempo!»
Quão falho de sentido ito se apresenta, é claro e óbvio!
A verdade incontrastável é que não somos nós a gastar o tempo! Ele, sim, nos gasta e até desrói!
Di-lo-ão por ironia? Tenho para mim que ninguém se apercebe da crua realidade! Passar tempo! Fazer horas! Ganhar apetite! Saão dizeres vulgares que se equivalem, mas cujo sentido sofre discussão.
Que o tempo nos gasta é isso indiscutível.Passa por nós, continuamente e, na sua marcha vai destruindo o ser de cada um ou, quando não faz isso,
pelo menos assiste!
Ouço dizer: «O tempo tudo leva e tudo traz!»!
Nada há como ele, para fazer luz, discernir os casos e azer justiça. Não que eja ele a causa directa dos factos em questão, mas porque assiste a contínuas mudanças, operadas nos seres.
Testemunha imperturbável e deveras estranha, ele tem, na verdade, muito para contar. Se bem melembro, a Fiosofia define-o assim: «Duração das
coisas mudáveis».
Deus, por ser imutável, subtrai-se desde logo a seu agir danoso e devastador.
Quantos anos viveu o nosso querido rei D.Sebastião? Tantos!
Quer dizer que, entre o não ser e o próprio ser, até ao
passamento, decorreu nada mais que certo número de anos, meses e dias
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Chitembo
5-7-\974
Vão decorrendo as férias ou melhor, talvez, o tempo de exames, entremeado com elas. Na verdade, tendo regressado em quarta-feira, apenas volto à cidade, na segunda próxima, afim de presidir às orais de Português, que são no dia 8,e de Ciências
Naturais, no dia seguinte.
Se ninguém faltar, ainda no dia 9 me ponho ao fresco.para voltar ao Chitembo. Em seguida, ultimarei ali os trabalhos de Estatística, para fixar-me de vez, na vila do Chitembo. Poderei então dizer que me encontro em férias.
A pequena vila não é o melhr lugar, em questão de férias. Lugar apagado, em que vivem apenas alguns comerciantes, que não morrem de amores uns pelos outros!...
Há um Posto de Polícia, um modesto quartel para militares e casas do Estado, para funcionários.
Dá-se um caso ingrato: as pessoas do meio preferem, quase todas viver isoladas. Segredos, talvez, da sua profissão?!
O ideal seria, pois, levar aqui um mês, destinando o resto a viajar, la fora.
Antes disso, porém, desejo em extremo conhecer Angola, onde será grato deslocar-me por largo, fazendo estudos assaz proveitosos.
Aqui, no Chitembo, a horta e o pomar, com rega e poda, monda e plantações, absorvem, a rigor, uma boa parte das horas diárias.
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Chitembo
6-7-1974
Aconteceu hoje,no quimbo do Samalenso.
A Alda embebedou-se, ocasionando isso morte lastimosa da criancinha! Parece mentira, mas é verdade! Ao deitar-se a nativa, fê-lo de tal maneira, que sufocou a menina, terminando assim a carreira na Terra.
Que cena desoladora e assaz lastimável! Uma inocente que mal abrira os olhos à luz deste mundo,
é assassinada por quem, naturalmente, devia zelar e defender, ao máximo, o direito à vida!
Como as cisas degeneram!
Não creio eu que o fizesse, de propósito. mas tudo é possível! Vidas tortuosas, sem Deus nem lei! O danoso álcool retira, para logo, a responsabilidade, e
conduz à prática de actos insanos!
Que vileza de mãe! Ter um filhnho de cada homem! Todas as crianças têm pai diferente! De encontros fortuitos. à maneira dos cães, aparece um filho que nao conhece o pai! Este gozador, satiseita a paixão,
afasta-se logo, deixando os cuidados à pobre mulher que tem de lutar e ganhar-lhes pão!
Estivera há pouco ali no Comércio, onde fez saber a todos os presentes que levaria a criança ao pai desnaturado! Não precisa já de fazer tal acção!
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Chitembo
7-7-1974
Acabou agora mesmo a lição de Português, que diariamente vou proporcionar ao sobrinho Carlos. No meio familiar é este conhecido pelo nome de Carlitos, mas isso, realmente nem tira nem põe!Trata-se dum erranjo que facilita bastante a identficação, uma vezque o seu nome é igual ao do pai.
Começámos ás 9, finalizando apenas, às 11horas. Já antes disso, revira ele umas noas, omtem lançadas, ontem lamçadas no caderno de exercícios.
Julgo também que folheou atentamente bastanttes páginas da nossa Gramática, afim de evitar o que gera dissabores.
De facto,embora frequente o 4º liceal, ignora muitas coisas do belo idioma. que é já falado por muitos milhões - quase 200! Ora, segundo ele diz, pretende formar-se em Engenharia, o que vai exigir-lhe uma base sólida.
Sem isso, nada feito, porquanto hoje trabalha-se em equipa, exigindo isto boas noções de
Língua Portuguesa e uma dose razoável de Inglès ou Francês.
Estas duas Línguas é que são usadas nos vários encontros internacionais, demandando assim
aplicação e estudo muito a sério, desde o princípio.
O Ensino, em Angola,deixa por vezes muito a desejar, ao menos em certos casos, pois há falta enorme de professores formados, o que obriga, não
raro, a recorrer a dados elementos, que têm para o caso, poucas habilitações.
É o que sucede, vulgarmente, com os eventuais: muitos dentre eles são competentes; outros requerem prática e longo estudo, para ficarem a nível suficiente, de todos aceitável.
Que pode acontecer a qualquer professor de Língua Pátria, no Ensino Secundário, tendo apenas o 7º ano, sem prática nenhuma?! E se tiver apenas o 5º ano?!
Entretanto, à falta de melhor!...
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Silva Porto
8-7-1974
A vida presente é cheia de surpresas. Mal cheguei do Chitembo, foi-me disparada a seguinte pergunta: «Senhor F. que é que lhe parece o despacho do Ministro»?
Qual despacho, afinal. cortei prestesmente?
- O de sábado último, referente aos exames, esclareceu o Dr. Mesquita.
Como eu dissesse que tinha estado mato, apressou-se logo a fazer alguma luz, acerca do caso.
«É como segue: todos os alunos que tiverem negativa e forem admitidos à prova oral, podem requerer segunda prova escrita, se bem o desejarem! Tendo sido reprovados na prova oral, aplica-se também igual medida.Fiquei aturdido...
profundamente decepcionado! É que, sendo assim, o corpo docente é desautorizado! Mais valia, com certeza, haver o Ministro publicado o Despacho logo
de início, pedindo aos Reitores e Directores de Escolas que facilitassem, no máximo grau, a passagem dos alunos.
Efectivamente, estas cedências, umas após outras, vêm, por certo, criar desagrado, nos corpos docentes. E a prova disso já se verifica, lá em Portugal, onde os professores se encontram em greve.
Ignoro, em pormenor, o que se tem passado, mas ligo caso ao seguinte despacho: «Os alunos maiores podem escolher a matéria de exame, assim como o lugar e a própris hora.»
Este Despacho foi muito infeliz, pois coloca os professores em situação de inferioridade, em ordem aos alunos, abrindo assim as portas a elementos fracos e incompetentes,
Escolhendo a matéria- não se preparam, devidamente, para a vida prática.
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Silva Porto
9-7-1974
Uma longa viagem de 3o horas, em BMW. Não posso calcular, usando rigor, mas tenho para mim, que o noivo enamorado fará o percurso, à média geral de 150.
Partirá ele de Lourenço Marques, em 1 de Agosto, chegando ao Chitembo, vila angolana em 3 ou 4 do mês em questão.
Trata-se, evidentemente, de Rui Manuel Pires de Carvalho, finalista laurentino de Engenharia Electrónica , e de sua irmã Beatriz, que é finalista do 7º ano.
Este longo percurso que não imagino como é feito, daria assunto, bem acomodado a belo poema.
Na verdade, o aludido Engenheiro vem agora conhecer Maria Margarida, a quem escreve, decerto, há mais de um ano, e que ele escolheu para mãe de seus filhos.
Parece tudo isto um conto de fadas! Efectivamente, sem jamais se encontrarem, como
chegaram eles a esta situação, com planos grandiosos, em ordem ao futuro?
Eu vejo nisto o dedo celeste, por intermédio de minha santa mãe, que é sem dúvida, uma bem- aventurada. Foi, julgo eu, para galardoar a honestidade rara de minha irmã e cunhado , os quais,
na verdade, são modelos acabados de rectidão e sinceridade., num mundo venal, corrumpido e hipócrita!
Que Deus traga, em boa hora,aquele que ingressa numa família séria, que é modesta,sim, mas
sempre honrada.
Será, penso eu, o que o Rui procura, e por sorte dele, encontra na Guida: o modelo de esposa que fará do seu lar uma ilha bela de rectidão. Deus os proteja, abençoe e encaminhe, como eu desejo, sinceramente!
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Silva Porto
10- 7-1974
A família Babo.
Desconheço, na verdade, o seu aglomerado, mas calculo ser grande a tragédia negra, que ele vive, à data.
Apenas ontem é que ouvi contar o facto lastimoso, ocorrido há 7 anos. O filho mais velho amava uma donzela que, segundo os pais dele.não tinha nível, para crer-se noiva de quem era rico e bastante prendado.
Lutou-se, em casa, tentando a valer, afastar aquele jovem de quem ele amava. enternecidamente.
Tarefa inglória e contraproducente, pois que, na
verdade, mais e mais se ateava a chama do amor.
Passaram dias e dias, insistindo a família e aduzindo até razões suficientes e apodíticas. Entretanto, o coração doente do jovem infeliz predia-se a valer ao objecto único do seu amor.
Quanto mais contrariado, mais preso e firme, em seu propósito!
Ignoravam os pais, assim o creio eu, o vendaval tremendo que se havia erguido naquele peito ardente. Grande tragédia se estva gerando, a qual
por sua vez, iria consumar-se, em tempo breve.
Vendo-se oprimido com barreiras tão fortes, resolve, em hora má, pôr termo à vida.
Assim parte logo, na doce primavera, aquele jovem ardente que deixa os pais em luto perpétuo.
Pensando melhor, evitaria talvez a seus pais irritados, um desgosto enorme. Assim, porém, ocasionou-lhes uma dor maior: a perda irreparável desse filho inconformado.
Morreu a alegria no lar desditoso.
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Silva Porto
11-7-1974
O quarto do filho (cont.)
É deveras
3 Silva Porto
11-7-1974
O quarto do filho (cont,)
É deveras arreigado o hábito de 7 anos que persiste em
manter-se, invariável e rígido, sendo apenas a morte capaz de sustá-lo. Diariamente, o pai e a mãe do jovem infeliz que, por ser contrariado, pôs fim à vida, entram, de manhã, no quarto do filho,
encarregando-se ambos ds sua arrumação: a mãe faz a cama; o pai varre o chão e limpa o pó.
Nesta ilusão, angelical e terna, vão passando seus dias os pais desditosos. Sentem-se bem, noambiente da quadra, em que vão desafogar sua eterna amargura. É como enitivo a uma lenta agonia! Eles batem fundo no peito em chaga: se o filho partiu foi por culps deles e de mais ninguém.! Que drama pungente!
Como há, neste mundo, infortúnios e dores, que nem a própria more é capaz de varrer!
A intervenção amorosa, no quarto do filho, dá-lhes a impressão de que ele dorme lá, vindo utltzá-lo a horas mortas.
Terrível, dedastrosa a posição dos pais, ante o casamento!
Valia muito mais ter asado pobre, com jovem humilde que pôr termo à vida!, ceifando prematura uma seara em flor! Era, segundo afirmam, um rapaz de qualidades e constituía por isso, o orgulho de seus pais.
Para sustar um desgosto em seus progenitores, ocasionou-lhes outro ainda maior.
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Chitembo
12-7-1974
Baqueou já, estrondosamente o Governo Provisório.
Datava apenas de 25 de Abril, não chegando, pois, a abranger três meses. Propusera-se ele firmar a Democracia, lançada já no 25 de Abril., animado, assim creio. de boas intenões.
Eu próprio, afecto embora à situação anterior, pela paz e harmonia do espaço português, ( excluo, já se vê, a Guerra do Ultramar, imposta de fora) recebi com prazer a mudança de regime, admitindo ser benéfica para o nosso país.
Entretanto, o modo precipitado como abriram as portas,
alertou-me prestesmente,gerando-se em mim um pouco de suspeita, em ordem aos efeitos.Estava o mundo português preparado já, para radical e súbita mudança?!
Começo, desde agora, a ter sérias dúvidas, acerca da eficácia das medidas aplicadas. De facto, foram muitas as liberdades logo concedidas e largos demais os danos causados por essas meddas.
Lá diz o rifão: «Depressa e bem não o faz ninguém!».
Das prisões recheadas saiu quase tudo e logo dum jacto! Para o nosso Governo foi ente sonhadora que pensava talvez em dar solução a todos os problemas, com falinhas doces.
Que experiência afinal tinha o país e o nosso Governo, para
levar Portugal e o mundo português, logo de uma assentada, ao
regime democrático?! Bom sistema, sim, mas requer preparação e
tempo de espera.
Comprovou-se já a minha suspeita! Oxalá, pois, que o novo Governo seja mais feliz!
Sustará ele a alta de preços, a ruína geral, a instabilidadr, opeada na moeda, o recrudescer da guerrilha efervescente, assimcomo as desavenças entre as raças diversas'!
Para onde caminha o nosso Portugal
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Chitembo
13-7-1974
O pinto solitário
Observo-o atento, várias vezes ao dia.
Tenho a declarar que tal pintinho suscita compaixão, por muitas razões. seus outros irmãos que eram só três, são já defuntos. Conheci apenas dois: um que morreu afogado na bacia da água; outro a que lancei várias vezes água de esguicho, recorrendoà mwngueira.
A sua grande tentação era na verdade, o pomar anexo, onde vezes sem conto fui apanhá-lo.Perseguido ali, com chuveiro abundante e longa paciência, não resistiu a essa investida.
Achei-lhe muita graça, na ocasião, mas confesso agora que me pesa um tanto, por haver possivelmente ocasiondo a sua morte,assaz prematura.
Ao ver o irmãozito, sozinho e triste, piando de continuo, não
me prezo de actuar com bastante prudência. Sigo diariamente o pobre solitário e fixo-o amiúde, com pena e ternura.
A própria mãe lhe liga bem pouco! Talvez por andar só e vê-lo espantadiço? Nem admira! As outras galinhas bicam no infeliz, sem mostras de piedade e as que têm pintos vão-lhe no encalço, chegando até à fúria!
A princípio, julgava o pobrezinho que, associando-se breve a outros pintos do seu tempo, resolvia o problema. Que noite regalada a primeira delas!
Gozou plenamente o calor da madrasta e dos supostos irmãos! Bela camaradagem e ninho quente! Como se deleitava, assim aconchegado!
Enorme galinha, de pescoço pelado,mas belas penas, assetinadas e brandas!
Os outros pintos, em número de 7, não refilaram, mas ao
outro dia é que foram elas!
Ao notar a galinha que havia um estranho no grupo dos seus,
mandou-lhe umas bicadas que logo o deixaram, entre a vida e a morte.
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Silva Porto
14-7-1974
Por despacho singular do Ministro português, no próprio dia, fazem a Prova os que foram excluídos n Escrita ou então na oral!
Já se viu coisa assim?! Ninguém diga jamais:«Desta água não beberei!». O facto indiscutível é que a máxima famosa - aprenaprender até morrer - vê-se agora confirmada.
Diz ainda o povo:«Quanto mais vivermos, mais ainda veremos»»
È o caso anormal das citadas Provas! Na verdade, após a reprovação que um júri decretou, vem d ecima esta ordem: «Quem já morreu pode ainda viver!».
Como acreditar?! Não parece tal decreto verdadeiro contra-senso?! Pois se um júri competente verifica e decide, com seriedade, ser o examinando incapaz dr aprovação, como vai ele agora, em grande palhaçada, algo desconcertante, se não irracional, tentar reaver aquilo que perdera, irremediavelmente,
porque assim o quis ou não foi capaz?! Não passaram o tempo lidando em tudo, menos em livros?!
Se eles não quiseram, como vai o Ministro obrigá-los a querer, desprestigiando corpo docente e abandalhando a Instituição?!
É assim, naverdade que se educam e preparam os homens de amnhã?! Que podemos esperar de tal geração?!
Postergadas uma vez as qualidades de trabalho e conagrados os defeitos, imperfeições e vícios, teremos amanhã uma sociedade
de imbecis, ladrões , incompetentes!
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Silva Porto
15-7-1974
De novo comandado por forças estranhas que não posso deter, com bastante eficácia! Travam elas agora, de pés e
mãos e penetram no peito, devastando o interior. Eu, então,
imobilizado, caído e triste, assisto à derrocada, fixando choroso aquilo que não sou.
Altamente surpreendido, olho para um aborto, efeito de estranhos,retorcidi já e martelado, obra danosa de capricho alheio
e graves imposições. Esse mísero ser é alguém tão diferente, que
não se identifica..
Estranho espectácuo... vista desoladora...factor odioso e assaz repugnante! Reputo este caso um crime sem nome e até sem perdão!, ao menos dos homens! Não sendo próprio, anda porfiando, em busca de si mesmo,, sem poder encontrar-se!
Caminhar deste modo, esfacela a alma... destrói a vida! De
facto, os homens talharam o se, quando era informe, ajustando o número e a forms das partes. Modelaram, a capricho, a forma que lhe deram, sem consulta de ninguém, atendendo somente aos gostos pessoais, que lisonjeavam seu orgulho fátuo, nutrindo a vaidade.
Por isso, há revolta no ser infeliz, olhando com saudade para aquilo que não é, mas devia ser! Tal desdobramento origina, sem
dúvida, um drama terrível, na existência humana!.
Se alguém, nesta vida é o que não quer! Se come, habitualmente daquilo de que não gosta e bebe o que detesta!
Alguma vez preencheu exigências do peito ou então deu psto aos grandes anseios da alma sonhadora?
Não é ele, arigor, produto necessário de cálculos estranhos, que
logo o deceparam, ao entrar na vida?! Não foi ele, infelizmente,
objecto certeiro de mão insana que actuou a capricho, como sendo ele matéria bruta?!
Quem respeitou seus gostosmm pessoais?! Quem atendeu
a sas predilecções?! Quem se lembrou de que ele era de facto um ser humano?!
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Silva Porto
16-7-1974
Luanda em foco.
Ontem, precisamente, foi o caso do dia. Em qualquer momento, que sintonizasse, no espaço português, vinha logo a notícia: « A cidade de Luanda, capital de Angola, de portas fechadas!».
Em seguida, apelos veementes de pre tos e brancos à serenidade, compreensão e boa harmonia.
De facto, o momento é grave. Requer, na verdade, espírito generos, coração aberto e ser humanizado. de utro modo, surgem desde logo, vinganças e ódios, elementos danosos, para se fundar uma bela sociedade, pluriracial.
Aspaixõea ruins e os interesses de cunho particuar, não podem tomar assento à mesa de conferências, nesta hora de convénios.
Foi lamentável que o 15 de Julho ficasse na História como
dia de luto, pelo que sucedeu, na capital do Estado!Já 15 mortos e 5o feridos! Não seriam eles ainda mais?! Fosse como fosse! É
muito triste o que vai sucedendo! Povos irmãos, com a nossa Língua e História comum!
Neste clima de suspeita, não há paz nem progresso. Tenho pena de todos e lastimo osactos.
Como obviar às grandes calamidades que a todos afligem?!
Amor generoso, sentimentos cristãos! Perdoar mutuamente!
Olvidar o passado!
De outra maneira, far-se-á de Angola um campo de batalha...
um medonho covil, onde os mesmos homens se devoram como feras,
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Silva Porto
17-7-1974
Fornou-se, naMetrópole, o novo Governo: é o 2º provisório.Alegou, à data, o primeiro Ministro do Governo anterior, não dispor então de poder bastante, para levar a efeito
o programa traçado.
Vai o substituto dispor agora de mais poder?Como?
Foram chamados também vários militares, para constituírem o
novo elemento governativo.
Passará o Presidente, que é também militar, a dispor de mais poder? Creio que sim.. Fica-me a impressão de que é uma Ditadura, um tanto disfarçada, embora se trate, a rigor , dum Gverno coligado
Efectivamente, fazem parte da lista elementos socialistas,,comunistas e outros.
Os anteriores nada fizeram que impusesse, realmente, a Democracia. Confessaram-se impotentes pedindo breve a exoneração. Nem os escassos três meses se aguentaram no poder,
mas deixaram atrás um cortejo de ruínas.
A porta ficou livre, para singrar a anarquia. Bem sei, realmente que o público,em geral, não só não ajudou como até
agiu contrariamente.
Entretanto, se não me engano, eles falharam, por falta de experiêmcia e tacto psicológico.Na verdade, é facto evidente que
que só exígua minoria do povo português evoluiu bastante, e se
encontra preperada para um regime, de cariz democrático.
, Sendo isto assim, é loucura rematada lançá-lo, de chofre, em
regime democrático. Não havendo transiºão e tempo necessário,a Democraci é o mesmo que anarquia. Passar do zero para o 80, é
sempre arriscado..
Regime excelente para todos aqueles cujo civismo é já realidade ou se encontra em marcha!
Aplicar, dum jacto, ao povo português esquemas estranhos,
sem adaptação, é um erro enorme, cujos resultados são já bem patentes. Abrir um poucochinho, gradualmente e com reservas, até ao final
Segundo se fez, houve imprudência e pouco senso!
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Silva Porto
18-7-1974
É meia hora, após o meio dia.
Na bela Avenida Reboxo Vaz, encontro-me sentado, escrevendo as Memórias, sobre o joelho.
Em banco de pedra, à sombra dum arbusto, arranjei dispositivo, para esboçar estas notas singelas. Aguardo as 14
horas, momento do encontro, para seviço de verificação.
De manhã, fizemos as provas da segunda chanada ( obrigatória) ou seja, daqueles alunos que haviam ficado mal.no teste escriti ou
depois no oral.
Esses trabalhos creio de boa mente, haverem finalizado, não
surgindo pela proa mais despachos do Ministro, a transtornao os
nossos planos.
Agora, resta verificar os termos de exama da Secção agrícola e lançar ainda, no Processo Individual,as notas e a média de cada aluno
Tenho imenso esejo de pôr-me ao fresco, pois Agosto aproxima-se e não tomei o sabor às férias grandes.!
Há rumores esquisitos sobre o ano lectivo que vai começar.
Entretanto, nada é certo, se ponho de parte que estou sem almoço.
O bem de uns tantos muitos!
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Silva Porto
19-7-1974
Ultimarei hoje os trabalhos da Técnica: assim o creio.
Não desejo enganar-me. Ando já saturado! Após um ano lectivo, a trabalhar com afinco,veio modelo novo, aplicável a exames
3 Silva Porto
19-7-1974
Ultimarei hoje os longos trabalhos da Escola Técnica,João e Almeida. Assim o creio eu! Não desejo enganar-me!
Ando já saturado! Após um ano lectivo, a t rabalhar com afinco, veio novo modelo, aplicável a exames., que me trazem enjoado e cheio de tédio.
Nem outra coisa seria de esperar!Haví
Se não, vejamos.
Havia reprovações? É que os alunos desconheciam em pelno, os
programas dados! Por outro lado, já se encontravam beneficiados, pois com i0-9 já obtinham dispensa. Apesar de tudo, houve ainda a seguir, a danosa ncongruência, que representa, ao mesmo tempo, falta de respeito ao corpo docente.
Aviltou-se em extremo o cargo de ensinar! Quem haverá aí, para exercê-lo, nos próximos anos?! Apreciaria o mister, sendo prestigiado, como era de justiça!
Assim menosprezado e até cuspido, não atrai ninguém!
Se as coisas não mudarem, desligo-me também. Demais, tenho os meus papéis que exigem revisão, com vista directa à publicidade. Chegarão eles, por ventura, à luz do dia?!
Talvez fosse agora ocasião apropriada,, para começar a revisão geral, o que somente poderei fazer, com tempo a rodos, por serem muitos!
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Chitembo
20 -7- 1974
A Dona Julita
Ouço-lhe o nome. Ignoro, porém, qual seja de facto o chamo exacto. É quase vizinha, lá em Silva Porto e, quando passo pore ela, anda sempre atarefada e cheia de problemas.
Noto, pela aragem, que vive atribulada e que funda inquietação a amargura e consome.
Magra e pálida, agita-se e corre, deixando entrever que a vida não sorri. Fazia mossa funda no meu espírito inquieto, seu vulto sacudido, esboçando adrede o mínimo gesto.
O que ela ostenta, nos movimentos, é comum à fala.
De cor branca, residente em África, não sei desde quando, o capital não deve pesar-lhe! Ea isto, realmeme, o que eu supunha.,
antes de saber fosse o que fosse, a respeito dela.
Afinal, sem grande surpresa, pela eventualidade, saiu tudo conforme ao que tinha imaginado: só não conhecia o viver lastimoso do célebre marido
Trata-se, ao que dizem, de borracho incorregível,que descura seus deveres, sacrificando amiúde nos altares de Baco.
Chama a seus filhos nomes humilhantes, dizendo abertamente que não pode vê-los. Confessou isto a Dona Julita, mas fê-lo com mágoa. Declarou até - não para mim! - que lhe rachava a cabeça.
O que lhe vale - diz ela, com tremura na voz: - é ela ser fraca e também magricela, porque, e outro modo, tratava-lhe da saúde!
Tragédia viva a desta portuguesa! Coitada!
Quantos lares infelizes, onde a paz e o bem-estar nunca fazem assento!
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Chitembo
21-7-1974
O afilhado Pedro fez-se de longada, rumo a Luanda., onde exerce o cargo de pastor espiritual.
Este ano da graça demorou-se menos do que era habitual.
Segundo ele diz, tem assuntos a tratar, ao longo do caminho. Fiquei um pouco triste, pela ausência inesperada,visto que a+enas ontem chegou de Silva Porto, onde se deteve a apreciar os exames.
A propósito, declara que foi coisa mal vista, de modo especial a chamada obrigatória dos alunos reprovados, no primeiro exame.
isto que digo, acresceu ainda o trabalho exaustivo de verificação, que foi um bom petisco!
O certo, porém, é que tudo já lá vai, sendo-me dado agora dormir descansado, sem horários a cumprir nem receio algum de chegar atrasado.
Só à data presente, me encontro, a rigor, em gozo de férias, com larga margem, para desleixar-me , embora não queira!
Afim de o meu descanso não trazer ociosidade, revejo o Alemão, poia fará jeito, afim de aprender a Língua Africânder. Ao mesmo tempo, ajudo os meus sobrinhos, nos estudos liceais, preparando-os melhor para o qno que segue.
O que neste momento se encontra em apuros é o jovem Carlitos,, a quem proporciono, diariamente, duas horas cheias de explicação, na Cadeira grata de Português.
Tirou só 8, no 4ºano e aspira, à data, elevar para 12 a classificação
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3Chitembo
22-7-1974
Encontro-me, de vez, em gozo de férias! Já não era cedo! Quanto suspirei, durante o ano lectivo, 73-74, por este retiro, em que nada preocupa nem algo me inquieta! Faria muito bem e seria agradável percorrer, com demora, o Estado Angolano,
não há intenção de ir ao estrangeiro, durante as férias.
Eu que tanto viajava, estive imobilizado, desde 65,
Há, portanto 9 anos que não faço turismo! Vim para Angola e já fui à Metrópole, mas sem fibs recreativos.
Foi o Taunus Super que me levou a Lisboa, onde o havia deixado, em 1972. Fora tal desvio, nada mais fiz.
Entretanto, se Deus quiser, iniciarei digessões, pelo mundo além, no próximo ano de 75.
Conto, primeiramente, ir à África do Sul; em seguida, cativam-me países, como por exemplo, os Estados Unidos, o Canadá e o país irmão, o Grande Brasil! Além dos mencionados,
gostaria imenso de visitar o Egito,, a Inglaterra bem como a Itália,
a China e a Rússia, Israel e a Gfécia, e bem assim outras regiões, de características algo notáveis.
No meu programa também se encontra o Estado de Moçambique.
Por enquanto, vivo encerrado aqui no Chitembo, contando apenas ir a Sá da Bandeira que não conheço ainda. Precisarei também de voltar ao Lobito assim como a Benguela que vi de corrida.
Deus, lá do Céu, ma ajude, por Bondade,, para realizar o que tanto desejo!
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Chitembo
23-7-1974
Sentado no pomar do nosso quintal, vou lançando breves notas, em cima do joejlho, tendo por dossel uma esteira de junco, urdida pelos negros.
Presta bons serviços: os pés e as pernas ficam ao sol, enquanto a cabeça, por mais delicada, se furta a ele.
À minha esquerda, generosa e franca, desentranha-se em frutos viçosa laranjeira, vergada até ao chão e quase impotente, devido às larajas que fazem negaças, dentra a folhagem.
Rego-a amiúde e sinto por ela grande ternura, ao vê-la desdobrar-se em frutos suculentos,retribuindo assim, os meus cuidados.
O Sol, o ar e a luz penetram facilmente no seu interir, mercê de hábil poda que lhe dei meticuloso, o ano passado.
Os meus olhos pousam frequentes nas vergônteas robustas, donde pendem, aos centos, laranjas deliciosas.
À minha frente, alinham couves tenras que há dias transplantei, afim de proporcionar-lhes melhor ambiente.
Ao centro da leira, perfilam-se garbosas, as tangerineiras, a que as formigas causam grave dano, impedindo assim o crescimento normal
Por mais que eu regue, não consigo afugentá.las! São persistentes, vivas e afanosas, o que é para mim excelente lição
Um pouco mais além, na minha frente, fumega a espaços, a velha cozinha, onde o Zé do Samalenso prepara o almoço.
Emtretanto, â minha direita, vai o Carlitos fazendo um resumo, sobre as Pupilas do Senhor Reitor, obra campesina, deveras atraente, em que Júlio Dinis oferece ao leitor quadros pitorescos da vida portuguesa, algures observados.
Insistimos bastante no portuguê, pois a nota final do 4ºano
ficou a destoar, na média geral. De facto, com l2 a Letras e 13 a Ciências, não assenta bem a pobreza dum 8!
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Chitembo
24-7-1974
As férias grandes vão decorrendo, ora serenas, ora agitadas, segundo o cariz das circunstâncias.
Significa o exposto que nem tudo são rosas, pois há sempre acúleos a ferir os pés.
A verdade, por+em,é que, muitas vezes, somos nós os culpados do mal que nos aflige. Impor aos outros a maneira de ser ou querer, sem razão, que pensem como nós; exigir dos novos atitudes de velhos; demandar levianos que os outros adivinhem o
nosso querer; fazer-se objecto e centro de atenções... nada mais é preciso, para ser infeliz!
A rigor, egoísmo é orgulho rematado!
Diz a canção:« não peças demais à vida; aceita o que ela te dá!».
É já dos livros depender de nós, em grande parte, que a vida sirria. Esperar lorpamente que venha ter à mão aquilo que precisamos, não é de quem se preza.
Com muito esforço e alguma persistência, tudo conseguimos, não pondo a mira fora do alcance!
Aspirar a 100 e lograr 80 já não é mau!
Deixar, porém, cair os dois braços, abrindo as mãos, para agarrar, sem esforço nenhum, é próprio de sandeus.
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Chitembo
25-7-1974
A igreja desta vila.
Não intento falar da estrutura material que é simples de linhas, sem valor arquitectónico. Quero ntes focar o aspecto geral,
que oferece o interior, como prova clara do pouco interesse, que os habitantes nutrem ppor um lugar sagrado.
Habituado como estava, desde tenra idade,a ver a igreja aldeã sempre limpa e adornada, não me cai bem o ar desconfortável nem o abandono, assaz lastimoso que esta apresenta.
Cometeram-se ali dentro acções reprováveis, que vêm bulir forte com os meus sentimentos, O caso deu-se, ainda há pouco.
Pelos vestígios que eu próprio notei, vim à conclusão de que alguém desmiolado, havia bebido pelos vasos sagrados.
É que o meu cális estava pegajoso, do vinho utilizado, no Santo Sacrifício.
Ao meter o sanguíneo, ficou logo embebido e só com muito esforço logrei deslocá-lo. Observei cuidadoso a superfície interna,
apercebendo-me então de apresentava, no seu conunto. sintomas iguais.
Ora, como se sabe, o vaso sagrado é sempre limpo, com todo o cuidado. Confesso aberto me senti percorrido por enorme
calafrio. Houve brutamontes a enchê-lo de vinho, bebendo-o em seguida..
Eu, que utilizo só uma quantidade mínima, vi-me em presença dum acto incorrecto., alarve e sacrílego.
Aquele vinho é caro e serve apenas, quando se realiza a Eucaristia, No entanto, menino houve, alheio ao decoro e à boa educação, que bebeu ousadamente, dando campo à gula e fornecendo matéria para o sacrilégio.
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Chitembo
26-7-1974
Com os meus 56, posso dizer, algo afoito, que passei a vida sempre ocupado. Jamais disse "não" às tarefas que surgiam, ainda as impensáveis.
Fiz bem? Terei exagerado, aferrando-me ao trabalho? Iria
longe demais, privando-me do necessário? As circunstâncias, harto peculiares que rodeavam sempre a minha existência é que
impeliram nessa direcção.Houve de ser prudente, cauteloso e arguto.
Aos 26 anos, mal começara ainda o exercício do múnus, sem recursos nenhuns, afim de valer-me, sobreveio logo perigosa doença, cujos efeitos, assaz perniciosos, dominaram em cheio a
minha existência..
Meus pais, avelhentados pelo esforço excessivo, ao longo dos meus estudos, criaram para mim problemas de consciência.
Em vez de ajudarem, precisavam eles do meu auxílio.
Medcamentos, consultas e o mais,... tudo pago por inteiro, mercê,
como é notório, dum sistema social,injusto e desumano,... que devia fazer, ante os factos ocorrentes?
Lançar-me ao trabalho, ainda que este, por grande má sorte, me sepultasse, em verdes anos! Assim planeei o que sempre na vida me norteou: jamais ter descanso... aproveitar, ao máximo, todo o ensejo...... privar-me sempre do que outros usufruem...
Posso dizer que não gozei a vida, no que oferece de honesto,
aliciante e humano.
Somos, na verdade, produto do meio, sem poder libertarnos,
embora queiramos.
Por tudo isto, desaprovo iroso o Capitalismo, que desvia, sem pejo o que pertence a todos. Há bens neste mundo, qie são património de toda a gente: a instrução e a a saúde; a promoção e o lar; o amor e a família; alimento e vestuário; habitação condigna; assistência social; protecção de bens e segurança pessoal.
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Chitembo
27-7-1974
Corridas no Huambo.... Festa natalícia na Bela Vista.
Hoje, sem falta, partiremos de tarde e só com um tiro mataremos dos coelhos! Boa caçada? Só o tempo ( mais ninguém!) poderá informar! Mostrava desinteresse pela viagem mencionada, mas ultimamente, dava-se o contrário.
Causas para tanto? Evidentemente. Saudar o Mabílio, corredor n'umero 1, pois, sendo meu primo, assiste-me desde já o direito de falar-he, nesta data festiva, apresentando os meus cumprimentos. Dmais, não vejo, há uns bons 20 anos!
Lembra-me claramente a primeira vez , a única afinal, que o
encontrei: foi, ao que julgo, na linda Avenida da Boa Vista, cidade do Porto, quando ele tinha apenas 11 anos de idade,
O tempo rodou e as circunstâncias da vida separam-nos há muito. Agora, é Médico em Luanda, coisa de que eu, realmente, não podia suspeitar.
Oura bela razão me assiste ainda, que é de grande importância: no aniversário do primo Manuel, haverá encontro das nossas famílias que há muito se não vêem.
Terei imenso gosto , servindo como elo, para todos nos vermos, recordando o passado.
Só falta meu irmão que vive na Metrópole! Coitado! Lá tão longew de nós e bastante doente! Não posso com a ideia de que alguém, neste mundo ou alguma coisa lhe seja adversa!.
Gostaria imenso de que tudo lhe corresse conforme o desejo!
Que Deus guie a todos e dispense luz a jorros, para não sairmos do recto caminho, afim de que,, após duros perigos e
ásperos trabalhos,aportemos, sem demora, aos Umbrais do Paraíso.
Eu creio em Deus e do mesmo passo, na Sua misericórdia.
Conhece bem a matéria de que somos talhados e possui, ao mesmo tempo, um coração ideal, para ser indulgente, esquecendo
ingratidões, descuidos e fraquezas.
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Chitembo
28-7-1974
Mães desnaturadas.
Inegável é, ser o amor de mãe o que há de mais belo, ,
desinteressado, puro e cândido,neste mundo egoísta.
Diz Antero de Figueiredo ser este ,exactmente, o único amor
inalterável, existente na mulhe. Apresentando o amor volubilidade
enorme, no ramo em causa, distingue-se ele pelo invés. Amor sacrificado... imolação total...dedicação incomensurável! Enfim, não há palavras que traduzam, a rigor, quanto de grande, amoroso e terno se encontra encerrado num coração materno!
Intento, nesta hora, falar duma excepção. É costume dizer-se que tais excepções confirnan a regra. Antes de mais, tenho a esclarecer que o facto observado se passou com aves. É como segue.
Duma ninhada, vingara só um pinto.
Espevitado e algo irrequieto, socorria-se ele, em caso de perigo, do amparo materno. A mãe, no entanto, ligava-lhe pouco.
Ele piava, piava, tornava a piar e, vendo~se rejeitado, buscava a sorte noutras galinhas qie tinham pintos. Estas, porém, é que não estavam pelos ajustes! Eram bicadas, umas sobre outras! Escorraçado e perseguido, tentou insinuar-se entre outras aves que não eram mães. O mesmo resultado! Que fazer?!
Pequeno, embora, resolveu animoso procurar alimento e bastar-se já. Deixou de piar! Metido entre varas, ei-lo açodado a bicar no solo.
Hoje, porém, deixei de o ver só, no pomar do quintal.
Pondo-me em alerta, noto maravilhado que certa ninhada contava 9 pintos, em vez de 8. Espantado e curioso, averigúo melhor e acho brevemente a explicação.
Entre os 8 pintainhos, encontrava-se já aquele enjeitado!
Arrisco uma pergunta, algo receoso: ela aceitou-o?! Sim, ela perfilhou-o e presta-lhe atenção como a seus filhos.
Bonita acção! - atalho prontamente!.
Aqui temos, pois. um caso espantoso, em que a mãe foi madrasta, e a madrasta foi mãe!
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Chitembo
29-7-1974
Ante-ontem, lá fomoos todos à Bela Vista. Os 49 anos
do Manuel Martins e as corridas do Huambo, mais claramente, em Nova Lisboa, foram na verdade causas determinantes, que impeliram â viagem
Arrancámos do Chitembo, às 14 e 30, rodando o veículo assaz lentamente, para ouvirmos o noticiário. Não havia pressa, bem entendido! Após o Chinguar e a estrada miserável, à saída da vila,, eis-nos brevemente chegados ao termo do primeiro troço.
Grande animação, no Bar Águia de Ouro! O casal Martins é quem administra. Como dão refeições, aflui muita gente. o que origina bastante movimento, a certas horas.
Contávamos dormir, prosseguindo a viagem, no dia seguinte, 28 do corrente. O nosso intento era Nova Lisboa, para assistirmos à famosa corrida., em que o Mabílio ia tomar parte com o seu carro!
Entretanto. nada sucedeu como havíamos pensado.
Informações, assaz desagradáveis, vieram mudar o rumo delineado.
Muito à puridade, foi-nos comunicado: "Boatos confirmados se estão divulgando! A nossa tropa já está de prevenção, no Distrito do Huambo.! Numa casa do mato, a 20 quilómetros da nossa vila, foi morto por granada um casal de velhotes, que lutavam pela vida!"
Entre os nativos, corriam vozes, harto suplicantes, aconselhando a não prosseguir, voltando para trás.. Tudo se processou num ambiente mau e desagradável, a tal ponto já, que
nem quisemos pernoitar ali.
Às 22 horas, iniciávamos decididos a viagem de regresso, por meio da escuridão. O pensar conturbado trazia-nos inquietos e
assaz desejosos de arribar a casa, o que na verdade veio a suceder, após a meia noite,.
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Chitembo
3o-7-1974
Recebi hoje uma bela notícia: o Dr, Savimbi visitará o Chitembo, no próximo Domingo. Aguardo ansioso, na grata expectativa de que trará consigo momentos de gozo e até de esperança, reconfortante.
A vinda dum homem, com tal envergadura, vai ser com certeza, portadora de paz e prenúncio claro de bem-estar.
Efectivamente, o seu equilíbrio, a rara compreensão dos problemas da existência, a lucidez constante do seu espírito e a
sensibilidade, aguda e fina do seu coração. muito hão-de ganhar,
psra o seu Movimemto, a simpática UNITA.
Benvindo seja ele e todos aqueles que buscam sinceros a paz e a justiça, a tranquilidade,e o bem-estar geral. É um bom irmão que vem ao nosso encontro, surgindo-lhe, no caminho., braços amigos, leais, sacrificados.
Interessa aos angolanos que a paz e a concórdia reinem por toda a parte. Nunca o ódio frutifica, de maneira útil. Só destroços ele deixa, após o seu agir., sendo incontáveis os males que semeia.
A UNITA é realmente um Movimento simpático, em terras de Angola. De facto, o seu lema, é, a rigor, a união total dos povos dispersos, afim de tornar o Estado Angolano em rica nação, florescente e próspera.
Venha, pois, o Dr. Savimbi e nos traga a todos uma palavra, cheia de confortoo e outra de esperança, para o dia de amanhã. Será benvindo à vila do Chitembo, onde as suas palavras encontrarão eco.
Deus o traga breve, com alegria e paz de espírito.
Que ele nos elucide, acarinhe e apoie,: seremos todos fiéis colaboradores, para bem de Angola
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Chitembo
31-7-1974
É já o final do mês corrente! Estes finais vão-nos lembrando que tudo acaba. Não fico surpreendido! Na verdade,
o próprio facto de algo ter início implica, naturalmente , que há-de
ter fim, sendo material..
A nossa alma começa de facto, mas não vai ter fim, por ser espiritual. Tal característica fá-la indestrutível. Tinha de ser imortal, que valeu, realmente o sangue de Jesus, derramado, no Calvário.
Com os seres materiais o caso é diferente, por se decomporem. Uma vez assim, é ruína total..
Este fim de mês lembra-me, pois, que também a minhs vida há-de ter seu final, quando o curso de meus dias se tiver consumado
Só Deus é que sabe, quando o facto ocorrerá, mas é sempre mais depressa do que a gente espera!,
Outro caso me recorda: a minha chegada, em grande alvoroço, ao Estado de Angola, faz apenas dois anos.São 9 e 15.
Remontando a 31 de 1972, precisament, a esta hora,, vinha eu de longada,, em avião da TAP, a 11000 metros, distante da terra. O meu primeiro beijo à terra angolana ocorreu, exactamente, às 23 horas.
Acabadas que foram as formalidades, na Polícia e na Alfândega, era meia-noite, iniciando o mês de Agosto, na capital do Estado..
Lançando agora um olhar retrospectivo ao passado próximo, cumpre-me dizer que não estou arrependido, apesar do momento que estamos vivendo. Numa hora delicada, em que se prepara ao vivo, a independência de Angola, bem que certa confiança eu tenha no futuro, não deixo de alimentar algum desassossego.
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