sábado, 12 de setembro de 2009

Memórias 15

SOMBRAS DA MANHÃ
-Papéis de Vasco

Volume 1

PREFÁCIO

Analisando, a rigor, a vida conturbada e os passos temerários
que dá, por vezes, este jovem rapaz, somos logo incitados a conhecer bem as sérias razões que o tornaram infeliz e tão desastrado. Que ele não é único. Em razão disto, poderia servir de útil modelo para longo estudo, uma vez que representa vários milhões, através do tempo e do mesmo espaço.

Vive enclausurado, no mundo interior, ao longo dos anos, e só mais tarde, na maturidade, é que sai do "casulo."
Porquê então este desconcerto? Que é que terá havido,no decurso da infância, prolongado, em seguida, na adolescência, e depois ainda, na virilidade e na juventude, que o tenha inabilitado ,para viver a existência, abrindo para a vida, no tempo devido? Causa funda houve, com toda a certeza, não sendo estranhos o lar
amigo e o Internato.

O sistema educativo e as pressões sociais encontram-se na base desta vida sem rumo que nem para ele foi boa, afinal. Escusado afirmar que, em casos deste género, também a sociedade nada aproveita.
Vasco é um jovem dotado, generoso e bom, sincero e amante, sentimental e muito delicado.
O lar e o Internato privaram-no logo de conviver e sociar, em zonas
determinadas, razão pela qual se habituou, por norma, a obedecer,
não atendendo jamais a sentimentos próprios nem ouvindo nunca o que lhe impunham as suas tendências.

Ensimesmado, assim continuou, pela vida fora,vivendo sobre si, artficialmente. O viver de relação não lhe esteve ao alcance, em plena sociedade. Frequentou, compelido, ambientes e convívios que ditavam sempre um caminho único. Treinado assim, julgou erradamente ser essa a via que tinha de seguir.

Mais tarde, porém, ao ver-se integrado, no mundo exterior, achou-se isolado e incompreendido. Nem ele entendia as outras pessoas nem estas a ele. Julgou-se defraudado e metido , para logo, em camisa molesta de sete varas. Parecia-lhe, às vezes um colete de ferro a que tinha por força de sujeitar-se,

Estava imaturo: não fora preparado para viver no mundo. Desconhecia tudo. A seus olhos, ninguém era mau. Media os outros pela sua pessoa. Quantas desilusões, a partir daqui!

Esta falta grave de preparação iria ser, no porvir, uma das razões da sua desventura. Precisava então de virar ao contrário o que lhe tinham dito, com a frase notória: «Nemo malus, nisi probetur».
Fora enganado, porque o mundo afinal era falso e manhoso, hipócrita, mentiroso. Mas como adaptar-se, já naquela fase, revirando tudo?! Para mais, ficara menino, embora adulto e já senhor.É que, efectivamente, ele não evoluíra, quando é certo e sabido que o ser humano tem fases necessárias que sucedem,
por sistema, umas às outras.

Fundamentais são elas três: olhar para si (infância, adolescência),
olhar para o «outro» (virilidade e juventude, penetrando em parte na maturidade); de novo olhar para si (idade madura com as seguintes)
Se tal evolução não for natural, espontânea e livre, e sempre
contínua, o ser humano estaciona e fica-se, avançando embora em anos e dados.

Que sucederá, pois, a qualquer infeliz, sendo barrada a primeira fase, por mãe extremosa, em alto grau, a qual tem o filho como objecto seu, que jamais dispensa? Sendo ela, na verdade, autêntica invasora, o filho estremecido não pode evoluir: vive só para ela; depende dela a vida inteira.Qualquer outra mulher que seja diferente, não tem aceitação.


O despertar para a realidade!

=VASCO=


MONTE BRANCO DIA DA mÃE
Poema em Prosa

Querida Filó: Estou dominado pela funda impressão que a tarde
inolvidável de 8-12 gravou para sempre no meu coração.

Não quero desgravar, não posso esquecer, jamais talvez serei capaz de olvidar, assim o julgo eu, o momento indescritível , em quei surgiste na tribuna do Salão, para arrancares a meus olhos tristes bem como aos de outrem lágrimas quentes, furtivas e amargas que, de atrevidas, não pude reprimir.

Evocaste, nessa hora, a santa fugura da mãe adorada, que a morte
impiedosa te levou, em criança. Por modo tal o fizeste, que a meus ouvidos ressoa, num tom de plangência e entono funéreo. Foi assim que descreveste a paixão da tua alma.

Os meus olhos curiosos registaram prontamente o aspecto melancólico do teu rosto adolescente, já humedecido e vincado por traços de enorme sofrimento.

Os meus ouvidos ainda hoje repetem os acentos inflamados, vociferando ali contra a dura morte, pois chegaste a desejar que ela fosse visível, para a destroçares. A imaginação dos circunstantes ficou assaz revolvida pela cena grandiosa que a tua viva paixão fez ali reviver, nessa tarde memorável, consagrada às mães,

Sinto de igual modo e comungo na tua dor. Choro e acompanho-te na cruenta amargura, que dilacera e tanto amarfanha o teu coração, minado pela angústia.

Não te julgues sozinha. A partir dessa hora, acompanhei-te sempre, compreendendo à maravilha, a exasperada violência da tua amargura.É que eu, na verdade,calculei então o acerbo pungir
desse espinho ervado que vai dilacerando a tua alma cândida.

Entretanto, convido-te já a elevar para Deus o teu coração.
Alguma vez, acaso, te lembraste de o fazer?
Não desesperes, ainda que seja nas horas mais tristes da vida presente.
Garante-nos a fé que, após esta vida, outra lhe segue que vai durar sempre. Tua mãe não morreu! Hás-de vê-la outra vez, beijá-la com ternura, na Pátria ditosa. Ela está viva, sempre muito viva.

Logo, pensa em ti, roga ao bom Deus pela tua ventura .
Pede-lhe veemente que te dê a sua bênção. Não sabias isto?! Espera por ti, no Reino maravilhoso, para lá das estrelas.

Foi Nosso Senhor que a levou deste mundo. Por isso mesmo, não odeies a morte! Deus permitiu que a morte vos separasse. Não blasfemes!
Não desejas, por ventura, que a tua mãezinha esteja no Paraíso, onde é tão feliz?! Não queres talvez que elal seja ditosa?! Deus é que manda ou então permite as coisas da vida. Ele nos dá tudo,
Permite a dor, para termos ensejo de nos santificarmos, à custa do sofrimento. A bela Senhora da Conceição é a Mãe do Céu.. Procede como filha, rezando-lhe amiúde e dando-lhe gosto.

Afim de concluir a minha carta aberta , em hora de angústia,
para a tua alma, exorto-te agora a uma grande confiança em Nosso
Senhor. Ele decerto não vai abandonar-te.Se levou a mãezinha, vai conceder-te muitíssimos bens , a compensar.

Não invejes nunca as outras colegas, da mesma idade, Eu
admito, bem entendido, que sejam mais felizes, mas a tua mãezinha vive no Céu, onde é ditosa, ao pé de Jesus. Desse Reino Eterno proteje os teus passos e zela o teu bem. Adere, pois, à vontade celeste, que assim permitiu. Não te deixes abater e verás então como Deus te compensa!
O grande prémio a dar-te há-de ser este: permitir, na outra vida, que te associes àquela por quem sofres agora — a tua mãezinha.
****

Repara, Filó, como já então, a dois meses de convívio, ,actuavas sobre mim, por jeito invulgar!

Deixa, pois, que relate,Maria Florinda, como foi que acendeste , aqui no meu peito, o fogo que o devora

Há quase três anos, surgiste no horizonte, que olhei embevecido.Eras pequenina, muito engraçadinha e a tua jovialidade comunicou-se a mim, Não sei já bem, pois que não me lembro, quais os sentimentos que então imperevam.

O que sei é verdade: logo te insinuaste no meu coração, onde abriste uma ferida que, neste momento, julgo impossível chegue a curar-se.

Foste crescendo e, à medida que o fazias, aumentava em grau assolapado afecto, que agora é calvário, embora muito grato.

Quando teus padrinhos, por motivos conhecidos, te faziam sofrer,eu ficava angustiado, como se o teu mal houvese ferido o meu coração. Nada revelava, porquanto, a esse tempo, ignorava inteiramente, se merecias confiança.. Pressentia que sim, havendo uma voz a clamar altamente, pela afirmativa.

Oh! Quem soubera então que tu eras um cofre, destinado a guardar
coisas maravilhosas! Hoje, confio em ti como o faço em mim.
Considero-te, a rigor muito mais que amiga: parte de mim próprio. Já me não pertenço. Julgo e convenço-me de que tu és minha,
porque sou teu e de mais ninguém.

Se tu avaliasses quanto eu sofria, ao ver-te chorar, por causa de motivos que estão revelados! O que é de lastimar é que eu, nessa hora, duplicava, por certo,o meu grande sofrer.com este silêncio que tanto me oprimia. Assim foi cerescendo a minha cegueira.

Nesta data, não posso ocultar-te os mais íntimos segredos! É que eu não os tenho, em ordem a ti. És outro eu. Não posso esconder seja o que for. És, na verdade, a minha confidente.Dentro do peito, ergui um altar, onde tu somente recebes culto.Acima de ti, apenas Deus.! Aqui na Terra, és tudo para mim.

Se te ouço falar, julgo, tantas vezes,que é um Anjo do Céu, modulando para mim celestes harmonias; se fixo o teu rosto, afigura-se prestes um lago tranquílo, em que é doce vogar.

Se me embrenho nos teus olhos,oh! então, sim! Não sei,realmente, de farol mais brilhante que emita luz com maior fulgor!..
Desejava penetrar com meus olhos os teus e banhar-me, a capricho, nessas ondas de luz!
Infelizmente,porém, quão pouco é o tempo, reservado a isso!
Os teus olhos castanhos, de um macio aveludado, produzem arroubos de enorme ventura.
A minha vida, se não te vejo, é árida, infecunda, insuportável e dura! Mas, se tejo e ouço a voz ou comunico à tua a minha alma apaixonada, então sou feliz.
Todo teu, Vasco.

******


Cinco horas da mannã. Acordei mais cedo que era habitual.
Quando uma ideia absorvente se apodera de mim, a vida escraviza-me. Tão dado sou a coisas do género!

Lá fora, ouço embriagado o trinar das avezinhas que se expandem contentes, aos primeiros alvores da bela madrugada, mas ignoro a razão por que não acho, em seus trilos, o sortilégio de outrora.

Parece-me,desde logo, faltar alguma coisa que só a tua voz poderia emprestar-lhes. Até digo mais: se não estás presente, as galas da Natureza ficam desluzidas, magoando profundamente.
Se tu não irradias teu alto fulgor, tudo se apresenta sem nenhum colorido. É um mundo sem vida, asqueroso,enervante!
Não posso com ele!
E convivência?! Fujo sempre dela, quando não te vejo. Ambiente que me embale vem só de ti. Ontem, por sinal, dirigindo-me com, pressa, à rua principal que atravessa o burgo, fui detido
prestesmente, por força invisível. Não pude seguir! Voltei para trás fazendo logo caras ao Cruzeiro solitário, a que fiz companhia.

Não posso dizer quantas horas me detive, no dito lugar, recordando-me, entretanto, de que um mal insuportável desceu à minha alma.
É verdade que, de vez em quando. ao volver meus olhos. pelo arredor, apareciam, amiúde, aqui e além, motivos de alegria.

Assim: as lâmpadas eléctricas figuravam teus olhos, sempre fuigentes, bondosos e meigos; a brisa suave, acariciando-me a face,
os teus lábios veludosos, irradiando à volta, perfume subtil que só os amantes sabem prezar; o luzir inquieto das estrelas distantes, fontes de energia, que, figurando os teus olhos, vão beneficiar, pelo mundo além, os pobres mortais

A espaços,porém, ouvia desgostoso a voz agourenta dum pássaro tristonho: fundamente alvoroçado, expandia no ar sua imensa dor.., . Julgaria, talvez, que alguém estivesse ali, importuno e sofredor, a presenciar indiscreto uma lenta aflição que parecia lastimosa. Irritava-me bastante a maneira aberta de expressar aquela dor.
Dizem, às vezes,que o mal de muita gente é conforto de todos..Eu, porém, baseado neste facto, diria o contrário : o mal dos outros dobra o nosso mal.
Posso dizer até que fui bem feliz, assim que mergulhei nesta aventura ou ainda absorvi, a plenos haustos, graças e mimos que se
evolavam a flux, da pessoa amada.

O meu grande sonho estava firmado sobre areia movediça.
Fruto de inexperiência, cá da minha parte! Só mais tarde,li eu em Camilo, aproximadamente: O amor da mulher, aos 16 anos, é a
derradeira amostra de amor às bonecas.
A minha persistência enchia de nervos Maria Florinda.
Impunha-se a luta e a confiança na vitória. As minhas armas eram
garantia de belo triunfo: bondade e paciência; generosidade;
indulgência e compreensão.

*****

Ela,porém, discorda em pleno,da maneira efervescente como revelo a minha paixão Esclareceu já que não tenho o direito de amar a tal
nível…. que não devo aspirar a assenhorear-me um dia do seu coração. Alongou-se muito , justificando que era insensato,
agindo assim e que só aspirava ao afecto de pai.

A mão de fada, que eu adorava, não teve rebuço em lançar no papel as palavras homicidas, para que os meus olhos, alagados em pranto, enxergassem ali o espectro da morte

Não será infeliz quem se vê postergado, escarnecido e ludibriado no que tem de mais nobre — o afecto sincero de um peito em chama?!


*****

Esquecer? Tentá-lo alguma vez afigura-se impossível. No entanto, para reaizar o que ela escreveu, só esquecendo-a. Não posso
amá-la como pretende senão matando-a, em meu pensamento. Desta maneira, lograria depois votar-lhe estima, de natureza paterna.
Seria exequível o dito plano? Respondo que não. Também não é possível o esquecimento. Como?! Esquecer?! Olvidar, alguma vez, a luz dos meus olhos? A alegria perene da minha vida?!
O encanto dos meus dias?! Deixar de ter presente, um momento que fosse, quem a toda a hora me está lembrando?! Mas ela pediu!
Impossível! Quanto mais esforço em tal sentido, mais presente se torna em meu pensamento.

Ao enxergá-la, entristecia-me qual cego, de Inverno que, pressentindo, ao longe. o calor e o brilho do Sol amigo, experimenta alegria, sendo esta envolta em imensa tristeza.!

Não poder usufruir, de maneira perpétua, um bem incomparável, que outros desfrutam ou que já foi seu, pelo menos em sonho…,
Deixando, pois, de a trazer â lembrança, levaria a efeito o que ela insinuara.
Só deste modo haveria bom êxito mas, por ser impossível, mais ela me lembra: mais presente se torna.

A letra do fado que diz assim: " Corri atrás duma ilusão "assenta-me bem. Se estivesse em meu poder o agir eficiente, contra o impossível! Nisso, porém. não tenho voz! As coisas são o que são.

Certamente, não, o que desejaríamos que elas fossem, de facto.



Dominado e vencido por esta paixão, que me roubava a saúde, o alento e a calma, para enfrentar os graves problemas da vida presente, caminhei aturdldo, por longo tempo; estive de cama; afligi os meus que,não sabendo a causa da minha prostração, mais e mais se consternavam.

Pensei até em pôr termo à vida. Vieram-me à ideia coisas de aterrar; chorei por noites em que devia dormir; tratei grosseiramente pessoas dedicadas; andei vagueando, por montes e vales, julgando, em erro. que a minha solidão traria algum alívio à cruz da amargura. .
Tudo foi vão e mal empregado.
Odiá-la um dia, fossem quais fossem as razões que me levassem?!
!Não pude continuar junto do Cruzeiro.
Neste comenos, lampejou uma ideia que sempre me acompanha e, tantas vezes, faz de mim um crédulo: se ela aqui estivesse, talvez o teu canto, ave queixosa e amiga das trevas, revelasse uma beleza, capaz de arrebatar almas enamoradas!

*****

Como estás vendo, Maria Florinda, tudo à minha volta, me fala de ti:
se emprestasses ao feio tua mesma beleza , transformava-se o mundo, como por encanto, dando-me a impressão de que o Éden famoso, habitado por Adão e sua companheira, reviveria decerto, para tornar-me feliz.
Muito mais ainda eu tenho que dizer, mas não quero abusar de quem é, na verdade, a vida pujante que me sustenta.
Diz sempre que és minha.
Que a tua existência contribua somente para criar um mundo
belo, em que eu te renda culto e me sinta feliz.

******

Florinda não desarma e atira-me ao rosto com a palavra
"dever"
O meu dever? Não me lembra,não,de haver sido criminoso ou
pensar alguma vez em danos alheios, fugindo espavorido, ante os
efeitos!
Crime, julgo eu, será iludir. Eu não o fiz! É vil danificar,
fugindo em seguida. Eu estava resolvido a nunca me afastar.

Crime,a rigor, seria mentir,fingindo amor, afim de conseguir objectivos suspeitos. Nunca,porém, alberguei no peito sentimento injusto ou vontade abusiva. Devaneios e loucura, arrebatamento,
sensações que alheiam…embriaguez que transforma! Isso sim!.

Não tinha coragem! Se não pudera esquecê-la! Antes recrescera o afecto que lhe votava, como seria exequível odiá-la alguma vez?!, Por sentir no peito um afecto acrisolado, tentava efectuar o que ela
pretendia.
Desta maneira, dava-lhe gosto, embora me custasse a própria vida.
Pode alguém odiar a sua pessoa?! Ninguém. Pois se isto é verdade, não é menos certo que eu, a rigor, a amava ainda mais. Se eu, realmente, não queria dizer-lhe fosse o que fosse. para a não entristecer!Se preferia andar triste e morrer de paixão, a tornar mais sombria a existência cara de quem amava!

Odiar?! Viver triste, a sós com a dor… isso faria, para a não contristar. Arriscar a minha vida, para ela ser ditosa, era bem capaz!
Somente num caso a viria a odiar: se tal sentimento a fizesse ditosa.
Talvez fosse este um meio excelente! Quem sabe? Pois se ela corrigiu a minha atitude, por modo tão cruel e deveras sacudido, é porque isso a molestava.Só odiando a pessoa, realizaria talvez o que ela deseja
Exequível? De modo nenhum! Irrealizável, isso é exacto.

*****

Dois impossíveis já encontrei, para fazer com eles o meu calvário.
Sofrer por quem amo, sem retribuição, é qual inferno que origina a morte.
Relatar a minha vida não posso também, porque já não é de molde
a tornar venturosa aquela que eu amava e…
Tempos houve. na verdade, em que, abrindo a minha alma, levava consolo a quem adorava. Hoje, porém. se fizesse a mesma coisa, apenas tristeza iria ocasionar.
Depara-se já outro grande impossível do meu calvário.
Esquecimento! Ódio! Confidências! Eis aí três cordas que vibram forte na, lira do meu peito. A singular melodia que elas desferem é
agri-doce, pois gera no seio perpétua lembrança… inferno sem fim.


******
..
Será seu desejo passar os olhos por estas páginas, tão dolorosas?! Verdadeiras são elas, não haja dúvida! É capaz de o fazer!.
Eu, contudo, só contrariado vou permiti-lo.
Falta de confiança? Nada! Receio de torturar quem eu não quero, por modo nenhum, ver angustiada,

Entretanto, se isto for lido, por quem o motivou , uma só coisa vai denunciar: martírio permanente que leva à destruição, mas é estimado pela origem que tem.
Sofrer! Esta palavra somente de ouvi-la, origina calafrios!
Que não será viver. em toda a extensão, o próprio sofrimento! Será possível ainda traduzi-lo em palavras? Não creio tal! Mergulha tão fundo na alma humana, … desce tão veloz ao íntimo peito, que não há exprimi-lo, por meio da linguagem!

E quando o tormento se exprime verbalmente, sendo aguentado somente por um?! Oh! Então essa dor é já inexprimível! Tudo,neste caso, se faz doloroso.

Eu, na verdade, estou desamparado e muito sozinho! Era perigoso que o não estivesse: levaria dano a quem eu não desejo!
Por companheira tenho a solidão, em que vivo mergulhado. Se eu advertir que esta é muda, inerte e estúpida, se não brutal, afirmo, sem delongas que o tormento recrudesce.

Um fardo enorme, partilhado por dois, reduz-e a metade. Mas, se acresce o receio de alguém ajudar, por mera compaixão, o peso aumenta. E se, além disto ,se apercebe, alguma vez, de que esse alguém ignora a causa e não tenta descobri-la, é o cúmulo da dor!

Desconfiança? Não! Simples cuidado, para que só um seja desditoso. A outra parte só pode ajudar, se corresponder, pois é deste modo que revela simpatia, no tocante ao sofrimento da pessoa amada.



Desde que li a missiva fatal,nem um só momento eu vivi jamais, que fosse deleitoso! Oh! Passado tão belo que morreste num ai , sem esperança de fácil retorno!
Para que estou, afinal, evocando-te agora?! Para torturar, ainda muito mais o aguilhão da saudade?


O PRESENTE


As seis cordas da lira que faziam outrora o enlevo da minha alma, levando-a a esquecer as agruras da vida, vibram debilmente, mas a sua melodia gera fundos ais, no meu coração.
Desfaleço e temo, encarando o presente. quando em pormenor!

Surpreende tal facto? Alguém sente gozo a mirar destroços?! Que é o que me circunda, a não ser a ruína ?! Que mostra ela senão miséria, destruição e morte?! Quanto mais sorridente foi o meu passado, mais angustioso se volve o presente. Que profunda sensação vem gerar o paralelo!

Fui ditoso, sim: hoje, por meu mal, sou infeliz, não havendo remédio para esta mazela.
Podia alguém supor quão velozes e falsos eram os momentos que me enchiam de gozo?! Primeiro, vida a jorros; depois, morte instantânea!.
Agora, permaneço angustiado, qual mareante, saído, finalmente, de triste naufrágio, a firmar-se, com ânsia nos medonhos recifes , enquanto olha melancólico para os destroços e vastas ruínas de vendaval furioso!.

Figuro,de igual modo, largo cemitério, onde eu absorto e embrenhado já, em mil pensamentos, envolto em sombra densa, estou desfiando o rosário longo das minhas provações e as de todos aqueles que renderam a alma a seu Criador.
Cemitério, ruínas, destroços, olvido! Morte, agonia, eternidade!

Perante o quadro, eu só, qual espectro, em noite de breu, conservo-me erecto,de rosto pálido, sem alento já, para lembrar a triste Odisseia, vivendo intensamente os dramas próprios e associando-me também às dores alheias.
Viver deste modo é seguir a passos largos para o não ser.
Assim foi decidido por quem achou bem que eu fosse infeliz.

,
O FUTURO

O meu porvir há-de ser, por força, efeito do presente.
Neste caso, é inamovível e, portanto, já fixo o rumo dos sucessos.

Quem determinou a corrente do mal? Exactamente quem eu menos esperava. A sentença de morte foi lavrada por mão que eu, tantas vezes, quase arrebatado, fixara longamente.

Quem diria , nesse tempo, que as horas de ventura não só iam acabar mas também se voltariam em dias de tormento! Sim! Não era de prever.
Contudo, menos ainda que a minha felicidade fosse logo cerceada
por quem eu elegera, entre muitas donzelas.
O futuro vai ser negro, cruel e assassino como é o presente.

Acresce uma agravante: será inda mais farto em mágoas bem fundas , uma vez que, às presentes hão-de ir juntar-se as que o tempo reserva..
A lembrança do que foi, a saudade pungente, o viver solitário,
a fuga da sociedade, o recalcar permanente de uma atitude infeliz,
que não teve aceitação, vão decerto provocar o meu grande infortúnio. Triste sina a minha!
Neste passo, vem â baila uma ideia: o facto de o meu destino haver sido traçado pela mão de quem foi, irá dar-me algum alívio. A sentença de morte não foi decerto lavrada por quem eu amava?! Haverei na morte secreto prazer?!

Estarei desatinado, ao falar deste modo?! Entretanto, razão haverá
para a minha conjectura .Receber, em pessoa, a taça de veneno que mão, julgada amiga, veio proporcionar-me, deve causar um certo prazer!
Será esta a recompensa do grande calvário a que vou subindo, após a leitura da infeliz missiva?!
Em caso afirmativo, bem desvaliosa é tal recompensa! Em caso
negativo,resta somente dor e aflição.

Eis a herança fatal dos que foram desditosos no amor recusado. Entretanto,pode suceder que o mesmo sofrimento vá endurecendo os contornos do peito. Se isto acontecer,reservado terei algum lenitivo. Todavia, o que eu entrevejo é, sim, avolumar-se: não decrescer!
Os anos vindouros trarão consigo luzido cortejo de amargura e desgraças, para clamarem forte que sou infeliz!


*****

Decorrido longo tempo, recebo a visita de um amigo fiel, que
me encontrou absorto, meditando, a fundo,em bela tardinha.
Estranhando a atitude e mais, por ventura, o estado precário da minha saúde, fica horrorizado, não tendo coragem de formular algumas perguntas.
Apercebendo-me então do caso lastimoso, apressei-me, nessa hora, a dar ali mesmo, explicação bastante para os factos em causa, o que expressei, da seguinta maneira:

— Olha,meu amigo, já fui feliz; hoje, porém, sou desgraçado. Não querendo, afinal. jogar a minha vida, esta me acabrunha, matando-me aos poucos!

E TUDO O VENTO LEVOU!

Horas de ventura e grato prazer, onde morais vós, que chega a meus ouvidos ténue murmúrio, ciciando realidades que já me deleitaram?! Momentos gozosos, para onde fugistes que não me passou despercebida a fuga intempestiva?! Não sabeis que, ao passardes, ficou a envolver-me o aroma inebriante que vós irradiastes?!
Dias saudosos cuja lembrança amargura a minha alma,dizei-me, por favor, onde agora morais,que me sinto breve desfalecer, quando penso em vós! Meses tão belos, de sonhos rosados por que é que vos afastastes, no momento exacto em que menos prescindia da vossa presença?! Amorosos tempos de grata ilusão, voltai de novo e fazei-me reviver!

*****

Pelo correio chegaram novidades:mais uma página do seu
Diário
Debrucei-me ansioso, sobre o conteúdo, mas tinha receio de entender cabalmente. Mais que verdade! Estava ao sabor de uma onda furiosa que havia de impelir-me não sabia para onde.
Opor resistência? Como?! Não era impotente, para sofreá-la?!
Demais, perdi a coragem, ao saber da verdade. Nada mais havia que deixar-me arrastar, ficando à mercê da cruel realidade.

Desde aquela hora, tornei-me, decerto, mais infeliz.Baixara a noite sobre a existência! Jamais raiaria o lume da esperança: terminara o sonho, perante a realidade. Oh! E como era amarga! Imaginaria, acaso, que seria iludido, em assuntos de amor?!

A verdade pura é que mais se adensava a treva da minha alma,não havendo já resquícios da bela esperança!
Até onde leva sanha e malvadez! Ignoro, de pronto, mas conjecturo não haverá obstáculos, razão pela qual há-de ser tremendo o seu actuar!

RAZÃO E CORAÇÃO???????????????????????????????

Eis forças contrárias que, descendo à liça, produzem a morte. A primeira esclarece, impõe e grita que a via legal, é por um lado; a segunda geme e protesta, recusando obediência, para atirar-se de chofre, a favor do coração.
Qual dentre elas é que traz a ventura? Não sei. O que posso afirmar é que, no meu caso, a primeira citada conduz-me à desgraça.

Razão! Bem te ouço os protestos! Mas ai de mim! Assim que o teu primado se impôs a meu ser, jamais, em vida minha, eu tive, um momento de felicidade! Noites e dias passam agitados, subindo de ponto a acção perturbadora.
Até quando, ó Deus, se manterá em mim o conflito de morte?!


PARAÍSO PERDIDO


Um bem qualquer só é apreciado, quando o perdemos. Enquanto se goza, não lembra a ninguém que um dia virá, em que tal mimo deixará de existir. Interna-se a pessoa no castelo dourado, julgando erradamente não haver aí forças que possam destruir a sua fortaleza! É tudo sonho, Que orbes de magia!

Quantos castelos, erguidos no ar! Quantas horas seguidas, bem deliciosas! Que momentos gratos e inolvidáveis! Chegada,porém a hora fatal, a ventura escoa-se ,para substituí-la a negra dor!

Adão e Eva, uma vez expulsos do Paraíso Terrestre, lembrando, a propósito, o que haviam perdido e assim a causa do facto lastimoso, fizeram chorando sulcos no rosto,
Ainda assim, ganharam prestes outro Paraíso, visto que Deus remediou, soberbamente, o desarranjo havido.

O meu paraíso, esse perdeu-se ,irremediavelmente.
Vaguearei solitário, pelo mundo além, até que chegue a treva, para envolver-me, de maneira piedosa.. , ,, ,

Queixar-me dela? Para quê?! O culpado fui eu. Deixei arder em mim a chama escaldante que não era autorizada! Culpar a quem?! Escrever para quê?!Um fim apenas: quando estas linhas chegarem aos leitores, ficarão sabebdo que há mais um infeliz, para juntarem a outros muitos.
*****

São 9 horas. Não sei definir o que sinto em mim. Ainda bem que não ouço agora o relógio da igreja, porque o seu martelar baixa a meu peito, como dobre a finados.

E havia de ser cruel a agonia causada pelo agudo ressoar, Mas porque é que não ouço a voz do relógio? Se todas as janelas e portas igualmente foram cerradas!...

Até aqui, o meu mundo adorado ia mais além do que o exíguo quarto. Agora, porém. estou condenado a esta prisão!

Era somente um ponto do Universo, lá no exterior, mas a sua vista fazia remoçar, gerando no peito sentimentos fagueiros que infundiam em mim vigor e confiança. Tudo,porém, acabou de vez!

Hoje, precisamente, baixou à tumba o Capitão F. Se praticou a virtude, já tem o prémio e descansa em paz.

Queria também eu, por maneira igual, descansar em paz, no silêncio do túmulo, enquanto a minha alma pairasse feliz, num ambiente de gozo, vendo-me livre de quezílias e torturas que me apoquentam, em sumo grau.

É já tão restrito o mundo que amo!
Há, certamente, quem precise de mim.
Se não fora isto, desejaria partir para um mundo melhor.

É tão denso o nevoeiro que rodeia o meu viver! Que pode prender-me, aqui na Terra?!
Tenho a impressão de encontrar-me envolvido em rede gigante,de malhas apertadas que me oprimem e confrangem. Julgo ainda que uma prensa colossal me aperta e esmaga ,sem eu dar o sim, fazendo por isso estalar-me os ossos, distender os nervos, dilacerar as carnes.
É isto que eu sinto, prevendo já um caso bem trágico. Deus permita e ordene que a luz do novo dia espancando as trevas que se adensam na Terra, venha meiga e benigna lançar claridade no espesso nevoeiro que me cerca e aflige-

Era meu desejo percorrer as tendas que já estadeiam seus belos artigos, no Grande Largo. Não vou. Para quê?! Não disse eu há pouco ser a minha existência como a dos mortos?! Haviam de estranhar, se me achasse entre eles!,E com razão!
Mofariam de mim, podendo vaiar-me, com impiedade! Assistia-lhes direito.
Quem me levaria a trilhar ousado seus rectos caminhos?! Para que me afoitava a seguir os seus passos?!
Seria bem estranho ficar junto deles! Ridicularizavam-me, com toda a razão!
Devo ficar no mundo obscuro… respirar o ambiente do anonimato, …jazer no abismo do triste abandono. pois só aí me compete morar. Não violentarei o meu destino cruel, . Vou cobrar resignação, muito embora eu saiba que a morte iminente fará seu mister.

Viverei sozinho, na obscuridade, a dor que me avassala. Ninguém o sabe? Basta, na verdade, que Deus e eu saibamos do caso. É preciso e urgente que o meu coração ande triturado, em desconto de faltas que o passado regista. Parece-me, às vezes, que foram graves . No entanto, Deus é quem julga. Por isso, venha o sofrimento, reparador e expiatório.

Ninguém saberá o que vai no meu peito. O sofrimento. quando acolhido, com resignação e como oferta ao Senhor, é moeda preciosa que obtém, por troca, a eterna salvação.

Terei eu ânimo para o fazer?! Sozinho, não, Deus ajudará,
por mera bondade que eu não mereço.
Poderei,no entanto, culpar alguém do estado em que vivi?

Julguei-o de início, mas depois reflectibdo melhor, deduzi ser eu o culpado verdadeiro. Irei ter com a pessoa que se julga ofendida: pedir-lhe-ei desculpa e, depois de a ter ouvido, recolherei ao silêncio.para assim me consumir.

Expor-lhe-ei que não houve intenção de ferir ou desgostar e que, .em razão disso, mereço desculpa. Se não me escutar,dobrado será então meu grande tormento.
Atendido que seja meu rogo veemente, ficarei aliviado. embora não feliz,o que levará, em casos futuros, a que proceda na vida como se , realmente, nunca houvesse, de facto, entendimento, espontâneo, amigável.
Apresentarei desculpas mil, rogando insistente me trate, a rigor, como um estranho, tentando resignar-me com tal decisão.
Para quê aferrar-me ao que preza o mundo?! Delicados e ténues são estes laços que me prendem à vida. Aguentarão eles
o esforço requerido?! Serei eu capaz de assim proceder?!

Declaro e creio que vou sangrar, abundantemente. Não serei capaz de suportar a angústia. lembrando-me,porém. de que eu somente é que fui culpado, hei-de forcejar por sair vencedor. Tendo bom sucesso, morrerei satisfeito.

MANHÃ.


Feira anual, aqui em Monte Branco. Nunca, porém, tão pouco vibrei.
Logo de manhã, assomo à varanda que olha da fachada para o Grande Largo, onde se ergue um belo monumento.

Algibebes e ourives, bufarinheiros, latoeiros e louceiros agem activamente, a dispor seus artigos, chamando a atenção dos compradores.
Ignoro porquê, mas não achei graça ao quadro material, e a
Feira de Abril apresentou-me aspectos de cena confusa.

As caras novas pareciam ostentar supremo desdém por quanto as cercava, Uns estavam rindo, sem saber porquê; outros, porém, na minha estimativa, figuravam sonâmbulos ,fazendo um papel,
sem arte nem cor!
Voltei, seguidamente, os meus olhos para o alto, esperando então que o Sol me valesse, já que na Terra pessoas e coisas…
tudo conspirava contra a minha alegria.

As mesmas árvores, que agora sorriam, nas galas primaveris, se mostravam sorumbáticas e algo inquietas. O próprio Sol, de feio cariz, mostrava semblante assaz anuviado.

O formoso esplendor por que são conhecidos os dias primaveris, não os pude enxergar, nesta ingrata manhã, de funda amargura.

Um quarto somente… são 16 horas! Sinto calor: há-de ser febre!
Estou agitado e nada me cativa. Uma volta pela Feira aliviava o espírito, Distraía um pouco, afugentando ideias más. E tomar resoluções?! Esse é o caso! Faria o quê?! Se a nada acho graça!
Tudo me enoja e aborrece!

Apetecia-me agora fugir desatinado, às sete partidas, para não respirar estes ares sufocantes, que me estão oprimindo.
Se alguém me chamasse, talvez eu…Isto somente, para comprazer! Cá por mim nem um passo dou!

É a segunda vez que tal me acontece,
Encontrarei, na verdade, ambiente mais leve? É grande e urgente a minha precisão. Estes ares intoxicam-me! Como suportá-los?!

Trarão, de mistura, ingredientes maléficos?.Até me convenço de que eles,às vezes, produzem intermitências no seio do peito!

Este desalento amplia, decerto,o meu grande sofrer!. Ainda faltam dois meses, para me furtar a estes céus!

Eu que, no passado, ansiava enormemente por fixar a paisagem…
beber estas águas, ser acariciado por este Sol, tão maravilhoso!
Alterou-se, realmente, aquilo que me rodeia ou fui eu que mudei?!

A resposta certa não cabe a mim dá-la, que não tenho cabeça, para fazê-lo agora! Anda aturdida! Só desejo esconder-me…furtar-me para sempre â vista de todos… abandonar o convívio. Pois não é este que, tantas vezes, envenena a existêmcia?!
Lembremos o passado que é mais deleitoso e me faz sonhar, ainda acordado!

MOMTE BRANCO

" Conforme!
Não julgava, até agora, fosse um termo fatídico, na Língua Portuguesa! Pensava, até à data, ser um de três letras o mais desagradável, mas enganei-me! .

" Não" é violento, brutal e agreste, lá isso é! Entretanto, ele opera sempre à guisa de machado: investe logo, decepa e mata.
Depois disto, que mais a esperar?! A questão, de momento, é posta de parte,não voltando mais a inquietar o espírito..

Não sucede a mesma coisa, ao tratar-se de "conforme"
Palavra infernal, assassina da ilusão que me trazia embalado!

Sentia-me feliz, vivendo assim! Tu, porém, baixaste a meu peito, com sanha malvada e fizeste ruir o palácio encantado em que me alojara, havia ,muito tempo. As tuas 8 letras foram hoje bem tiranas para o meu coração!
Odeio-te, sim, palavre maldita, cruel assassina do meu viver, ,coveira infernal da minha paz, algoz da minha vida, já tão amargurada!
Se eu pudesse, faria te riscassem do vocabulário, já que destilas veneno mortal, em peitos amorosos, cujo crime ´é dar-se.

Cada uma de tuas letras afigura-se um espinho.que a todo momento se está embrenhando em meu coração. Não posso enxergar-te, satânica palavra, pois vieste sufocar quanto me sustinha, na vida madrasta!.
"Conforme!"
Estás ainda soando, por modo funéreo, em meus débeis ouvidos que já não uso, a rigor,senão para auscultar, o horrífico som que se desprende de ti! Se eu pudera reduzir~te a menos de nada, fá-lo-ia sem demora, que me roubaste impiedosa o que tinha de mais caro!
Conforme!
Dobre a finados que oprime a existência, preparando, desde logo, o crepúsculo sombrio que há-de enoitar-me a vida amargurada, empeçonhar a dura morte e criar desdita na vida futura. Eu tremo a fundo, só de pensá-lol!
Conforme!
Lança de fogo, que rasgas breve os seios da alma, sem contemplação pela dor intraduzível, em que agora mergulho.
Conforme!
Beco pedregoso, em que vou tropeçando, momento a momento, e a que não posso furtar-me, embora o deseje!
Conforme!
Fio enodoado, longo e sem fim, de incomparável dureza que,no teu balançar,agravas o estertor, doloroso e prolongado, de uma vida amargurante, ditosa no passado!
Conforme!
Revólver assassino, de balas ervadas que, a pouco e pouco se cravam no peito, onde já morreu sossego e ventura!
Conforme!
Fantasma arrepiante que giras nauseabundo, à volta de mim, de fauces hiantes, para devorar-me!
Conforme!
Agonia sem fim que hoje teve início,não sabendo
até quando se irá prolongar!
Conforme!
Labareda potente de mil raios fulgurantes que já me estão queimando as entranhas da alma, cujas ruínas são irreparáveis
Conforme!
Veneno subtil, derramando-se agora pelas minhas veias e ferindo o peito que vivia embalado por fagueira esperança!
Conforme!
Negra baba asquerosa, emanada, em hora má, de
réptll nojento, a ser transmitida por quem é e será sempre tão querido para mim!
Conforme!
Lava escaldante que me atingiste, de pronto, nos caminhos da vida, indo eu sem saber, ao encontro de ti!
Conforme!
Trissílabo de morte, a ressoar no meu peito, aonde
foste gerar, para todo o sempre, infelicidade e funda amargura!
Conforme!
Palavra espinhosa, atirada por lábios que eram meigos e leais!
Conforme!
Tormento da vida e causa prematura de horrendo
extermínio
****

Porque sinto no peito um fogo devorador que a tudo me leva é que entendo, a rigor, o sentido reticente da palavra "conforme"

Tinha já notado haver passos de recuo na senda trilhada. A confirmação chegou prestesmente. Fui.uma vez mais, iludido e enganado pela minha cegueira. Deixá-lo! Terei eu coragem para sofrer? Não sei, não!

A ferida é tão funda! Brota dali tanto sangue generoso! Quanto maior o amor, tanto maior a dor! ignoro, de momento,, aonde levará. tão funda paixão! Repito: não posso compreender atitudes assimI
Ó tu, belo Amor, cujos ditos fagueiros incendeiam para logo o
meu peito inflamável, originando piedade, ternura e compaixão, como ousaste proferir o termo "conforme?!"

Ele deixa perceber que houve.no passado, algo censurável. quando na verdade, nada houve, entre nós, que assim deva nomear-se. É também denunciadora de que eu exorbitei, ao pedir alguma coisa …

Ficaria revoltado contra a minha pessoa, havendo feito isso! Por ti daria tudo: estaria disposto ao maior sacrifício. Não haveria barreiras que pudessem conter-me, para não ir, mundo fora,
buscar-te refrigério.
A vida que eu vivo é mais tua que minha. Só me encontro bem ,juntinho a ti.
Sofro enormemente, quando te não vejo e retribuis tu, de maneira cruel?! Não foste sincera, alegando a causa da tua hesitação!
É que já de outra vez, eu mesmo o notara, respondeste abruptamente, que de nada te importavas. Assim, realmente, não posso acreditar! Se soubesses, a valer, o grande mal que me fazes!

Sou levado a pensar que não me compreendes! Em boa verdade, se fora de outro modo, tão bondoso como é teu nobre coração, não ia permitir que eu ficasse horrorizado e cheio de angústia.

PODE SER!

Esta expressão que veio no remate, acabou de matar a débil esperança que restava ainda. Tu, meu Amor, por quem tanto sofri. permitiste impensada, qe dos lábios te saísse a minguada expressão que não passa afinal, de vago bem-querer, um tanto compassivo!.
Assim, não aceito! Oh! Não…não quero! Não gosto de esmolas! Não prezo migalhas, lançadas a custo, para afastar, sem demora, importunos, indiscretos! Antes a morte, cem mil e mais vezes que
receber de ti esmola como esta.
Deleita-me, sim, o que é dado prontamente, e feito ainda, com alegria. O coração põe-se outro, nadando breve em mar de rosas..

Entretanto, sou capaz de perdoar-te o mal que me fazes e
brindar, uma vez mais, peia tua ventura.


MONTE BRANCO


Acordei hoje às três da manhã, o que foi surpresa e alto espanto, de não ser habitual , no dia-a-dia. Os casos da véspera respondem, certamente, pelo sucedido. Entretanto, já houve mudança, no meu espírito,. Conselhos talvez do meu travesseiro?

Seja que não seja! Estou mais calmo e bem disposto,,chegando à conclusão de que, por vezes, não sei lidar com certas pessoas. Pela falta de senso ou fraca habilidade, crio situações que não posso aguentar. É, portanto, de justiça que eu expie a minha culpa.

Para que tento impor a minha vontade?!.Nem sequer imaginá-lo! Tanto mais isto é verdade, que não é reconhecido o pretenso direito. Devia sabê-lo!.Aprendi-o tarde e bem à minha custa. Que a
lição me aproveite. Mas é tão duro viver deste modo!

Sou injusto e parvo, pretendendo leviano que os outros adivinhem o meu pensamento e com ele se conformem!Cada um de nós é senhor de si mesmo e das suas acções!

Verdade seja que eu andava acorrentado, à maneira de sonâmbulo, fazendo tudo o que me fosse pedido. Mero rogo teu era para mim qual imposição. Julgava que, por isso, também sobre os outros devia impender a mesma obrigação. Agora, tardiamente,
já sei que não.
.
****

Já sinto. à data,percorrer o meu corpo vida renovada. a que não é estranha a leitura profícua da tua cartinha
Não posso, não, ficar insensível a queixumes e lágrimas, pois sofrendo tu, participo também na mesma dor. É claro sinal de não haver duas vidas, mas uma somente. De tal maneira elas se integram!
Gostei de conhecer o rosário longo das tuas mágoas, em
linguagem mimosa, altamente vibrante. Considero as tuas coisas
já pertença minha: os próprios lugares, por onde tu passas, julgo me pertencem, de modo igual. Como foi dado lograres tal domínio sobre mim próprio?!
Que foi que destilaste no meu coração, para todo se abrasar, por causa de ti?! Quisesse eu odiar-te, não era capaz! Mas que digo
eu?! Odeio, sim, a palavra "odiar", significando algo, adverso a ti.

De notar, para já que, se ando melancólico ou me vês acabrunhado,
não é, realmente, por querer-te menos! Estou em julgar que se ateia mais e mais o incêndio que alastra e já me devora.

Escrevo, de momento, algo insatisfeito. Falta alguma coisa que não posso dispensar: noto em meu peito um vácuo imenso. Não é fácil tarefa preenchê-lo agora.

Quanto mais luto mais ele me tortura. É qual abismo em que fico
submerso: eu e quanto me cerca. Não disse bem. Esta ânsia veemente que me devora, tem fácil diagnóstico.
Pensas talvez que foram doutores ou mestres eminentes que mo apontaram?! Julgas, por ventura, que o tirei de livros, escritos embora por homens ilustres, na Ciência de Galeno?! Suporás até que o fui perguntar em recanto ignorado?! Talvez não…

Adivinhaste. O único entendido, neste mal acabrunhante, és tu somente! São os teus olhos, o teu rosto formoso,o teu mágico andar; o teu sorriso meigo; são os teus cabelos; tua voz feiticeira; os teus passos leves, que eu pressinto, de longe; é, numa palavra, teu bom coração.
Gostava imenso de confundir-me contigo, penetrar em teu seio e viver ali, quentinho e feliz, ao ritmo suave e reconfortante
do teu corção. Querias-me lá?
Quem houvera poder tal, que permitisse imergir no lago tranquílo de teus olhos leais!.
Descansaria ,afinal, em grato convívio e, possuindo-te, ficaria saciado.
Agora, porém, relembro uma coisa em teu desabono. Ontem, vieram dizer-me que passas o tempo , namorando na Colina.

Afligi-me um tanto,não por ser verdade, que o não acredito, mas pelo intento em difamar-te, perante mim.

Haverá, neste mundo, pessoas tão perversas a quem tentem
mexericos e nojento vasculhar de vidas alheias?! A inveja e o ciúme, o despeito viperino e o desejo inquietante de fazer mal, a tudo levarão .
Fica sossegada, porque eu não preciso que desmintas isso
Não! Antecipando-me, já o disse por ti.É de notar, apesar
de tudo,que me alvejam cruelmente, ao falarem de ti. Por via de regra,fico silencioso, insinuando assim que dou o meu acordo. Como se enganam!

A minha aspiração é tornar-te feliz, custe-me embora bastante sacrifício. O que é feito de gosto nunca magoa nem faz doer. Há felicidade, na própria dor, sabendo previamente que alguém muito amado irá beneficiar.

É assim que eu vivo: em perpétuo sonhar. Até quando durará este embalo suave e reconfortante que me faz desejar vida prolongada?

Oxalá o seu termo seja tão remoto como os últimos confins do mundo habitado. Desta maneira jamais envelhecia o meu coração.
Desejaria amar como os Anjos do Céu, mas isso não o logro, embora porfie, lutando sempre. Apesar de tudo, forcejo por imitar, no que seja possível.
P S .
Por uma razão que tu bem conheces, hoje exactamente fiquei decepcionado! Bastante me custou, mas paciência! Quando tal sucede, ando agitado e assaz diferente.

À falta do "necessário", fico rude no trato e dou mais que fazer a quem lida comigo. É preocupante o meu estado pricológico, em tais circunstâncias, Não sei até se dormirei tranquílo Era o caso de suporem que houvesse perpetrado um crime nefando!.

Nada disso! O que é sei-o eu e… pouco mais! Chega bem. Queria, no entanto, que isto se evitasse, porque, a meu respeito, é quase opressão. Falta-me o ar, torno-me enfadonho para o semelhante, não descanso que me preste…tudo me borrece!

Não tiveste culpa mas, apesar disso, és tu, na verdade, quem há-de expiar as culpas dos outros. Prepara-te já para tal missão. És generosa para essa função ou, pelo contrário, não estás disposta?

Sabes uma coisa? Já outra vez me falaram de ti, Não sei com que fim ! Bom? Tenho para mim que não seria.
Aqui tens as palavras que então ouvi: — A Maria Florinda passa o tempo na Colina, a namorar com o Jorge Panarra!

Seria desejo de fazerem bem? Terão acaso em vista fazer-te perder, no meu conceito? Que pensas disto?
Eu digo apenas que te quero tanto como se ,na verdade, foras eu
próprio.
. ,MONTE BRANCO

Hoje, transmito impressões,acerca da Cristina de Júlio Dinis, É tão parecido aquele retrato, que chego a pensar que ele te viu , observando em pormenor. Não pensas o mesmo, a tal respeito?

Era como o teu um coração bondoso,uma
alma eleita que devorava, em silêncio, a dor e o martírio.
Quanto sofria a pobre Cristina! Simpatizo imenso com esta figura
Não é só pelo símele. Há outra razão: sofrer ela,afinal, mais que ninguém, por ser timorata e assaz reservada.
Relatando os problemas a pessoa dedicada, minorava imenso a angústia de alma.

Espírito eleito era ele, por certo, Aparecem. às vezes Anjos humanos, afim de que a vida não seja tão dura para os outros mortais.
Quanto eu gosto, finalmente, de vê-la expandir-se e dizer sem rebuço o que vivia escondido, no seu interior! Que transformação!

Que tempo havia já, guardando no peito o segredo ardente que a ninguém revelara! Agora, porém, desvenda-o àqueie por quem tanto sofrera — o seu caro Henrique.

É tão belo o amor, quando almas eleitas se entendem a valer!
Nas horas de tristeza, ele gera artimanhas, não podendo tolerar que
o amado sofra.
Quantos sacrifícios! Quantas didligências e alvoroço, pressentindo a dor na pessoa querida! Então, não há meio de ocultar o que vai na alma!

A labareda aviva-se, galga os limites e ei-la qual seta, voando já célere , para denunciar o que havia ocultado, por longo tempo.

****

Pela tua carta, fiquei já sabendo que Jânio Faustino partiu para Além-Mar.
É uma figura deveras agradável a teu querido Vasco, mas tão mal procedi, que não fiz diligências , colhendo informações, acerca do sujeito! Se as obras dele estiverem de harmonia com a sua figura, estou em crer que devem opor-se às do Sancho Pança, do mordaz Cervantes.
Está presente à memória como vou descrevê-lo: corpo adelgaçado; nariz adunco; olhos cinzentos; pescoço de girafa, de cor esbranquiçada, muito própria de alguém, cujo estômago exíguo anda mal confortado.

Era um feitiço aquele pobre diabo!
Pois o chapéu? Imagina. por momentos, que em cima dele caía um torpedo, reduzindo-o logo à figura de uma bola,(ô)

Achatado assim, figura-o então, em leve cabecinha. a servir de cume a um pescoço de girafa. Supõe, além disso, que alguém enervado lhe dava safanões, ora de um lado,ora do outro, reduzindo as abas, a mísero estado.

Tínhamos assim o retrato imperfeito do amigo Faustino, pendurado no chapéu.
Mas é de notar, em abono da verdade, que o amigo em causa senhor do seu papel, tinha um ar aparatoso que às vezes metia dó
ou fazia escancarar as portas do riso ao tipo mais lorpa, dentre os mortais
****

Após a nota cómica, vem a dramática. Ontem, ao jantar, volvi casualmente os olhos deliciados, para as torres esbeltas que surgem altaneiras, por sobre a Colina. Eram 9 horas ou muito próximo.

O Sol amigo preparava-se já para ir de longada.
Ao dar de chofre nos rochedos airosos, um poder misterioso se ocupava traiçoeiro a dilacerar-me as entranhas de alma.

Não sabes, com certeza, o motivo da angústia! Entretanto, como és feiticeira, ( já noutros casos deste provas disso ), fico hesitante.

Aquele Sol moribundo, cor da palidez, denunciador claro de profunda amargura, trouxe-me ao de cima o teu rosto luminoso, quando,por insolência, cá da minha parte, se esbate de tal modo
que chega, por vezes, a perder o brilho. Atentando no facto, sofro com isso, imensamente.

Esta recordação apunhala-me a alma. Mas é razoável que seja assim, para expiar a minha maldade.,
Era meu desejo que nunca se anuviasse o teu rosto belo, devido a razões, por mim originadas.

Tive hoje, precisamente, um desgosto sério, que bastante
me indispôs.. Fiquei enervado, com ânsia de gritar e até recorrer,
a graves medidas, que devia ter usado. A lembrança, porém,de que, vendo-me indisposto, iria assim revolver o teu coração,fez que reagisse contra os meus planos.

À hora que passa, é já muito débil a influência do caso. O que mais me preocupa é a tua paz.Não quero jamais que ela perigue.

Sobretudo, não desejo ser eu a razão do teu sofrer. Oh! sim, quero, a valer, que a minha existência e qualquer de seus aspectos, atenda eficazmente à tua felicidade
Tivesse eu um poder que transformasse o mundo em teu paraíso! Se o não faço por obras, alcanço o mesmo, em desejo embora
. A minha aspiração era apenas esta: que fosses, na verdade, rainha de um império e que, por acto espontâneo, me levasses contigo, afim de bendizer-te, cantar e servir-te. .

****
Ontem, já noite avançada, abeirei-me do Cruzeiro, para entregar-nme a funda reflexão. em coisas íntimas.Lá me ocupei, durante longo tempo, de um assunto momentoso, exclusivo em minha alma.
Quem me visse ali diria talvez que estava sozinho e que enorme desgosto alanceava o meu peito. Enganavam-se em cheio.
Juntinho a mim, diria melhor, dentro de mim próprio, havia alguém querido a fazer-me companhia. Não estava isolado! Encontrava-me, pois, unido a ti, de maneira tal, que fazíamos um só!

Ser-me-á perguntado por que é que não visito lugares concorridos. Dirão até que procedo ao contrário das outras pessoas!

Será como dizem, mas o mundo que eu amo, que me embriaga e toma, de assalto, as regiões do meu espírito, é a grata solidão, onde posso recordar-te, sem haver perigo nem receio algum de agentes indiscretos.

E os outros? Que me importam eles, à hora que passa?! Poderão alguma coisa, sobre a minha vida?! Nada! Zero absoluto! Nem podem, realmente, nem eu aceitaria a sua influência.
Tu somente conseguiste inocular, em meu peito sequioso, o veneno que mata e logo vivifica.

*****

Vá eu ter mão neste fogo intenso que ameaça devorar-me! É tão
fundo como o Mar, tão alto como as estrelas, amplo como o espaço.!
Que posso eu, realmente, contra as estrelas, o espaço e o Mar?! Seja como for, tu para mim és mais que as estrelas; sobrelevas ao Mar; ultrapassas o Universo! Este é grande?

Contudo, não encontro nele o que acho e abunda no teu coração!
Profundo é o Mar, todavia é mais fundo esse lago azulado , em que vogam delirantes, corações que se amam.,
Luminosas, de facto, são as estrelas, mas o teu amor é mil vezes mais ardente que o fogo estelar.

Vai junto do Cruzeiro, onde a horas mortas me absorvo e recolho, em funda meditação. Faz-lhe perguntas, insiste com ele e quanto o rodeia: verás,de imediato como a sua resposta vai ser para ti, não direi revelação, mas algo surpreendente.

Ele já me conhece: aprendeu o meu nome; fixou interessado as letras que o formam ; está senhor absoluto da minha vida inteira e,
se não me engano, ele por si assumiu logo um ar meditabundo, ao
ficar ciente do meu grande cismar.

Pede-lhe então que relate minucioso quanto me ouviu dizer, em linguagem sentida ou galhofeira.
Quando se fatigar. dialoga com os muros que ali o abrigam; os grilos despertos que, pela noite fora, o deleitam e embalam; as aves
nocturnas, que vão ali expandir, em trenos infindos, seu longo penar.
Ouvirás a narrativa, dolorosa e romanesca de uma vida agitada, que já não é minha.
****

Anda em formação um projecto delicado que vai desgostar-te.
Pode ser ainda que nada se efectue, sendo isso, na verdade, aquilo que desejo, com grande veemência.É muito provável que saia brevemente, para só voltar não sei já quando.

A causa do facto não parte de mim nem igualmente de pessoas conhecidas, ligadas ao múnus que estou exercendo.
E fácil encontrá-la, mas dói-me a valer expressar-lhe o nome..
aqui no papel.
A razão por que actuo visa directamente a não causar dano a quem me prejudica.

Se eu cá faltar, já estás de sobreaviso.. De ninguém me despeço nem intento revelar a causa de meus actos. Oxalá, no entanto, que tudo se harmonize, para nada realizar do que tenho em vista.

Já estou bastante preso a lugares deleitosos; a estes livros prestáveis; a vós todos, em geral, que já me apreciais, lidando comigo.! Ao próprio quarto!

Se não me engano, o trinar destes pássaros já me pertence; estas
aves e estas plantas conheço-as já, distintamente.
,E que penso eu, na minha expansão, das colinas suaves…
da relva dos caminhos, do perfume das flores?,
Que saudade imensa estou já sentindo! Mas ai de mim! Eu parto, na verdade, mas não vou todo! Ficará presente o meu coração. Este, realmente, não posso levá-lo! A ti o confio, para o guardares.
Sei que está bem, juntinho do teu, vivendo uma vida que o enche de gozo.
Tenho para mim que o facto melindroso será remediado, sem que eu haja de usar estes meios incómodos. Julgo deste modo, pela simples razão de a minha presença fazer bastante falta, no meio em que vivo. Se assim não fosse!...

****
Ontem, já um tanto escuro, encostado a um pilar do velho Claustro, fui ali surpreendido pelo mais comovente e curioso espectáculo

Olhava eu, bem fixamente, o postigo de uma cela, à espera que um vulto, alquebrado pelos anos, macerado por vigílias e gasto de penitências, viesse arrastando-se, de cans a alvejar no crepúsculo suave, fechar a janela do quarto nordeste.

Perscrutei reflectindo, enquanto esperava. Tudo era silêncio, lá no interior do velho edifício, agora em ruínas.

Queria, na verdade, sentir leves passos; ouvir o murmúrio de ferventes orações, no coro da igreja; ser molestado pelo bater das portas; escutar ali a voz agressiva de um Irmão auxiliar, ecoando no escuro: — Aqui, francamente, não é o seu lugar! Saia já!

Mas nada! Um silêncio de tumba… um acabrunhante e pesado silêncio era o que reinava no dito lugar.
Apoiado já na companheira amiga, a bengala velhinha, tento alguns passos, Sempre o mesmo! Quadro funéreo! Confrangedor!

Olho, em seguida, para outras janelas, fixo bem as portas, vasculhando, em minúcia, o interior do Claustro… apuro o ouvido. Nada ali acho que me fale de vida! Então, senti cá dentro um gelo de morte, que desceu às entranhas da própria alma.

Sempre era verdade que não havia ali ninguém!
Para quê então igreja e convento, janelas e portas, ralos e Claustro, corredores e despensas?!
Estas perguntas fazia a mim próprio, dirigindo os olhos para o lastro de pedra, no chão claustral.

No recinto abandonado, que as arcadas circundam, viceja erva fresca, a espaços molestada pela má vizinhança de agrestes silvas que outra coisa não fazem senão espreguiçar-se, torturando impiedosas a humilde vegetação. Esta sofre resignada um cruento martírio.
Deparou-se-me ainda uma pedra fendida: metade caíra, ao passo que a outra ficara imóvel, no lugar preciso, onde fora colocada, havia 4 séculos.
Vociferei indignado, contra o sacrílego que levara a efeito aquele desacato. Profunda mágoa logo se instalou no meu coração!

Mas, reparando melhor, observo em surpresa que o autor do crime
fora afinal uma raiz de figueira, Em ânsia de vida, constrangera de tal modo o granito jacente, que não pôde resistir.

Fiquei a odiar a agressiva rai!z! Quem é que a mandou ser ali incorrecta?! Ela não sabia que, já antes de si, a pedra lá estava?!

Em seguida, ponho-me a notar a disposição curiosa das mesmas lajes, no belo passeio, de forma quadrangular, que ladeia o Claustro, do qual fazem parte. São elas formadas por três partes apenas: a que fica no meio apresenta um orifício.
Lembrei-me então de interrogar os mortos, para saber algo,
acerca do passado.
****

Não imaginas, querida Florinda, como era magoada a voz dos mortos! A princípio, horrorizou-me e só lentamente é que fui recobrando a serenidade.O que essa voz me revelou! Transmito os queixumes apenas a ti, porque é só para ti que eu vivo, neste mundo.
Aqui tens. pois, as palavras textuais: — Vivo insano que me estás afrontando, foge daqui, pois este lugar, que agora profanas, foi santificado pela presença devota de centenas de Irmãos que levaram santa vida, em colóquios doces com Nosso Senhor.

Não tentes descobrir o passado lastimoso que muito envergonha a tua bela Pátria!
Jazo aqui, há já vários séculos e sinto ainda repulsa e asco por um decreto infame que obrigou,desde logo, a fechar as portas desta casa amiga aos Frades Franciscanos.

Após estes queixumes e doridos lamentos que desceram breve às entranhas da alma, onde ficam guardados, voltemos novamente aos casos a tratar, dando seguimento.

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Tenho a má impressão de que hoje, afinal, é dia de "jejum".
As privações usuais por ele exigidas são boas para a saúde, mas
torna-se mister que essa abstenção parta da vontade.

O que não é feito, espontaneamente, perde o seu valor, se é que não contém uma dose notável de amargo sabor.
Julgo ser este o caso pessoal. Creio, no entanto, que assim devia ser, por motivos estranhos, mas conhecidos de anbos nós.

Acabam de soar as 21 horas, na torre de Monte Branco. Vieram compassadas e bem definidas! Não foram em vão, porque eu acordei como de um sonho. Às vezes, durmo velando. Sempre que uma ideia me absorve inteiramente, alheio-me de tudo e é,realmente, como se o mundo fosse apenas eu.

Debaixo de uma arcada, pertencente ao Claustro, vou agora contemplando as viçosas plantas que se elevam em redor, e entornam pelos ares seu perfume embriagante.
Pena é, de facto, que o mártir do joelho, onde apoio a sebenta, já esteja a queixar-se da imensa tortura a que voto o seu destino.

Aguente! Há coisas importantes a lançar no papel, embora a luz não abunde. É que , de facto, o céu está cinzento, apresentando, a espaços, manchas de azul, um pouco esbatidas.

Não há sopro de vento e, por esta razão, custa já um pouco tolerar o ambiente.
A Lua, ensonada, desponta no céu que está envoado. As plantas, por sua vez, não dão agora sinal de vida. Só as avezinhas, com seus belos gorjeios, emprestam de facto uma nota de vida ao recinto da morte.

Desejava ser ave, para entender seus diálogos vivos, alguns dos quais repassados de alento; outros, ao invés, de infinda tristeza.

Uma dentre elas, há muito porfia,sendo tão magoada a sua expressão, que me está movendo, profundamente. Penetra no seio qual agulha acerada, este piar de agouro, amassado em dor, que parece, às vezes, não ter já fim.

Não sei decifrar os tristes lamentos: esta impotência faz duplicar o meu sofrimento.

Neste comenos, eleva nos ares a voz melodiosa um belo rouxinol, talvez enamorado. Entoa, ,por ventura, canções de amor, para embalar os filhos queridos. É feliz e jovial o cantor da solidão que,
deste modo, alegra a paisagem, infundindo em nós bem-estar e ventura.
Isto leva-me a julgar ser um Anjp do Céu que, tomando a figura da linda avezinha, vem amiúde compensar os Fradinhos
do abandono e olvido a que foram votados.
Estarei enganado? Os acentos maviosos, a cadência perfeita,
a diversidade em temas e jogos musicais…

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Hoje, afinal, acordei muito cedo, porque as aves canoras vieram prazenteiras embalar-me o sono, com belas canções. Foi ao ritmo jovial de mágicos trinados que abri os meus olhos, logo cedinho. É um prazer laborar com alma, após a música!
È meia para as 10.

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Segundo me parece, chegava já bem a dose de amargura. que a palavra "conforme" tinha derramado no meu coração, Mas, contra a expectativa, enganei-me em cheio, sem prever os resultados.

Turvaram-se ao ares, ao ouvir soar a precita palavra: a alegria abandonou-me, extinguindo-se a energia.

Quando se confia, para que são as evasivas? A que propósito vêm
tais subterfúgios?! Como explicar desvios e fugas?! Haverá razão para dizer "conforme"?!

Haverá, sim, reinando a suspeita, mas havendo confiança, total e absoluta, como julgo a minha, não se encontra motivo. É difícil conformar-me com tal situação.

Eu, se me entrego, não o faço a prestações, sendo isto, realmente, que me acicata o peito, ao ver desiludido que a mesmíssima coisa não é feita a mim.!
Donde vem, afinal,este longo calvário? De quem eu mais amo! Daquela, exactamente, por quem eu faria tudo, para torná-la feliz.
Sim,de ti, que me tornas fagueira a vida na Terra, mas vais caldeando, por vários modos, certos passos curiosos da minha existência.
Jamais como hoje senti o desalento! Doutras vezes, invadia-me a tristeza e ficava por ali. Neste dia,porém, à imensa prostração
que me está sacrificando, acresce ainda a mágoa da teres pronunciado uma palavra fatal.
Repetiste-a!
Foram os teus lábios que instilaram o veneno em meu coração. A mesma fonte que me enche de alegria e fundo bem-estar proporcionou-me agora uma bebida letal.

Pesam-me em excesso as pálpebras nos olhos. Não posso com elas!.Falta-me a luz. Eras tu, precisamente, que vinhas iluminar-me: agora, porém, o vocábulo maldito eclipsou o teu rosto. Não é fantasia o que deixo escrito! Verdade pura!

Custou sobremodo acompanhar no livro um passo da Morgadinha:
trocavam-se as letras que julgava executarem uma dança macabra, diante de mim!
Tentei em vão, por meio de fricções, remediar o caso, mas foi inútil,pois nada consegui! Era doloroso o peso do ambiente.que me envolvia. Consultava o relógio, afigurando-se logo que os ponteiros recuavam!
Desejaria a valer que os momentos voassem, para sair dum lugar a que gratas lembranças me prendiam já. Surpreendi-me logo de tal sentir. Eu contra mim?! Que posso fazer?! Contrariar-me?
Destruir o meu ser que é tão susceptível? Aniquilar, de vez, o temperamento que esgota, em breve tempo, milhares de energias?!
Tudo, mas tudo se apresenta nebuloso!

Só tu, realmente, é que podes curar-me! Agora, sinto bem ao vivo a falta imensa que tu me fazes!
Há forças militando, cujo objectivo é só estrangular-me: uma delas impele para ti; outra, ao invés, puxa com violência, para o lado contrário.
Terá bom êxito a primeira aludida? Estaria nisso a minha felicidade. No caso improvável de triunfar a segunda, estou eu bem certo de que então começará o meu longo e duro inferno.

Junto de ti venho agora rogar que não agraves mais esta enorme ferida : por mal cicatrizada, causa mais dor.
A nada mais, se eu bem julgo, atribuo pois, o meu estado, que é lastimoso..
Tu podias, com pouco, fazer mudar tudo, à volta de mim: Bastava quereres.
Não coordeno já minhas pobres ideias, pois se atropelam, na mente confusa, sem que eu, para já, tenha êxito possível.

Servem estes ais, emanados de quem ama, para levar-te a pensar no modo eficaz de sanar os meus males.

Eu sei e admito que não tens em vista magoar-me ou ferir, com teu proceder, mas eu não sou capaz de manter-me calmo, quando algo me aflige, originado por ti.

Se o motivo fosse outro, nada tendo a ver com a tua pessoa, prosseguiria, quase indiferente, a tudo e a todos.

Agora, de chofre, ocorre me outra ideia que, apesar de tudo, é também angustiadora: não tenho o direito de fazer-te sofrer, com as
minhas reacções. Não te importes de mim. Foge! Despreza-me.

Considera-me estranho, desconhecido, qual vagabundo!
Que jus me assiste de martirizar-te? Estou revoltado contra mim
próprio!
Ponho de lado o meu egoísmo e, na adversidade, quero ainda salvar-te.
Afasta-te breve e deixa que eu, por imensa dor, fique destroçado. Pode ser que, deste modo, nem eu venha a sofrer nem
o faça a ti.
Se tivesse partido,no dia exacto que tinha planeado, era bem melhor! Ter-se-ia evitado o que está ocorrendo! Assim, atormento-te e aflijo ainda quem eu não quero.

Digo isto sincero, porque vejo em teu rosto sinais indubitáveis de contrariedade! Esse olhar amortecido… esses gestos retardados,
todo esse conjunto que figura exactamente um corpo humano, quase sem vida, claro está dizendo que fiz sofrer e chorar quem eu muito amo.
Agora, vais dizer que, fugindo de de ti, é que nada te quero!
Disse. não há muito, existirem duas forças que me puxam, denodadas, em sentido oposto. Não te quero mal.

O que não posso, realmente, é com esta vida que me tortura e mói, sem qualquer atenção à dor que me atormenta.. Ando arrastado por uma força oculta, sem ligar ao que passa, em volta de mim!

Existe alguma coisa que assaz me absorve. Entretanto, esta minha absorção faz-se, a rigor, à custa de sangue que já não corre, mas só goteja. Sou levado a crer que não se trata de sangue, mas
apenas de " soro de estanques lágrimas"!

Oh! Quem tivera saído, em risonha madrugada, embalado a primor, na branda viração, ao abrigo dos raios deste Sol criador!
Que falta representa um simples mortal, na Terra dos vivos?! Ele há tantos aí, pelo mundo além!

Afasta-se um deles? Surgem logo dezenas.
Quem fosse levado por atroz furacão, em marcha veloz, através do Universo, para só me largar em rochedo agreste, contra o qual ingloriamente, viesse esfacelar-me!

Virianm abutres, sequiosos de vítimas, cevar em meu corpo seu fómite voraz.

Desta maneira, não ficava sinal do meu viver, neste mundo, nem fazia sofrer as pessoas queridas.
Devia ter saído, renunciando a tudo que me prende aqui, onde trago, há muito, o coração repartido.

E seria capaz? Porque não?! Haverá aí poder maior que a vontade, quando ela quer?! Só a do Céu.

E as minhas recordações? Essas, julgo eu, trariam logo o repouso da existência, pois estou certo de que muito em breve causariam a morte !
E que é que mais deseja a pessoa que sofre, reconhecendo chorosa que martiriza os outros, para quem é fardo, por esmola aguentado?!
*****

Acabam de soar as 9 da tarde. Fatídica hora em que hoje,de manhã, começou novo drama,cujo desenlace não é previsível.

Que saudades eu sinto do tempo evolado, em que tinha a ventura de expandir a minha alma! Pois quando tu. prazenteira e bondosa,
fazias o mesmo?! Então me dizia, com inteira verdade, feliz e ditoso.

Agora, porém, cessou inteiramente, esse doce enlevo, pois tu o rejeitas, por ser escusado ou então incómodo.

Acabaram para mim os doces momentos que faziam esquecer os males da vida. para embriagar-me de modo pleno, no gozo sem par que me dava o teu amor.
Poderei lembrar o passado mimoso que vem, nesta hora, atormentar-me fero, pelo contraste, assaz flagrante, em ordem ao presente?!
Faltam as palavras, escasseia o engenho e falece a coragem.
Quando voltarão?! Verei satisfeito e logo realizado meu ardente desejo? Tenho tantas dúvidas! As tuas palavras! A fria atitude!

Pela manhã, insisti assaz no termo "conforme", afim de levar-te a pronta resolução, mas não consegui!. Foste logo embora e assim me deixaste , sabendo, ao certo, que ficava triste! Não houve uma palavra que viesse até mim! Nem podes afirnar que fosse o caso por ignorância!
Verificaste bem as alterações que sofri em presença. Pois não viste acaso morrer em mim a doce alegria?! Não te apercebeste de como fui sujeito a enorme desalento?!

Qualquer palavra amiga era já bastante para tudo mudar, criando novo riitmo, aqui neste peito. Tu, porém. não foste gentil! E era tão feliz, junto de ti, que só desejava terminar o encontro por aquela maneira que tu bem conheces e nada prejudica.

A felicidade, no caso presente, havia de transformar-se em cruel martírio. Melhor fora para mim não tê-la experimentado! . ,

Esperava ansioso que, à hora do costume, viesses ter comigo e, numa atitude,que havia de comover-me, suplicasses, não digo escusa ou perdão, por não seres criminosa, mas simplesmente
" que não andasse triste". Como tudo, por fim, iria mudar!
Tu, porém, não quiseste! És livre! Estás, como sempre, no teu direito!
Repeliria, acaso, um rogo dos teus?! E sendo a meu favor? E se fosse terminado por algo mais que tu bem sabes e não fica mal?! É coisa vulgar! Para quem ama têm muito peso coisas banais.
Preferiste, no entanto, a minha tristeza! É por isso mesmo que tudo hoje, aqui, me parece funéreo

À excepção do Cruzeiro, fiel confidente,de mágoas fundas, todas as coisas me trazem desalento.
Se ouvisses, acaso, as vozes agourentas destas avezinhas! Que inferno e tormento! Que vida a minha!
Cerro-ne aqui, porque a luz escasseia. Já não vejo bem, para
continuar!
****

Nunca sucedeu viver tão so! Têm sido tormentosos, dias e noites que, além disso, parecem maiores. Poderei, acaso, esperar uma viragem, favorável a mim? Como?! Se não tomares tu a iniciativa, não sinto coragem para dar um passo, com tal sentido.

Força e ânimo já me abandonaram : não tenho energia, É assim,de facto, que a vida vai correndo, represada que foi no íntimo do peito.

O que eu sofro agora, para contê-la!.
Como por acinte, ela violenta, assaz impetuosa; eu, em contraste,
cada vez mais fraco, para a resistência. Já não sei dividi-la por mais ninguém, por falta de experiência. O teu caso é único,na minha vida..
Se as minhas canseiras fossem variadas e antecedentes, seria mais fácil aguentar os reveses, Colocado, porém, à margem de tudo, vão-se as raízes que prendem a minha vida a um ponto
exclusivo.
Sabes, com certeza, o que sucede à planta, cortando-lhe a raiz! Falta-lhe o alimento: por isso, morre! Isto, exactamente, se vai passando em mim.
Não posso relatar a borrasca violenta que fizeste brotar do seio da alma,no acto de proferires um termo deletério que fere e mata.

Não te quero mal, que o julgo absurdo, mas não sinto coragem.para tomar quaisquer decisões. Reagir? Não posso! Estou reduzido à suma impotência! Nestas circunstâncias, apenas vegeto!
Na verdade, sinto-me incapaz de qualquer iniciativa que parta da alma.
É infernal a vida assim! Viçosa, inquieta, farta e viva, sem derivativo!
Até quando afinal, será prolongado este grande sofrimento?! Se durar em extremo, não posso com ele!
Mais depressa abandono estâncias e lugares, para mim tão gratos!

Há momentos ainda, passei de mansinho, ao pé de coisas tuas
Relanceando o olhar, pareceu-me desde logo ver uns papéis que não eram ignotos.
Levado, talvez, por curiosidade, embora isso não fosse,a rigor, o motivo principal (antes ver claro se uma coisa daquelas podia estar sujeita a olhares indiscretos), peguei no objecto e levei-o comigo.
Li, apressado, o que estava escrito e voltei a colocá-lo no mesmo lugar, voltado ao contrário, para teres (a) certeza de que alguém lhe mexera.
Desculpa o abuso, se o houve, realmente. Talvez o não fosse, porque julgo, na minha, te não importe,sabendo-o por outrem. Sendo por mim…
Devo dizer-te que estranho assaz, abandonares assim uma coisa do género, que deve estar oculta. Não que haja mal nas tuas afirmações!
Quem sabe, no entanto, o que iriam urdir à volta daquilo. chegando a certas mãos. Nem todas as mãos são infernais e traiçoeiras, mas algumas…Delas há que se deleitam e folgam , com o mal alheio. Mãos venenosas que entram em delírio, quando podem cravar-se na fama do próximo.

Não faças isso! Como tratamento não uses esse. Recorre ao "você", que é termo de almocreve, mas serve agora.
Trago a cabeça de maneira tal, que não me lembro já do que eu li então. Julgo haver um passo , em que mostras desejo de saber claramente o que penso de ti. Não é difícil Basta leres o meu Diário.


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Que morosas vieram as 5 da tarde! Assim que despertei,
fiz a conta exacta, para saber, ao certo, o que restava ainda: eram 11.
Embora,na verdade, não fossem muitas, pareceram-me logo onze longos dias. Pensava eu , nessa hora ditosa, na minha iibertação! Tudo sofria, na grata expectativa do momento suspirado, com tanta ansiedade.
Se houvesse dificuldades, árduos trabalhos, obstáculos ingentes! … Importaria, acaso, alguma coisa?! Um momento de ventura, daquela felicidade que embriaga a alma, chega, realmente, para tudo esquecer, infundindo ânimo.

Jamais esperei, tão firme e ansioso, uma hora assim! Eram
ajustes, cálculos diversos, leves fantasias, graves maquinações!
Aproxima-se o encontro! Todo sou alvoroço, espiando cuidadoso entradas e saídas, olhando solícito, ao longe e ao perto.
Era já chegado o momento esperançoso. Por toda a parte reinava a solidão.

Aguardei meia hora, mas tudo foi inútil! Dentro de mim, abriu-se também imenso vazio! Que soledade! Ignoro, realmente, se os
chamados beduínos experimentam mais sede,nos areais adustos, do que eu tive, realmente, nessas horas amargas!
.
Já tinha havido antes, um leve contratempo. Este, porém,é que mais torturou!
Será verdade inegável que eu estou só?! Há tanto aí com quem lidar! Por que não desafogo, em peito amigo?! Que feitio esquisito este que eu tenho!
Seja embora! Não desejo convivências! Não gosto, não, de repartir-me! Ou assim ou nada! Que ventanias molestas!Que furacões desabridos e tornados arrepiantes! Que noite escura, durável e pesada! Tudo será assim, no mundo em que vivo?!

Bem pode acontecer que, no momento exacto de maior ventura, vejamos desfeitos nossos lindos sonhos! Que amargo logro!
O pobre coração tem pois, de sangrar, forçosament, em casos destes!
Assim parece,embora tenha a certeza de não haver culpa. Sendo no futuro bem compensado!...Não está o caso em mãos de confiança?! De quem apenas tenho eu fiado os assuntos mais graves?!
Agora, pois, fico esperando, ansiosamemte, uma explicação. Não
posso tolerar ignorâncias destas que me atenazam e ferem, de maneira cruel!
Sem troca de impressões, com presença real, já eu não sei nem posso viver! Elas são, na verdade, a mola real da minha existência. Fora do sistema, é o desalento que me aguarda sempre.

Que força aí há que se opõe aos desejos de quem nasceu e
vive para rumo fatal?!
A felicidade cifra-se nisto, e é quanto basta - amar!

Sendo esse amor sentimento verdadeiro e correspondido, em peitos amigos, sinceros e leais que abandonaram já o sentir indidvidual, para ambos se fundirem, resultando assim um único viver, temos decerto a ventura suprema.

Disfarces e amuos, contrariedades, amarguras e trabalhos, sofrimento e dor, funda ansiedade e amarga prostração, tudo é nada
ou melhor ainda, esses obstáculos apenas contribuem para incentivar o próprio amor.
Falei em disfarces, Foi um lapso! Para quê?!No amor verdadeiro é intolerável uma coisa dessas!
Hoje, senti o desânimo rondar o meu peito, em longa correria,
franca, desenfreada.
Não virás carinhosa tomar-lhe a brida, para castigá-lo severamente?! Oh! vem! Não demores! Preciso imenso que me valhas na angústia! Acende o braseiro que furioso vendaval pareceu destruir: o fogo está latente, esperando que tu, com sopro de magia,venhas despertá-lo
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As horas que passam vão-se escoando, longas, longas, .intermináveis, e eu sinto-me exausto, para acabar a árdua tarefa que levo entre mãos,
Escasseia-me tudo… procedo como autómato… não encontro nada que me satisfaça! Quando te vejo, o caso muda logo! A face estranha das outras pessoas vira diferente; os lugares mais amenos; o convívio , interessante;os ares, então, muito mais benéficos.
Mas o que tardas! Mergulho em trevas… encontro-me isolado, nesta solidão. que atravesso em lágrimas. É tão prolongado o estéril deserto!
Está recheado de tantos perigos! São tantas as ciladas que nele me surgem! A não ser breve a tua vinda aqui, tenho para mim que já não me encontras! Apressa-te, pois, quanto puderes, e tenta salvar-me!
Escuto e olho; espero e tremo! Tudo fala… tudo vive… tudo gira! Só a tua voz é que emudeceu O teu vulto esbelto ficou imerso e já parado, na tremenda noite que me envolveu! O teu rosto formoso deixpu de brilhar!
Já me não queres?! Por que foi, diz lá, que deixaste de querer-me?! E eu a querer-te, sempre mais e mais! Maior desamor e maior escassez descubro em ti.

Muito mais se aviva o danoso incêndio que me está devorando, por noites e dias, com grave ameaça de tornar impotente quem anseia, há muito, porque lhe devolvas, em breve espaço, a ventura perdida.

É tão amargo encontrar-me só! Cá dentro de mim, há vida a flux, sendo apenas mister que ela se expanda, para dar-se generosa a quem eu prefiro.
Quando, porém.esta fonte inexaurível se vê constrangida a represar o caudal, quantos esforços não são requeridos?! Além disso, estas energias, quando não seguem o rumo natural, matam
desde logo quem tenta opor-se-lhes.l

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Dezoito horas e meia. É tal o nervosismo, em que agora mergulho, que só com esforço mantenho a caneta.
Desta vez, ó má sorte,.entrou a suspeita no meu coração.
Como é erosivo este hórrido veneno, quando logra insinuar-se num peito chagado! Até agora,nunca havia sentido este acúleo pungente.

Sei, infelizmente, o que isto representa: é a própria morte!
Mataste-me já
Admiras, talvez, que seja assim?! Quando a vida se perde, aguarda-nos a morte. Ora tu roubaste-a, na hora exacta em que
esperava reavê-la-
Vejo-me sozinho e tão desamparado!

Nesta indigência, tão lastimosa, chagado e ferido, por todos os lados, lanço no Diário a cópia fiel dos meus sentimentos, que se atropelam, no peito ferido, à maneira exacta de forte vendaval, ameaçando tudo, à sua passagem.
Como é doloroso esperar longamente aquilo que não vem!


PROJECTO GORADO


Ontem, resolvera já, com o meu travesseiro, ir hoje cedinho tomar o comboio, Era plano assente, porque fora gizado com antecedência.

Retirava daqui, sem aviso prévio, de alma a sangrar, parecendo talvez que o facto em causa me daria alento.
Havia de ser pobre o dito alívio! Triste sina da minha existência!
O relógio, porém. fez-me partida! Esqueceu-me dar-lhe corda e, pela manhã, não pude realizar o que tanto desejava. Havia já escrito diversos cartões, para a despedida: um deles para cada grupo de passoas amigas.

Ali, em dizeres singelos, deixava entrever uma nesga da alma, em tais condições que não era fácil deduzir a razão.

Passou esta noite, maçadora e longa! Que longo tormento a densa escuridão, quando penetra subtil no meu interior! Não tinha
ainda apreciado bem o amargor e a dureza de uma noite assim!

Não chegava o negrume que grassava em mim?! Devia ser bastante, porque era denso, denso, o escuro de breu!.Noites assim,
veladas em peso! O coração a doer, em deserto sem fim, penando
sozinho, sem ninguém a confortar! Oh! como é dura tal existência

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Mais uma vez baixou a meu peito a cerrada treva de uma noite dolorosa.
Ascendem a três os desgostos de hoje. Sinto-me, por isso, bastante magoado. Entretanto, os dois primeiros não fariam estrago, porque iriam dissipar-se em tempo breve: não assim o terceiro .
Mal imaginas donde ele veio! Foi mesmo de ti!. Não levaste a efeito o que fora pedido! Não me lembro bem se disseste que sim.

A verdade, porém, é que estava certo de que chegara o momento para o nosso encontro. Ia ser maravilhoso! Um dia especial, na vida terrena, podendo realizar os anseios fundos da minha pobre alma!

O que são de maçadores estes feros tiranos! Se assim continuam, ignoro para já quanto mal obrarão!

Tudo suportava, na esperança de uma coisa que tu conheces bem. Os próprios males iam dissipar-se, ao bafo da ventura! Afigurava-se já de tudo ser capaz!

O grande refrigério que viria de ti contrabalançava o amargo da resposta, insana e mal criada e, bem assim, a falta de presença, não justificada.
Que era afinal tudo isso que digo? O suficiente, para
entristecer-me

Entretanto, à maneira de rajada que tudo impele. na passagem furiosa. também tu arredarias, para longe de mim, estes males que me oprimem.

Mas, ó fatalidade! Em vez de alívio, chegou a meus lábios a taça de fel, para mais torturar este pobre coração! Por quem era trazida e logo ministrada à boca sedenta!

Quando a amargura provém de quem amamos, encerra desde logo um sabor tão azedo, que não há contrariar-lhe o efeito nocivo!
.,
O ano presente, a começar em Janeiro, tem sido, para mim um calvário permanente. Nos últimoa dias, agravou-se ainda mais, com o facto surpreendente de me crerem um galego que haja de manter os filhos de outrem!!
Se eu não devo nada e sou antes credor, a títulos diversos!
O passamento de meu saudoso pai desafinou-me os nervos: sou
afectado por qualquer bagatela que venha contrariar-me.

Já por bem pouco estou aqui ligado! O sofrimento vai sempre aumentando e o rodar do tempo mostra claramente que sou indesejado. A falta de alegria que me tem afectado, há já vários meses, produz em muitos ânimos, estou bem certo disso, enorme desejo de me verem pelas costas.. Não sou apreciado equitativamente.
Tu sabes, Florinda que, desta maneira, não posso aguentar-me! Apesar de tudo, julgava eu, na minha cegueira, que nem toda a gente iria esquecer-me. Enganei-me! Também tu me relegaste para último lugar!
Como eu aguardava, inquieto e sôfrego, o momento feliz, em que realizaria tantos sonhos e loucuras! Esperei, esperei, tornando a esperar. No fim de tudo, só escuridão, olvido total, dor e crueldade, amargura e desdém… menosprezo rasteiro!

Alh! É tão doloroso viver deste modo! Oh! que não expresso,
em meras palavras, a imensa amargura, de fazeres tal qual as outras me fazem! Nem sequer de ti vem já consolo!

Passou o momento… dobrou-se a hora; vi findar e cerrar-se o
dia venturoso que se torna em opressiva e pungente realidade.

Faltavas só tu, dentre a gente conhecida,com a qual,
a várias horas, me cruzo na rua e noutros lugares, onde é obrigatória a nossa comparência.

Tudo o vento levou! É incomensurável a dor que me atormenta!Como saná-la?! Preferível se torna que alastre e amarfanhe. Será corda traiçoeira, que baixe ao coração e lhe tire a energia que resta ainda nele.

Já não tenho ninguém que seja por mim! Estou sozinho. Haverá na Terra igual desventura?! E brimcares alegre, o que eu realmente não ouso levar a mal, por ser próprio da idade!
De notar, porém. é que tamanha alegria, em circunstâncias destas, é veneno mortal para o meu coração.

Agora, peço me desculpes haver eu julgado me fazias a vontade. Não me assiste jus de impor o meu querer seja a quem for. És livre por inteiro. Nada tens que subjugar-te a quem quer que seja. isso é exacto.
Certo é, igualmente, que eu esperava algum lenitivo, para tornar mais leve o fardo imenso que me oprime este ano! .
Qualquer dia futuro, não poderás,talvez, satisfazer já o que eu tinha pedido!
Eu, então, por ironia da vida ou acinte da má sorte, espero com ardor, esse tempo risonho, seja ele embora de martírio para mim.

Será maior que este? Talvez não. Ao menos fico ciente dum facto doloroso: que não devo, portanto, esperar consoloção. Não.
Não melhoro, é verdade; não procuro já nem espero nada.

Duro é viver na expectativa de um bem inlgualável e, chegado o
ensejo, tantas vezes sonhado, esbarrar friamente contra o nada absoluto. A falta de atenção, por parte de alguém que se traz, a cada instante…
Não leves a mal o presente desabafo. Será maneira, talvez, de não rebentar, com tamanho sofrimento. Deixa, por momentos, que gema solitário, curtindo agora, no peito ansiado, um desgosto assassino.
Já não tenho, ao presente, para quem desabafar, pois desamo abrir-me, a não ser para ti, que exerces, há muito, influência notável, sobre o meu espírito. Maior ainda se torna o calvário que redunda em impossível, sem visos presentes de qualquer melhoria!

É sinistra a montanha, donde estou contemplando o mundo em redor, Só vejo destroços, pedregulho e urtigas , silvas e calhaus,
árvores caducas e já enfezadas, animais bravios e harto esquivos!

Até a Natureza apresenta um cariz, nada invejável. O próprio clima!Vento e chuva, saraiva e granizo, hórridos trovões!

Sei eu lá bem o que anda por cá!
O dia vai passar e eu vou meter-me em 4 paredes. Ali, debruçado, na mesa de trabalho, em suspiros de alma, que revelam sempre a
minha dor, chorarei sozinho até se estancarem as fontes do meu pranto
Este dia prezado nunca mais voltará! Era só ele.Os outros…
Também tu abandonaste quem é tua sombra! Deixa então que chore copioso e me vista já de luto pesado: assim faz mister, quando morre alguém que nos é benquisto
. Este dia lutuoso não tem regresso e eu contemplarei, como estátua de dor , o jazigo silencioso que vai guardar os meus restos mortais, na urna de mogno.
Terei eu sossego,após a minha morte?! Não sei. Na sala E,
está uma caveira que já foi profanada por olhares e risos, irritantes
para os mortos.
Passou o momento: desfez-se a ilusão! Vai fechar-se a noite que tombará sobre mim, como lousa de tumba.

****

Dois minutos somente, para ser meia-noite. Lá por aí, deixaram de soprar os molestos clarinetes que são o martírio de quem mora perto.
Como tudo é estranho, macabro e funéreo, a mais não poder!
Cerro-me aqui: o sono é despótico!

17-6-1953

Dezoito horas, quase a disparar. Julgava eu ter já sentido alguns laivos de ventura,mas a pouca sorte não mo consentiu.Isto precisamente é o que há-de suceder, através da existência, pois o destino gosta de mofar, transformando o gozo em desventura..

Vivia, de antemão, os arroubos da fortuna que me faziam negaças. Quem nasce, porém sob signo mau, escusa de aguardar seduções e mimos, porque eles,de facto, jamais se tornarão em pura realidade.
Se um dia, por acaso, mostram face prazenteira, é para virem depois, com pegas a mais, amargurar assim a pobre existência.

Em boa verdade, ao lembrar deleitado os raros momentos , em que a minha alma tanto se inebriava no convívio da tua, punge-me a saudade e não posso obstar a que alta melancolia se instale no meu peito.
Quantas horas esperando, afim de que o martírio se tornasse mais leve! Afinal de contas, tudo se esvai, porque dá com a vida num estado bem pior do que o já vivido. A culpa não foi tua. Mas eu preciso de ti, à maneira do pão que sustenta a vida. Não posso viver neste isolamento!
Falte-me o ar, a luz do Sol e o lume das estrelas! Caia tudo sobre mim,… acabe-se o mundo! Nada me perturba, desde que eu veja o teu rosto formoso!

O mágico donaire de tua face airosa; o brilho inquietante de uns olhos buliçosos, a graça inebriante de teu vulto esbelto; a generosidade, quase espontânea de teu bom coração e mil coisas diferentes que me vão lembrando, a cada momento, isso é, na verdade, o que me prende à vida.

Não vás julgar , laborando em erro, ser a minha vida à-parte da tua.
Nem podia conceber-se! A cada instante, vou pensando em ti.

Convenço-me até de que somos apenas um único ser!
Alguma coisa me alegra? Desejo, a breve trecho, que participes também.
Se, pelo contrário, algo me entristece, pretendo ocultar-me, para que não sofras.
Se qualquer iguaria me satisfaz e deleita, acode ao pensamento clamar por um nome, que soa a meus ouvidos, como bela harmonia, para que esse alguém saboreie comigo aquilo que,
sozinho, não acho apetecível.

Serão duas vidas? Certamente que não!
Quantos sobressaltos já experimentei, só de pensar que, num dia aziago, eu venha a perder-te!

Houve até um sonho. em que tu aparecias gravemente enferma.
Que agudo espinho sentia cá dentro,a cravar-se no peito!
Já nem reconhecias quem estava presente!
Que aridez e tormento!

Já não ser escutado nem atendido! Não poder desabafar nem contar a ninguém minhas mágoas sem fim!

Mas que força esta que asssim me tiraniza, fazendo-me julgar que já és toda minha! Quem autorizou a chegar tão longe?!,Que loucura me invadiu?"

Responda agora quem souber fazê-lo! Eu não sei! Apenas estou ciente de que és vida para mim! A luz dos meus olhos, encanto e enlevo do meu coração.

E ter havido uma bruxa que hoje impediu a minha felicidade!
Imagina, se puderes, os perigos temerosos que se erguem contra mim, no intuito infame de me perderem!
Tenho provas sobejas. Não posso admitir a mínima dúvida, a respeito de ti. Esse tempo evolou-se
Agora, apenas se apresenta a meus olhos deslumbrados um extenso vergel,florido e ameno, em que deveras me apraz descansar.
Se poderei esquecer esse dia 16 do mês em curso! Só a
própria morte, provavelmente,será capaz de o fazer! Não o creio de leve.
Ficar ao pé de ti, minha vida e alento; sentir inebriado teu hálito oral ; deleitar-me a fundo no teu amor, sem paralelo; navegar, enfeitiçado, no oceano de teus olhos!

Repetir mil vezes que te amo ;e prezo; experimentar, arrebatado já, o contacto inebriante de teus lábios sequiosos ; expandir-me a capricho, sem macular a honra que prezas! Como seria bom e desejávej!
Deixa tais modos correr livremente,.pois não vejo, a rigor, que te causem dano.
Haverá, no Orbe, tormento igual ao meu, caso um dia me abandones?!
A fagueira esperança que nunca abandona os pobres mortais vem
benigna e clemente dizer-me, à puridade, que posso confiar,
Não precisava que ela mo disesse.

****

Não há muito ainda ,ouvi uma risada, estridente e sonora que me fez estremecer

Era num lugar em que julgo te encontravas. Dirás, por ventura, que não havia razão para tamanho susto, mercê de tal expansão ocorrer ali como fruto natural de alegria espontânea.

Será, talvez, mas eu afinal senti comprimir-se o coração no peito. Parecia, nessa hora, que vigorosa tenaz o apertava com força.
A gargalhada continuava ainda e o meu coração de novo sofria.
Sabes, a propósito, o que então me veio à ideia? Que estivessem a rir-se, à custa de ti . Assim, portanto, não tinha sossego a minha pobre alma, na tribulação.

Se tu sofresses, também eu comungava em iguais sentimentos. Mais ainda: queria estar lá, para assim te livrar de situações humilhantes.

Tinham de haver-se com os meus brios! Tudo faria,em defesa pronta do teu bom nome. É tal a doação e o interesse por ti, que
não sei ,realmente, nem concebo já, viver sem ti.
Como é que vou passar as férias intermináveis do póximo Verão?! Que será de mim, não podendo ver-te nem trocar, ao menos, breves impressões?!

Direi ao Sol que leve recados a quem eu prezo mais que a ninguém. Rogarei às estrelas que fixem teus olhos, quando enternecidos encaram nos meus. Suplicarei à brisa que , ao dar no teu rosto, beije por mim a face de quem amo.

Será cumprido meu desejo ardente? Oxalá que sim. Mas, apesar de tudo, será doloroso o tempo de férias. Não te ver! Não trocar jubiloso palavras amigas, feitas de alvoroço, que nós compreendemos, no primeiro instante!

Não receber já, de quem me enlouquece, provas de carinho, especial, devotado! Não se deparar o vulto adorável, para eu ser feliz!

Os carinhos da família são muito valiosos, mas, nem por isso, deixam os teus de ser necessários, imprescindíveis!
Sem presença da família, posso aguentar algum tempo ainda; sem a tua, porém, nem um só momento!

****

Anseio por saber aquilo que insinuas. Não figuras, decerto, a enorme inquietação que me vai no íntimo. Parece até que me falta o ar. Não encontro graça a coisa nenhuma! Tudo me aborrece! Tudo me enerva!
E porquê?! Receio que te enfades,por eu, desastradamente, não saber lidar, com todas as pessoas! Não queria ser assim! É isto, realmente, o que deveras perturba o meu coração.

Que fazer?! Diz, a propósito, aquilo que entenderes, a ver se me desvio da rota seguida.Poderei?.Até julgo que não. É tão forte ,e vigorosa esta força que me impele! Soubesses tu o mais, terias pena de mim! Ainda bem que não fazes ideia. Basta que eu sofra!

Já não duvido. acerca de ti e, para dizer a verdade toda, eu nunca duvidei! Era, por vezes, o surto do amor aquilo que me arrastava a
certos dizeres, proferidos, sim, mas não albergados, já que eram desfeitos logo em seguida, por modos iniludíveis.

Se eu duvidasse, era injusto e cruel para quem é o fulcro de todo o pensamento e cavaria logo, por minhas próprias mãos, a tumba da morte. Não te aborreces?

Quem dera, na verdade, que assim fosse no porvir! Mas o que eu li, no teu "Diário íntimo"…Se me for fatal, que será de mim?! Por outro lado, entendo que, a merecer castigo ou leve censura, seja ministrada por quem o deve ser!

Entretanto, sou tão susceptível e dado a excessos! Qualquer bagatela me faz logo sofrer de maneira intensa, Gostaria, realmente,, de outro feitio, para melhor suportar a cruel adversidade.

Que digo eu?! Confio de tal modo no teu coração, que julgo nada haver que me faça ir a terra! Sim, porque meiga e bondosa, estarias a meu lado, afim de me salvar. Não soubesse eu quanto é generoso teu jeito de amar, sentir e pensar!

Vida e conforto da minha própria vida, não me queiras mal, por te aborrecer! Tem pena de mim e perdoa sempre indelicadezas,que eu, se puder, vou logo agir de outra maneira.
Ouves bem,minha querida, enlevo e paixão de quem se consome, por causa de ti?!
Nada me alegra senão o teu amor! Tudo o que me cerca é já desprezível, agreste e feio, informe e duro, horrível e medonho, deveras infernal! Só tu…
Ontem, vivi desconsolado, pois me faltou o que dava alento. A tua presença é tão necessária , que tudo me enoja profundamente, caso não te veja.
******
.
Devia ser alegre o dia 21. Pessoas amigas vieram convidar-me, para ir em passeio. Estive na Guarda, onde merendámos: fui ao Noeme. e avistei de perto o lugar solitário que bem conheces.

O pensamento daquela, que prefiro a todas, pôde actuar, alegrando o meu espírito, sem me largar, um momento que fosse, até cair em meditação

Quem olhasse para mim iria logo dizer que não estava contente e alguma coisa grave perturbava ali a vida interior. Mera absorção!

Houve,porém, um momento em que tudo me sorriu, fagueiramente: passava então à beira dum lugar que eu, extasiado, fixei do automóvel, já em andamento.
.
Queria ali deter-me, sem nenhum entrave. Desejava meditar,ficando sozinho, afim de que a presença de seres indiscretos não quebrasse o feitiço. Mas não!

A viatura arremessava-me, para longe dali e tudo voltou à forma prosaica. Ah! mas como a paisagem se tinha mudado!

Até ali,triste, pedregosa, sensabor, embora tocada por laivos graciosos de viva saudade; agora, iluminada, toda esplendorosa, convidativa e assaz tentadora Um deslumbramento!

Que houvera então?Afigurou-se-me, num breve instante, ver o teu rosto,meigo e sorridente, a verter luz, por aquelas paragens que a tua meninice enchera de poesia!

O mundo ali era já outro daquilo que fora! Aquelas pedras escuras semelhavam feitiço que lá me prendesse! As silvas picantes, laços poderosos, em cujos abraços me sentia arroubado;

a própria aridez tomava aquela graça, que só a tua alma, por muito prendada, exala de si; as plantas, raquíticas embora, e por vezes enfermiças, pareciam-me envoltas em bela folhagem, a cuja sombra homens e gados acorriam pressurosos.

Ora, para mais realçar a beleza do quadro, no ponto de convergência, em cantinho pitoresco,onde fizeste breve aparição, a tua imagem sedutora, irradiando luz que ofuscava a do Sol.

Agora, tudo se transforma!
Mas que é isto?!O mundo tão grande, com tantas maravilhas, povoado já de monumentos grandiosos; ufano até com inventos de sábios; emproado a valer com achados da técnica; embelezado por tanta coisa que adormenta a alma e a prende à Terra!...
Jogos divertidos, passatempos e folgares, sítios de prazer, glória, sonho e grandeza…Quem olhasse para mim ia logo dizer que não estava contente e que algo de grave perturbava ali a vida interior.Mera absorção no que eu adoro!! O que outros preferem e a
todos seduz,nada representa no meu dia-a-dia!

Houve até um momento, em que tudo me sorria, fagueiramente: passava então à beira dum lugar, que eu extasiado fixei do automóvel, em franco andamento. Queria ali deter-me, sem entrave de ninguém: desejava meditar, ficando sozinho, afim de que a presença de seres indiscretos não quebrasse o feitiço.
Mas não! A viatura arremessava-se para longe dali e tudo voltava à forma prosaica.

Ah! Com surpresa minha, aquela paisagem havia-se mudado! Até ali, triste, pedregosa e sensabor, embora tocada por laivos graciosos de viva saudade: agora, iluminada, esplandorosa,
convidativa e assaz tentadora!.

Um deslumbramemto! Que houvera então?! Afigurou-se-me, em breve instante, ver o teu rosto, meigo e sorridente, a verter luz, por aquelas paragens, que a tua meninice enchera de poesia!
O mundo, ali, era já outro daquilo que fora!
Aquelas pedras escuras semelhavam feitiço que lá me prendesse!

As silvas picantes , laços poderosos, em cujos abraços me sentia arroubado; a própria aridez tomava aquela graça que só a tua alma, por muito prendada, exala de si. as plantas, raquíticas embora, e por vezes enfermiças, pareciam-me envoltas em bela folhagem, a cuja sombra homens e gados acorriam pressurosos.

Então, em ponto de convergência, num cantinho pitoresco,onde fizeste breve aparição, a tua imagem sedutora, irradiando luz que ofuscava a do Sol!
Agora, tudo vira ao contrário! Mas que é isto?! O mundo tão grande, com tantas maravilhas, povoado já de monumentos
grandiosos; ufano até com inventos de sábios; emproado, a valer,
com achados da técnica; embelezado por tanta coisa que adormenta a alma e a prende à Terra!...
Jogos divertidos, passatempos e folgares, locais de prazer!
Por toda a parte, glória , sonho e grandeza! Que me me importa isso, afinal de contas?! Jamais consegue tornar-me feliz, ainda que se englobem todas as coisas, nesse intuito grandioso. Contigo, sim! Nada mais é já preciso!

Penso, medito, amo e sofro. Este sofrer, apesar de tudo, é
agradável. Acho prazer, sentindo cravar-se, cada vez mais fundo, este espinho acerado. Não sei viver, de maneira diferente!

O destino empolgou-me e, com braço de gigante, expõe-me resoluto
ao fogo do teu amor. Contra gigantes não posso agir!. Devo obedecer-lhes, de maneira cega.
Se tens pena de mim, traz lenitivo a este calvário, onde a pouca sorte me detém amarrado.

Tudo, à volta, apupa e mofa. Todos se riem: zombam de mim! Só uma luz, benéfica e pronta eu vejo surgir, no extremo do horizonte.
Fosse ela viva, intensa e duradoura que jamais se extinguisse,
ante meus olhos sequiosos, mendigos!

Sou um pedinte que vai de porta em porta, na esperança de encontrar-te, para atalho de males que ferem e matam!

Passando, na volta, à casa onde habitas, sentimentos contrários ali me assaltaram: uns, de alegria. por me ser facultado
olhar para alguém, sem cujo amor não posso viver; outros, de tristeza,por ser momentâneo esse gozo sem par que logo se esvai como por encanto!
Assim, dividido e retalhado, feito destroços, avanço a custo e,
ao querer fixar-te, deixo de ver-te. Não calculas, decerto, a grandeza
da amargura.!

Desejaria, então, retroceder prestes…vaiar ali as gentes que, sem dó nem piedade, me impediram acintosas de observar-te , a capricho.
Como verificas, todo o meu viver se concentra em ti. Nem a
própria noite faz excepção à regra geral! Aqui tens a resposta àquela pergunta que um dia me fizeste: "Em que pensa agora?"
Agora e sempre, em ti é que penso!


*****

A noite passada, atentei longamente, numa fotografia que ela me dera.
Felício, meu amigo, se tu soubesses, como eu devorei as tintas belas que apresentam ali a pessoa amada! Sim! Não foram
só os olhos! Aquilo é fonte de luz!

Surpreende, por ventura, que os meus olhos se prendam?
Eles têm fome! Só ali, realmemte, é que podem saciar o apetite
voraz! Para onde olhar,se vejo apenas trevas em outros lugares?
Luz diamantina de intenso fulgor começou a raiar no vasto
horizonte da minha vida!
É que eu vi escrita por sua própria mão a palavra mais bela do nosso idioma!
A suspirada carta que ma trouxe à mão é que a deu a conhecer: "São quatro as palavras\ Que eu te não digo\ E que hão-de ficar\ Pra sempre comigo."
Até que enfim!...
Chegou o momento! Agora sou feliz! Que mais posso desejar do que é humano?! Não foi Deus que o lançou no coração das gentes?!
É um presente sagrado que nos cumpre respeitar.
Quisera eu amar, à maneira dos Anjos, mas é impossível: são
espíritos puros, o que a nós não cabe,

O amor humano está sujeito a crises e demonstrações que os Anjos
não têm. Procuremos cumprir, que Deus ajudará, para que os nossos filhos se sintam honrados e muito felizes

*****
Noite de S.João
Estas palavras encerram para mim enlevo e doçura. Julgo, às vezes ser um estribilho que os Anjos entoam, na Pátria Celeste. É tão subtil, doce e formosa a bela harmonia que dele se evola! Que impressão deliciosa gera no meu ser!

Expressão vivificante, por que és assim tão arrebatadora, para o meu coração?! Sabes o motivo? Porque foste proferida por lábios que eu amo. O que manifesta é doce para mim.

Que enorme feitiço nos dentes ebúrneos e bem alinhados, assistido à farta por lábios de carmim!
Deixa, querida, unir a tua face a meus lábios sedentos. Permite que eu goze tão grande ventura!

Quando terei ensejo, para voltar de novo a ser tão feliz? Aih! Falta o incentivo que, através dos teus lábios, desce à minha alma!

Permite desde já tua bela presença, que de novo me encorage, para que assim os nossos corações vivam embalados, e
sonhem, na vigília, coisas de encantar! Estou já sequioso de teus doces carinhos! Sem ti desfaleço!. Quero juntar a minha face à tua, para que o fogo que de ti se desprende venha reanimar o meu coração.
*****

Por que é que te quero, desta maneira?
A esta pergunta não sei responder, Gastaria palavras , sem conseguir o que tenho em mente.
Interroga os astros. Vê cuidadosa se dizem a razão por que seguem no espaço a rota de sempre. Nâo sabem decerto.

Faz a msma coisa âs belas avezinhas, intentando saber delas
como aprendem tão breve a fazer o seu ninho. Mostrar-to-ão perfeito, mas a rigor, não sabem porquê.

Igual meio emprega, em ordem aos rios que, velozmente ou em lentidão, se encaminham para o mar.
Sim, obtém deles como foi ensinado o caminho a trilhar.

Dar-te-ão em resposta pesado silêncio
Pergunta, em seguida, à laboriosa abelha quem foi o seu mestre,
para traçar as linhas do favo,
Ouvirás sempre a mesma resposta, em todos os casos.

Por que eu te quero, em grau supremo? Sei que te amo, apaixonadamente, mas ignoro a razão que a twnto me leva..O
meu destino já setava marcado.

Havias de ser tu a rainha excelsa do meu coração.Astro e rio , ave e abelha seguem fatalmente o destino peculiar, queiram ou não.

O meu destino sabes tu qual é. Digo "tu" porque, na verdade, o não
sabe mais ninguém.
Amei-te loucamente, np primeiro instante em que pude conhecer-te.

Ver-te e amar foi tudo, a rigor, uma coisa só. Se o não revelava, era de facto por ser reservado. Mal imaginas quanto eu sofria!
.
Felizmente. porém,, esses dias findaram e, à data presente, só
vivo deste enlevo que seduz e vivifica a minha alma enamorada.

*****
A minha Cascata

Dei hoje também o passeio habitual, que prefiro a todos e tu já conheces. Pelas 21 horas e 15 minutos, pasei resvés à tua moradia.
I
Ignoro se me viste. Pelo que me toca, não pude olhar.
Tanto eu desejo inquirir do local e não me é possível! Forte desgraça!. Havendo mais luz e tendo a certeza de que podia assim
localizar-te...
Mas não!Ignooro realmente quem está observando, para fazer depois os seus comentários. Também a luz não é suficiente, ao menos para mim!
Não fazes ideia.segundo me parece, de quanto sofro, por causa disso! Se eu,doidamente, anseio por ti! Segui diligente, como indo para longe, sem interessar-me o que estava ocorrendo.

Como iludem, às vezes, certas aparências! Que haverá de interesse , fora de ti?!
Observei, por aí, cascatas animadas: gente buliçosa em comstante movimento; intensas luzinhas, convertendo a noite em dia claro
Notava-se alegria. paz e bem-estar, no rosto de muitos, O
meu coração. porém, estava mergulhado em profunda trsteza, por
não ser dado encontrar ali o Amor formoso. Que me interessa o resto?! Que me importam os outros? Tenho alguma coisa a ver com eles?!
Que me beijem acaso,aceito de má vontade!Que me abracem também, desdenharei de seus amplexos! Que me sorriam, divisarei
então sinais de mofa.

Quem ,realmente, dá vida e cor a tudo que me rodeia?! És tu.
Os teus olhos sonhadores: o teu rosto formoso, esbatido sempre em
cores suaves; o teu colo de marfim; o teu sorriso meigo que desborteia o meu coração. Oh! Beija-me muito, sempre muito! Valeu?
Ando insaciávele e nada, por certo, fará exclamar: Basta!
Cascata sem ti, é coisa insípida!

Campos sem Luz!

São precisamente 22 horas e 15 minutos..
Junto à janela, sentado no poial, tenhp grosso livro, em cima do joelho, para suster o caderno, que encerra e guarda a vida tumultuosa do meu coração.

Alongo o olhar, por cima dos telhados e restante paisagem,
que se estende risonha e noto em surpresa que tudo à minha volta,
é alegre e buliçoso. No entanto, eu estou morto ou melhor, talvez,
aquilo que me rodeia não gera interesse.

, Se fixo cuidadoso o interior da minha alma, aí descubro logo,
vida em abundância, fogo devorador, chama viva e pujante que
ameaça destruir-me. Cá fora, porém, que desolação!
Voa, pois, minha alma, regressa breve aos campos virentes da
meninice, onde outrora foste ditosa. Pode tal mudança operar milagres

Maviosos cantares de aves arroubadas; céu azul-assetinado,
evocador de mil coisas, gracisas e belas que emoldura a saudade;

montes e colinas,cujo pendor eu sei de cor e em cujo espinhaço tantas vezes brinquei ou nutri belos sonhos que nunca se realizaram; rochas e penedod, sobre cujo ventre rolei prazenteiro,
em dias belos que não ouso recordar!

Árvores amigas, companheiras mudas, testemunhas silenciosas de tantas diabruras, quando não também de lágrimas
ardentes ou idílios ternos!
Campos e matas de infinda extensão, a sorrir como a esperança ao lavrador canseiroso que, dia a dia, vos mede ansioso, com olhos devoradores, penetrantes, calculistas!

Mansões enegrecidas, bem aconchegadas umas às outras,, qoe não tendes janelas, mas breves seteiras, falando a toda a gente
da vossa modéstia!
Leiras verdejantes e hortas viçosas, não faleis do tempo, em que eu já cismava, pensando no ideal que não pude realizar!.
Dilatações de caminhos, deixai de recordar-me os jogos infantis a que eu e os parceiros nos dávamos em cheio!

Ribeiros ensombrados,, curvas e desvios, carreiras da péla,
onde me entreguei a mil passatempos, emudecei já, que provocais,
nos meus olhos, lágrimas ardentes!
Isso agora dói-me em extremo, por não ter ao pé quem partilhe a minha dor.
Só um amor nobre e alta dedicação, que não sofra limites, podem
vir inebriar o meu coração e pôr, desde logo, fim ao sofrimento.
Calai-vos! Deixai-me sozinho, com a minha dor, que tanto
me basta! Já não tendes, por certo, o brilho de outrra, porque falta
aí a presença de alguém.

*****

Esperar

Nada fora combinado. Apesar de tudo, aguardava ansioso a tua presença, qual velhinho tiritado, a réstia benéfica de sol dourado
que dôfrego espreita e logo acolhe, de olhos deslumbrados e ânsia louca a lavrar-lhe no peito.
Quantas vezes então não fui iludido por certos rumores!
Entretanto, nada tinham a ver com a minha inquietação.
O peito era exíguo, para conter a fogueira que lavrava poderosa, dentro de mim
As pulsações tornavam-se leves, como a evitar que danassem o momento em que mãos de fada tocassem na porta que os meus
olhos devoravam.
Esforcei-me em extremo porque o tal ruído fosse diminuto, para nada tirar ao momento feliz ou não afugentar a hora venturosa da suprema ventura.
Não podia aguentar,na mesma posição, por isso levantava-me, para sentar-lme, logo em seguida, olhando e sofrendo.

Que leste de manhã, nos meus olhos inquietos e assaz conturbados?! Não viste os sintomas de uma sede ardente que
fundo me avassala?! Se não te condóis, ignoro o meu fim! Tenho o
ânimo perdido e falta-me coragem, afim de encarar os problemas da vida.
Tudo me indispõe! A nada acho graça!
Por quanto tempo ainda irá prolongar-se este viver tão amargurado?! Aih! Que doloroso ele é!
Tu sabes, com mestria, sanar a moléstia que agora me
oprime,
Apressa-te, pois. caso contrário, esgoto os recursos, já de si minguados..
Sou eu tão mesquinho, que já não mereça finas gentilezas,como as de outrora ?!

! Oh! se assim for, sou mais infeliz do que tenho julgado! É que eu, na verdade, tudo espero de ti! De mais ninguém eu fio o meu destino.

Assinalaste um dia, com ferro em brasa , este coração que tanto se dói! Já o destroçaste! Queres abandoná-lo?!.

Estarei reservado, para cumprir, no futuro incerto, uma sina cruel?! Aih! Nem sei agora o que hei-de escrever! É tanto o que sinto! Tão fundas são as ânsias da alma, que mal aguento o pobre
coração, já insofrido e tão perturbado, no íntimo peito!

Houve tempo delicioso, em que o meu viver era tranquílo. Hoje, porém, ando agitado: nada me consola!

*****

Ontem, ao passar por ti, mão vigorosa, deveras pertinaz, me prendeu ao lugar, em que estavas sorrindo! Entretanto, olhos indiscretos actuavam persistentes, obrigando a largar, contra minha vontade, o sítio de magia que a tua presença tornava edénico.

Não pude então expressar, devidamente, o que sentia dentro de mim.
Houve de formular, sem visos de verdade, alguns dizeres breves, um tanto insulsos.
O arrastar de pés que forçosos me inpeliam para junto de ti
e não para o escuro, foi exigido pelas circunstâncias. Cruel sina, porém, me leva rua acima, qual autómato mesquinho que, arrastado pelo vento, segue vertiginoso uma carreira fatal.!

Fiquei mais triste, desacompanhado e cheio de angústia do que nunca sucedera. Ver... sem te ver! Falar... sem falar! Preferia não te
ver nem falar para ti!
Tudo me contraria, se conjura e me enfurece , afim de torturar-me!
Queres tu, meu Amor,suavizar em breve o destino cruel que me persegue impiedoso? Tu já sabes, a rigor, qual é a maneira de curar os meus males.
Vem, pois, não tardes, que eu espero ansioso.

*****

Que lembranças gratas evoco, nesta hora, amarrando-me as forças a cada lugar! Vivo há três anos para quem lhes dá origem. A vida assaz intensa que ali se agitava, era minha também.

Pertence-me ou não?! Poderá dissipar-se. no meu coração, esta memória, já inolvidável?!
Arrostarei um dia com o sofrimento que a saudade verterá no íntimo peito?! Momentos de gozo! Dias sem enfado! Horas de ventura como não há!... E haveis de passar, que o volver do tempo nada respeita!

Que ficará? Ignoro,.Entretanto, ouso pensar que nem tudo morrerá. .Há lugares aqui , sobremodo risonhos. É o que vale, realmente, para que esta quadra não pareça um túmulo. Bruxoleante que seja a luz que emitem, basta só isso, para tornar sofrível este ermo funéreo.
Oh! Pudesse agora narrar o que sei e vivo! Entro em mim e medito alheado!

*****

Já estou esperando, há 60 minutos!
Dirão, talvez, que é pouco tempo e, na verdade, não será muito! A mim, porém, afiguram-se já 6o horas!

Parece tão erma esta dependência! Se pudesse fugir, não hesitaria! E havia de ser logo para muito longe... de maneira tal, que nada me avivasse a ideia do lugar!

Olho fixamente a mancha interminável do texto esbranquiçado, que me vai atormentando. Um pesadelo! Um fardo enorme e sem clemência! Que desolação! Que monotonia! Que pressão na alma, a clamar de dor!
Penduradas e imóveis, enxergo daqui 5 lâmpadas fortes. Não
embelezam. em pleno dia, esta ampla quadra! A mim,estão elas sempre incomodando: Olham de cima e, na sua mudez, parecem vasculhar o que escrevo para ti, São importunas, bastante mal criadas, diria traiçoeiras!

Ao lado, a toda a volta, amplas janelas se perfilam soberbas. Para
quê?! Oprimem e ferem estas aberturas, praticadas na pare! É que
elas, afinal, aprovam e toleram indiscrições e, tantas vezes, geram
desgostos

Gozo Fugaz.
*****

Hoje, realmente, fui adivinhado. Isto somente bastava já, para consolar-me! Momentos deliciosos, em que eu arroubado,fixo uns olhos, sonhadores e brandos! Desejaria, a fundo, que esta ventura fosse perpétua! Aih! mas ela é passageira! Pudesse ela ser longa...
longa! Seria tão bom! Sabe tão bem!

É tão delicioso ficar, por momentos, junto a quem amo! Que força no mundo poderá separar-nos?! Se ela uma vez pretendesse fazê-lo, rogaria aos montes lhe viessem no encalço, para opor-se tenazes e fazer-lhe barreira!

Felizes e ditosos esses momentos, deveras inesquecíveis, em que aspiro em torrentes o calor esbraseante do teu seio amado!
Como em doce pélago, extenso e profundo, vogo a capricho, no lago castanho do teu olhar!

Que dita invejável derramar sobre ti o fogo devorador que há muito se ateou, na minha alma sedenta! Nesse momento, vibramos a uníssono, Há só uma vida, mas ela é intensa e já desbprdante, portadora veloz de inefáveis doçuras!

Foi a l0 de Maio que senti o poder mágico da viva labareda que ateaste em meu peito.
*****

Não desponta ainda o Sol, no horizonte distante.
Ao chegar a esta mesa, senti-me preocupado, fixando insistente um lugar à direita.

Julgava tratar-se de velho andante que, subindo a encosta, chega, por fim, ao cimo do monte. Antes disso, porém, senta-se às vezes, olhando em redor e toma seu alento: devido àpersistência, ei-lo agora já no cume suspirado!

Quantas canseiras e duros trabalhos! Que série de aflições e
tormentos vários!
O coração fraquejando... as pernas a ceder... o ânimo débil a conturbar-se! Entretanto, viu realizado o intento premente de sua
alma tenaz!
Contudo, alongando o olhar pela imensa vastidão que, a
perder de vista se desdobra além, nota com enfado que o Sol benfazejo cursa, ao momento, zonas distantes. O que ele divisa, no extremo horizonte, é coisa indefinida,.. mancha anegrada que
prostra e abate o pobre coração.
Esperar?
Se ele desespera, não faço outro tanto! Cá estou esperando o raiar da aurora.
É verdade, realmente, serem quase 1o e 30, pois faltam apenas 5
minutos. O certo, porém, é que para mim não amanheceu! Julguei
há pouco entrever um clarão de luz formosíssima que breve deslumbrou os meus olhos famintos. Mas aih!

Quão breve se desfez a ténue claridade! Mal pude fixá-la, que o tempo não deu!
Estou ansioso e olho ainda para certo lugar, donde vem para os meus olhos o conforto dos teus.
Como sinto prestes a vida mudar-se... alterar-se a existência e
crescer o apego à terra-mãe, quando o sol dos teus olhos incide nos meus!
Quisera eu sempre vê-lo acendido e ser alumiado pelos raios
brilhantes que eles irradiam!
Sem eles, afinal, o mundo, para mim, seria escuridão.

É assim, de facto, que me julgo feliz. Não quero outra luz. Escuso outro guia. Desdenho de tudo quanto vise, alguma vez,
substituir o teu olhar, fecundo em promessas.

Aih! Se eu pudesse entrar já no abismo dos teus olhos e
descer às profundezas do teu coração! Descansaria, por fim, do
grande calvário que. a todo momento, asseteia a minha alma!

*****

São precisamente 10 horas e meia! O sol de maravilha vai, enfim, despontar!
Estou sentado, fixando,à direita, um lugar especial! Recordações belas vêm ao de cima, relacionadas com este local.
Momentos destes são o contrapeso doutros bem amargos que já vivi.
Agora, foi só um clarão, mas deixou rasto para muito breve,
uma vez que há promessa de novo encontro, em que os nossos corações vão desoprimir-se. Aguardo, pois, com ansiedade, essa hora ditosa,

*****

Já meia noite menos um quarto. Estou ainda agitado pelos factos de ontem e, por isso, não deixo de escrever, a esse respeito.
Dizer ou porfiar que esses momentos foram de alegria, era muito pouco, Seria nesmo nada! Afirmar, com entono, que foram realmente, a suprema ventura, era efectivamente dizer alguma coisa.
Quão diversas e opostas foram as vibrações que o meu peito sentiu! Nem quero lembrar momentos assim!

Tenho ainda o som, nos ouvidos gulosos, resultante, já se vê,
de palavras magoadas que saíram de teus lábios, ao inquirires da minha tristeza!
Que vozes sentidas! Que acentos doces, ternos e meigos!
Que prazer estonteante me empolgou então!

Gostaria imenso de permanecer ,contemplando em êxtase o rosto da minha amada, toda cheia de carinho, olvidando os seus casos e,
do mesmo passo, ostentando um ar que parecia extra-humano!

E eu que julgava, bem erradamente, ser importuna qualquer insistência! Agora, porém, já sei que não, pois casos há que inebriam a existência.
Poder-se-á morrer, de gozo e ventura?! Se for assim, receio a valer que a vida me fuja!

Oh! Que suaves harmonias derramaram teus lábios em minha alma gulosa! Daria tudo , tudo, para ouvi-las de novo. Fiquei saciado, naquela hora de encanto! Tão grande foi o júbilo, que hoje o meu dia não custou a passar!

Quando tornarão momentos assim?! Terei eu a ventura de vivê-los de novo?! Aih! É tão doce amar e ser retribuído!

*****

Da torre local, acabam de chegar as 5 da tarde!
Há muito já que o seu percutir me não fere o ouvido. Hoje, porém,, veio dolente amortalhar -me o espírito. Como foste cruel!

Mas eu não quero pensar no teu proceder! Não me entendeste! E eu,iludido, abreviando os trabalhos, para chegarem depressa as horas de ventura!
Soubera eu antes que seriam de angústia, para não fixar tão longamente a fada-enlevo, que me arrebata e seduz, quando a contemplo!
Lamentavas há dias que eu andasse triste ou ficasse desgostoso! Ah! Mas hoje, afinal, não te lembraste!


Fugiu a ventura que tornava agradável a minha existência!
Não sei agora se logo terei ânimo de subir a ladeira, após o jantar.

Estou combalido! Não entendeste! Nem a tua companheira! No
entanto, o que eu desejava era que percebesses: não queria lá, de modo nenhum, todas as pessoas!
Que desgosto enorme!
Já ontem,igualmente, o dia inteiro!... longe, tão longe de quem guarda a chave do meu viver! Horas... mais horas! Dias e tristeza...
sofrimento e dor!
Por um momento de felicidade, esta grande amargura!

*****

Acabo de chegar do passeio habitual, após o jantar. Ao sentar-me, de novo, reflecti na aridez de tal distracção, Afigura-se-me insulsa! Um caldinho sem sal era mais apetitoso.

A brisa suave que vinha beijar-me, no róseo jardim, não logrou
trazer-me gozo nenhum! Como fica, desde logo, a perder de vista , se a comparo, alguma vez, com o alado roçar de teus lábios sedosos! Aih! Nada aí há que de longe se compare a teu olhar
brincalhão e à suave carícia de teus lábios veludosos!

Quão diferentes as coisas são daquilo que parecem! Quem por ali fosse ia ver-me prazenteiro, até algo alheado, ao menos, a intervalos. O último aspecto só o captaria um olhar como o teu!

Lá me convenci de que entras, de facto pelos meus olhos! E
então que rapidez! Já não posso disfarçar, que sou logo apanhado!
Digo, no entanto, em abono da verdade, que não tento fazê-lo,
a não ser para brincar ou dizer a verdade, logo em seguida!

Bem sabes, há muito, que o meu coração não tem refolhos. É
talqualmente um livro aberto, sequioso de alguém que venha a qualquer hora , para ler o conteúdo.
Quanto era feliz, no dia memorável, em que davas a imagem de interessar-te por mim! Que diferença enorme, fazendo o paralelo com o dia de hoje! Não quero alegrar-me! Prefiro andar triste!

Quero antes a morte, a cada momento, ficando submetido às viragens da sorte que levar uma vida como tenho agora! Ignoro se é verdade, mas creio-me tão só! Estou desoladíssimo! Não pude saciar os desejos ardentes que agora me assediam!

Não pude realizar aspirações veementes que me estão violentando! Não pude alcançar a maior ventura que existe para mim! E não tive eu culpa! Mata-me de outro modo! Que não seja assim! Eu não posso viver! Não quero tal vida, pois é insatisfeita e cheia de amargura!
Aflige-me a existência, mas por outra via! Tortura a capricho, se quiseres assim, mas nunca me prives da tua companhia. Provoca
grandes males, desde que apareças, ante meus olhos..

Não me faças assim, não meu Amor?!
Peço, neste dia, que tenhas compaixão de quem vive para ti. Queria
fazer tudo, segundo tu pedias, mas ou fui eu que não soube ou tu que não quiseste! Já estou abandonado! Morreu tudo para mim!

Sabes? Aquilo que me rodeia continua a torturar-me. Tempo
houve, de facto, em que era feliz. Hoje. porém, nada me satisfaz

Sucede até uma coisa excêntrica: o que é mais belo ou chama a
atenção, de modo particular, é precisamente o que mais detesto e
deveras aborreço! Para mim só há uma beleza, uma rara formosura,
uns olhos feiticeiros, um cabelo assetinado ... um corpo de maravilha... uma alma de eleição.

Não haverá, talvez mulheres mais lindas? Não mo perguntem, caso não saibam. Não me assistem dúvidas, sobre a negativa. E um belo coração, generoso como o teu?! Também não! Aquilo que tens feito,
minha feiticeira, só o teu coração podia efectuá-lo.

Quem dera amar-te, ao jeito dos Anjos! Oh! : desejava isso, com
grande veemência.
Não chego a tanto, por ser impraticável! Apesar de tudo, podes convencer~te, de que o meu amor é bastante elevado. Se algo o
deslustra, é na verdade contra o meu querer!

*****

"Senta-se na pedrinha, junto à casa rústica e, olhando ali para o lado poente, medita, recorda e sente, mas não venha de lá com a lágrima no olho!"
Estas palavras, ditas com graça, revestem agora um ar profético. Ao ouvi-las, entrei-me a rir, não sabendo então se alguém descobriu que era forçado o tal desfecho!

Na casinha obscura do meu coração, derramei nessa hora,
lágrimas de férias, Ignoro, de igual modo se fui observado por olhos amigos.
Não quero, porém, lembrar esse tempo, em que eu, por má sorte, sepultado numa aldeia, avelhada e pobre, sem nemhum conforto, a não ser o da família,esmolava, de porta em porta, migalhas desejáveis que apenas alguém poderia trazer-me em grande abundância. Ficaria mais pedinte que os pobres da porta.

Longe estaria, muito longe decerto, a presença grata da minha
fada, encanto da vida Circe poderosa que me deu a beber um veneno letal, para roubar-me a tranquilidade.
E eu sozinho, cabisbaixo e agressivo, como âs vezes sou,
aqui no povoado!
Ela, no entanto, sempre a rir e a folgar, gozando o momento, a
doudejar, de casa em casa! Eu... quem sabe ?! A chorar a ausência de quem acendeu intensa fogueira, no meu coração.

Sentado na pedrinha, fixarei ditoso o Poente afogueado, enxergando ali as feiçõea correctas da Circe adorada que faz deliciosa a minha existência. Figurarei ali o teu vulto amoroso
e, se não puder, atentarei longamente nas tintas impressas que trago sempre comigo.

Quanto hei-de escancarar os meus olhos sedentos, já sobre o
Poente, já sobre as fotos, para assim admirar quem desde o início, me feriu de morte, num dia outonal.

Aih! Mas aqui, eu solto já um grito, deveras angustiante!
Contemplarei, enchendo-me de gozo, o aspecto insinuante dum
rosto lindo, sobre o qual desafoguei tantas vezes a fio,a minha alma ardente, sem haver decerto um mover de olhos, um gesto brejeiro,
apontando para mim!...
Vão extasiar-.me. cenários mudos? Deixá-lo! Para os animar, cobri-los-ei de beijos: longos, demorados,sôfregos e férvidos.
De vez em quando, receberei uma carta que encherá a minha
alma de plena ventura.

*****

Esperei a manhã de hoje qual aurora gloriosa que, após uma noite de insónia e tormento, viesse risonha assomar pela janela,
convidando-me prestes a novo lidar.

Seria reconfortante essa hora bendita que todo ano foi minha, em dia de quarta-feira, A desta semana figurou contrariamente Sexta-feira da Paixão.
Mais uma vez fiquei iludido! Não importa!É o prelúdio amargo
do que vai ocorrer, durante as longas férias. Quem nasce um dia para a má sorte escusa realmente de gerar sonhos de alta ventura.
No momento indesejado, vão logo desvanecer-se, qual fumo nos ares!
Às 9 e meia, esperava, em alvoroço, que alguém muito meu,
batesse a uma porta e,subtilmente, a afastasse para o lado, sofreando a custo a respiração.

Eu, por minha parte, ansioso de contemplar uns olhos amiguinhos, passeava agitado, em ampla quadra, de ouvido à escuta, afim de aproveitar o ensejo favorável,

Quando, porém, relanceei o olhar, por uma das janelas, notei desalentado que um vulto querido se esgueirava diligente, rumo ao portão que permite a saída.
À frente ia alguém que era a promotora dessa digressão.
Não desejo incriminar-te, pois eras incapaz de assumir, por acinte,
qualquer atitude que me fizesse penar.

Neste passo, intento fazer-te algumas confidências. Creio não me enganar,pensando agora que a tua colega procura, a valer, afastar-te de mim, por ter inveja. Várias vezes o tinha suspeitado, mas hoje
confirmou-se, de maneira aberta.

Como tudo saiu ( eram horas de merenda), ficou no local, mas eu tinha serviço, para realizar.Esperaria que tu, no regresso, tratasses comigo um assunto inadiável. A tua amiga iria ficar para o dia seguinte, Ao mesmo tempo é que não podia ser!

Não vejo razão para vos indispordes! Também não acho justo
que alguma de vós tente afastar de mim seja quem for!

Por estas razões e outras mais, invade-me a tristeza. Os dias felizes talvez acabassem! Nunca houvesse gostado essas horas tão
belas! Nâo haveria decerto o travor amargo que a lembrança delas está provocando!
Quando, belo Amor, derramarás sobre mim o perfume suave de teus beijos amorosos?! Passariam já os momentos ditosos, em que eu olvidava os males da existência?!


Aih! Que loucura de gosto! Não voltaste a escrever palavras de magia, que apenas tu é que sabes encontrar!

Agora, desejo escrever, derramando no papel a minha dor, para que fiques sabendo quanto sofro e peno!
Aproxima-se, no entanto,uma séria tarefa que me faz deslligar.
Após ela, tinha noutro tempo, a rara ventura de estar contigo. Em
nossos dias, tudo morreu! Hoje, era talvez o único ensejo que podia
trazer-nos momentos deliciosos. Já não queres, por ventura, fazer-me vontades, cono era habitual, entre nós ambos?!

Repara bem, Florinda! Nunca pedi nada que pudesse ofender-te ou levar dano à tua honra!
Então, deixa-me triste, pregado na cruz! Não te importes! Não
ligues mais! Volta-me o dorso, quando te buscar. Faz precisamente
como esta manhã!

Chegando a notícia de que certo infeliz se encontra agonizando, olhos cravados num vulto ideal, que se esgueira veloz para muito longe, não dês atenção! Procede como hoje. Folga e ri,

destemperadamente! Se alguém tentar,capciosamente,desligar-te
de mim, satisfaz tal desejo que o ciúme provoca.
Não te importe já que eu morra solitário, imerso em pranto...
amargura... desespero!

*****

Vinte e uma horas e trinta minutos. Precisamente a esta hora,
costumava passar, resvés da tua casa, absorvendo emanações que dali se evolavam. Quanto isso me agradava!

Hoje, no entanto, escassearam-me as forças, para atingir o lugar desejado. Falta-me o alento, pois me fugiu o que era estimulante, para o meu agir!
Neste momento, janelas e portas estão fechadas. O meu quarto solitário parece um túmulo. Tudo se apresenta de cores lutuosas! Nem um sorriso! Um brando volver de olhos meiguinhos...
um esboço carinhoso de brejeira atitude que me tornasse criança!

Continuará deste modo a vida na Terra?! Terei coragem bastante para defrontá-la?! Mas devia estar alegre, pois tive bom sucesso!
Número 1! Por mais alegria que haja, à minha roda, tudo para mim é trisreza e pranto!
Qual era,afinal, o grande enlevo da minha alma?! Quem tinha pressa, inquirindo se eu sofria?! Quem me olhava longamente, a devassar nos olhos, segredos amorosos?! Quem sorria prazenteira,
com o fito de alegrar-me?! Não posso recordar!

*****
Novembro - 1953

Recordar
Escrevo agora, sobre o joelho, gatafunhos e traços que vão em breve ser decifrados por quem eu adoro.
Sob a minha sebenta está jazendo outra que para mim tem
alto valor.
Conheço já de cor o seu conteúdo; no entanto, vou lê-lo, ainda mais uma vez, para finalmente lançar na minha desafogo e dores.
As duas sebentas estão juntinhas, murmurando segredos que
dois corações entendem e prezam.

Oh! Quem me dera figurar assim, juntinho também, ouvindo bater um coração amado! Não virá longe o dia suspirado, mas
quanto sofro, até que ele chegue!

Se a vejo feliz, é tal a ventura que ninguém imagina!
E se a vejo brincar?! Sinto, desde logo, funda emulação dos seus
companheiros, desejando ser eu o parceiro eterno!

É então que me devora a ânsia veemente de correr para ela,
e cobri-la de beijos, loucos, frementes!
Mas que barreiras são essas que me impedem furiosas de correr para a vida?!

Bateu o relógio três horas e meia, O Sol declina, além no
horizonte, e a aragem viva começa de actuar, revirando-me as folhas.
A paisagem é triste e algo severa! Não se coaduna com almas em fogo! Quem empresta beleza a quanto me circunda?!

Onde estás agora, Amor tão querido?! Não queres aliviar-me do fardo ingente que me faz vergar?! Não vês como sofro, de maneira horrível, quando longe de ti?! Por que foste veloz como a própria ventura?! Não te lembras, talvez, de que vivo só?!
Segunda-feira vem lá tão longe!...
O outro dia fugiste igualmente , na data que referes em tua
confidência.
Era minha intenção não falar no assunto, afim de evitar perturbação
de espírito mas. já que não te escapou, sempre direi a quem nada oculto, haver eu ficado muito combalido.

Tinha ido buscar as Memórias de Férias, para deixá-las à luz
dos meus olhos.... a primeira fada que assaz me encantou e faz
avariar o fiel da balança.
Ainda em verdes anos, tive os meus tormentos de
sensibilidade. Nunca, porém, havia amado.
Até hoje fui livre e jamais dera um beijo, em mulher alguma, que não
fosse minha mãe ou minhas irmãs.

Não falo, já se vê, de beijos de cortesia. Nunca tive aspiração
de receber um beijo, a não ser de ti.Quero dar beijinhos, vivos,
inflamados. pois sinto já fome, desejo insaciável de teus beijos
suspirados.
Através deles, comunico à tua boca o fogo voraz que ateaste
em mim.
Para ser felz tu só me bastas. Sem ti, afinal, o mundo em que
vivo é nada para mim. O Sol não aquece; a Lua não aclara; a Terra
é um deserto; as pessoas, tropeço; folgares até, sensaboria! Quero-
te, sim, amo e adoro-te. A tua alma é assaz ardente, igualando a
minha; o coração, também semelhante.

Quero ser louquinho... cingir-te ao de leve, para que possa dizer: és
minha só! Não te deixo roubar!
Desde aquele dia, em que falámos ambos dos famosos conceitos
do infeliz Camões, ando fora de mim.

Aquilo, afinal. é um estudo profundo, animado e vivo dum
coração fogoso, sensível e ardente! Uma coisa assim! No tal
soneto, vemos a nossa alma como num retrato.
Já leste mais algum do mesmo autor? Que maravilha!
Aqui fica para ti um breve comentário à primeira parte do soneto
imortal.

*****

"Amor é fogo que arde, sem se ver" A mais formosa palavra de
qualquer idioma, em plano igual ao da palavra mãe!
O sentimento que exprime transforma o ser humano, fazendo-o virar
de pérfido a leal; de grosseiro a delicado; de brutal a compassivo.

Tudo o que existe, no Céu e na Terra, foi efectuado por motivo
de amor. O Espirito Santo é fruto de amor entre o Pai e o Filho.
Este amor infinito gera necessariamente um Ser infinito.

O mundo em que vivemos foi criado por amor.
O homem existe, porque Deus o ama. Eu existo, porque meus
pais,instrumentos de Deus, se amaram também, Até os Anjos,
se existem, é pela mesma razão.

Se há hospitais, orfanatos e asilos como até gafarias e
lazaretos e assim preventórios, é por amor.

Se há obras imortais, no campo das Letras, Artes e Ciências,
é porque o amor que tudo vence, leva os mortais a nobres tarefas
Tudo gira, afinal, à volta do amor! Ao que ele não obriga!

Sem amor, a Terra e o Céu não fariam sentido. Seria tudo um
deserto, apavorante e frio.

O amor é, de facto, um sentimento nobre que gera imolação e
entrega cabal, aspirando sempre â união mais íntima, A raiz da
palavra "am"significa "união."

Voltemos ao nosso Camões.
Amor é fogo ardente, embora invisível. Que ele é fogo, vê-se nos
efeitos.
O fogo aquece, transforma e purifica. Assim o amor.
Nota-se o facto no ferver do sangue que estua nas veias; na cor
purpúria da face humana; nos movimentos ágeis e prontos, ainda
nas pessoas que são linfáticas.

Também é fácil provar que tal amor queima.
A chama dele, por ser intensa, nada respeita. Não achando obecto
em que possa actuar, devora-se a si mesma.
Quantos casos não há de suicídio e loucura?! Não é isto
queimar?!
Que ele transforma sabemo-lo todos.

,Logo que a amada surja aliciante,nos caminhos da vida, há enorme
tendência, cujo alvo,afinal, é seguir-lhe os passos. Se ela é cristã, o
noivo, admirador, faz-se cristão; se ela é culta, o louco amante
busca nivelar-se, para ser-lhe agradável; se ela é gentil , procura o
amador cultivar igualmente as boas maneiras, para evitar um
grande escolho: ser pesado e molesto à pessoa amada.
Purifica?
Toda(a)chama purifica.
Como só esta faria excepção?! Quantas chagas não cura o dito
amor?! Quantos defeitos ele não corrige, em pouco tempo?! E como
por encanto!
Ele é, a rigor, o cadinho prodigioso, em cujo interior se
aglomera a imundície, para lançá-la depois, no exterior.
Que não faz o ente humano, afim de conseguir a pessoa
amada?!
Vence tudo, tudo o que alguma vez se afigura insuperável!
Invisível
Arde e actua, no íntimo da alma, sendo por isso mesmo que a
chama se não alcança .
"É ferida que dói e não se sente!"
Sirva de comentário uma célebre frase de Santo Agostinho.
" Ubi amatur non laboratur; aut si laboratur, ipse labor amatur"
( Quando se ama não há espinhos ou se os há, amam-se também) .
"Descontente"
*****
Ontem, por sinal, vivi tão só! Evitei encontrar fosse quem fosse! Não
me agradavam contactos de fora! Que desolação!

Esperei em vão que chegassem para mim horas de ventura!
Pobre de quem espera, fora de toda a esperança!
Ando assediado por uma ideia exclusiva, absorvente, imperiosa!

O mais é irritante, embora eu pareça aquilo que não sou.
Qualquer pequeno óbice avoluma e desdobra a funda ansiedade
que me vai ralando, a cada hora que passa.

Que fazer?"
*****

"Contentamento descontente"

Tenho ânsia de mais,... muito, muito mais! Está correndo tão mal
o dia presente! Falta, na verdade, o que mais aprecio!
Aproxima-se já uma hora ingrata!

Aih! Meu destino, que descontentamento! São 13 horas!
Dentro em breve, convidam-me já para o almoço. Apetite? Não é
comigo! O meu apetite era muito outro! Nâo pude, uma vez mais
satisazê-lo! Passou o momento. Tudo morreu!

Quantas vezes não luziu, no formoso horizonte, esta hora
ensombrada que seria tão bela, se pudesse algo mais que trocar
impressões!
Não sofro tal viver que me lança em agonia! E haver alguém
a meter-se de permeio, alegndo com mentira, que não compreende
isto ou aquilo! E a quem o faz! Se fosse uma pacóvia!

Este lugar só vai preechê-lo uma única pessoa que eu amo
loucamente!. Jamais permiti que alguém se atrevesse!Foi única na
vida: assim continuará, pelo tempo fora!

Não compreendo um caso de sexta-feira!
Nunca tão cruéis e satânicas palavras se fizeram ouvir! Detesto-as
ao vivo! Matarem-me na alma a esperança fagueira da suprema
ventura que este mundo oferta!

Estou em agonia!
" É dor que desatina, sem doer!"

Quando o ínclito poeta escreveu o soneto, não se lembrou,
talvez, de que o amor, sendo fogo, há-de queimar! Ora, a
queimadura, é certo e provado que faz sofrer! Também ele antes
havia usado a palavra "descontente" Não é verdade
incontroversa que o descontentamento faz sofrer e torturar?!

Talvez o vate queira pôr em foco as contradições do próprio
amor, que a um tempo faz sofrer e causar alegria.Deve ser este,
realmente, o significado.
Desatina
Literalmente, equivale ao seguinte: perder o tino

De facto, leva a loucuras! Não admira! Segundo o provérbio, o amor
é forte como a própria morte! Não há cadeia, brônzea que seja,
capaz de impedir-lhe a violência do ímpeto. A inteligência como
a vontade, quem tal diria, são potências fracas , pretendendo impor-
se a um coração!
Alto que elas gritem, responde aquele: Agora, sou eu quem
manda!
Só a graça divina o faz render, se for solicitada.
Desatino e loucura, desconcerto, por vezes, é aquilo que se opõe à
nossa consciência.

O homem. quando ama, a valer, caminha forçosamente pelas vias
estreitas. erguidas nele pelo sentimento. A nossa vontade perde o
controlo , cedendo logo à paixão dominante, Esta é que manda e
sempre actua.
Não se diz jamais ter havido alguém que largasse de mão a
pessoa amada, por temor dos efeitos que Amor desencadeia.

A mim, então, afigura-se absurdo. O homem que ama e o faz com
paixão , a nada se curva. Vai impelido por mão invisível, que breve o
arremessa, em todos os sentidos, ao encontro dos obstáculos que
ao Amor se oponham.

Conselhos de amigo, leituras ponderadas, correctivos
sensatos de Superiores, ausências impostas, reflexão e tudo o mais
é para ele uma voz no deserto. E até sucede uma coisa
interessante: quanto mais entraves surgem no caminho, mais ele se
prende e toma de afecto.
Assim acontece que os grandes amorosos, como Bernardim
Ribeiro, ao verem falhar seus planos de amor,enlouquecem de vez
Há um ditado que reza assim: Longe da vista, longe do
coração!
Em assuntos de amor, esse amor-paixão, dá-se o contrário.
Sendo fingido, o que não passa de sombra, é mero egoísmo, como
sucede tantíssimas vezes!

Em tais circunstâncias, dissipa-se inteiramente, com a
mesma ausência. A isso,porém, não dou tal nome. Trata-se de
egoísmo, puro e mesquinho!

Não raro. sucede criarem-se laços, ditos amorosos, que outro
fim não têm senão infelicitar alguma das partes.
Quem assim faz é muito cruel e merece castigo. O amor verdadeiro
tudo repele, vencendo obstáculos, jamais permitindo que a pessoa
amada fique ao abandono.

Aquele que foge, ateado o incêndio, é cobarde e traidor.
Admito, realmente, que haja fraquezas, no peito escaldante de
alguém apaixonado, quando tem o direito de prender uma mulher.
Sempre que isto ocorre, com amor sincero, assume, desde
logo, a responsabilidade, A fuga é cruel, indigna, aviltante e
desumana.
Sem doer

Se não dói constantemente, há ocasiões em que a dor é atroz,
elevando-se tão alto, que apenas outro caso poderá excedê-la:
o de alguém traído, não obstante a doação, total e absoluta, em
corpo e alma. Oh que esta, sim, há-de ser bem maior! É um veneno
subtil, injectado com perícia, não havendo ninguém capaz de
suportá-lo!
Em verdade, se os momentos escaldantes do amor
corresondido não torturam a alma e antes lhe concedem alegria
inexprimível, verdade é também que são mais abundantes e até
duradouros aqueles que o amor vem tornar dolorosos.

Condição da vida humana, à face da Terra! Deus assim o permitiu
para que o homem se lembre de que não tem, neste mundo,
morada permanente. Entretanto, sucede por vezes, que o mesmo
sofrimento se torna amado
"É um não querer mais que bem querer"

É unicamente desejar a ventura à pessoa que amamos.
Como ser de outro modo, quando o ente amado é parte da nossa
alma?
Camões pôde afrmar: " Alma minha gentil..."
Já não existem almas distintas: não há também dois corações nem
rumos diferentes. Há uma só alma, um só coração, uma única vida,
uma só alegria, única felicidade que abrange os dois, fundindo-os
num só.
Alguém quer mal à sua mesma pessoa?! Ninguém, julgo eu.
Se tal acontecesse, era um absurdo! Deste modo,seria querer mal
à pessoa amada. Esta faz-se indistinta: é parte de nós mesmos.

A tal ponto é exacto, que a nossa alegria se confunde com a sua e
dela se nutre; as canseiras da vida reduzem-se todas a uma só:
tornar feliz a passoa dilecta... proporcionar-lhe tudo o que a ponha
contente... evitar pronto seja o que for, que possa contristá-la.

A tal ponto chegamos, que o nosso pesar aumenta com o seu,
agravando-se prestes; a nossa vida é irmã da sua e dela se nutre.
São realmente dis corpos distintos, mas um só coração, uma
única alma;, única alegria, um só pensar, única felicidade a
transbordar para ambos.

" É um solitário andar por entre gente."

Na própria raiz da palavra "solitário", encontramos "solus" ( do
Latim), que significa sozinho.
Como se explica este facto curioso: uma pessoa, entre
muitas, andar sozinha?!
Para alguém apaixonado, reduz-se este mundo a um ponto
único. Tudo o mais é indiferente, se não hostil ou ainda repugnante.
Nesse lugar concentra, pois, a sua actividade.

Quisesse, embora, seguir outro rumo,não podia fazê-lo!
Que é que sucede â agulha magnética? Imprima-lhe alguém energia
suficiente, para o número de voltas que for do seu agrado.
Ela, não obstante o caso, no fim do movimento, a que foi
constrangida, buscará, certamente, o lugar de repouso, que é o seu
norte.
Solicitada, imperiosamente, não oferece qualquer resistência.
O norte de quem ama é a pessoa amada. A razão de ser, para
todos os seus actos , quer internos quer externos, deve estar ali.

Acontece ainda que a vida interio absorve e domina a vida
exterior. Se alguém vê luz, julga provir dos olhos da amada; se os
ouvidos namorados registam sons, crêem ser a voz da eterna semi-
deia; se o mesmo olfacto nota odor, atribui-o pronto à fomte
inexaurível; o paladar, se tem deleite, em qualquer iguaria,ilude-se
também.

*****
(V. a F.) Vasco a Felício
Meu caro Amigo:

Como um dia resolvi dar-te a conhecer a minha vida íntima, aqui me
tens de novo para frisar um aspecto curioso da minha alma, tão
sequiosa e angustiada. Só com muito esforço e grande cuidado,
faço a confissão. Ignoro, realmente, o que tenho comigo.

Estava ocupado não sei em quê, ao reflectir no proceder da Filó,o
que provocou em mim alta depressão.

Fiquei sem forças: a cabeça pesada não regulava bem; o corpo já
frio; os pés e as pernas, entorpecidos! Jamais, que me lembre,
aconteceu tal coisa.
Num só instante, fiquei mudado. Tentei disfarçar, mas nada lucrei,
pois era observado por muitas pessoas que lidam comigo, há anos
já,
Espalhou-se o rumor de que eu, provavelmente, andaria
adoentado e, na verdade, outra coisa não era o que eu sentia.
Grave doença no corpo e na alma!

Jamais eu tivera, ao longo da vida. coisa semelhante. Julguei
até não poder resistir, apesar dos esforços em sentido oposto.
Trabalhar? Não era comigo! Escasseavam energias.

Perguntava a mim próprio a razão suficiente para tal depressão,
ficando sem resposta. Incriminava-me, dizendo ser tolo e diferente
dos outros que, mais sisudos, não procedem como eu .

Monologava em dor não ser compreendido e, entretanto, cheio
de angústia arrastava uma cruz que havia de matar-me. O que eu
não pensei!. Coisas sem jeito! Mutas sem nexo! Verdadeiras
palermices!

O que é certo, porém,é que eu, na verdade, me julgava
incapaz de aguentar este fardo.
Dei, nessa hora, por mal empregado o tempo ido e cri-me
desde logo, pessoa infeliz e incompreendida, tendo somente
vontade de chorar sem gosto de viver!
Causas?
Sabes a rodos a minha vida. Por demais conheces tu o meu feitio,
deveras impressionável. Qualquer banalidade me tortura e prostra.

Serão assim também as outras pessoas?

Talvez não! Triste coisa é esta que não me larga um momento que
seja ou então, se o faz, é para voltar, com mais violência! Quando
assim estou, nada me conforta!Bem ao invés! O que a outros alivia
é logo calvário para o meu coração. Maior infelicidade?

O caso em foco passou deste modo: falava eu com B, alguém
se aproximou a entregar um embrulho. Este simples facto já
enervou, mas esperava ainda que não fosse obstáculo, pois
envidaria todo o meu esforço em tal sentido. Entretanto, coisa bem
grave me encheu de pavor,

Pensando entreter-me, durante momentos, havia tanto suspirados,
(e com que vontade!)começou desde logo funda agonia que me fez
passar momentos cruciantes! Eu em pesoa fiquei surpreedido.

Nunca pensei que houvesse aí causa, para assim me chocar!
Fiquei só! Fugir? Poder ainda voltar, com ensejo favorável?

Haver já tanto que os dois não falávamos e,chegado o
momento,nada realizado! Como isto é amargo! Não posso viver
desta maneira! É uma vida intolerável!

Todos os dias esperava nervoso que algum incidente
facultasse ocasião de trocarmos impressões. Não seria decerto a
minha ventura?! Esse dia, porém, é que não chegava! Dias e noites,
horas e momentos, tudo eram sonhos que não se transformavam
em doce realidade!
Que devaneios! Que gratas loucuras eu cheguei a conceber
a sós comigo! Queria transmiti-las sem ter a quem.
Somente a ela desejava confiá-las, mas a distância não o
permitia
Foram três meses, longos e penosos que assim decorreram
em ânsias amargas, aliviados tão só pela esperança ténue de um
dia, mais tarde, se poder realizar aquele sonho-enlevo.
Escrevi, diligemte, nessas horas amargas, breves anotações,
para que ela,assim, fizesse ideia exacta de quanto sofri, a tão longa
distância.
Um belo dia, proporcionei-lhe as Memórias, ditadas pela alma
e escritas com sangue do meu coração, doente e saudoso.

Figuras tu o que veio a suceder?!
Foi respondido que não se entendia o que estava escrito. Ora, a
verdade é que tudo, nas Memórias. se relacionava com a pessoa
em causa, a qual faz parte da minha própria vida. Nada ali havia que
não fosse motivado por quem afirmava que não entendia.

Se misturei alguns dados, foi somente para disfarçar.
É, na verdade, sentida exposição de quanto sofri, nessa longa
ausência.
Vistas as coisas, noto amargurado que não suscito interesse a
quem eu desejo. Tão leve foi o empenho dela, que nunca o Diário
foi requisitado, para ler o resto.
É assim a resposta a uma viva paixão que me traz arrastado,
preso e combalido?!
Se isto é viver, com certeza a morte alargou o seu reinado!
Quanto esse facto me tem amarfanhado! Não calculas!

O sofrimento, acumulando-se todo, no pobre coração, e não
havendo saída para quem se pretende, é um perigo enorme! Que
não pode originar! Mas, afinal de contas, para quem desabafar
assuntos do género, a não ser para ela, a toda a hora presente no
meu pendamento?!
No trabalho e no repouso, na vigília e no sonho!... Longe e
perto! Que digo eu?! Sempre o mesmo!
O seu vulto amado, querido e sorridente, a vir consolar-me!

E se era eficaz! Bastava, de facto. um olhar dos seus, para tornar-
me outra pessoa. Aquilo, de facto, exercia uma influência que não
podes calcular!
Chegou, por fim, o tempo ansiado para o nosso encontro. Ia
ver brevemente,coroados de êxito os meus sonhos dourados!

Enganara-me! Houve, desde então, necessidade absoluta de
maior compostura e circunspecção, embora nada existisse, indigno
de mim ou menos próprio. Ficaram. pois, gorados todos os planos!

Este jeito de viver, contrariado e só. tortura-me a existência.
Anteriormente, permitia-se falar, a capricho meu,porque as circuns-
tâncias eram diferentes, Agora, porém, há restrições: só o farei,
quando esse alguém vier ter comigo. Quanto espero e sempre em
vão! Que momentos cruciantes não tenho vivido!

Penso, muitas vezes, que não serei digno, ou ainda que não
serei capaz de fazer a ventura de quem eu, talvez loucamente,amo,
com paixão.
Mas, em tal caso. valia bem mais desprezarem-me logo.
Assim, já não me iludia! Ficava desenganado e tudo acabava, de
uma vez para sempre.

Demais eu sabia que o meu tormento iria sumentar, mas que
importava?! Quem é já infeliz sentirá demasiado o recrescer da
angústia?! Talvez não!
Que falta eu sinto de atitudes e sinais que trocávamos já, sem
maldade alguma!

Éramos levados pelo mero entusiasmo de nossos corações!
Nunca mais voltarão?! Era tão fácil matar o desejo que assaz me
devora e fundo atormenta! Aih! que não posso aguentar! Viver
neste mundo tão desconsolado!

Parece-me até decorrer a existtência em meio de um deserto
ou sobre um campo de gelo eterno!
aAssim, a vida é árida!
Quando ela, raramente se abeira de mim, vem sempre
acompanhada.
Perdeu a confiança que tinha em mim?! Eu que por ela tudo
faria!
Além disso, quem a acompanha tem grande ibveja e olha
indiscreta para as nossas reacções. Quanto isso me dói!
As outras jovens não quero saber delas, com tal finalidade,!
A todas considero, mas se me impedem, realmente, aquilo que eu
desejo ... corre a vida mal!

*****

Ela, então, vendo-me abatido, escreveu uma carta. Mais triste
fiquei, ao tomar conhecimento do que hoje lhe sucedeu, logo de
manhã.. Custar-te-á crer, mas até chorei, assim que o soube!.
Melhor seria me coubesse a mim!
É tão meiga e boa! Tão minha amiga, que não posso admitir que
alguém a humilhe,
Desta vez, aconteceu, no entanto, o que jamais sucedera!
Impossívelreagir! Era tão grave o estado de prostração, que
apenas chorei!
Esperava ela encontrar-me satisfeito, mas isso, realmente,
ia para além das minhas possibilidades.

Todas falam para mim: só ela é que não.
Declarava a minha fada, em suas confidências, haver
canhamento, sendo por isso que bastantes vezes me não
procurava
Soubesse, ao de leve, quanto me angustitia dizer tais
palavras! É um esplnho acerbo que se crava no peito! E como ele
dó!i
Que viver amargurado vai sendo o meu, pelo modo ingrato
como tudo corre!
Anteriormente, julgava-me feliz, com as atitudes por demais
conhecidas. Hoje, ao invés, privado de tudo, isolado e sem família,
contando só com ela!...

Nem minhas irmãs já tenho comigo! Eram tão amigas!
Desabafávamos uns com os outros. Agora.porém, tudo morreu!

Elas fora do Continente! Além disso, quem eu desejava, junto de
mim, para confidências, foge impensada, afirmando ingénua que
nada tem para conversar!.
Terei ou não motivo, para crer-me infeliz?! Se nada já tem
para dizer, então nada sente. Mas não era isso o que ela declarava,
quando escrevia!

Como eu guardo solícito Diários seus, em que expõe a claro o
que tanto aprecio!
Quando a saudade me punge atrozmente, releio tais dizeres,
cheios de feitiço, conseguindo assim ficar logo outro!.
Aih! Quando terão realidade os sonhos delirantes que vivi em
férias?!
Demorará muito?! Se assim for, não tenho coragem para
viver,cá neste mundo! Sem ela, não posso com o fardo que me
oprime e subjuga!
Desculpa lá , indulgente, ser tão queixoso e lamuriento, mas
hoje não posso escrever , de maneira diferente

*****.

Vasco a Felício Bom Amigo:
(V a F)
Bem hajas tu, pelo vivo interesse, que manifestas,
sempre que se trata do pobre Vasco. Sei quanto devo, em amizade
e viva gratidão a quem, depois de Deus, é tudo para mim. Oxalá eu
possa agradecer o que tanto e tanto me sensibiliza.

Quereria relatar só coisas alegres, afim de compensar-te, mas
parece-me bem que nasci para a desgraça. Ora, que prazer pode vir
de tal situação?!
Nesta ordem de ideias , cá venho hoje com novas lamúrias.
Estou revoltado! Várias coisas se têm coligado, para me abater. Por
serem estranhas ao assunto habitual, decido omiti-las, para não te
aborrecer: dinheiro que me devem e...
É o que se chama trabalhar, para aquecer!
Aquele abraço de sempre! , Vasco
*****
Paciente Felício:
I Disponho somente de escassos minutos,mas não
deixo passar este belo ensejo: quero informar-te daquilo que sente o
meu coração.
Voltou a raiar o sol maravilhoso, cujos raios de ouro são toda a
razão da minha existência. Andava já falto de brilho e calor.
Como a vida é pesada, sem essa claridade! Que fardo molesto a
carregar sobre os meus ombros!

Vida sem sol! Vida sem amor! Vida sem rumo! Vida sem alguém que
seja pertença, fazendo-se a união pela amarra mais forte!

Que noite escura, medonha e vazia! Que treva espessa,
funda e pavorosa! Que abismo declivoso e resvaladiço!
Precipitar-me nele, sem um braço amigo, pronto e generoso a deter
prestável, a marcha para a morte!
Que montanha íngreme eu tinha a subir, desamparado e só,
no mais cruel abandono! Oh! calvário, amargo e tedioso, origem
fatal de tamana dor!
Notava, de facto, que os membros esfriavam. O
entorpecimento vinha logo breve e todo o meu ser ficava a capricho
da suma desgraça.
Como era infeliz! Dar um ai fundo , sem achar eco em peito
amigo! Verter, noite e dia, amargo pranto, sem que olhos amigos
notassem o facto, enxugando minhas lágrimas!

Viver angustiado, à maneira de escravo, a quem não permitem
dar-se e amar! Infelicidade que não tem igual! Mas, após a noite
ventosa que me havia arremessado contra as rochas do abandono,
em que julgava permanecer ainda, vem a luz radiosa convidar-me à
ventura.
É agora inegável que a vida reforçada traz novos encantos.
Tenho alguém a meu lado que sofre também, pela mesma razão.
Vive junto a mim quem vela soiícita porque a vida ingrata volte
a sorrir-me
Passa à minha beira, notando como o lince qualquer perturbação,
enquanto vai procurando entornar algum bálsamo na minha alma
chagada.
A cada momento, lhe escuto os passos; vejo-a solícita , dia e
noite, sempre a meu lado
II
V.a F (cont,)

Se olho para as estrelas,sorri-me de lá, meiga e bondosa. Se
fixo a Lua, faz-me negaças de entontecer. Se olho e contemplo a
escuridão da mesma noite, emerge dali um vulto adorado, a
ciciar,carinhoso: penso em ti; sofro por ti, amar-te-ei sempre.

Não receies jamais qualquer adversidade, que eu esou pronta
a lutar contra ela, para que enfim os nossos corações mergulhem
brevemente no Lago da Ventura.

Quem é que na vida se interessa por mim, vigiando cautelosa
a sua actividade, examinando, com todo o rigor, o seu proceder,
afim de que este me não desagrade?
Quem olha para mim, com ternura sem igual? Quem penetra
cerce o íntimo da alma, a dizer sinceramente: Sou tua para sempre!

Não estejas inquieto, que eu não tolero, de modo nenhum, ver uns
olhos castanhos, marejados de lágrimas ou ainda embaciados por
nuvens densas que, tantas vezes, ocultam a lluz, fazendo-se
escuro, no íntimo do peito!

Quem pensa em mim, a longa distância, tornando-se presente, a
expensas do Amor? Quem lê amiúde o meu próprio nome ou ouve
pronunciá-lo à brisa amiga, quando passa rentinho da sua janela?

Quem roga lhe desculpe o mínimo lapso que possa, de algum
modo, ferir a minha alma? Quem me aviventa, de maneira tal, que
me faz enlouquecer de funda paixão?! Quem me conhece, em longo
pormenor, sabendo o efeito que certas coisas produzem sempre na
minha alma doente?
Alguém foi, na verdade, que surgiu um dia nos caminhos da
existência, atribulada e escura, em que eu vivia.

*****

Acabo de chegar da "Longa Carreira"

Estou sozinho, olhando melancólico para o vasto horizonte
que, ao longe, se estende,diante de mim. Nada me prende e tudo
me horroriza, porque, há momentos,vi passar em vertigem,
pertinho de mim, uma luz diamantina.

Quando isto sucedeu, abandonaram-me as forças, não
sentindo coragem. para então dizer uma única palavra. Recordo os
meteoros que, em noites de Estio, percorrem o Céu, com grande
velocidade.
Num abrir e fechar de olhos, logo se furtam à nossa mirada.!
Foi assim também que eu vi extinguir-se o clarão duns olhos que,
ao vivo desejava focassem os meus, duramte segundos.

Vi, de facto, ( não me engano!) duas faces rosadas que, nessa
hora, desejava beijar, a capricho meu. Vi uma fronte,serena e
grave, ao de leve esconder-se e deixar, após si, uma réstia de luz.

Aih! que momento ditoso, mas tão amargo,por ser fugaz!
Assim me foge a vida que o débil coração já não sustenta!
Moribundo não está, que o enche vida nova, capaz de medir-se
com a própria eternidade!.

Faz hoje oito dias, também aqui vim, sentando-me inquieto
nestas jajes musgosas, entertido longo tempo, com leves fantasias.
que apens alguém é capaz de entender. Alguém adorado que cicia
ternamente: Quero ser tua e só de ti! Quero viver para ti somente!

Desejo ansiosa que a vida inteira seja imolação por
quem,nestes dias, vai sacrificando, nas aras do Amor!

*****

Eram 3 e 30, quando acordei. Não estar enfermo e assim
despertar, a uma hora destas! Infringe o costune!

Adormecera tristonho, por não ter a meu lado quem eu
desejava. Lera vorazmente confidências e sonhos que me põem
louco! Quanta emoção, no decurso da leitura! Quantos impulsos,
quase arrebatadores, para com a tinta, veículo de vida aleluiático!

O amor, de facto, não tem idade nem exige cor! Não atende
jamais .às conveniências! Pobre e mesquinho aquele que é ferido
pelas setas ervadas que o travesso Cupido alguma vez disparou!

Falta logo ensejo para fugir dele! Se alguém o tentasse, ficaria
desgraçado! Quero para sempre viver embalado por este sonho.
Não anelo, decerto, por outro estado nem pretendo
subir,mas apenas amar... amar loucamente,a vida inteira!

*****

Caríssimo Amigo: ( V, a F)

Cá me tens outra vez, qual servo fiel, vigilante e assíduo, que
tudo regista,para dar contas.
Não vás pensar que já o Sol raiou, no horizonte escuro da
minha existência!

Não é, decerto, aquele negrume , espesso e denso, capaz de
sufocar-me, em pouco tempo, mas ainda é sombra muito acentuada
a que paira sobre mim.
Devia ter reagido, ante os graves protestos de quem originou
aquilo que sucedeu. Tenho para mim que fui exagerado, nas
palavras agressivas que ontem proferi. Entretanto, ao saírem
dos lábios, não adverti. Hoje ainda, não posso discorrer, segundo o
costume
Sinto as ideias um tanto represadas: algo de esquisito que
não me larga já.
Escassearam-me as forças, no combate desigual, contra um
poder mais forte que o meu. Desanimei! Entendo claramente que
não sou já senhor dos meus próprios actos. Só é dado curvar-me
à dura tirania dos factos recentes. Triste sina esta que me inpele na
vida!
Passaram brevemente os tempos felizes, e a sua lembrança
apenas agrava o meu sofrimento.
As quatro estações vão e retornam. Após o Inverno, tão
,desconsolado, vem a Primavera, meiga e risonha, compensar-nos
logo de tanta frieza!

A mim, porém, já nada me resta! O passado morreu; o presente é
estéril; o futuro não é meu! Quem me pode alentar?!
Se olho à minha volta, só noto desinteresse. A minha vida está
represada, no peito insofrido. O pobre coração desgasta-se breve e
logo enfraquece, pois já não tem de que possa alimentar-se.

Sabes, com certeza, o que acontece ao estômago, à falta de
alimento?! Gasta, por força, a própria substância, de que ele é
formado. Ao cabo de algum tempo, fica destruído: assim vai
acontecer-me. Nada mais espero! Oxalá não seja mais depressa
do que eu imagino!
Intolerável a vida que não se comunica, já que a ventura
consiste em dar-se.
Oh! sentir-me inflamado por chama devoradora e não ter ao
alcance o que desejo e amo! Haver de aniquilar.me em cruento
inferno!
P S
Prometeram fazer cópia de ampla confidência, o que
muito apreciei. Tal propósito ocorreu, há já 12 meses!
Tem isto algum jeito?! Bem claro se vê que ando sozinho!
Melhor sorte para ti!

*****
Felício ao Editor
Excelente Amigo;

Vasco, ao presente, vai dando nas vistas. Deve possuir um feitio
singular! Ora jovial, de certa alegria bem comunicativa , ora
tristonho, parecendo já outro.

Hoje, por exemplo, não sei o que ele tinha! Desanuviou-se-lhe o
rosto, como por encanto!
Vira-o pensativo, acabrunhado e triste, figurando até ser mais
idoso. Agora, porém, todo ele é júbilo, boa disposição, alegria de
viver, amor à existência que parece correr-lhe âs mil maravilhas.

Como razão da estranha mudança, fala-se amiiúde numa
tal donzela que dá pelo nome de Maria Florinda.
Será verdade?
Coitado! Se gosta dela, ninguém o demoverá! É um doente amoroso
este pobre Vasco!

Junto, enviou também as últimas cartas, pois é seu desejo que
tomes disso notícia. Farás de todas elas o que bem entenderes e
assim também, quanto ao Diário Íntimo, incluindo a publicação.

Referiu igualmente que já tens isso em tua mão.
No dia azarento, em que sério obstáculo surgir pela frente, tenho
para mim que ele irá sucumbir. Começaria logo por tudo aborrecer o
demónio do rapaz! Ninguémo atura, em certas horas.
É romântico de gema! Que sentimental! Não vê ele, por aí,
mulheres a rodos?!

Já ouvi isto a pessoas amigas, em conversa íntima, as quais
estranham,mas a valer, tão grande absorção.

Liga ele às outras? Até dizem que as evita e, quando o não
faz, é porque o ensejo não é favorável. Quantas vezes, falando com
outras,aparenta alegria, só para esconder,não chamando as
atenções?!
É sensível em extremo, ao prazer e à dor. Se for amado, como
é notório, julga-se feliz.

Não conheço bem a tal Florinda, Indicaram-ma já,mas de
passagem. Fiquei, na verdade, bem impressionado, com tal
mocinha! Deve ter,realmente, uma sensibilidade, algo requintada,
ao jeito de Vasco. Estão bem talhados um para o o outro!
Índoles assim, quando se prendem, eliminam de vez,qualquer
obstáculo.
Ela não é feia. É sobretudo muito engraçada! Afirmam, por aí
ser amada a valer! Embora a princípio fosse retraída, ela agora nem
parece a mesma, segundo me constou, recentemene.

Amar e ser amado é suprema aspiração de todo ser humano.
Que ele seja feliz e ambos se entendam como Deus com os Anjos,
ninguém estranhará.
Por outro lado, não sentem como outros o peso da vida.
Ali, realmente, não há perversão, porque ele ama,de verdade, e
sofre o que Deus sabe, quando a vê triste.

Alguém notou já um pormenor curioso: sempre que um deles anda
macambúzio, logo o segundo se mostra afectado. Quando alegre,
verifica-ae o mesmo, na oura parte.
É raro, em nossos dias, encontrar daquilo!.Parecem maluquinhos!

Bom. Eu sei, há muito já, que nem todos possuem a mesma
capacidade, para amar e sentir. Mas o caso presente é deveras
singula!r Foi boa sorte não desacertar. Se o oposto ocorresse,
ia ser calamitoso este casamento.

Entretanto, não desacertou.
Ela procura solícita afrouxar-lhe bastante as agruras da vida.
Preocupa-se muito e faz o mais que pode, afim de que o futuro
venha ser risonho à pessoa que ama.

Gosto do rapaz que é, na verdade,pessoa compreensiva e
harto bondosa. Aprecio-a a ela, porque sabe orientar-se, de modo
igual, ficando a nível de quem lhe deu na vida o primeiro lugar. Foi
a única mulher que o prendeu a valer!
Deixá-los ser felizes!
Houve, não há muito, quem já surpreeendesse o tal felizardo
, a ler papelinhos que guarda cauteloso. Afasta-se breve para certo
lugar e, quando sozinho, lá está meditando, alheado e absorto,
horas e horas., Parece auferir não sei que substância.

Após a leitura que repete amiúde, inflama-se-lhe o peito, ateando
assim a grande labareda que o vai consumindo,em fogo e paixão.

Outras vezes, rasga atento certos escritos, havendo já
decorado o seu conteúdo.Inutiliza esmerado, papéis e confidências,
para que alguém indiscreto não vá assenhorear-se de segredos e
mágoas que só a ele é que dizem respeito.
Até eu, caso raro,me deixei tomar hoje de imensa alegria, que
deu, azo a comentários.

Sempre me empolga enorme curiosidade: saber o que ela diz ou
então lhe faz, para se transmudar em intensa alegria o que era,,
na verdade profunda tristeza.

*****
.
(Felício ao Editor)
Meu bom Amigo:

Encontrei Vasco, pela segunda vez e, ao vê-lo alheado, revirou-se-
me a alma. Com muita dextreza, puxei conversa, afim de ajudá-lo,
ficando elucidado, acerca de problemas que o trazem abatido.

Pobre rapaz! O coração humano é resvaladiço, quando ousa
mover-se para certo alvo. Causa-me pena ver deste modo o
jovem infeliz.
Havia já dito que iria ausentar-se, durante algum tempo e que
não obstante saía bem disposto, levando embora a alma abrasada e
já consumida pela febre da saudade que as lembranças do passado
viriam reacender.
Julgava, realmente, que não se abrisse , com tanta facilidade,
por causa do feitio deveras reservado.

Pediu com empenho imensa desculpa de entrar em
pormenores que nada interessavam às outras pessoas.
Começa então da seguinte maneira:" Dois espinhos acerbos
me estão causando tão vivo ardor, que não posso aguentá-los.

Embalado como andava no sonho amoroso da grata
despedida que se realizou, vi-me em breve tempo colhido e
maltratado por esses dois acúleos.

O primeiro deles foi originado por alguém haver dito que na
minha ausência ,caso esta ocorresse, havia de realizar-se
determinado encontro, que, estando eu presente, não seria
possível.
Cá dentro do peito, gelou-me o sangue nas veias dilatadas,
receando a valer que esse frio glacial baixasse ao lugar, onde está o
coração.
O mesmo é que farpar um amigo ou apunhalá-lo, mas pelas
costas
Ia continuar, mas o frenesi não lho consentiu.
Volvidos momentos, prosseguiu então: O que mais me dói não é
bem isso! É, sim, outra frase que me soou ali, qual toada plangente: Se ele cá não estiver, então é da maneira que eu cá venho
sem falta!
Aih! que não suporo a afronta!
Que funda angústia já me invadiu! Que negro pensar logo me
assaltou! Os outros desgostos suavizava-os o tempo, mais ainda a
presença amiga de quem julgamos fiel.

Terrível decepção por que não esperava!.
Andei iludido! Pois bem!Morra, pois ,eu e desapareça! Quem
manda, por ventura que eu seja parvo?! Nunca fiando! Donde
menos se espera é quelas aparecem!

Esta surpresa tão desagradãvel tira-me o sono, rouba-me a
paz, torna-me infeliz! Que a lição me aproveite!

Interroguei-o ainda, mas não respondeu. Fez com o braço um
gesto dilatado, a indicar que me afastasse.ou talvez melhor: a traçar
o rumo que ele ia seguir, cheio de angústia e dor imensa.
. P S
Se o encontrares, infunde-lhe coragem, pois ele é bom e leal,
bem intencionado e capaz de imolar-se por quem estime.
O abraço de sempre e muita paz manda o Felício
Adeus

*****
Caro Amigo:
(E a F)
Entre as várias notas que Vasco lançou, à maneira de
Diários, encontra-se uma que fundo comove,
Vou pôr na íntegra o que ela contém

"Nove horas da noite! Fatídica hora que faz tão amarga a existência
dum homem! No dia de hoje, três lanças agudas. penetrantes e
acerbas, vieram trespassar-me, em simultâneo. Três vivas saudades
me atormentam, com força e que eu, embora o tente, não consigo
alija!
Estou só! Faz hoje dois anos, éramos quatro: agora, porém,
somente dois! Um já está com Deus: é o meu querido e amado
Pai; o outro que falta é o bobdoso irmão, Foi para tão longe, que se
afigura morto, pois a distância impede que eu o veja.

E a terceira saudade? Esta, absorvente, dominadora, vem pôr
o remate: é alguém, na verdade,que eu amo loucamente e não vejo
também.
Que tarde foi hoje para o meu coração! Não tive alegria de
qualquer natureza! Houve quem notasse o meu abatimento. Era
impossível disfarçar o caso!

Ausente do que amo não posso viver! A cada hora que passa,
mais e mais me convenço de que ela, realmente, já é parte
integrante da minha própria vida. Pois então, que é, afinal de contas
aquilo que eu sinto?! Este mal-estar, esta indiferença por tudo o que
me rodeia, este andar alheado, por aqui e por além, sem nada
contentar-me...
Seria feliz, se agora a visse, beijando-a a meu gosto!
Será ela, na verdade, amiga sincera?! Oh! Por certo que é! Elevou-
se, a meus olhos,... não resta já dúvida
As promessas generosas dos últimos dias eliminaram a
dúvida.
Que momentos agradáveis me tem proporcionado quem me
torna a vida um sonho perpétuo! Ela! Só ela! Nenhuma outra!

Como voa certeira, para junto de mim, afim de trazer-me o que
tanto ambiciono! Os maiores males, quando ela surge, dissipam-se
logo; a minha tristeza esvai-se em breve, ao embate poderoso de
seu meigo olhar. Mágoas e dores, à vista pronta de seu rosto
adorável, que é todo bondade e meiguice de encantar,jamais se
vêem
Fogem para lohge, como por encanto! O meu grande
tormento, ao murmúrio de seus lábios, frementes de amor,dissipa-se
breve.
Aih! Quão doce é amar e, ao mesmo tempo, ser amado
também!

Haver ao nosso lado quem pense em nós, sofra connosco e
vibre a uníssono!... Alguém que pressente, num abrir e fechar de
olhos a nossa amargura e, por via misteriosa, a afasta logo!
Alguém, afinal, que chora e lamenta a nossa desdita. Alguém que
para nós é fonte de vida!"

*****
Fiel Amigo: (E a F)

Continuo gostoso a pôr-te ao corrente de quanto respeita ao nosso
Vasco. Trago. pois, mais outro Diário, por ele escrito. "Só! Antónjo
Nobre, já no século XIX, escreveu um livro, bastante melancólico, a
que deu esta epígrafe. Não julgaria ser o caso dele extensivo a
outrem?! Tambéu, talvez, o pudesse escrever.

Não sinto eu já, num grau elevado, o amargo travor que a
palavra destila?! É pequenina! Apenas duas letras. Entretanto,,
resume tanta dor!
Só! É montanha pedregosa, escarpada e alta que alguém, já
idoso, olha com desânimo, posto no sopé, em fundo vale!
Só! É cadafalso, bem tormentoso e assaz cruel, onde morre
para sempre a luz da esperança!
Só! É corda nodosa, retesa e puxada, na garganta em estertor
de alguém que vai morrer!
Só! É viver, noite e dia, o tormento de cada hora, sem
mudança alguma!
Só! É morrer contrariado, sem achar compreensão para o
grande martírio
Só! É ficar sem eco o grito angustiante do pobre mortal!
Só! É mirar à sua roda , para encontrar só indiferença ou até
má vontade!
Só! É não ter ao pé de si um braço prestável e assaz
generoso, na mesma desgraça!
Só! É ver, em toda a parte, bem-estar e alegria, aumentando
com isso o próprio sofrimento!
Só! É notar, em desespero que o tormento recrudesce, por
meio do que oitrora o fazia monorar!
Só! É não ouvir palavras carinhosas, cuja melodia embala o
coração!
Só! É também ouvir, por noite cerrada, o marulhar fremente de
ondas insofridas!
Só! É andar à deriva, sobre o dorso das mesmas,,sem que
venha mão firme livrar-nos do perigo. É verificar, em alta surpresa,
que os outros são felizes e tornar-se daí mais e mais pensativo.

Oito dias, afinal, era tempo bastante, para angustiar-me em
grau extremo. Contudo, não bastaram! O meu calvário tinha de
prosseguir, não sabendo até quando. Impossível!

Se eu pudesse exprimir aquilo que senti!
E agora, para debelar esta minha dor, não vejo empenho em tal
sentido!
Noto, sim, que ela se diver-te e folga tranquíla, não lhe
importando o que ofende e me fere..
Já me não sorri a vida que vivio. Não quero existir, por modo
igual! É arrastar, por modo contínuo, os dias que faltam. Achando
pretexto, afasto-me logo, para longe daqui.

Intoxicam estes ares! Matam-me estes céus! Verga e tortura
o ambiente sufocante! Mirra-me decerto, esta paisagen!
Deixou já de brilhar o astro radioso que me inundava de luz,
fazendo as delícias da minha existência.

Oito dias sem sol, oito dias de calvário... longo... longo e duro!
Já não sou quem era! Sinto agora que nada já valho, ainda
naquilo em que julgava ter préstimo! Como estou vendo, não
posso urdir a minha felicidade, achando-me só!

Tão pouco eu faço a de outra pessoa!
Fui louco, talvez, deixando-me arrastar por esta paixão.Devia ser
prudente, comedido e parco. Por desgraça minha, foi de outra
maneira! Agora, pois, sinto-me vergado por dor sem fim e não sei de
remédio que possa curar!

Avolumou-se tanto, que prestes alcança as entranhas do ser.
Não sei avaliar o estado em que vivo. Morrerei, definhando, por não
suportar a dor assassina que me está crucificando!
Vivo enclausurado nas paredes do ser, náo podendo revelar
aquilo que sofro. Desta maneira, não posso ter alívio.Prefiro
realmente, ser desprezado!

Que ela diga, em voz alta, que vai, realmente, levá-lo a cabo!
Sim, desejo que, ao passar, volte logo as costas, pela segunda vez.
Neste caso, já não esperava momentos deliciosos, que outrora
inebriavam o meu coração, Poria então de parte o sonho obsidiante
que, ao longo do tempo, me trouxe embalado.

Talvez desatine,mas preferia que ela me odiasse, a proceder
como agora faz
Podia acontecer que o grande sofrimento me fizesse apático
Que importava isso?! Após os tristes factos que vi desenrolar
nada já receio, pois chegou realmente o maior dos males que
podiam sobrevir.

Estremece o meu ser, escrevendo tais palavras,que actuam
sobre mim, qual adaga assassina!
Merecerei ttal coisa? Ser posto de lado, como se faz
geralmente, a objectos gastos, que não servem para nada!

Por que tive aspirações de si irrealizáveis?! Podereu eu,
acaso, impor-me a outrem?! Terá outrem igualmente obrigação de
aturar meus caprichos embirrentos e loucas aspirações?!
Apenas eu é que sei dedicar-me até à loucura?!

Entretanto, fere-me o desdém,
O esquecimento é mau, que revela ingratidão, mas o desdém é pior
do que isso, porque leva a espada aos seios da alma
Em que mudei eu?! Onde estão as promessas, feitas e
juradas, impensadamente?!

Nem o que eu escrevo, a sangue corrente,é aceito e amado?!
Repele-me forte como se eu fora objecto imundo!
Atende-se mais às conveniências que ao mesmo afecto que prende
e tortura?!
Nada me resta que eu ame ou deseje! A esperança deixou-
me, tolhendo a felicidade. Tirou-ma de vez quem podia assegurá-la.
Pois não vive indiferente, como se, em verdade, nada houvesse
ocorrido?! Infeliz que eu sou!"

*****
Saudoso Amigo: (F a E)

A página escrita que hoje te envio é impressionante. Reza ela
assim como vai seguidamente:" Sozinho e triste! Nem esperança
me resta de tempos melhores! Poderá, realmente, haver aí martírio
como este que me fere?!Entretanto, aquilo que mais aviva esta
chaga aberta é reconhecer que nada já sou!
Os dias passados! Pobre de mim!

Momentos ditosos, calai-vos depressa, que estais amargurando este
peito em ferida! Não vedes a chaga que verte em orufusão
sujeitando a grave risco a própria existência?!

Afastai-vos , pois ,e deixai-me aqui, mergulhado em pranto,
sofrendo a agonia que me tem amarfanhado!
Ela, impensada, tomou outro rumo, dando já costas.. Sempre
que passa é de relance! Eu adivinho! A minha presença causa-lhe
dano ... É verdade! Seja eu destroçado, para que ela se erga!...

Levantar-se donde?! Apenas se levanta quem já caiu! Mas ela
está de pé! Não ia ser eu a fazê-la cair!
Levantar, isso sim!
Estivesse eu culpado em assuntos de amor, saberia
manter-me em fidelidade! Mas não! Fui recha çado por cálculos vis.
assassinos e coveiros da minha felicidade! Puseram-me de lado,
julgando-me incapaz de torna venturosa aquela que eu amava.
Como se o facto houvesse passado!"

*****

Bom Amigo: (F a V)

Permiti a leitura da última carta, para veres assim quão grande tortura nos está flagelando. Como bons amigos, vivemos a fundo os teus problemas.
Nas horas de tristeza, lembra-te disto,
Aquele abraço de sempre e felicidades.
Felício
*****
Querida Florinda:

Após oito dias, longos, tão longos, de ingente sofrimento, raiou por
fim a bela aurora,tão auspiciosa, que veio banhar-me em onds de
luz e suave perfume. Era bem merecido este refrigério, para um
coração abismado em dor!
Usa um pseudónomo, em teus escritos. Há olhares
indiscretos e línguas viperinas que podem causar-te algum dissabor
beijinhos do teu Vasco

*****
Querido Amigo: (F a E)

Mais um fragmento da vida psicológica do nosso Vasco.
"Viver é amar e amar é dar-se. mas o sentido ficou
a meio. Amar é dar-se e também receber Uma coisa assim, implica
a outra.
Eu, porém, como sou infeliz, nada recebo.
Serei eu egoísta? Não é por egoísmo, sim por necessidade. Tenho
ânsia de infinito!

Ora, presentemente, julgo que nem vivo. Como viver,se eu não
posso dar?! Os sentimentos de amor que no peito alimento, sou
constrangido a refreá-los breve, para não se mostrarem. Que luta
inglória, parva, desumana!

O homem parvinho, lutando com esforço, contra si próprio!
Estas realidades não podem negar-se nem ser represadas!
Proceder como eu é aniquilar-se, de maneira gradual, presenciando,
hora a hora a própria ruína! Isto, assim, não é viver! É morrer aos
poucos... finar-se lentamente!

Que tempo durará este espinho acerbo que, momento a
momento se crava mais e mais no meu coração?! Alguém que não
eu o sabe claramente. Entretanto, o que mais me tortura é saber
eu que, sendo notória a razão do meu pranto, ninguém dá um
passo. afim de minorá-lo!

Vejo, sim, indiferença, distracção e folia. Ocupam-se de tudo,
menos de mim.
Já não mereço nenhum interesse?! É bem possível, mas nesse
caso, que amarga desilusão! Outro punhal que fundo se crana no
peito dorido!
Quão dolorosas tais decepções! Espera-se uma coisa e sai a
contrária! E, sendo como agora, inteiramente oposta ao que alguém
pretende!... Não posso exprimir, em linguagem humana, o labirinto
infernal, que é, nesta hora, meu pobre coração!

São vozes interiores qur prorrompem fortes! Se eu tentasse
calar estas vozes poderosas, mais alto e firme elas gritariam!
É um pensamento que todo me empolga, A toda a hora ele
está porfiando que amo loucamente, sem compensação! Esperar
deste modo, contra toda a esperamça!...

Foi ontem Domingo, Julgava eu que pudesse acabar táo
grande canseira. Nova desilusão! Houve, sim, confirmação de eu
haver nascido para a desgraça!
O teu amigo de sempre,Felício"
3Novo Fragmento
. *****
Bom Amigo: (F a E)
Estou agora ouvindo um coro admirável de
vozes juvenis, a vibrar de entusiasmo... frementes de júbilo!Deliram
talvez, ante a perspectiva que jã se antolha.
Os sons eloquentes da cara mocidade são esfuziantes, direi
absorventes,e perturbadores.
Eu próprio ( quem tal diria?) me sinto dominado por grande
euforia que julgp vir do tempo, em que a vida era assim.
Noto à evidência que tal ambiente me faz renontar a épocas
distantes e já saudosas.

Gostaria de fazer parte desse coro maravilhoso que agora me
embala, afim e que hoje a minha voz troante se fundisse com a tua,
formando assin um belo uníssono, para exteriorizarmos a vibração
forte do noso peito.
Quem dera enxergar-te, ao ouvir a tua voz,, afim de que o
brilho de teus olhos castanhos e a doce harmonia que se evola de ti
fizessem imergir a minha alma enamorada em pélago de ventura.

Quanto me rodeia é tudo vazio e sensabor. A mesma
abundância, longe de ti, é pobreza extrema.
A escassez, porém, sendo a teu lado, é já plenitude.
Dizem, porfiando,ser enorme o espaço; grande o Ocano; variadas
as cores; delicioso o perfume; suave a harmonia. Eu ,no entanto,
jamais aplico os meus sentidos, apreciando,´à data,esses primores..

O meu centro de interesse és tu e só tu! Acima de ti, apenas
Deus do Céu!. Não quero mais nada, no mundo terreno, O meu
coração descansa em ti; os meus olhos famintos saciam-se prestes;
o meu ouvido inquieto delira contigo; o meu tacto por igual,
satisfaz-se, a contento, nas linhas suaves do teu vulyo gentil.

O resto do mumdo que vale para mim?! As pessoas e as
coisas, a mesma Natureza a os próprios elementos, paisagens
formosas ... tudo isso é nada, ante o mundo formoso que agora me
encanta.
*****
(V a F)

Dedicado Amigo:

Escrevo, nesta hora, mais bem humorado, pois me vejo preferido
naquela medida, em que eu o faço também. Exprimir tal gozo não
posso nem intento, que é tarefa dispensável, Queria, no entanto,
deixar-te ao corrente, psrs te alegrares com a minha ventura.
Procedo como vês, por saber, de fonte certa, que folgas
imenso, de ver-me satisfeito. Comigo, sucede também a mesma
coisa, a respeito de ti.
Felício, estou delirante! Haver alguém que é luz e calor,dá
bem-estar que não tem igual!

Luz e calor! Quanto isto não vale! No meio da treva que sempre me
envolveu, surgiu radioso o sol de maravilha, a que devo, sem
entraves, a minha felicidade,

Nunca tinha amado! Tivera simpatias, uma das quais bastante
calorosa. Amar, propriamente, jamais, até agora! Por isso, ignorava,
a fundo, a beleza que encerra o verbo amar, conjugado por dois,
que tenham em vista a felicidade.

E nós, afinal, compreendemo-nos bem: somos louquinhos um pelo
outro! O sofrimento de um é logo atenuado por alguém estremecido
que breve se aproxima. Desta maneira, vale a pena viver!

Era tão cerrada a noite amargosa, em que estava imerso!
Como se transmudaram as coisas da vida! Tudo brilho! Tudo
esplendor! Tudo claridade!

Ao surgir o desalento, vem ela pronta, certeira e veloz, como
o pensamento suavizar as agruras da mimha existência, Exige lhe
conte, bem por miúdo, os meus dissabores, as minhas aflições,
incertezas da vida, agruras e dores!

Não hei- de eu querer-lhe, assim loucamente ?! Podia não
amar um um anjo formoso, que surgiu na vida , para que eu libasse
as doçuras do amor?!
Agora, pois, já não vivo sozinho: ela pensa em mim... quer-me
em extremo! Que me importa o convívio, leituras e discursos,
encontros e folgares?! Sem ela presente, é isso mal-estar!

Que podem vir dizer ao meu coração, sedento de amor?! Muito por
ventura, mas nada certamente que valha aiguma vez um sorriso
dos seus... um brando volver de olhos amorosos; simples carícia ou
beijo inflamado!
Quando tal sucede, há momentos inefáveis que não posso
olvidar! Cingi-la, ao de leve... sentir no meu seio o arfar de seu
peito ...unir aos seus meus lábios sedentos... envolvê-la em meus
braços...
Assim, já não me pertenço! Deixo de ser eu! É um laço i
invisível que me prende a ela e me fixa a quem amo, até ao delírio.
Sinto.me então, percorrido por um fluido que, embora invisível, me
leve, a talante, para as douradas regiões da leve fantasia e do
sonho eterno!
Quem vai arrancar-me a seus braços protectores?! Quem me
rouba os seus beijos ardentes?! Quem me banha a contento, nol
ago de seus olhos?! Quem desatina, olhando para ela?!Quem daria
muito, só para beijá-la?! Quem tudo arriscaria por um beijo dos
seus?! E por mil?! Quem cega e cai, só de não ver?! Quem entra em
delírio, somente de olhar para seu corpo esbelto?! Quem muito se
aflige, só de imaginar que venha a perdê-la?!

É minha! Só minha! Que mais desejo eu, aqui neste mundo?!
Sendo ela a minha vida,, nisso tenho o mundo. Sinto-me feliz! Mas o
fundo anseio, o mal-estar permanente é devido, por certo, à falta de
convívio.
O Amor compreende-me e tudo fará, para contentar-me. É
verdade total que professo vivamente e não desejo descrer.
Tenho esta certeza: alegrar um de nós é, do mesmo passo,
alegrar também o outro.
Dúvidas? Tive-as já. Hoje, a tal respeito, respeito, não tenho
nenhuma!
O grande temor reside precisamente em que vá indispô-la, com
impertnências! Nunca sucedeu,mas é pensamento que, às vezes,
me assalta, Entretanto, ele é tão meiga, generosa e dedicada!
Pudesse eu tê-la aqui, bem junto a mim!
É táo saboroso encontrar-me assim!
Sentir o calor dum sangue escaldante! Verificar a febre dum peito a
arder!
Amadora,27 de Maio de 2006
Coordenador e editor: Pedro Inês da Fonseca

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