quarta-feira, 2 de setembro de 2009

M 01 - 1972/08/01 a 11/14

Quando o Sol Brilhava Ainda
e
1972/08/01
a
1972/11/14

Quando o Sol brilhava ainda

Introdução

Ao ler um dia uma nota de Castilho, sobre a excelência e superioridade que a nossa Língua tem, sobre a Italiana e a dos Bretões, reflecti seriamente e propus realizar, tanto quanto possível, um desejo seu.
Antes de mais, passo a fazer a citação do famoso elogio.
«Quem tem a fortuna de falar, como nós, uma Língua aberta e franca, de sons perceptíveis, distintos e claros; de agudos,graves e esdrúxulos,nas convenientes proporções, sem demasia de vogais que a enervem,como o Italiano; sem o tropel de consoantes que a endureçam e arrepiem como o Inglês : tem licença, antes obrigação de fazer dela um instrumento músico, até na prosa»

Após a meditação, fiz a mim esta pergunta: estarei, de facto, bem preparado?
A resposta veio logo, mas com restrições e vários àpartes. Ia
lutar! Depois, se veria a minha habilidade.Tinha seis anos a partir
dos 29,Só a fina flor dos nossos clássicos: Castilho e Garrete,
Herculano e Latino, Vieira e Bernardes e Frei Luís de Sousa.
A estes sete juntei mais alguns que se distinguiram como esilistas:
Torga, Queiroz e Fialho
A parte musical estava mais garantida, pois fui aluno distinto.
Quanto a instrumentos, apenas em um deles atingi a perfeição. a flauta pastoril e a flauta de chaves. Escolho então a primeira.
Estranharão talvez que eu faça misturas: linguagem e música? Pois fiquem sabendo que elas são irmãs gémeas,Ambas se baseiam nos mesmos sons, já expressos por notas, já por meio de sílabas.
Um bom escritor precisa, decerto, ouvido exigente, para boa melodia
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Frase Melódica

Para obtermos o que tanto deleita o nosso ouvido, precisamos dos recursos, em que o Português é bastante rico. Além do que vemos,enunciado por Castilho e que é fundamental, podemos juntar algo mais ainda; ordem directa, inversa e transposta; eliminação de monossílabos duros (que), sempre que possível (Fialho), evitar por norma, períodos longos, com subordinação; afastar palavras, terminadas em mente (não abusar). Recorrer,amiúde ao estilo coloquial e à coordenação.(Garrete)
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Que são as Memórias?

Diários curiosos que versam assuntos muito variados, onde pode encontrar-se alguma coisa nova: critérios diferentes dos habituais; crítica cerrada a costumes cediços; maneiras de ver, já fora de uso; condenação do celibato imposto e assim do aborto; reprovação total da homossexualidade bem como do espavento, observado na rua; os nossos psicólogos estão esperando, para tratar essa perversão.

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Que defendem e louvam?
A existência humana; a alegria de viver; a paz e o bem; a fidelidade; o amor a Deus e assim ao próximo; a vocação
livre, em contacto com a sociedade, para haver opção; o
pai psicológico; a educação, a partir da análise e não da síntese, que é método de trevas.
A análise vai do efeito para a causa; a síntese,da causa para o efeito
A Religião é divina, porque é boa; a Religião é boa, porque é divina
Também nas Escolas é mais eficiente o Ensino pela análise. Só é de lamentar que não seja aplicado, como
se faz,no estrangeiro.
Será uma das razões por que andamos sempre na cauda do progesso?

Prefácio

«Portugal cujo alto Império / O Sol logo em nascendo vê primeiro / Vê-o também no meio do hemisfério / E. quando desce, o deixa derradeiro.»
Andava na cabeça e no meu coração a ideia de Império. Uma extensão, de Nascente a Poente. só interrompida pelos Oceanos! Uma Pátria grande, una, indivisível, amada e respeitada, onde o Evangelho era divulgado e lançadas as raízes da civilização que tem o Cristianismo como fundamento.
Desde a Primária, sonhava eu, frequentemente, em ver um dia uma parcela do maior Império que houve na Terra, onde o Sol nunca se punha e os naturais tinham os mesmos direitos que nós próprios, na Metrópole.
Isto decretara o ilustre Salazar, pelo Acto Colonial de 1933. Era grande, grande , imensa e bela essa Pátria ditosa, onde os filhos viviam felizes, como eu pude ver, na querida Angola.
O tempo rodava, passando já o ano de 1972. Deixaria, pois, o Ensino Particular. aqui na Metrópole e passaria a exercer a minha profissão, no Ultramar ( Angola - Silva Porto ), no Ensino Oficial.
Eu rejubilava, sentindo a alma a transbordar de gozo! O sonho de outrora virava realidade.
O avião potente, um quadrimotor, arrancava de Lisboa, elevando-se nos ares, a 96oo metros, por sobre as águas do Mar imenso.
Não tivemos licença de sobrevoar os povos africanos. Apesar disso, lá vou arroubado e quase em êxtase!
Após 8 horas de voo contínuo, a 900 quilómetros, por cada , hora ,pisava, de novo, terra portuguesa! Fundo abalo moral se apoderou de mim ! Era quase meia noite. Seria de crer me encontrasse ainda em solo português?! Era, naturalmente, verdade incontroversa.
Acabava o sonho : comaçava a realidade. E eu ganhava ânimo, pois no Magistério iria preparar os jovens angolanos para a independência, em que Marcelo Caetano andava empenhado, com grande afã e generosidade.
Entretanto, surge o diabo, incarnado em estranhos, altamente invejosos (« Saí vós,para entrarmos nós») e em certos Lusos que o nosso Camões apodou como segue, aproximadamente : «… também entre os Portugueses traidores houve algumas vezes.»
Assim foi escrita a página mais negra , infame e detestável da História de Portugal. Esta nódoa acarvoada percebeu -a ainda o probo Melo Antunes. insigne Militar ,de carácter impoluto que, numa frase lapidar, pouco antes da morte, execrou veemente, a " descolonização»,condenando assim o 25 de Abril e o feio surto anti-patrótico do exército português,
esse corajoso e imbatível exército que, ao longo de 8 séculos, fora honra de um povo e glória militar, combatendo inimigos como Leão e Castela, afundados para sempre, nas Guerras da Indepencência e da Restauração.
O Mosteiro da Batalha e o Convento do Carmo falam bem alto, a este respeito. Esse mesmo exército que se havia batido, , aniquilando os Mouros,na Peninsula Hibérica, nas costas de África e também na Ásia,lançou-se ousadamente, em luta frenética, para manter as fronteiras da Pátria distante.Quanto sangue derranado! Quantas lágrimas vertidas! Que façanhas heróicas!
Venha Melo Antunes. do outro mundo a este, repetir como censura e eterna maldição, para aquele exército de Abril - 74, a frase escaldante, condenatória e esconjurante, que eu tenho bem presente, porque a ouvi, pela televisão, num tom lastimante e embargado na sua garganta. quase sufocada: « Dizem por aí que a descolonização foi a única possível! Não foi. não!A descolonização foi uma tragédia!»!
Esta frase acutilante, sincera e veemente ficará para sempre como voz de maldição, a retumbar, sonora e potente, para além dos séculos. Deporem com ódio, nas mãos criminosas dos nossos inimigos, o que tínhamos de mais belo. agradável e santo!
A glória de um povo, os seus motivos de orgulho, as páginas soberanas da História de Portugal! Foi um enterro, um cuspir sacrílego, na História da Pátria! E que Pátria! « Se mais mundos houvera, lá chegara». .
O corpo da Pátria ficou desconjuntado e feito pedaços. Não decerto, a sua alma. Porquê? Porque a Religião persiste heroicamente em manter-se pura, íntegra e sem nódoa :
bispos e sacerdotes, missionários e missionárias, católicos e devotos e até membros separados mantêm ali o fogo sagrado que sustenta e aviva o grande Património da nossa Língua, respiração da Pátria e sua alma ardente, e a Religião que Jesus Cristo nos veio ensinar.
Alguém conheço eu que era professor na Escola Técnica de Silva Porto ( Bié ),ao tempo exacto da grande reviravolta do 25 de Abril.
Essa personagem cujos pés doridos tocavam já sendas estranhas,sofreu e chorou, com milhões de Portugueses: brancos. negros e mestiços.
O torrão sagrado que os vira nascer deixara já de ser português, para tornar-se um campo de batalha, em guerra civil, interminável.
Que desolação aquele inferno! Nem Polícia nem exército! No meio deste caos, fixei bem aquela personagem a quem fiz referência. Tal homem era eu, já desterrado, grandemente oprimido, saqueado, infeliz e miserando!

Memórias

Em viagem: 1-8-1972
Este é o dia1,dia sonhado, em que largo de Lisboa, para terra. angolana. Eis a razão por que ando excitado. Sendo o primeiro voo, actua em mim como algo misterioso. Utilizara antes pequena avioneta, sobre o norte, de França, mas isto, afinal, não tem comparação.
Aguarda-me, ao presente, um Jacto colossal, que me leva a Luanda no espaço de 8 horas e 10 minutos. Por outro lado, são viagens temerosas, donde,por vezes, se não volta mais.

Tudo isto que digo me punha alvoroçado, nos últimos dias. Entretanto, como o tempo roda sempre, chegou para mim a hora da partida. Alugo, pois, um táxi e eis-me em seguida, à frente do aeroporto.

Percurso de magia! Foi só abrir e fechar os olhos! Cumpridas que foram as velhas formalidades.na espaçosa Alfândega bem como na Polícia, aguardo ansioso , no vasto salão, não sabendo ao certo qual a porta de saída. Nisto,encontro alguém que passeia ali, despreocupado,em franca oposição àquilo que eu sentia.
Pergunto-lhe,de chofre, se vai para Luanda. Responde que sim, juntando em seguida, que tem feito a mesma coisa, todos os anos.
Esclarece, amavelmente, que trabalha em Benguela, onde conhece tudo como os seus dedos.
Respiro já fundo! Escuso de ter receio, disse eu então para os meus botões. Basta, para tanto, seguir o cavalheiro e jamais o largar.
Chega a hora da partida e nós ambos ali, sem tomar decisão. Não viamos ninguém.
Interiormente, eu sentia-me oprimido: já passava da hora! Ante o disparate, surge a hospedeira, em busca azeda, para ver se descobre os dois atrapalhados. Com modos agressivos, pergunta em voz alta: Não ouviram anunciar,por meio da radio, e chamar várias vezes?! Fico, realmente, sem pinga de sangue, durante um momento e nem olho sequer para o meu companheiro, que estava aparvalhado!
Respondo que não. Ela insiste ainda e eu mostro carranca. De quem era a culpa? De todos? De ninguém?
Diz-nos, por fim, que sigamos em frente, rumo à porta X, onde nos aguarda o meio de transporte, que liga ao avião.
Imagino os comentários que então se fariam, ao ver-nos chegar! Mas, enfim, o mal estava feito e. embora sem culpa, ficámos, desde logo, à mercê do mundo, sujeitos, nessa hora, a crítica marota!
Agora, respiro sossegado: o avião é confortável; a vizinhança boa.
Feitas, sem demora, as recomendações que ouço atentamente, aperto o cinturão e aguardo alvoroçado.
Um colosso daqueles, transportando não menos que 800 pessoas,
lograria subir?!
Começam de actuar os potentes motores, circulando a ventoinha de passo igual.. Primeiro, só um; depois, outro e outro, ficando,por fim, o quadrimotor, em plena acção. As três rodas do Jacto iniciaram a marcha: primeiro. lentamente. acelerando, em seguidal. Ao longo da pista, avança decidido. Sem darmos por isso,descola tão suave,
que figura um assombro!
Automaticamente,desaparecem logo as mágicas rodinhas, ficando sem uso, enquanto o gigante se lança no espaço, à velocidade incrível de 900 quilómetros! Que maravilha de técnica! Que sensação de conforto! Perdemos a noção de estar em andamento.Espreito e investigo, mas que hei-de eu ver, fora do
Jacto?! Só nuvens. Agora é andar. ..
Vem a refeição, temendo eu que vão tombar os copos de vidro, em cima das mesinhas. Não seria acaso temeridade?!.
Enganara-me! A mesma coisa, precisamente, que estarmos no
chão!
Logo a meu lado, um jovem casal, embebido a fundo e inebriado com seu bebé, só de 11 meses! Sorrio-lhe de perto e o belo petiz engraça comigo! Fixa-me então, longa, longamente e estende os bracinhos, na minha direcção.
Os amorosos pais, senhores educados, têm graus académicos.

Aí vou eu, pois, num prodígio de técnica: dois corredores longitudinais; 8 filas de cadeiras em perpendicular.’
Estamos separados das águas marítimas por 9600 metros. Esta é,pois, a altura do voo, sobre as águas do Mar,porque assim o exigem os povos africanos, não permitindo que aviões portugueses violem seu espaço.



2-8-1972
Luanda
A noite passada não vi a cama. Morosamente acabadas as formalidades, no porto de Luanda, era quase meia noite. Disseram-me ali, abertamente: "Quanto à saída, lá por madrugada, arranjando bilhete," o que era incerto,por haver muita gente. Além disso, muitos passsageiros tinham lugar certo, a partir de Lisboa, onde fora combinado. Por todas as razões, decidi pronto ficar de vigilia, até finalmente romper o dia.
Julgando sufocar, mercê do calor,enchi-me de espanto, quando anunciaram que a tempertura subia a 18.

Passeei algumas horas, com a mala à vista, pois querendo guardá-la, não tinha lugar. Andavam ali obras. no Aeroporto e, provavelmente, apenas mais tarde poderia fazê-lo.

Conversei animado, afim de passar o tempo restante, mas os parceiros iam escasseando, pela noite fora. Decido então preferir a testada, onde um jovem sonhador passeava também

Iguais circunstâncias aproximam sempre,razão pela qual a conversa tem pé. Afinal de contas,era um jovem brasileiro, que já residira em Sá da Bandeira e agora trabalha na capital de Angola.

Falou-me do receio em ir para a cidade, ao longo da noite, pois era perigoso, segundo referiu. Esperava uma boleia, para deslocar-se. Assim que ela veio, fiquei sozinho, no silêncio da noite.

Como o tempo resfriava,reetrei na Estação, esperando resignado.Por fim, a bilheteira abrriu, conseguindo lugar para Nova Lisboa. Agora, já não tinha surpresas a segunda etapa. Entretanto,
o voo sobre Angola não foi agradável como o primeiro.

Em Nova Lisboa, aterrámos de novo, ficando algum tempo.
Havendo chegado às 8,após hora e meia, a partir de Luanda, embarcámos então rumo a Silva Porto, aonde havíamos de chegar, âs 9 da manhã.
Agora é que são elas! Não tenho "carreira"para a vila do Chitembo! Os alugueres são caros!
Penso em boleia, mas onde encontrá-la?. Talvez os soldados que, do Chitembo, aqui vêm ,semanalmente.
Demando o Quartel, mas encontrá-lo?! Sem o tentar, vejo-me em breve na pista dos aviões

De regresso já, por sol ardente, após uma noite sem fechar olho, com os pés sangrando, entro alquebrado na Missão Feminina.
levando a mira num telefonema que viesse ajudar. Fizeram-se 2. mas foram vãos! Já não podia! Nunca mais, pensava eu, veria o Chitembo, desejado termo da penosa viagem, cujo início fora em Manteigas?!

A Superiora aconselhou-me insistente,a que visitasse o Prelado, pois era muito simples, bondoso e prestável. Ele então diria como havia de fazer.
O carro da Missão não estava, nesse dia. Após certa relutância pelo meu desalinhp e até depressão , em que já me encontrava, resolvi pôr em prática a prudente sugestão daquels Religiosa.
Encontrei-o sem demora. Apresentando-me ali.obtive logo a
resposta inesperada: havia hospedagem o tempo necessário.
Ele estava sozimho: até o cozinheiro havia adoecido. Caso contrário, declarou gentilmente, ia levar-me à vila do Chitembo no seu próprio carro.
Fiquei muito grato pelo bom acolhimento e fundo interesse , então revelado-
Em seguida, veio-lhe uma ideia: levar-me prestes a uma casa amiga, o patrício Varandas, a quem exporia o caso urgente.
Diz então o meu patrício: Amanhã, dirijo-me ao Paço. afim de
combinar-se como há-de ser.
Levou-me depois na sua furgoneta a casa do cunhado, Carlos Varandas, onde foi resolvido levarem-me ao Chitembo, nesse mesmo dia, para fazer uma grata surpresa, diziam eles, à
Dona Agusta e sua família.

Assim foi, na verdade e, ao fim de um hora, entrava na vila , objecto dos meus sonhos e oásis de paz.
De tudo o que sucedera, uma ideia flutuava, dobrepondo-se a todas: encontrava, por fim, um Bispo diferente que depusera a capa medieval, para figurar como hoje pretendemos: simples mortal, junto de seus iirmãos , brancos e pretos a quem ama servir.

Prezei tal encontro e jamais olvidarei a maneira simples e o bom acolhimento do Bispo de Silva Porto.

Silva Porto
3-8-1972
A conselho do Prelado, celebrei nas Madres, que foram muito amáveis. A conselho do Prelado, celebrei nas Madres, que foram muito amáveis. A dois passos apenas. atravesso a estrada e eis-me no pórtico, a premir a campainha. Tive de aguardar um leve espaço, como era natural, por ser fora de hábitos, e, além do mais, ser t
Entrei, seguidamente, numa capelinha que se encheu de fiéis: gente de serviço e várias Religiosas.

Logo depois, veio o dejejum, em que fiz companhia ao Prelado oficioso, na sua casa modesta, exígua e apagada. Gostei dos seus modos, porquanto é lhano, acessível e simples, banindo de si o aparato episcopal que assaz enregela, intimida e esmaga! Assim, forçosamente, não há discriminação nem fosso intransponível.
Lhano e afável é bom estar com ele, avivando-se logo o desejo de voltar.

Convidou-me, em seguida, a fazer um pequeno giro, pelos arredores, visitando as oficinas que pertencem ao Bispado. Um pequeno mundo, a funcionar com ordem! Todos se esmeram em agir eficazmente e com prontidão

Excelentes máquinas para cerração, carpintaria, serralharia e marcenaria. Afigura-se aquilo verdadeiro pandemónio, não pela desordem, mas pelo movimento. agitação e dextreza.
Trabalham ali, nas oficinas, mais de 1oo pessoas.

No regresso, ligeira vista de olhos ao futuro Paço, que já se encontra assaz adiantado. Fica situado em esplêndido lugar: as francas traseiras da Câmara citadina e do Banco de Angola.
Ocupam-se agora do rés-do-chão e, logo a seguir, do primeiro andar.
Explicado o fim a que é destinado cada um dos espaços, fizemos, desde logo, caras à sede, onde realizámos um giro gostoso, pelo amplo quintal .Aqui, vicejam e produzem mimosas laranjeiras, que oferecem os frutos com sorriso e amor.

Nisto, aparece o Bonifácio que se encarrega do lugar em causa. Mal fala Português e pouco liga à indumentária. Disse ele então, porfiando até, que as laranjas mais verdes eram as melhores. Falaria a sério?

Chitembo
4-8-1972

O quadro inesquecível que mais fundo tocou a mimha veia de artista foi,sem dúvida o nascer do Sol. Por isso, estou sempre alerta, para notar-lhe as várias cambiantes.

Ao que dizem, o quadro não é igual, durante o ano, apresentando modalidades e tons que são variadíssimos, ao longo das estações.
Agora, lá surge na linha no horizonte ,qual disco perfeito, carregado na cor e de linhas bem nítidas.
Nunca do vira assim, por terras da Europa, razão suficiente por que ele me cativa, de modo excepcional.
Na Metrópole distante, surgia mais tarde, espalhando, desde logo, seus raios luminosos, em todos os sentidos.
Aqui é uma salva, redondinha e vermelha, de um tom carregado que se eleva suavemente, no céu de carmim.

Enbevecido, vou-me de corrida, seguindo-o com os olhos, maravilhado e feliz, cismando aqui e detendo-me além, arrebatado e fora de mim.
Gostava, realmente, de ficar mais perto, abeirando-me dele a bel-prazer, e auferindo, em cheio, a grandeza e poesia de tão belo quadro. Sendo isto impossível, faço-o de longe e só na medida em que se torna exequível.
Passado algum tempo, o vermelho definido atenua-se já, tomando em breve cor alaranjada, a partir de cima.

A evolução do rico matiz, que se vai operando, insensivelmente, é das coisas mais belas que tenho presenciado. Alaranja-se ao de leve, na parte superior e, sem que dêmos conta, vai a cor alastrando. em sentido inverso. Desta maneira, fica esse disco em tom alaranjado, na parte superior, ténue ao centro e indefinido, na parte inferior
Chegado o momento de passar a outra cor, vai-nos aparecendo com laivos de prata, na zona superior: uma prata brilhante que ofusca os olhos, percorrendo as mesmas fases que
no momento passado e que, por fim, se apresenta luminosa, como salva de prata que ofusca e deslumbra.

Sobe agora o astro luminoso, no espaço infinito, dardejando seus raios de prata dourada para todos os cantos do Orbe terráqueo. E eu sinto-me pequeno, ante a maravilha desse corpo celeste que, a um milhão e meio de bem medidos quilómetros, vem beneficiar-me, sem esperar recompensa nenhuma!
Deus do Céu é grande e amigo, desinteressado e Artista genial.

Chitembo
5-8-1972

Desde que vim, tornou-se meu hábito o giro matinal. Gosto de ver o Sol, rompendo no horizonte… deleitar-me jubiloso no ar puro e sadio que vem da savana.Por isso, às 6 menos 15, largo do Chitembo, pequena vila, entre Silva Porto e Serpa Pinto, umas vezes para Norte, outras para Sul , ao longo da estrada que leva a serpa Pinto
O que era martírio, há poucos meses ainda, volveu-se desde já, em belo passa-tempo, oferecendo às gentes um piso suave e aliciante em que dá gosto passear pela manhã, seja ainda a pé, o que sucede comigo.
Desta feita, enveredei para Sul, fazendo assim caras ao velho Barros, que reside a 3 quilómetros. junto à via pública.
Ora em mangas de camisa ora de casaco leve, pendurado nos ombros, lá vou eu, pau na mão, deleitando a vista na chapada imensa ou ouvindo, ensimesmado, o cantar amoroso das meigas avezinhas..
Em primeiro lugar, atravesso a vilória,que alinha simétrica, ao longo da estrada, bordejando-a com arte. São casinhas modestas,
mas pitorescas. Observo os mamoeiros, assaz deselegantes e
harto acanhados, ostentando grossos frutos, em receio constante de caírem ao chão.
Uma ou outra vez, os cães vigilantes, que não prezam muito os madrugadores, atiram-se a estes, com enorme furor. Se não fora o bordão, que intimida e afasta!...

Vem agora a descida, para facilitar a longa camnhada. Lá
mesmo no fundo, passa o rio Chitembo. É um curso empobrecido,
muito perto da nascente, o que motivou que eu o não visse, da primeira vez. Julgava,de início, que teria , pelo menos, um quilómetro de largura. No entanto, lá está, quase ainda na infância, como é próprio dos rios,quando perto da nascente.

Agora, é preciso tomar fôlego: vou subir um pouco e avistar o Chitembo, para saudar,logo em seguida , os pretos madrugadores que rodeiam a vivenda, à bomba da gasolina.

Os senhores da casa estão imolando,nas aras de Morfeu,
pois têm fechadas portas e janelas.
Atrás e à direita, a embala do Chitembo, rodeada de mulembas, seculares e augustas.

Avanço dois quilómetros e avisto dali o rio Lucena, modesto, já se vê, mas espertinho e bem humorado. Cinco quilómetos! É tempo de regressar!

6-8-1972
Chitembo
Nesta digressão, enveredei, sem delongas, para o Chiongo. em sentido contrário ao dos outros dias: via-Silva Porto.
Gostava de ir ao Chiongo, em sentido oposto a Serpa Pinto. Tinha de palmilhar os meus 5 quilómetros! Nem era muito, afinal. Ainda que fosse! Querer é poder.

Estrada fora, pisando o asfalto, por tempo fresquinho, ia fixando os marcos da via, para ter (a) certeza de quanto faltava, medido em quilómetros.
Um… dois … três… quatro! Faltava só um. Lá surge o quimbo, pela minha esquerda. Por ser bastante grande, figura uma sanzala, embora o não seja.
Pois lá fui sempre, bate que bate, respondendo logo à saudação dos Negros matinais, em busca do trabalho.

Alguns dentre eles iam de bicicleta, porquanto é isso a grande aspiração do preto angolano, Bicicleta e óculos estonteiam a cabeça! Talvez só o álccol se possa equiparar, em grau de paixão!
E não se julgue que são pachorrentos, uma vez bifurcados em sua maquineta! Acicatam em extremo o pedal martirizado e parece, às vezes, que voam no espaço!

Luz vermelha não usam! Os outros lá se arranjem!
Abram os olhos, que já têm idade, experiência e juízo, para coisas destas!
Ao passarem por mim, obscuro peão, julgavam-se mais gente e
não se enganavam. De facto, um peão não pode ombrear com outros a cavalo ou ainda bifurcados em sua bicicleta!
É de ver então como vencem as didtâncias! Assemelham-se ao homem
que tem algum dinheiro, posto em paralelo com outro sem ele.
Não haverá, realmente, diferença profunda?!Até o ar exterior o denuncia, à maravilha.
Entretanto, as rolas meiguinhas embalavam meus passos,
amenizando assim a llonga caminhada
À entrada du quimbo, trabalhavam já com grande afã, erigindo cubatas de feição moderna

7-8-1972
Chitembo
Designo o Chitembo como simples vilória, não por desprezo e menos por afronta, mas olhando, certamente, à sua exiguidade. No entanto, é gracioso, crescendo com o tempo, se tudo ajudar. Como são os rios, junto à nascente? Insignificantes,débeis até mas, ao chegarem à foz, ostentam grandeza e revestem majestade.
O próprio homem,que vale. ao nascer, se olhamos, de facto, ao seu tamanho? Ente diminuto, fraco , impotente, de nada é capaz! Mas deixai-o crescer e logo desenvolver-se, proporcionando-lhe tudo o que a vida requer, e vereis, mais tarde, um santo dos altares um atleta ou sábio, espírito de eleição, benfeitor da Humanidade.
É a vila do Chitembo uma criançla de colo que precisa, já se vê, o favor e o carinho das autarquias, para atingir a maturidade e gerar seus frutos.
De óptima estrada já ele dispõe, ligando Silva Porto a Serpa Pinto
e a Nova Lisboa. Foi este um grande passo, uma vez que, sem vias de acesso, qualquer aglomerado fica sem asas, para expandir-se.
Outro melhoramento é, ma verdade, a igreja paroquial , onde se reza amiude e louva ao Senho, que tudo nos dá.
De mencionar também a Escola Primária que, à data, infelizmente, não tem professor, ao menos classificado. Em anos anteriores, andou com mais sorte!

Avulta,por igual, o novo Quartel ,nesta área estratégica, ,situada que fica na zona operacional, entre Silva Porto e Nova Lisboa. Dispõe, ao tempo, de várias Companhias, distribuídas aí pelo Mutumbo,,Múmbue, Catota, etc.
Avistam-se ainda as Casas Comerciais, ao longo da estrada. Pena é que sejam tantas, para meio tão pequeno, o que certanente provoca mal- estar, dissenções e inveja.
Possui, além disso. Uma bela Pensão, uma Cantina e Clube Regional, Administração e Posto Médico, sem faltar a Polícia.

A primeira Casa de tipo Comercial, à direita de quem entra de costas viradas para Silva Porto, é moradia e pertença do
honesto casal Fonseca Martins e de seus filhos: Margarida (assassinada, no 25 de Abril), Carlos Alberto, Isaías e Regina.

8-8-1972
Chitembo
Para os pretos desta área, a palavra "soldado" faz logo arrepios, gerando mal-estar. Chamam-lhe ladrão, agente de quezílias, perturbador, ruína de seus lares. O nível moral desceu um tanto com a sua presença.
. Alguns dentre eles arrogam-se, na verdade, todos os direitos ainda aqueles que são inalienáveis.
.
Os galões e a posição , tudo vicejando com pingues ordenados, abrem as portas à vida sem freio: entrada nas cubatas; gado a capricho; cedência na honra;que pagam a dinheiro, se é que a pagam sempre!

Outras vezes ainda, levam as coisas pela violência. Não raramente, há graves conflitos, donde as pessoas acabam por sair bastanre mal tratadas. Metem- se a dentro as portas das cubatas, servem-se das mulheres e roubam o que acham. Nem todos assim fazem

Entre os animais, tomam de preferência , galinhas a cabras. E os pobres pretos que têm nisso bela garantia para a sua mantença e assim também do agregado familiar, ficam desde logo a ver navios! Como hão-de tolerar ou ver com bons olhos
esta gente irresponsável, atrevida e molesta?Nem todos são o mesmo? Concordo, mas há disto aqui!

Sinto vergonha e lavro o meu protesto! Constou-me, em particular, qjue não há violência, no tocante às, mulheres, embora se note, em ordem aos maridos.
Por via de regra, pais e tios, irmãos e noivos opõem-se logo, de forma tenaz. aos factos em causa. Não era assim, noutros tempos! Tudo se altera! Não há respeito nem dignidade!
Os Ganguelas são tímidos., A falta de resistência não expressa adesão ou consentimento.
Que mais será preciso, para que falte a paz e não tenham alegria?! , . . ..
. . . , Direitos postergados; dignidade ofendida; honra conspurcada!

Por outro lado, é muito frequente surgirem doenças de carácter venério, transmitidas aii por gentes contaminadas que, de vez em qundo, violentam as pretas, aumentando assim os casos dramáticos,já nas sanzalas, já nos quimbos.
Quantos casos de sífilis em que a honra naufraga e, juntamente, a paz e a alegria dum lar adorado! Depois, as jovens enchem-se de filhos, cada um de seu pai, originando assim uma vida complicada e cheia de angústia!
O pai esteve presente, à maneira de animal, sem querer participar na responsabilidade.

A lei, realmente, protege as mulheres bem o sei eu, mas
elas têm medo e não vão queixar-se.
É esta,por certo, uma fonte lastimosa de prostituição. Não é, tantas vezes, a miséria em que as lançam,a causa responsável de uma vida assim?!

Pelo que tenho observado, com os meus próprios olhos,encontra-se a tropa na base destes males.
Apraz-me acreditar que, entre os soldados, há muitos honestos e respeitadores.,.

9-8-1972
Chitembo
Nunca havia provado. Ouvira, realmente, falar de nuces e assim também de outros animais, que a savana alimenta e os homens abatem, para regalo de seus estômagos e alegria de convivas.
No respeitante a cabras de mato, não era já leigo, pois havia provado, enquanto me diziam: "Se fosse nuce, era outra coisa!"

Eu, por miha parte, declarei então que não era má, embora um tanto seca.
O dia. porém, chegou finalmente. Ao alvorecer,aparece na minha frente um bife alentado, que me fez transpirar, ao vê-lo no prato.

Deletei-me pronto a saboreá-lo, porquanto era tenro e habilmente preparado. Não se tratava já, como às vezes sucedia, por terras da Metrópole, de treinar os pobres dentes em nacos de sola, um tanto dura! Aquilo, de facto, não tem senelhante.!

Por volta do meio ou pouco mais, tive esta ideia: deixar o restante para outra vez, não fosse rebentar ou correr tal risco.
Entretanto, por não fazer resistência e ser uma delícia, levei-o até ao fim.
Gabei o fino gosto do nosso cozinheiro e confirmei, a propósto, o que já me haviam dito: Carne de nuce não tem igual!

Agora a caçada. Julgava eu que era durante o dia. Qual história! Pela noite de breu, após longa caminhada, calcorreando extensas anharas e roçando nas bissapas! Não é coisa suave. A comitiva prossegue, dispondo somente de uma arma ou duas, uma bateria, carregada à cabeça, e um potente farolim, sustentado por nativos,

São 6 homens, quase todos negros. Agrada-lhes a valer tomar boa parte, com a mira na presa, de que levam quinhão.
O preto do farolim vai sempre alerta, apontando a luz em várias direcções. De vez em quando, surgem do mato dois olhos reluzentes como dois diamantes.
A 22 ou a 30 são logo manejadas, fazendo ali pontaria exacta.

Para que o tiro não falhe, serve de apoio o ombro dum preto que se põe de joelhos. Após a detonação, todos acorrem, em busca da presa.

10-8-1972
Chitembo
Dinheiro de multas dinheiro de maldição! Não se dá nem troca; não se vende nem empresta; não se come nem se bebe; não fica a prazo no Banco nem tão pouco à ordem!

Como designar este emprego tão exótico?!
Árduo se torna indicar-lhe o destino, mas parece me até ser dinheiro para o Demo. Não é satânico o fiscal arguto, de olho alerta , inquiridor e pronto,com a mira posta na sua percentagem?! Nã é diabólico tão indigno processo de extorquir aos pobres os meios de vida que lhes matam a fome?!

Dinheiro votado ao próprio Satanás e a outros diabretes! Coisa pior não vejo nem eu sei,realmente. que haja por aí.
Coube agora a vez aos meus familiares. Senti bem fundo o seu desagrado, pois, na verdade, nem eram culpados.!

Comerciantes modestos, por serem honrados, não devia o fiscal aplicar-lhes a multa. que foi ultrapassar os mil escudos. É o magro lucro de vários dias de enormes canseiras, em meio pobre e reduzido. como o do Chitembo.
Atrasos e dívidas que não entram já… multas volumosas…
mercadoria em parte estragada; monos arrumados e impostos de vulto permitirão viver ao pequeno comerciante, honrado e honesto?
É por esta razão que tantos e tantos deixam a tarefa às portas da falência, por não ganharem que baste, para as depesas da casa.
Segundo medisseram, foi causa da multa o facto seguinte: umas peles de cabra, já deterioradas, que o fiscal descobriu, na
Casa dos eucaliptos. É de notar ainda que a dita vivenda e a Casa Comercial tem estado arrendada, passando de mão em mão.
Expostas ao ar, à chuva e ao vento, já estavam sem préstimo, havendo longo tempo que ali se encontravam, em inteiro abandono.
Haveria culpa nisso, ignorando-se até que as peles existiam?!
Assim corre a História: a vida humana, com altos e baixos, ficando os humildes a gosto dos anichados.

11-8-1972
Chitembo
Julino. Esta personagem vive na Sanzala, junto à vila.
É professor-monitor , na Embala do Chitembo, a cerca de três quilómetros.. Está "fazendo casa "!Tanto assim é,quej´já comprou uma furguneta.
Tem-na de aluguer para quem precisar. Possui também lavras. já de certo volume, pelo que vende hortaliças, legumes e frutas..
Rapaz ainda novo, tem grandes aspirações e garante aos filhos um futuro risonho
É de grande euforia o momento presente: os Pretos, à compita, fazem tudo por tudo, para valorizar-se. Vejo-os com frequência,aqui e além, de livro na mão, tentando instruir-se e adquirir importância.
Deixando o meu Taunus arrumado em Lisboa, não disponho aqui de meio de transporte, razão pela qual fui ter com o Julino, para alugar-lhe a dita furgoneta.Iria,de uma assentada, a Nova Lisboa e a Silva Porto. Para mim, excelente! Se não fosse ir ao volante!
Bem melhor teria sido esse giro agradável, por terras do Bié. Mas, ainda assim, não perdeu interesse!

Nada havia,por ali,que não chamasse a atenção: graciosos quimbos, Sanzalas e Embalas sorriam, às vezes, e negaceavam,de um lado e outro da via asfaltada; o viver primitivo, simples em extremo e harto curioso dos seus habitantes; a mistura e confusão de pessoas e aninais; cloisas e loisas!

Eu, entáo. achava muita graça a tudo quanto via.
À sombra das cubatas, telhadas a capim, sentavam-se no chão, duro e poeirento, adultos e crianças, em convívio fraterno.

Lamentando embora seu viver primitivo, fazia a mim mesmo a pergunta seguinte: serão eles,no entanto, mais felizes que os Brancos,. já civili zados? A furgoneta devora os quilómetros e, ao
nosso lado, ergue-se a mata, própria da savana, com anharas frequentes,aqui e além,Dominam as bissapas, mangueiras e outras.
A passarada alegra a redondeza, entoando canções, jamais ouvidas. lá na Europa
Ao longe, a perder de vista, avulta,graciosa, a mais fantástica e rica allfombra, que a meus olhos deslumbrados fora dado contemplar

12-8-1072
Nova Lisboa
O patrício Reis. Quem o viu. em crianç.a, acompanhando o pai cego à Missa Dominical? Hoje, é um belo denhor, de carteira larga e haveres chorudos, que se está marimbando para os que eram modestos e nada fizeram, mercê da preguiça.

Percorre a cidade, olhando impante pelo guarda-vento da sua furgoneta. Tem casas de seu, para habitar e alugar. Quando apanha um conterrânio, é que são elas! Queira ou não queira, tem de comer, beber e passear! Que não fora lá nem aparecesse!
Mas, já que o fez, tem de aguentar!
As longas ruas de Nova Lisboa são batidas e pisadas como centeio, por tempo de malha.

Realiza-se a visita na esração do cacimbo? A densa poeira entra pelo nariz, instala-se na traqueia e penetra nos brônquios… Tudo sabe a ela e encontra-se, afinal, em toda a parte.: no ar e no chão; nos próprios ouvidos e no nariz.

Mas quem é que nos chamou, indo visitar um amigo assim? É andar para a frente, avistando no percurso os os nossos bons amigos. É comer e beber,sem olhar para trás
Vemos logo, em seguida, o patrício , Zé Fonseca bem como sua esposa; o patrício Francisco e a cara Emília, junto da Júlia que é sua mãe.
Após uma viagem de 4oo quilómetros, aproximadamente, iimagine-se, pois, a disposição que poderia haver, para cortar, de enfiada, na poeira densa, as inúmeras ruas de Nova Lisboa, em todas as direcções.

Se fosse ao outro dia, havendo já repousado! Mas qual quê?!

De noite, é que tem vagar. Vai,pois, de abicar ali, aportar além,numa carreira louca, passando várias vezes ao Nortom de Matos, que se apresenta lá cima, como grande senhor, em seu pedestal, rico e soberbo.
Em seguida, um belo jantar e logo boa cama, aonde Morfeu
nos veio acarinhar, em doce convívio

13-8-1972
Nova Lisboa
Em giro-relâmpago, pela cidade,encontram-se agora D. Agusta e eu bem como a Guida, afilhada e sobrinha: apenas très. Para elas, jánão era novidade: só para mim. Quem ali vai,´pela vez primeira, tem de visitar o Nortom de Matos, fundador notável da linda cidade,

A capital do sul antevê, sem dúvida, um porvir brilhante. Progressiva e moderna, apresenta, desde já, os requisitos valiosos para um meio citadino de grande importância.

Vamos de corrida, ao general fundador. Sobre enorme pedestal, ergue-se aprumada a estátua gigantesca. Denota alguém, com mando e prestígio. As botas de gigante causam impressão. Resistentes e sólidas, jamais se gastarão.
Com espanto meu, está ele de costas para, a linda cidade, fixando apenas o lustroso Palácio do Governador. Ignoro as razões da sua atitude.
Puseram-lhe à volta estátuas de mulheses, em alusão possível á índole sensual da terra angolana...iSeja como for, a sua memória é sempre acarinhada, pelo muito que fez, em prol de Angola.
Enquanto Nortom pontifica na Alta, Vicente Ferreira desempenha também igual função, na cidade baixa.Foi ele. se não me engano, que chamou à cidade capital de Angola, declarando-a como tal.

Logo em seguida, a Casa NovaYorque: dimensões gigantescas e recheio prodigioso, que observo com agrado, interessando-me a valer, por ali se encontrarem velhos amigos que, afinal, são jovens. É o Aires e a mana bem como o Pimpo que fizeram seus estudos no Colégio de Manteigas. Conheci então o falado senhor Roque. distinto proprietário. figura irradiante de bondade e simpatia. Ofereceu gentilmente os seus préstimos valiosos. despedindo-se risonho.

Fui então à Casa dos Rapazes,que é um pequeno mundo, no seio de outro: secções de Carpintaria, Serralhaia e Marcenaria;
salas para as aulas; Museu e Capela; um sem número de coisas que só a enumerar exigem llongo tempo.
Figura de relevo: o Padre Leitão.

14-8-1972
Bela Vista

Já de longa data me vinha habituando a nomes curiosos da terra angolana.Faz coro, para já, a palavra Chinguar.
Dois familiares haviam residido na Bela Vista: um deles, o Alberto viera à Metrópole, sendo eu criança; o Manuel é já do meu tempo, o que despertou maior interesse, na dita localidade.

Havia decerto uns 24 anos que deixara de o ver. Está o mesmo, na verdade, mas o tempo e o clima fizeram devastações e estragos sem conto. Pois lá o encontrei,na grata companhia da prima Virgínia e filhos respectivos.: três belos rapazes e uma linda pequena
Todos fazem seus estudos, à excepção do mais velho, que é já Regente Agrícola e se encontra a estagiar. A pequena referida,sendo a mais nova, frequenta já o terceiro liceal.
Os pais amorosos revêem-se nos filhos, que ostentam agora o frescor damocidade.
Após a Bela Vista, vamos ao Chinguar que fica pertnho. Reside ali o primo Albertino que anseio por ver e bem assim a respectiva família. Havia já netos.
Apareceu a Helena; surgiu a Dulce. Gostei de as saudar, relembrando com elas os tempos de Pinhel, onde ambas fizeram o 2º liceal.Logo depois visitámos a Graça, irmã daquelas.

15-8-1972
Chitembo
Correu breve a notícia, propalando-se na vila,como novidade. São conhecidas, aqui na região, as lavras dos Pretos.

Âs vezes têm cercadura, por meio de loendros. ( cascas de árvore )Estas vão contornando os diiversos paus que formam tapume ou palissada. Desta maneira, protegem as lavras. Nem sempre achamos estas vedações, figurando a cultura um campo aberto.

Ora, em tais lavras, colocam armadilhas, afim de caçar as danosas feras. Tem isso, a rigor, um duplo fim: defender a semeadura que seria infestada, e obter peles úteis ou carne apetecível.
Desta vez,por~em,sucedeu o imprevisto: em vez de uma fera,caiu um soldado! Autêntica desgraça! Parece, ao que dizem, achar-se em perigo, desconhecendo-se ainda se poderá resistir

Emocionante como era, a notícia espalhou-se, por quimbos e danzalas,comentando-a as gentes por maneira diversa.
Houve deles aí que lamentaram sinceros a triste sorte do jovem rapaz. Outros,porém, censuraram a valer,dizendo, acrimoniosos: Que tinha lá que cheirar?! Houve,decerto, para todos os gostos!

Eu julgo e creio que não é sempre afim de roubar.
Alívio possível do interior? Seja como for, é caso de lamentar!
Vir da Europa ao continente africano, para ser colhido numa armadilha, destinada às feras não «é ter boa sorte!

O melhor «e não ir lá, seja para o que for.
Os Pretos fazem constar, ao longe e ao perto,ser perigoso entrar
ali.

16-8-1972
Chitembo
Entre os belos passatempos que as férias proporcionam, vêm primeiro os giros matinais. Sumamente agradável percorrer a pé uma dezena de quilómetros como primícias de mais um dia! Traz boa disposiçao, alegria e bem-estar.
Quando regresso, havendo respirado o ar puro da manhã,
a plenos haustos, sinto energia e maior vontade para trabalhar

Há um bem-estar que torna a vida bela, afastando-se pronto vilezas e dores. O contacto íntimo com a Natureza é um tónico forte.
Retirar-se a gente dos lugares habituais, povoados de miasmas ou ainda infestados por cheiros deletérios, é fugir à morte, prolongando a vida.

Por outro lado, os músculos emperrados adquuirem também maleabilidade, prontificando-se logo, generosamente, a realizar as
suas tarefas.
Os grandes macróbios atribuem seus dias a um passeio diário, que nunca dispensaram. r E é natural! Qualquer objecto.,
ficando imobilizado , estraga-se mais depressa que outro a funcionar.Não será o mesmo,no tocante às partes do nosso organismo?
Quando estive em enfermo,no Hospital. durante 4 meses, em terra da Metrópole, não falhavam as pernas, por falta de uso?
Em tudo, afinal, sucede a mesma coisa.

Além disso, a diversão do espírito, ocupando-se já de temas diferentes, é bastante salutar.

Caras novas de Pretos que seguem animados o trilho do mato, ou se dirigem ao Branco, afim de vender seus város orodutos, distraem com agrado e prendem a atenção, desviando-a assim de lugares comuns , que provocam tédio

A música hílare das avezinhas, o zumbir dos insectos e até
o vozear das crianças angolanas, por quimbos e Sanzalas, tudo
me encanta e diverte assaz
De notar ainda o prazer e bem-estar que sentem os Pretos,
ao passar por nós: Bom dia, senhior!´

17-8-1972
Chitembo
Havia muito já que ouvira referências à horrível cuspideira.. O soar deste nome punha calafrios em todo o meu ser.
Erguiam-se breve, em frente de nós, cuspiam nos olhos e logo daí a cegueira total. Como não gerar-se enorme receio, perante esses répteis, que trazem a desgraça?!

Para certificar-me de que vuira a cuspideira, veio uma, por acaso, penetrando manhosa no pátio da casa.

Nem me lembro já qual dentre nós a viu primeiro, mas tenho para mim haver sido a Guida. Enquanto procurava um ferro pesado ou um pau nodoso, neutralizou-lhe ela a espinha anelada, reduzindo-a breve à impotência. Em seguida, o cunhado Martins
assentou-lhe o sapato no alto da cabeça, vibrando-lhe assum o golpe final de misericórdia.Estava paralizada a temida cuspideira. que, subida nas árvores, aguardava o transeunte, baixando veloz e erguendo-se em frente.

No fundo quintal,ostenta-se um pinheiro que é mimo e adorno da nossa residência. Faz sempre inveja a quem passa ali,
exclamando as gentes: Que belo pinheiro!

Cobras e serpentes sobem por ele e apoiam-se nos ramos, constituindo para adultos e crianças um risco fatal.

Por via de regra, quando faz calor, os Pretos sufocados vêm logo refugiar-se,na sombra amiga da árvore generosa, enquanto bebem, com sumo deleite, o vinho capitoso. que os põe logo a dormir. Ali se mantêm durante longas horas. Por esta razão, o cunhado Martins foi cortando persistente os ramos inferiores ao belo pinheiro.
A cuspideira, assim, não pôde utiluzá-lo, para fazer os seus atropelos.

18-8-1972 O Regedor da Embala
Chitembo

A Embala do Chitembo tem, nesta data, um belo Regedor. Homem vultuoso e bem proporcionado acusa logo, nos olhos vivos,a agudeza do intelecto. Falador e astuto, conhece as pessoas,à primeira mirada.

Ao ver-me, no Chitembo, muito à-vontade,no pátio da vivenda, observou-me curioso, fazendoali o seguinte àparte:

"Aquele senhor é irmão da Dona Agusta". Era assim,de facto. Exprimiu-se em Ganguela, pois, infelizmente, não fala Português. Meu cunhado Martins entende-o bem, narrando o sucedido.

Neste dia, porém, os seus olhos vivos estavam anuviados. Havia já meses que nada lhe pagavam. Os 900$00, recebidos nensalmente. do Governo Português, não havia maneira de chegarem às mãos! A princípio, alimentava a esperança."Não veio este mês, há-de vir para o outro! Assim vivia ele nesta ilusão.

Agora, porém, volvido muito tempo, nem um raio ténue de luz mortiça bruxoleia já, nç seu horizonte! Dá tal assunto por arrumado e o caso triste como perdido.
Desabafa ali mesmo, por maneira eloquente, o que levou os mais a apoiá-lo com firmeza.

A fiel esposa,,sentada no chão, acompanhava-o devota, já em pensamento, já por acção. Sinalizava por meio da cabeça, espreitando cuidadosa todos os movimentos

Ela põe-se, à-vontade: não faz cerimónia. Se o corpo lhe dói ou refila o coração, deita-se ao comprido,sem olhar, de qualquer modo à sua dignidade! O marido, eloquente,esse fala
sempre e fá-lo em geral,com um timbre de voz, que até os muros entram a vibrar

O Regedor paga vinho a todos . Se não leva dinheiro. a bebida aparece,do mesmo modo. Exige, pede e obriga.
Quando lhe pagavam, satisfazia de modo integral os seus compromissos.

19-8-1972
Chitembo
Pedir demais à vida? Aspirações e desejos variam bastante, de homem para homem. Dependem, já se vê, do temperamentp, noções adquiridas e também do ambiente em que a vida correu. São, pois, bem diversas tais circunstâncias e, de maneira nenhuma,podemos julgar serem elas iguaid, em cada pessoa.
Enquanto alguns ficam saciados, com bem pouco, outros aí há que levam a ambição até ao extremo. Aquilo que sucede, na vida material, aplica-se também noutras áreas diferentes.

Evidentemente, quem aspira a muito, quem jamais se contenta e deseja sempre ir mais além, não pode ser feliz. Na verdade, uma das condições, para alcançar a felicidade, reside, por certo, em moderar as aspirações e contentar-se de muito pouco.

Mas isto, realmenta, é fácil dizê-lo. Quanto à prática, o assunto complica-se. Aparecemos feitos e sempre influenciáveis.

Ora, por mais que digam, a Natureza humana é muito ciosa de seus direitos e regalias. Comprimida e afastada para certos ramos de aplicação exaustiva, ela volta de novo, lndomável e feroz, produzindo no arranque sérias devastações.

Não intento negar o valor da educação e sua eficácia. Tarefa delicada, exige no preceptorum tacto especial. Se este impõe, ordena e talha,jamais educa.É precispo amar e ser astuto, pois desta maneira . a criança é plasmada no embrião natural. acarinhado e aceito pelo educando. Caso contrário, teremos sempre falhados, pedindo à vida o que ela não tem.São estes, na verdade, os grandes infelizes, os que lhe põem limite, aqueles que a odeiam.

Não toparam o que amavam: bem ao contrário, surgiram dissabores, em vez de ventura. Que fazer então? Beco sem saída, em inúmeros casos!. É já tarde em extremo: sentindo-se frustrados, e, não podendo já realizar-se em pleno, aborrececem a existência, pondo fim à vida. que nada lhes dá, para compensá-los de tanta amargura.


20-8-1972
Chitembo
O filho do Lupando visita a mãe.
Lupando é nome, conhecido há muito, pelo Martins. Vi-o uma vez, de passagem breve, pelo Chitembo. Residiu aqui, nos tempos longínquos em que era um valentão. Todos o temiam.

oDo Martins, porém, era amigo sincero. Trabalhava com ele, tomando ambos parte em batuques e folganças, quando não até em cenas violentas de pancadaria.

Um dia, o caso foi bem falado. Encontrando-se em motim uma Sanzala inteira, o Martins e outro branco, tomados de entusiasmo, e fiados também na leveza de movimentos,decidiram ir lá, tendo por fim apaziguar os pretos que já esbracejavam , à esquerda e à direita., com grande frenesi.

O companheiro, apercebendo-se então da gravidade e do risco eminente, valu-se das pernas, antes que fosse tarde.
O Martins ficou só e, ao ver-se manietado, esperava para breve os derradeiros momentos. Surge então o Lupando, de faca e chicote.
Bem prestesmente, corta as amarras que tolhiam os membros e com uma barra de ferro maciço, esmaga a cabeça de quem se preparava para dar a morte ao seu amigo.

Cheio de gratidão por livrá-lo da negra, conservou-o no trabalho, durante largos anos até que ele um dia foi viver para longe.
Ainda nesta data,rondando pelos 60, é uma figura deveras simpática e bem apresentada. Até eu gosto dele,pela acção que praticou e pelo afecto estreme que provou claramente.
Separou-se da mulher, razão pela qual vai o filho,de vez em quando,visitá-la ao quimbo.
Ao passar no Chitembo, não fica o Lupando sem algo que lembre:carinho e simpatia, comida e vestuário.

21-8-1972
Chitembo
Aqui, em frente à vivenda, estende-se amplamentte o campo de futebol, onde jogam os soldados. Tambem as crianças dele se aproveitam, durante a semana,gozando assim momentos deliciosos.
Quando ali se reúnem, escusado é dizer que a grande maioria é formada por nativos. De envolta com eles, notam-se menos brancos, porque o meio é pequeno. Nas, sejam poucos ou não, é gostoso e belo vê-los assim acamaradar, não olhando à cor nem à fé que prifessam.
Não é maravilhoso?!
Não é prova eloquente. clara e apodítica de uma nova sociedade, multi-racial, como não se encontra, em parte nenhuma?!
Todos ali riem, todos folgam ditosos, todos se entendem. Vê-los assim, cabe dizer: parecem irmãos! Planos iguais, … direitos iguais…os mesmos deveres!
Note-se, a propósito, que lá no campo não influi, decerto, política engenhosa nem aquela diplomacia que diz verdades. mentindo. Trata-se de crianças a quem não interessam coisas desse género: o seu objectivo é acamaradagem, a sociabilidade.

Isto, sim, é deveras eloquehte e prova bem mais que os protestos falsos que se erguem lá fora , contra a obra grandiosa e civiliza dora dos bons Portugueses.

Que fizeram aqueles em benefício da civlização? A nós, sim, é que devem pedir, rogando esclarecimentos ,pois tendo VIII séculos de longa existência e contacto com os povos, habilita-nos isso a ensinar os que são ignorantes e a calar atrevidos ou ambiciosos.
Venham eles ,pois, ao campo de futebol e vejam os meus sobrinhos, Isaías e Carlitos, misturados com os negros, a que se juntam os próprios mulatos em concerto perfeito que os deixará boquiabertos! Disto não se encontra, em parte nenhuma do nosso Mundo!

22-8-1972
Chitembo
Ainda o Sol não rompeu, já estou a pino, a fim de respirar o ar puro da manhã. Largo de casa, empunhando um bordão, mais alto do que eu, para o que der e vier. Lá diz o ditado: "Homem prevenido vale por dois".
De olhos fitos no Leste, para surpreender o belo e querido Astro, consulto o relógio, de vez em quando, afim de apurar o momento exacto, em que ele desponta.

À minha volta, as aves matinais louvam ao Senhor pelo sorriso da manhã divinal e também pela graça da luz. Que maviosos chilreios seus biquitos frementes vão soltando no ar! Que temas variados se nos deparam aqui! Às vezes, quedo-me extasiado e procuro imitá-las, assobiando a meu modo. Entretanto.fico em diligências. É novo o que vejo e quase inimitável

Bastante amiúde,vou-me cruzando com os nativos, também madrugadores,que me saúdam corteses e cheios de alegria.Já sabem quem eu sou, razão pela qual se dirigem a mim, confiados, amorosos. Respondo em seguida, procurando ser lhano, insinuante, caloroso.
Ao lado da estrada, avisto amiúde cortiços grosseiros para recolha de vários enxames, com vista a obter o mel e a cera.São muito primitivos e algo toscos.
Aproveitam os Negros as cascas das árvores, em vista disso.
Portanto, um pedaço de tronco fornece-lhes a casca,da qual fazem logo novo cortiço. Em seguida, sobem às árvores, clolocando-os bem ao alto, para as abelhas os poderem ver, até de longe, evitando ao mesmpo que os garotos lhes cheguem.

23-8-1972
Chitembo
Em velhos tempos…Dizem por aí os iluminados, haver sido o terrorismo um bem para Angola, uma vez que,juntamente, surgiram Hospitais, Universidades, Escolas diversas, Asilos e Cantinas. Fica a impressão de estarmos entre gente que sabe o que quer e trabalha afanosa pelo seu bem -estar.
O Governo Português tem sido incansável,na procura dos meios e na técnica aplicada.
Tantas vezes,porém, o que chamam progresso, não o é, por inteiro, de focarem somente, um aspecto da vida. Ignorando outros, igualmente importantes.que devem ir a par, sob pena certa de tudo ruir estrondosamente.
Que importam sociedades, instruídas, requintadas, lavrando ódio no peito e destilando veneno os lábios das gentes?
Qualquer sociedade que não respeita o próprio indivíduo, tentando utilizá-lo como peça de máquina, é anti-humana, assaz brutal, materialista e, por isso mesmo, condenada ao inêxito. Falta-lhe a base: Deus-Criador e o Evangelho, bem conhecido. amado e praticado.

O que os homens fazem, à margem do Céu, é fogo de vista, miragem apenas, bela,a princípio, volvendo-se, em breve, num imenso deserto.
Sociedades malévolas que ensinam a matar não são progressivas e nada aproveitam, seja a quem for. Apenas o amor é belo e fecundo!
Propaganda insidiosa ,baseada em preconceitos, inveja e ambição, actua qual fermento ou veneno letal: corrói e desagrega,
esmaga e conspurca. A sociedade futura, mercê de tais dados, ficará diminuída, abastardada e assaz inútil



24-8-1972
Chitembo
"Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém"

Dona Fernanda vive no Chitembo e é esposa solícita do Chefe policial. Arrendaram eles a casa dos Eucaliptos, nos arredores da vila, na qual se vai gastando a cara metade, ao fazer negócio com os pretos do termo.
De vez em quando, chega cá acima, utilizando na sua conversa, curiosas sentenças, recheadas de experiência e fino gosto. É interessante conhecer os rifões, mas saber aplicá-los no momento exacto, é excelente.
Ora, foi realmente a oportunidade que despertou a minha atenção.Não me lembra o facto que deu origem a tal citação, mas sei claramente que veio logo a talho de foice e muito a propósito.
Todos nós sabemos ser o "caldo de galinha" ( canja )
altamente anódino, razão pela qual , ao entrar em restaurantes, logo pergunta quem sofre do estômago: "Há canja de galinha?"
Não cura a doença, .mas não a agrava!
Dá-se a mesma coisa, a respeito da cautela. Não faz bem?
Também não faz mal!
Consiste, a rigor, em ser ajuizado, medindo previamente as consequências dos actos, para tirar conclusões,e agir sempre em conformidade.
Se nada colhermos de ser positivos, nada perdemos, sendo cautelosos. Daqui se vê, pois, que há razão suficiente no emprego do rifão.

25-8-1972
Chitembo
"Castanheiros do meu soito, vai-se um vêm oito!
O fundamento do rifão em causa reside nisto: produzindo tal planta castanhas em barda, é muito natural que surjam tantas árvores quantas as castanhas! Não preocupa demais que o velho castanheiro seque ou desapareça. Será substituído, com enorme vantagem. É facto sabido que, sendo elas enterradas, convenientemente, ao chegar de novo o Sol da Primavera, desenvolve-se prestes o seu embrião que dá logo origem a nova planta.Daí, pois, se infere que o prolóquio é exacto.

Este cunceito foi transferido, engenhosamente, para a vida psicológica, dando logo origem a várias aplicações. Uma delas, na qual me baseio, para confirmar o dito anexim foi por mim observada , no caso seguinte: avó e neta conversavam animadas, ,acerca de namoros e pretendentes.esforçando-se esta por salientar que é importante segurar o namorado.

A avó, porém.não concordava, inteiramente, e.olhando a neta, dos pés â cabeça,desfecha-lhe na cara o citado prolóquio.
Esta avó experiente sabia de há muito que é excelente aproveitar
ocasiões oportunas, mas vendo na pequena a imagem da sedução, por ser bonita e inteligente,atirou, sem hesitar
a conhecida sentença. Por esta razão, ficou a meúda sabendo não haver grande perigo no seu caso pessoal. Se, na verdade,algum dia a deixasse, outros viriam, presos a valer,de seus muitos encantos.
A velhota, afinal, era ladina,pois sabia a fundo quanto a neta valia, Só tinha 14 anos, mas estava mulher, em toda a acepção que a paiavra se tome.
O diabo sabe muito, por ser já velho e ter muita experiência.

26-8-1972
Chitembo
Ser feliz e ditoso é sentir prazer naquilo que se faz.
Quando alguém, ao dar -se a outrem, sente deleite nisso, tem a felicidade, ao alcance da mão. Isto, realmente, é de fácil intuição.,
bastando a experiência, para confirmá -lo. Mas haverá deleite em um se dar a outrem, quero dizer, em viver para alguém? Contra factos provados, não valem argumentos. Sendo isso habitual, não
pode contestar-se.

Apesar de tudo, faz grande espanto que, sendo o homem egoísta,de seu próprio sentir, aprecie dar-se e viver para outrem! Realidade incontestável, oposta claramente ao egocentrismo que reina em todos…
Se não me engano muito, esta doação tem por mira receber.
Bom. Sendo isto assim,não é dar mas trocar, ficando em vantagem, pelo menos âs vezes! Tanto o caso é exacto que, não
havendo correspondência, ofertando outrem o que é pedido, vêm logo amuos, surgem rancores e furor desmedido. Não
prova isto que se trata de uma troca, em que ambas as partes ficam logo compensadas?!,.
Donde virá também a forte necessidade, habitual e premente, de se dar a outrem? Creio ser fácil encontrar-lhe a causa. Homem e mulher completam-se mutuamente: daí a razão de se procurarem. Um segue o outro como a agulha magnética segue, por força, o rumo do Norte. Nessa procura e troca de bens
reside a felicidade.
Deduzo, pois, que a busca da mulher nem sempre é culposa, por corresponder a forte necessidade, criada por Deus. com vista directa à mútua felicidade. " Crescei e multiplicai-vos".

27-8-197.2
Chitembo
Era Domingo e o sino da igreja chamava para a Missa que iria relizar-se a partir das 11 horas. Entro no templo e que vejo eu?! Uma urna com luzes, ao centro do lugar, coberta, de lés a lés, com a nossa bandeira. Um corpo de tropa fazia guarda de honra. Fiquei logo imaginando que algum rapaz se tornara vítima, descendo a comoção às profundezas da alma..
O jovem é, na verdade, uma esperança radiosa: causa sempre dó a notícia ingrata da sua morte

Mal chego â sacristia, depara-se-me breve o Capelão do Exército, enfiado e compungido, pedindo-me que falasse, na Missa do dia.
Estava consternado e, ao mesmo tempo, sob grande emoção - declarou em seguida, Contou depis a ragédia e as várias circunstâncias do facto ocorrido.
O Capitão zeloso reunira os seus homens, para dar conselhos e tomarem eles nota de certos avisos. Entre os mais prementes, frisara ele de modo particular," o cuidado e atenção a prestar às armas, para se evitar que surja a desgraça. Um leve descuido, por mínimo que seja, origina óbitos e priva-nos de alguém."
Seguidamente, expunha em pormenor, a maneira correcta de pôr a arma em descanso, para se evitarem esses contratempos.
Todos escutavam, com grande atenção, seguindo com os olhos o movimento correcto de suas hábeis mãos.

Nisto, faz ele o último aviso e, ao tentar leventar-se, acontece o imprevisto: o terrível gatilho. por artes de Satanás, prende-se-lhe à farda e logo uma bala fulmina para sempre um dos pobres soldados que entrega a alma ao seu Criador.

28-8-1972 Santo Agostinho
Chitembo
Entre os grandes luminares da Igreja Universal, ocupa este Santo o primeiro lugar! É grato e desejável recordá-lo, neste dia, festejando a efeméride, para implorar, ao mesmo tempo, auxílio e bênçãos.
Modelo de perfeição, é exemplo nobre para todo pecador, que na vida seguiu por caminhos toruosos. É esta a razão, por que ele tem, de facto, muitos devotos, que vão confiados pedir-lhe favores e graças diversas.

A mim apaixonou-me a sua vida peculiar,talento e génio, o que levou prestes os do meu curso, instigados por mim, a fazer grande festa, em sua homenagem. Ficaria S Tomás un pouco aborrecido? Oxalá que não! Não o fiz por mal!

Li no original boa parte de seus livros, que são muito belos e harto variados. Da sua leitura bons frutos colhi, pois me penetrou em alto grau. Escolhido em breve como padrinho, jamais o asqueci e espero me proteja,da Pátria Celeste.

A acuidade intelectual deste grande génio vê-se de pronto nas frases lapidares , que são conhecidas em toda a parte.
Traduzidas que sejam para outra língua, esvaziam-se breve de uma parte do fascínio, que lhes confere o Latim.

Hajam vista, por exemplo, determinados períodos, que agora me ocorrem: " Ama et fac quod vis. ( Ama e faz o que quiseres ).
Age quod agis ( faz só uma coisa de cada vez ).Vis amari ? Ama.
(Queres que te amem? Ama tu primeiro ) Domine, jubes te amari?Fac quod jubes et jube quod vis ( Senhor,impões que te ame? Faz tu o que mandas e ordena o que quiseres )

Não teriam fim as citações imortais que já correram mundo, desde o século IV. Recordemos ainda: Ubi Petrus,ibi eclesia.
(Onde está Pedro aí se encontra a Igreja ) Roma locuta, causa finita. Roma falou: a discussão acabou )

29-8-1972 O triste Capitão
Chitembo
Minado e abatido por tamanho desgosto, e levado também por força imperiosa, ante a desgraça que não pôde evitar, lança mãos às divisas, negando-se ao título. Fora Capitão: agora já não é! Julga-se iindigno de honras e mercês; põe-se agora ao nível de mero soldado que é, por assim dizer, uma figura apagada. em ordem à cúpula.

Até ali, honrado por todos, obedecido e muito respeitado; dali em diante, vai cair no anonimato, porque é réu dum crime, embora involuntário. . .amaldiçoado e assaz horrendo!

Segue tristonho, pelos ínvios caminhos da vida terrena, lembrando aquele tiro que fizera tombar o soldado infeliz..Vacila a
consciência, ante a morte dum homem!. Derrubou um sonho belo, ... fulminou tanta esperança! Flor mimosa e delicada, não chega a desabrochar, porque o tufão, violento, irreprimível, a arrancara de seu talo!
Que vai agora seguir-se? Natural da Madeira, segundo parece, também o soldado era seu conterrâmneo, Que desculpa alegar, ante pais inconsoláveis?! Que valor terreno e compensação poderá oferecer a dois pobres seres, em funda agonia?! Que bem haverá que possa equivaler a un filho estremecido, levado para a morte, na ponta de uma bala?!

Que reacção desmedida levantará tal família, quando vir ante os olhos o assassino de seu filho?! Haverá aí palavras que possam escusá-lo?! Motivos que o defendam?! Razões humanas que o tranquilizem, diante dum cadáver que fora uma promessa ou até o sonho belo de alguém que o amava?!

O Capitão pensou, desiludido, confuso… reflectiu ainda, uma vez e outra e, num gesto de raiva e negro desespero, arranca as divisas que o honram e exaltam… para logo cair no grande anonimato, que pronto o obscurece e deprime a fundo!

30-8-1972
Chitembo
Era noite, em minha alma, escura, tenebrosa, ocultando-me o Norte e pondo a cabeça em forte desalinho.

Vários motivos que já olvidei, haviam provocado tal situação, mas dentre eles, houve um, na verdade, que mais se vincou, na mente conturbada, originando logo alto nervosismo, que se tornava quase insuportável.
Os dias passavam, arrastados e lentos, enquanto ansioso mendigava um sinal ou uma atitude que originascem alguma luz. Nada havia, porém, bastante a consolar-me, e o próprio sono se ausentara de mim., A mana Agusta, vendo-me triste e inconsolável, quis saber os motivos.
Que remédio tive eu senão dizê-los pronto. À guisa de criança, expus lhanamente, sem nada ocultar.

As razões apresentadas não lhe respeitavam, mas podia actuar, em sentido benéfico.. Assim aconteceu
Em breve, pois, se fez bonança, dentro do peito Um beijo inocente operou a mudança. Foi o ramo de oliveira… o sinal da paz. A luz brilhava mais, espancando a treva: era o Sol mais belo e a vida sorria. Nadas? O que tira a paz e leva a felicidade ou pode trazê-la, não é banal! Sinais de amor e provas de carinho são precisos no mundo, para cimentar a risonha ventura, que se esvai facilmente, pelas malhas da vida.
Há seres e peitos que são geleiras… Esses não entendem.´Há-os também que são fanáticos. Igualmente lhes não é dado. Outros são graníticos. Estão no mesmo caso. Outros ainda são também hipócriras. Fazem que não entendem. Não falo
com estes
Dirijo-me, pois, às almas sensíveis, delicadas e amantes, que vivem de facto.

31-8-1972
Chltembo
A felicidade brota de pouco. Lá o diz Miguel Torga, em seus belos Diários: " …a mãe, compondo as tranças à filha, e o pai podando a videira que sobe na testada, "sentem a felicidade inundá-los de pronto.
Isso é bem pouco, atendendo só à causa, mas se olharmos ao efeito, não diremos tal. É assim feita a vida na Terra.: um sorrir mavioso, leve e discreto; uma atitude, pronta, generosa; breve sinal,,pequenino em essência; uma vontade que foi prevista; um pensamento logo adivinhado…estabelecem a paz, numa alma em convulsão
Que tremendas ruínas separam e escavam, operando maléficas, por não chegar nunca essa amostra leve, uma coisa pequenina que outros dizem banal! Mas, se ela vem, embora tardia, surge novo sol, na alma desditosa, e a vida terrena apresenta-se bela dando imenso gosto vivê-la a fundo. Por que não há-de vir esse mágico íman, esse nada que é tudo, fazendo germinar a semente da alegria?! Que é que vai custar o prodigioso sinal, que aviventa corações?
Aqueles que não entendem ou entendem demais, fazem só bem permanecendo calados, pois não têm, realmente, capacidade alguma,para dar opinião.! Só as almas delicadas, sensíveis e finas poderão solucionar problemas dos tais.
Falo, realmente, para as almas nobres que amam as flores e as belas crianças, permanecendo, ao longo da vida, jovens e poetas. ainda em anos de prosa
Os que envelheceram precocemente; os que já não têm vestígio de esperança; os que foram devastados pelo cepticismo; os vencidos da vida ou já agonizantes; os que apenas vegetam, por não terem ideal… esses não me leiam. Ririam, talvez, sarcasticamente, sem proveito algum para ninguém.!
Compreendo uns e outros e de todos me vem pena, mas sejamos indulgentes e logo generosos.

1-9-1972
Chitembo
" Minas! "Eis o papão que a todos amedronta. Aquilo, de facto, não tem escapadela! São já de uma potênciam que não é fácil escapar à morte. Só por muita sorte ou mero acaso.
Segundo me informaram, é só por alta noite que vêm colocá-las, ao longo dos caminhos ou no meio das picadas. Fogem do asfalto e, bem assim, do mesmo alcatrão, pois se nota logo haver sério risco
Pelo que vemos, o lugar acomodado são as velhas picadas
que, a bem dizer, não passam de caminhos, sem qualquer empedramento ou sombra de alcatrão.

A chuva e o vento causam sérios danos, originando poços, em que bamboleiam, com forte oscilação, os veículos mais leves. Só os resistentes, pesados e potentes se aventuram a passar: carrões e jipes, burros do mato e outros que tais .São, afinal, os que resistem melhor à fúria da explosão. Entretanto, ficam logo arrumados, equivalendo o prejuízo a 400 contos ( há´mais de 30 anos ) Não é brincadeira o que está acontecendo!
Desta vez, ficou bem ferido um Alferes portuguès, que se encontra no Hospital. em mísero estado! Pobrezinho dele e da sua família!

Disseram-me, há dias, constituir o Quanza a linha divisória, havendo para o efeito dísticos assim: " Para aqui é nosso; para aí
é vosso "
Acontece, porém, que à data presente. os chamados turras avançaram um tanto, para a nossa área. São uns bons pândegos!
Nem sequer se lembram de que são ludibriados, satisfazendo a ambição, vaidade e prepotência de povos estranhos!
Com Portugal é que devem entender-se! Não com os de fora! Novos colonos?

2-9-1972
Chitembo
Leccionando os sobrinhos: Guida e Carlitos.

Passatempo útil e deveras agradável! Quem não tem filhos volta-se logo para os sobrinhos. É o meu caso. Por isso, me afadigo, na mira de prepará-los, fazendo-os assim úteis à Pátria bem como à família.
Prestar-lhes assistência enche-me de gozo. As lições que ministro, em tempo de férias,visam somente ao seu desenvolvimento, alargando horizontes e fazendo mais luz. Quando as coisas vão mal, não consigo jamais zangar-me a valer

Divagamos juntos pelo Inglês, com sua pronúncia, bastante esquisita; pomo-nos ao corrente dos símbolos fonéticos; fazemos escrita dessa Língua charadística.Incuto-lhes ânimo, aplano dificuldades, repito sempre, utilizando matéria , como fácil objecto de aplicação.
Dito frases adequadas, aplicando as regras; revejo e corrijo o enunciado estrambótico dos verbos irregulares.
Dali. então, passamos ao Francês, idioma suave, doce e polido,,que todo o mundo conhece e foi utilizado, através dos tempos, como veículo difusor, através dos séculos, nos 4 cantos da Terra.
Firmam-se noções, por meio de exercícios ou meras frases. Tudo segue bem: há interesse. compreensão e desejo ardente.
Vem, finalmenre, a nossa própria Língua, o melodioso e doce Português. Apesar do uso diário e já prolongado, cria dificuldades a quem tenta aprofundá-lo. Interpretar o sentido, escrever sem erros, compor habilmente e fazer a análise é tarefa de vulto.
Não obstante o facto, urge realizá-la, para triunfarmos na vida espinhosa que amanhã nos espera

3-9-1972
Malengue ( cont. )
Sítio de bons ares e largo horizonte, a perder de vista, , onde já se ergue um Posto Administrativo, Escola para nativos e
duas Casas para o Comércio! Notam-se mais duas, ainda em construção, uma das quais se destina ao Secretário.
Logo juntinho, vê-se a Embala, onde os pretos residem, ao pé das suas lavras. Não me importaria de ali ter residência, caso houvesse estrada e viatura resistente, A picada actual é que não satisfaz.
Se ao menos a assistissem. de tempos a tempos!. Colho a impressão de que está abandonada. O vento e a chuva causam amiúde estragos diversos.

Entrei, primeiro, na Casa Comercial, pertencente à família. É um lugar do mato, por isso, modesto, com vários artigos para serem vendidos: tecidos alegres, bebidas alcoólicas, vestuário garrido, cutelaria, ferragens e outros. Predomina senpre aquilo que é vistoso e algo pueril, adaptando-se aos gostos.
Aqui e além, sacos de milho, rícino e gâmbia. Não falta a cera que os pretos vendem, para arranjo de casa.

À frente do Comércio, está um filho do Canetas, que reside na Lilemba, a 14,91 milhas.
Este jovem rapaz era muito extravagante, mas após umas surras que o pai lhe aplicou, decidiu por fim, arrepiar caminho e dar conta do recado.
No exterior, vemos um cercado, feito de estacas, em que foram aplicadas só cascas de árvore., para entrançar.
Lá dentro, jaz a cubata, destinada à preta (espécie de governanta)
À nossa chegada, afluíram os Negros que, prontos e alegres se puseram logo a descarregar o que tínhamos levado.
Embora sujos e um tanto andrajosos, andavam contentes.

4-9-1972
Chitembo
De costas para o Chitembo, fazendo rumo ao Malengue, que dista apenas 60 quilómetros, depara-se-nos breve o sítio da Lilemba, rentinho à picada, É um lugar pitoresco, em meio da, savana.qjue nos enche, inteiramente, de poesia e solidão.

De horizontes rasgados, avista-se apenas uma Casa Comercial e, paredes meias, exígua Capela.
Mora no edifício o maioral da zona, tipo sentencioso a quem chamam Canetas. O seu nome verdadeiro é António Augusto.
que, se não me engano, dá por bom homem.

À primeira vista, afigura-se horroroso viver e lidar, em tal isolamento, embora na verdade este seja aparente.Não há,´não,
convivio de brancos,mas não falta o dos pretos,que ali interessa,
para vendas e compras. Os brancos só ali vão, para abrir Casas
de tipo Comercial, o que leva prejuízo aos que lá se encontram.

A 26 quilómetros, distante do Chitembo, desenboca-se ali, por horrenda picada. cuja superfície, harto deteriorada, apresenta
amiúde, rugosidades que fazem arrepiar!

Fiz o percurso, após o almoço, mas foi de tal ordem o bamboleio e tamanhas ainda as mesmas cabeçadas, no duro tejadilho, que jurei desde logo nunca mais lá voltar. Não foi a sério tal juramento, pois nesta data, era já capaz de igual façanha! A verdade, porém, é que deixa traços fortes um percurso do género:

troncos retorcidos de velhas árvores, ainda ameaçadores; camadas espessas de fina areia que o vento e a chuva removem,a capricho, abrindo, no solo, inquietantes desníveis;

pontões rudimentares. que horrorizam os olhos, pelo modo inadequado, como estão dispostos; lugares tão exíguos que a maior parte das vezes,mal cabe um veículo! E se viesse outro, para cruzar?!

Já me não largava tal pensamento! E havendo terroristas?!
Viajando por ali, a certas horas, medita-se, por força! Enquanto os pensamentos nos assaltam, amiúde, ali mesmo ao lado, a savana pujante, viçosa, atraente, para toda a casta de animais herbívoros!
Que silêncio profundo agora nos envolve! Que paz deleitosa baixa ao nosso peito! Nem vivalma!
Por casualidade, avistámos um preto que se pôs a bater palmas, julgando eu que era de alegria. Afinal, tinha ele em vista pedir boleia, o que foi impossível, a tal hora do dia.

5-9-1972
Chitembo
Ainda o Malengue. Sessenta quilómetros de picada medonha tal é o percurso do Chitembo ao Malengue. A furgoneta hesita, oscila e titubeia, tentando acomodar-se às diferenças de nível.
De vez em quando, palpamos sem querer , o velho tejadilho com o cimo da cabeça, o que é horripilante! O mais curioso está para vir: são os riachos que ali se nos deparam. Em númefro de 6, ao longo da picada, constituem, na verdade, espectáculo sem par.

Tinha imenso desejo de passá-los a pé, diria melhor, ,necessidade absoluta de abandonar o veículo! É que os barrotes não eram transversais. Arrepiei-me todo, ao ver o primeiro!

Admiti, sem rodeios , que os paus de resguardo fizessem das suas, ficando nós todos a corar ao Soll O caso não se deu, mas pode suceder. Não descubro o motivo para tal disposição.
.
Durante o percurso, ofereceram-se à vista diverasas ervas, arbustos e árvores, ambiente adequado ao pastoreio. Que
o lugar é propício dizem-no bem as. feras do mato.que estadeiam por ali, às vezes em grupo, outras vezes, isoladas. Aqui e além, pontos de referência, recordando factos,distantes no tempo.

Já perto do Malengue, ergue-se ainda um tronco avelhado
ao qual uma vez se coçou deleitado portentoso elefante.
O Canetas,ao vê-lo, fez fogo para o ar, desatando a fugir.
Também outras feras por aqui fazem desvios, não fugindo à regra os temidos leões, onças e palancas.

6-9-1972
Chitembo
Mulembas, mumangas e bissapas sem fim! Através da savana o que vamos encontrando, bastante amiúde, é tal vegetação. As primeiras desempenham, entre os pretos, funções determinadas e revestem, por vezes, cunho sagrado.

É muito frequente vê-las em circo, abrigando as povoações. De grande porte, copa volumosa e caule agigantado, servem, a rigor, para o fim intentado. É habitual, cá por estes sítios, encontrar aldeamentos, inteiramente cercados de mulembas cismadoras.

Por entre os caules robustos, avistam-se quimbos, sanzalas e embalas,muito aconchegadas, no seio protector das árvores amigas.
O que elas não dizem aos filhos da terra!Viram anosas passar gerações,umas após outras; à sombra de seus ramos,assistiram jubilosas a batuques animados; ouviram deliciadas canções e motes de amor ardente; presenciaram mudas funerais trstonhos de gentes nativas; integraram-se festivas em bodas nupciais!

A sombra amiga também os resguardou, em dias quentes de sol abresador.
Seus ramos frondosos são paraíso de insectos e aves que ali embalam, em perpétuo enleio, os filhos adorados.
Quanto prezo e admiro esta árvore sagrada que os pretos escolheram para fiel testemunha e guarda vigilante!

É ali também , como em tribunal, que se julgam os casos e se aplica a justiça,
As referidas mumangas abundam na região, ao longo da savana e são de porte menor, não passando de arbustos.

Quanto às bissapas, é o que mais abunda, por toda a parte.
Como as mumangas são arbustos lenhosos, mas de porte inferior.
Perguntando a uma preta quem é o pai do menino, responde logo, em certos casos: "É fiho da bissapa!"
Estas palavras, cheias de margura e, por vezes,de rancor, denunciam logo enorme tragédia: total abandono, esquecimento, desinteresse.

Contrariamente, por serem estimadas, partilhando fadigas e responsabilidade, atalham, com orgulho :" Não é filho da
bissapa!

7-9-1972
Chitembo
Terroristas
Não atacam de frente. Servem-se de emboscadas ou colocam minas, ao longo dos caminhos. É trabalho de sapa que mói lentamente. Embora convictos de que leva imenso tempo ou que nada conseguem, não desistem jamais.
Estes motivos e outros mais levam-nos a inferir que só pela astúcia lograrão seus fins. Não é jogo claro nem feito de lealdade. É obra das trevas, em que a traição e a mesma deslealdade caminham a par.
Que gente é essa que vive da mentira e se nutre no escuro?! Que viver tão excêntrico! Preferir a hipocrisia à sinceridade!
Servindo-se habilmente de manhas e embustes,lá vão conseguindo, de vez em quando, realizar avarias, que dão grande prejuízo. Um carro destruído representa pelo menos
400 contos(1), (há anos já!) . Vão carros e soldados caminhando para a morte!
Desta vez, também lá foi um Alferes. Coitado! Em regra,os melhores valores - tanto de um lado como do outro.

É preço de escravidão e subserviência a potências estrangeiras. Não seria melhor tentar amigavelmente, arranjos nternos, em profundo sossego,amor e paz. embora levassem alguns anos mais a estruturar-se?

Maldita ambição! Satânica inveja! Não são elas,afinal,a causa responsável de tanta desgraça?!
Combatentes das trevas: deixai tal caminho a vinde à luz, por vias difererntes. O povo português não ama a escravidão nem
quer sujeitar os súbditos do Império a um viver humilhante. O que ele ataca são intromissões de potências estrangeiras.
(1) desactualizados
8-9-1972
Chitembo
Como há-de ser duro abandonar a casa, acossado pelas armas. que forçam e obrigam a deixar a aldeia! Sucedeu há pouco, no silêncio da noite. Dormiam os nativos um sono tranquílo,quando surge o ruído que apavora e alarma: são os " turras! "
Presos a seus lares e às memórias do passado, têm de largar e seguir em frente! As armas não poupam nem se condoem! Há
já 11 anos entregues à faina! Não seria bom tempo de acabar o processo, tentando outros meios, para abrir caminhos novos?
Militais contra nós, ajudadados por estranhos?! Recebeis deles o que é necessário, para duas desgraças: a vossa e a nossa? Se alguém me alimenta. eu não sou livre: dependo de outrem. Se alguém me ajuda, não faço o que amo: dependo de outrem! Sem o julgardes, levados por miragens, ireis substituir o convívio amável dos Portugueses pelo de alguém que náo ama a vossa terra, porque é estrageiro.

A independência é bela de factp, mas ninguém a consegue, por tal processo. Amar os outros não é fácil, não : só Deus e os pais o fazem sempre, desinteressados. Recebeis favores?
Haveis de pagá-los, ainda que seja a troco da mesma liberdade. que jamais alcançareis, pelos meios empregados.
Quereis amigos sinceros, leais e carinhosos? Tende-los
convosco.

9-9-1972
Chitembo
Nascer do Sol. Delicia-me em extremo, aqui no Planalto, fixar detidamente o romper do novo dia. Espectáculo sem par que não pode esquecer-se! Deslumbram-se os olhos, quando poisam ali, prendendo-se a tal ponto, que nada logra arrancá-los. É irresistível o quadro formoso, por limpida manhã!

Além disto, há razões especiais que me levam a tanto: vivendo alguns anos mergulhado num fundão, contornado por montanhas, jamais assistira a cenas de tal ordem:

nem ao começo nem à parte final. Durante o Inverno, perdia o Sol, âs 14 horas,para tornar a vê-lo, não havendo nevoeiro,
só âs 10 horas do dia seguinte.

Agora, porém,visto e observado, aqui da zona tórrida, é sem igual, no Planalto do Bié! Majestoso e solene, faltam-me palavras que o possam descrever!
Nesta hora precisa, apresenta o astro forma especial,
que observei, alvoroçado, aqui da moradia.

Havia já momentos que fixava no Levante os olhos sequiosos, quase embriagados. Até choravam. por vezes,sem eu tolerar ou então anuviavam-se, tendo de limpá-los bastante amiúde. Queria ver o prodígio e não tinha, para isso,

disponibilidade! Fixava, arrebatado. aquela zona provável, consultando bastas vezes o relógio de pulso. Palpitava-me já que seria chegado o grande momento. O Sol esperado é que não aparecia.

Na verdade, observava eu que a linha do horizonte era encimada por longa cortina, acinzentada e muito espessa.
Humidade,por certo, junta com poeiras! Aproximam-se as chuvas! Aí,talvez, a coisa de meio metro, calculado ao perto,
embora de tão longe, começo a enxergar uma nesga ténue,de
vermelho vivo, da parte superior. A outra meia lua estava ainda velada por nuvens densas

10-9-1972
Chitembo
Separação. Partings are always sad. Assim dizem os Ingleses. Dolorosa é, por via de regra, qualquer separação,
de modo especial,quando entre as partes há laços de amor ou sincera amizade. Aconteceu já. Véspera infausta de um dia amargurado, caiu sobre mim imensa tristeza.
Passáramos as férias em íntimo convívio, urgndo agora, forçosamente, barrar os nossos hábitos, embora acarinhados.

A Guida e o Carlitos vão para Silva Porto continuar os estudos . A vida o exige e o bem de cada um. Importa adestrarem-se para as lidas futuras, viver sem vergonha, de cabeça levantada. Os pais
amorosos desejam, a valer, que o futuro lhes sorria prontificando-se a tudo fazer, na mira dum alvo.

Que Deus venha pronto em auxílio deles e sempre os acompanhe, ao longo da vida! Com profunda mágoa os vejo partir. Já me sinto deprimidido e quase taciturno!
É mau ser assim? Não nos fazemos.

Como arrancar a potente camada, que idades sucessivas foram sobrepondo, ao longo dos séculos?! Cada vez mais grossa, impenetrável e dura, não permite, desde logo, actuarmos sobre ela, para levar a melhor!

11-9-1972
Chitembo
O primeiro dia, numa série infinda, amarga e dura.
Surgiu bela a manhã, pois o céu estava limpo, e o Sol dourado ergueu-se triunfal, no espaço infinito. Este dia,porém, foi doloroso e asfixiante, pois já se apartaram os meus companheiros.

Lá vão estrada fora e, à medida que avançam, apertam mais os laços que nos cingem. Parece-me até que o dia é escuro, não obstante viver rodeado de amor.


Os objectos circundantes falam alto a meus ouvidos. Fui por um livro e não pude fixar nada, pois quanto via me provocava martírio. Embrenhei-me na leitura, para distrair, mas foi inútil.

Aquelas imagens, avivando-se prestes, â medida exacta que se alongavam, rumo a Silva Porto, torturavam-me fundo, no peito e na alma.
Estou em crise grave, parecendo uma criança. Também aos outros acontece a mesma coisa? Seja isso ou não, que importa, afinal?

Este caso é meu: tudo o mais é alheio. O que respeita aos outros acaso me fala ou sorri alguma vez?! Que importa que riam, aconselhem ou trocem ?! Não entendo essas vozes, mas ouço e compreendo as de timbre conhecido, por ser igual ao meu.

Não gira em nossas veias sangue genuíno da mesma têmpera?!

Objectos diversos que agora me cercais, também estais doentes, nesta hora de infortúnio?! Choremos todos choremo, que a dor repartida alivia o nosso peito.
E tu, lá, ó jarra de flores, que me acenas do cantinho,
não tentes sorrir, em cores garridas! Se intentas consolar-me, agora é tudo vão, que um vazio tremendo enche o meu peito e a dor sem alívio me coube em herança.

12-9-1972
Chitembo
Um sonho em dois actos, ambos congéneres! Um deles é realizável, segundo me parece; o outro, provável. O primeiro de ambos respeita a mina irmã; o segundo. à nossa Guida. Vir para Angola e viver com os meus era plano secreto. há muito formado.
Após a morte dura e tão dolorosa de minha santa mãe, ele tomou corpo e medrou vultuoso.
Ficava-me assim a grata impressão de ter sempre mãe. Por outro lado, a pequena,meiga e dedicada, fazia de filha.Ilusão? Fantasia? Imaginação, algo exaltada?
Tenho para mim assistirem-me razões, para julgar bem ao contrário. Entretanto, a segunda parte é assaz problemática. A menina visada tem um feitio que não dá pelo meu.
Qualidades excelentes abundam nela e deu provas bastantes de muita dedicação, Às vezes,porém, estraga o que fez, indispondo-me um tanto, com paiavras e atitudes que eu
pronto esqueço, ao mostrar-se repesa.
Deficiência minha, no lidar com ela? Consequência fatal dum lar puritano, em extremo exigente?
Na realidade, eu gosto muito dela: é inteligente, bastante satírica, por modo humorístico e dá pronta solução a qualquer problema.
Vendo-a sofrer, de mal físico ou moral, aviva-se a ternura que lhe voto há muito.
Entretanto,se o cálculo falhar,realizarei, ao menos, a primeira parte do sonho referido, que já não é pouco

13-9-1972
Chitembo
As aulas, em Angola, já tiveram início, em 11 do corrente. Eu, porém, não vejo saída para o meu caso. Começando tarde, era de prever o que vai acontecendo. Apesar de tudo, lanço pressuroso o barro à parede. Quem não jogou nem perdeu nem ganhou.

O cunhado Martins falou-me no Intendente e logo resolvemos escrever-lhe uma carta, a lembrar o meu caso, pedindo, ao mesmo tempo, se interessasse por ele.
As esperanças agora apresentam-se vagas, pois todos os quadros estão preenchidos. Quem mal quer cear, à noite o vai procurar. Andasse mais a tempo!

Por circunstâncias diversas, estranhas à vontade, o tempo escoara-se, não tendo eu tomado as medidas ajustadas, mo assunto em questão. Escreveu-se, pois, a missiva projectada, aguardando sempre, com ansiedade.

Os dias, porém,sucediam-se breve e nada nem ninguém vinha anunciar-nos uma grande alegria. Quase se disssipava a última esperança!
Eis senão quando, em tarde memorável,( bem me lembro eu disso e o reconstituo )vem da Secretaria ( Escola João de Almeida )um breve comunicado, pedindo me apresente, com a
máxima urgência , levando comigo todos os documentos que tivesse à mão.
Grande regozijo houve em todos nós, pois desta maneira, resolvia-se pronto o meu problema, cessando para logo o eterno abrir de boca, a que era impossível eu poder resistir.!

Parto decidido para Silva Porto, julgando, na minha, que era chegar lá e pôr-me a dar aulas. Muito se engana quem cuida!
Meti os documentos na mala do Correio, encontrando-me agora à espera da resposta. Será favorável? Serei atendido?.

14-9-1972
Chitembo
Estou emocionado, escrevendo a meu irmão. É que vim para Angola, sem me haver despedido, fosse de quem fosse: contava regressar e só vir para o ano. Por esta razão, deixei tudo em Lisboa, com a mira no regresso. O bilhete de avião dava somente para mês e meio.
Como as coisas mudaram, tornando-se propícias, resolvi ficar em África mas doeu-me o coração, ao lembrar-me do mano.

Estará magoado, levando o caso a mal? Por maneira nenhuma eu queria desgostá-lo. porquanto a sua doença chega e sobeja para o afligir.
A gordura excessiva pode ser-lhe fatal, originando trombose ou coisa semelhante.
Correr o mesmo sangue,nas veias de alguém, é força irresistível que impele e arrasta. Não consigo iludir-me! A voz forte do sangue é poderosa. Escrevo agitado, aguardando a resposta dele

Pudera eu ajudá-lo, enchendo-o de alegria.
O meu coração é para todos , nada me importando a ingratidão. A verdade é que eu sofro e não consigo dormir.
Seja a carta portadora de sentimentos fraternos, para o
mano estremecido que, ao longe, está esperando.

A distância é grande, mas a alma tem asas que o amor agita e sacode fortemente, imprimindo. às vezes , enorme aceleração.
Nada separa corações e almas que deveras se amam!
15-9-1972
Chitembo
Quatro Cartas.
Várias razões me levaram, de súbito, a escrever, durante a manhã. Efectivamente, como viver, sem profissão?! Quando eu não precise, há mais quem espere.

Viver a existência à maneira burguesa, de perna cruzada, não me seduz. Sentiria vergonha. se tal fizesse.Demais, é grato ajudar a família de sangue e levar a outrem um pouco de lenitivo.
Por outro lado, vendo a mana avelhada, ainda nos seus 40, devido, sem dúvida, ao trabalho excessivo, gostaria de ser útil, o que posso fazer, arranjando ocupação.

Em razão do expsto, lá foram as missivas, algumas das quais para a Metrópole, com vista a um plano que permita breve e diferente rumo.
Entretanto, para que o plano dê fruto, exige-se um carro,afim de vencer as longas distâncias. Ora, havendo ficado lá por Lisboa, vou pedi -lo,com urgência, pois é utópica a vida aqui, nestas paragens, sem carro particular.
O aluguer de viaturas ascende, por quilómetro, a 5$00 ( data passada ), mas aqui as distâncias elevam-se, geralmente, a números astronómicos.
Daqui a Silva Porto, 150; a Serpa Pinto, 180; a Benguela,
é de assustar! Apesar de tudo, são meios necessários, que preciso de contactar.

16-9-1972
Chitemb
Ali no Samalenso, finou-se a Maria, de terrível sífilis.
Era ainda jovem. A morte de alguém, na primavera da vida, é sempre lastimável!. De facto, não viveu ainda nem realizou o sonho adorado, que um dia criara.

Era flor mimosa, para desabrochar, ocultando no seio energias e frutos que jamais se verão, E se ocorrem tais mortes, por culpa de alguém, tornam-se odiosas, pois é necessário não fazermos aos outros aquilo que não queremoa nos façam a nós.

No caso presente, havia, por outro lado, circunstâcias agravantes: era filha única: o pai é doente e já viúvo!
Como não partir-se o coração amoroso, ao tomar conhecimento da negra fatalidade?!
Haverá censura e palavras duras, que sejam bastantes, perante um caso desta natureza?! Que soma pagaria a dor deste pai, angustiado e só?!
Que tesouro, no mundo, equivaleria, estritamente, à perda irreparável de uma filha estremecida, amparo de seus dias?!
Ainda se mal ruim, fatal, inevitável, causasse tal morte! Mas
não! Foi, na verdade, um mal horroroso que algum endemoninhado lhe meteu no corpo, levado somente por instintos brutais!
A infeliz pequena, com a mira no dinheiro, porque o pai necessita; levada ainda pela vaidade ( fundada talvez em promessas lisongeiras) entregou-se à morte, por modo afrontoso!
E, nesta data, por causa de um soldado, lascivo e desumano, está de luto a sanzala,; choroso , inconsolável, aquele pai desditoso; pasto de vermes a infeliz rapariga. que não pôde realizar-se nem por isso cumprir seu nobre destino!
Haverá lei no mundo que tal permita?!Lidamos com gente ou com feras humanas?! Onde é que mora a honra e a dignidade?!
É só viver à cão, sem tomar parte na responsabilidade?!
Indignam-me tais casos, levando-me a protestar, com toda a minha alma.

17-9-1972
Chitembo
Um cancro! É repelente,no meu julgar, para não chamar-lhe coisa diferente. De facto, um pai é, por natureza, o guardião do lar e firme sustentáculo da sua família.

O nome e a função trazem consigo pesados encargos. Por modo nenhum deveria actuar como lobo faminto e devorador ou permitir que outrem destroçasse os membros do agregado.
Também não pode arvorar-se em mau conselheiro da prole inocente, ainda que seja por necessidade.

Entre os Negros, porém, é costume satânico pôr as filhas a ganhar dinheiro, ao chegar a puberdade. Umas vezes, em pura mancebia; outras ainda, em regime condenável de prostituição.

Grave e censurável o primeiro recurso; bem pior ainda o segundo apontado, aqui há pouco.Efectivamente, a jovem rapariga fica assim exposta às duras contingências do capricho humano e não vê jamais consideração pela sua dignidade.

É preciso, realmente, granjear meios de vida? Que sejam honestos, por via do trabalho. Servirem-se das filhas, para andar ao alto e de braços a abanar é vergonhoso e digno de censura.
Por tal modo,não são pais: antes lobos vorazes, partilhando uma presa que deviam defender. Verdadeiros animais, em nada se distinguem de nacacos e ursos.!
Não será triste e desolador?! Uma alma cristã, remida por Jesus, no Monte Calvário, onde o sangue do Cordeiro foi derramado, fica obrigada a cevar apetites, servindo como fêmea, para logo excitar a lascívia de alguém e proporcionar o máximo prazer a gente devassa.Onde está o respeito que devemos ao próximo e à Lei do Senhor?

18-9-1972
Chitembo
Como sanar este mal?
Se há remédio para tudo, onde encontrá-lo, no caso presente? Descubramos as razões que impelem as negras e também certas brancas, para a vida fácil. Entre elas todas, ocupa decerto lugar de relevo a falta de recursos.
O casamento entre negros é de pouca firmeza e não tem, por norma, grande estabilidade.
Ora, acontece que a mulher em foco, ao ver-se abandonada, entrega-se ao primeiro que lhe dá protecção ou meios de vida.
Sendo isto assim, precisa de preparar-se para uma vida que seja mais digna, caso contrário, aumenta a desgraça.

Por este motivo, vão-se criando Obras de Formação, urgindo também ilustrar os pais acerca dos deveres que lhes incumbem.
Efectivamente, sendo os próprios homens que atiram as filhas ou até as esposas, com a mira no dinheiro, importa sobremodo formar-lhes a vontade e movê-los ao trabalho.

Por não quererem fadiga, fomentam a desonra, autorizando a entrega de filhas e esposas?!
É por miséria ou triste abandono, vendo seus filhos chorar com fome?

Atenda-se aos casos, para obviar a tamanha desgraça,mudando a sociedade, em que estamos integrados,
noutra bem melhor.Para tanto, não faltam no mundo almas generosas, que dão tudo a seus irmãos, por amor de Jesus Cristo-

19-9-1972
Chitembo
Terrorismo no Chiungo.
Estes Ganguelas são, na verdade, o modelo perfeito da timidez! A mais leve coisa é já suficiente para intimidá-los, enchendo-os de pavor.
Outros povos há, na imensa Angola, que são destemidos e assaz audazes. Hajam vista, por exemplo, os famosos Cuamatas.
Aqueles,porém, não se recomendam, pela valentia!

Mercê deste facto, andavam aterrados, por ouvirem dizer, à boca cheia, que os turras medonhos haviam assaltado um aldeamento de negros, levando consigo toda a população:assunto do dia!

Em nada mais se tinha já olho. Conjecturas em barda e cálculos a montes, como também planos de futuro, tudo isso é tópico de suas conversas.Riam os brancos, de vê-los reagir de tal maneira!

Fôssemos lá convencê-los ou tentar discussão! Uma ideia fixa! Um pavor sem medida se apoderou já de seus corações.

Deixar o quimbo! Seguir aquelas hordas, que se acoitam nas matas, onde vivem e sentem como animais! abandonar assim lugares queridos!
O cemitério saudoso, onde repousam, há muito, os seus antepassados! A fonte cristalina que já dessedentara tantos lábios sequiosos! A capelinha humilde, onde rezavam orações fervorosas a seu Deus e Senhor! O terreiro fascinante, onde em criança haviam brincado!
E aqueles rostos escuros, já com pé de galo, onde se lêem agruras e vários receios, começavam a mostrar sinais inequívicos de lágrimas quentes!
Cheio de simpatia por todos os que sofrem, deixei-me impressionar, baixando a tristeza ao meu coração!

20-9-1972
Chitembo
Coração ferido não louva amigo!

Faz doer o coração aquilo que o magoa, afronta ou contraria, quer venha das pessoas quer dos objectos.
Qual chaga purulenta que afecta e dói, de igual modo essa ferida que actua sem a vermos, faz estragos na alma, que geme e agoniza.
Sendo isto assim, a pessoa que agoniza torna-se indiferente, se não odienta em ordem á causa da sua prostração . O próprio amor fica logo sujeito a volver-se em ódio. Há limite para tudo: passando além, ficamos desorbitados, urgindo recuar.

Desfocados então, é muito natural que não nos sintamos em grande à-vontade. Coração amargurado,se não até oprimido, poderá ele tecer elogios, ao lembrar com tristeza a causa de sua dor?!
Em vez disso,tenta o esquecimento ou olvido total e, quando o não consiga, dobra - lhe o martírio.

Que remédio haverá, para mudar o curso de tais dissabores?!
Lembrar, por sistema, os defeitos da pessoa e criar uma estrutura que a torne indesejada, é caminho pagão, mas aconselhável, principalmente, em assuntos de amor .

O pensar nos defeitos e várias deficiências, é o melhor antídoto, em casos de amor que não foi correspondido.

De outra maneira, a pessoa definha e vai-se destruindo, embora lentamente, perdendo, a breve trecho, o gosto de viver.Achar logo substituto, afim de esquecer o objecto amado, será talvez o melhor caminho.

Depois, há-de tomar-se em conta um dado importante da psicologia: despertar habilmente o ciúme de alguém, é meio seguro, para levá-lo prestes a reflectir e mudar os sentimentos.
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21-9-1972
Chitembo
Quem mal quer cear, à noite o vai procurar.

Guardar-se alguém para a última hora é sempre desairoso.
Há outros provérbios que dão pelo mesmo: Quem vai para o mar prepara-se em terra; Antes que cases vê o que fazes.

Daqui induzimos, bem claranente, devermos alijar a danosa preguiça, para que nao impeça o rumo a seguir.

Efectivamente, só ele ocasiona, bastíssimas vezes, esse estado de coisas. Adiar, adiar sempre, aguardar em desleixo o último instante é caminhar erradamente.

Acontece, por vezes, surgirem dificuldades e certos imprevistos, não havendo já tempo de chegar a horas.

Se houvesse mais senso, com leve circunspecção,
ligeira vista de olhos, esforço metódico, oportuno e útil, iria tudo pelo melhor, sem recriminações.
Desçamos à prática, onde o campo é azado.

Imaginemos um aluno que prepara os livros e tudo o mais, no último instante. Que vai suceder? Esquece alguma coisa, vindo a ser punido ou, pelo menos, ser objecto de grave censura.

Se o fizesse de véspera, na calma do seu estudo, guardando somente para o outro dia, uma vista de olhos àquilo que fizera?!
Nada faltaria e poupava desgostos

E agora um feirante assaz descuidado, que vai partir, por alta madrugada?! Não sendo metódico, faz seu arranjo, cheio de sono, esquecendo a carteira, se muito bem calhar!

Ao puxar pelo dinheiro, fica aparvalhado, rindo logo outros da sua estupidez!
Como ia ser diferente se ele, ao contrário, preparasse, na véspera, quanto precisava!
Guarda que comer e não guardes que fazer!
A diligência é que vence a preguiça, livrando-nos assim de enormes dissabores.

Chitembo
22-9-1972

?retos e Pretas bebendo em grupos.

Embora atrasados e, algumas vezes, até miseráveis, não olvidam a pinga que muito apreciam.
Ecomomias e lucros aplicam-se nela, pois, segundo afirmam, proporcionam aos ébrios momentos deliciosos. Por isso, é frequente depararem-se em grupos, formados, geralmente, por homens e mulheres, incluindo. às vezes, as mesmas crianças.

À frente do grupo, encontra-se o mandão. Pode ser o pai, um compadre ou amigo, o soba do lugar ou o Regedor. Tudo converge para um só alvo: quem oferece vinho à malta em redor. Uma vez reunidos, fazem todos parte de seus cuidados
Agora. ei-los esperando. Falam, riem, saltam, parecendo crianças, em dia de boda. É certo e sabido que o vinho capitoso vai dar borracheira.
Eles não se importam de ficar ao relento! Também nada conta, se não entrarem em casa, nesse mesmo dia! O que interessa a valer é matar a secura que lhes abrasa a garganta! Saciar a sede! O resto não é de monta.

Uma vez em presença do vistoso garrafão, que eles obtiveram, mostrando o dinheiro, sentam.se no chão, à falta de bancos, e começa o emborque!
Com grande lentidão, quase solenemente,desarrolha-se a vasilha, pondo nos movimentos uma atitude composta.

Os circunstantes quase deliram: vão lambendo os lábios, enquanto a boca excitada, se lhes faz em água.
O chefe do grupo deita meio copo ( às vezes menos ) e leva-o
à boca, cheio de firmeza.
Logo em seguida, enche os outros copos e oferece ao grupo que se encontra em roda. As muiheres presentes recebem por igual. Só as crianças têm redução

O certo e sabido é que todos a ali bebem e se sentem feizes, naquele hora, esquecendo em breve os males da vida e instigando na alma o gosto de viver.

23-9-1972
Chitembo
Festa no Samalenso.

É noite cerrada.Pele via pública, seguem buliçosos, ranchos animados, transportando à cabeça pequenos fardos. onde levam tudo quanto é necessário, afim de velarem a noite em cheio e passarem o dia.
Caminham, à mistura, grandes e pequenos. O ar é de festa: conversam, riem, gracejam. Outros ali há que vão sempre cantando, ao ritmo do passo.

Acompana-os o farnel e assim a bela pinga, a cadeira ou banco, sem faltar o cachimbo. Lá vão como sombras, deslizando no escuro, alegres, eufóricos.

Faço perguntas, mas em resposta encolhem os ombros dizendo apenas: Festa no Samalenso!

É perto daqui a velha sanzala. Nas que festa? Clvil, religiosa,
baptizado?
Aquilo, porém, aguçou-me desde logo a curiodidade.Tanta gente assim! Um povo animado! Que temos nós?! Demais, a estas horas!
Quando os outros se deitam, vão eles para a farra?!

Ao outro dia, encontrando o Filipe. que vem a ser o nosso Catequista, é que deu cabalmente a resposta exacta:
" Um convívio de cristãos, para encontro aberto e troca de impressões. Dura vários dias e é sempre acompanhado de
grande animação"

Fiquei inteirado e pus-me a fantasiar como aquilo seria
Mais disse o Filipe haver ainda cantares; falar cada qual da sua experiência; dificuldades; humilhações e triunfos.

Perguntando-lhe depois, qual a sua opinião, sobre os encontros, respondeu ele: " Estes encontros são deveras esplêndidos, para incrementar o amor e a caridade.

As convicções de alguns são postas, desde logo, ao serviço de todos, saindo dali com mais energia, para cumprirem os seus deveres e, ao mesmo tempo, renunciarem aos vícios"

Ouvi-o com agrado e, ao mesmo tempo, não deixei de admirar o calor e acento que punha no dizer, notando-se em tudo a influência missionária.

24-9-1972
Chitembo
Almofariz e pilão.

Tudo que é novo se torna curioso e deveras engraçado. Aconteceu hoje, pele primeira vez, ao visitar a sanzala mais próxima - o Samalenso.

Habituado como estava aos costumes europeus, todas as coisas me causam espanto, aqui em África.
É impressionante e singular!

As cubatas-miniatura; o vincado tortuoso de ruas e ruelas;
o viver patriarcal e a vida azafamada, que vai pelas testadas…

Ao longo das ruas da velha sanzala, vagueiam nédios porcos, em franca mistura com bodes e cabras, vacas a bois,
galos e galinhas.
Algum preto mais mísero, enxergando-me já perto, faz olhos de mal-estar, estendendo a mão, afim de alcançar a suspirada esmolinha.
Que impressão me deixam estas moradias," tão pequeninas" Algumas delas são um primor!

Cono podem as gentes viver ali, em espaço tão exíguo!?E lá se criam, por igual,os filhos e os netos, em grande promiscuidade, o que é desaconselhável, por motivos morais.

De tudo, porém, o que mais cativou a minha atenção, foi a lida esfalfante de duas jovens pretas, moendo o milho. É em frente da cubata. Examino de longe, que não poso abeirar-me. Ao que parece, aquela tarefa exige bom músculo.

São duas moças bem constituídas, que movimentam ,à vez, o ágil pilão. Enquanto um baixa, sobe o outro também. Não há descanso: grossas camarinhas inundam seus corpos, mas não importa! a farinha branca dará pão e sustento ao marido e filhos.

25-9-1972
Chitembo
Infecção nos pés

Jamais havia tido um caso semelhante.Não podendo calçar-me, ficava retido entre quatro muros, ao passo que o tempo girava sempre, levando meus dias e trazendo à mente o lidar suspirado.

É duro estar quieto, por motivo de moléstia! E logo mês e tal! A esperança, no entanto, é a grande alavanca, na vida terrena. Morrer de todo não foi o caso, embora afrouxasse.

De um dia em outro dia, assim passavam as horas, sempre em curativos,pelo menos duas vezes em 24 horas. A mana Agusta foi incansável. Logo de manhã cedo, vinha a pergunta: " E o pé está melhor?

Quando alguma vez estava mais inchado. fazendo excepçao à regra geral. que era diminuir, o meu rosto anuviava-se e, como por simpatia, o dela também.
Quantos pensos gastos! Quantas ligaduras! Quanta paciência não foi a da mana! E sempre com interesse, verdadeira devoção… prazer até! Não posso esquecer tamanho desvelo! " Amanhã, vai estar melhor!"

E eu acreditava! Assim rodava o tempo, sem meter jamais sapatos nos pés! Quem aguentaria?! Sandálias,sim! Defendiam os pés, enquanto permtiam ir aqui ou além, a pequenas distâncias

26-9-1972
Chitembo
As primeiras chuvas. A salalé nos ares.
Em meados de Setembro, notava-se já certo grau de humidade e o astro amigo aparecia velado, avistando-se apenas já um pouco acima da linha do horizonte. Aguardavam-se breve as primeiras chuvas.

" O ano passado bem como há dois anos, vieram a 17!"
Era esta a voz corrente. Por causa do atraso, reinava por aí o descontentamento!
Mas inútil e vão é aquilo que não vem.

Embora de espaço, lá surge o momento! O anúncio matinal acabava de chegar: a longa distância, é marcado por um relâmpago a que segue breve o horrendo trovão.

A salalé já anda nos ares! Vai-vem contínuo de milhões e milhões! Toldam os céus e produzem mancha. Dizem as gentes que, após tal voo, lhes caem as asas, morrendo em seguida. Ignoro inteiramente o que haja de verdade, em tal afirmação.

Começa a chover. É quase torrencial a chuva esperada!
Ressequidas as terras, absorvem gulosas a chuva desejada, que as fará reverdecer, cobrindo-as de um tapete, multicor e garrido Toda a Natureza esperava ansiosa.

A salalé e os grilos é que nada apreciam, pois obriga a todos a sair dos buracos e vir para fora. Mas a vida é assim: o que uns apreciam odeiam-no amiúde os vizinhos do lado.

As plantas xerófilas não sofrem dano, mas revelam, ao que penso, algum prazer. A verdade, porém, é que elas são desejadas, por muito necessárias. Que seria do mundo, se elas falhassem?! Vê-lo -íamos transformado em amplo cemitério.

Benvinda seja a chuva que dessedenta as plantas, sem as quais o homem e os próprios animais não podem viver!

27-9-1972
Chitembo
"ncomendas sem dinheiro esquecem logo ao primeiro ribeiro."

Foi à mana Agusta que primeiro o ouvi. Por haver muito chiste, aqui o registei. De facto, se pedimos a outrem nos compre um objecto, mas não entregamos a importância devida , é grande arrisco, por várias razões.

Em primeiro lugar, bastando o incómodo, ninguém vai mais longe, originando mal-passar! Pocurar alguma coisa e trazê-la consigo, já chega, decerto, para trabalhos! O problema dinheiro é grave em extremo.

O encarregado tem que sobeje? Chama-lhe seu e não vai
certamente aplicá-lo de chofre em coisas de outrem.
Se não dispõe dele, pior um bocado! Ninguém dá por certo aquilo que não tem. É o que chamamos impossível absoluto.

Fundado em tais razões, o povo observador estilizou numa frase as conequências graves de tais acções.
Que vai acontecer a essas encomendas? Nem merecem atenção, pondo-as de parte logo de início.

Portanto, se quisermos nos atendam, em casos semelhantes, entreguemos de início a quantia exigida, uma vez que sem ela não devemos actuar.

Haja ainda confiança em nossa pessoa, gera sempre incómodo: é harto admissível que venhamos a esquecer-nos.
Para obviar a certos males, evitando cuidadosos que eles
apareçam, nada certamente aplicá-lo de chofre em coisas de outrem.
Se não dispõe dele, pior um bocado! Ninguém dá por certo aquilo que não tem. É o que chamamos impossível absoluto.

Fundado em tais razões, o povo observador estilizou numa rima as conequências graves de tais acções.
Que vai acontecer a essas encomendas? Nem merecem atenção, pondo-as de parte logo de início.

Portanto, se quisermos nos atendam, em casos semelhantes, entreguemos de início a quantia exigida, uma vez que sem ela não devemos actuar.

Haja ainda confiança em nossa pessoa, gera sempre incómodo: é harto admissível que venhamos a esquecer-nos.
Para obviar a certos males, evitando cuidadosos que eles apareçam, nada aí há como lembrar o conhecido rifão, acomodando-se a ele.
É fruto maduro de alta filosofia.,tenha ele por berço o povo humilde! Quantas vezes não dá proveitosas lições que, por modo nenhum, devemos subestimar!.

Chitembo
28-9-1972


"De grandes ceias estão as campas cheias!"

Aviso salutar que não deve ignorar-se, no acto de comer! Muitos, porém, olvidando que são homens e fazendo-se glutões, não se importam jamais de atender aos efeitos.

Que os seus descendentes fiquem arruinados? Isso que interessa?! Que se governem! O que importa, afinal, é o seu apetite e os meios para aquietá-lo.

Comer sempre muito… empapar-se até, do melhor que houver! Beber agora, fazê-lo também logo e a todo monento.
Há, por ventura, muitos esfomeados? Que se arranjem lá! Nada lhes toca, para ajudá-los!
Necessidades prementes da própria família? Educação dos filhos?
Eles que trabalhem, pois têm bom físico! .
De abismo em abismo, vão seguindo estes loucos, de pança abarrotada. Que pena me vai, de não terem mais senso! Não diferiam de seus outros irmãos que até envergonham!

Situam-se os ditos em nível inferior ao dos próprios brutos, uma vez que estes, satisfeito o apetite, não vão mais além.
O abuso traz a sanção. Algumas vezes, já neste mundo!Como impedir tamanhas desgraças, de ordem temporal e também eterna?!
Reflectir, avaliar, concluir e rezar! Os grandes bens, temporais e eternos demandam sacrifício, mortificação e muita renúncia

29-9-1972
Chitembo
A roupa suja lava-se em casa.

Outro aforismo de valor inestimável Na verdade, importa considerá-lo, pois é útil e prático.
O que sucede em casa não deve irradiar, para além de seus muros.
É sintoma bem reles que alguém conte na rua as fraquezas e misérias observadas no lar!
Deficiências e erros há-de velar-se tudo, como coisa ignorada.

Lembrados, só em casa, para corrigir ou interpor-se! Agora, assoalhar, cá fora, o que humilha e rebaixa não depõe a favor: é, na verdade, certidão de vileza. Lá que outros digam mal não é bem, com certeza! Entretanto, sermos nós a dizê-lo, é mal bem maior!

Quem irá defender-nos, se nós o não fazemos?! Inimigos de nós próprios, esperamos então que alguém apareça, para defender a nossa causa?! Rematada palermice havia de ser!

Corrijamos, pois, com maneiras brandas, os que exorbitam
da regra elementar, fazendo estendal de quanto vai, lá por sua casa. Os que ouvem não guardam e, para desgraça, desvirtuam, bastas vezes, apresentando as coisas de tal modo e feitio,que parecem diferentes.!
Alguns até pensam que se trata de outra coisa! Tal foi a distorção que fizeram, contando

30-9-1972
Chitembo
A Paulina, lavadeira
Vive no Samalenso, pequena Sanzala, a mil metros do Chitembo. É casada, julgo eu, com um Sanches de tal. Avó de mulatinhos, menino e menina, revê-se em todos a nossa lavadeira, quando o vinho a náo tolda!

Boa profissional, tecem-lhe os Brancos rasgados elogios, pois mancha que não tire ninguém o consegue. !Lava de tal modo, que provoca admiração, fazendo que a roupa exale de si agradável odor. Uttiliza, para isso, ervas do mato.

Em juízo perfeito, o que raro acontece, conversa chãmente, ouvindo-se até com muito agrado. Quando,porém, se não domina, ficando etilizada e algo tonta, faz cenas vergonhosas
que ninguém suporta

Fica pelos caminhos, dormindo à chuva e pratica,insansata , o que avilta e rebaixa.
Melhor dizendo: alguém a leva isso, recorrendo, para tanto, ao estado lastimoso, causado pelo álcool.

Então a neta põe-se a chorar e foge logo, pelos caminhos, para não ver nem presenciar essas vergonhas.

A mana Agusta censura-a duramente, fazendo~lhe ver claro quanto ela desce, com tal baixeza. Mas o vício horrível não perdoa nem esquece. Por isso, uma vez mais se repete a cena
desoladora.
Que pena me faz! Elemento valioso esbanja,.este modo, vida e haveres, pelas savanas de Angola!

Bem lhe diz a Dona Agusta: Olha, Paulina, és mal empregada, abusando assim! Perdes o juízo!É uma vergonha! Não faças isso! Corta de uma vez!
"Ai, minha senhora. amanhã morro! É aquele, na verdade, o melhor tempo que eu tenho! Esqueço as mágoas e a dureza da vida!

1-10-1972
Chitembo
" Deus seja nossa Senhora!"

Vi-o só uma vez e fiquei logo julgando que era um bom ponto
A mana Agusta falara-me dele, em terras da Metrópole, mas de modo vago. sem que eu fizesse a mínima ideia, acerca do perfil.

O dia primeiro, em que ele se abeirou da minha pessoa, trazia o estòmago em grande efervescência, não exceptuando a própria cabeça. Razão era essa que o tornava, a breve trecho, importuno e pegajoso, mas a boa preta, sua companhia, dominava-o totalmente.

Vendo alguém desfrutá-lo, interpunha-se logo e não sei por que jeito, ia-o levando. levando até o retirar de vistas curiosas.

Ele,no entanto, insistia em falar e tentava abeirar-se, mas não conseguia levar a melhor. A tola expressão que encima o Diário é uma espécie de bordão que ele utiliza, querendo, às vezes, emprestar vigor àquilo que afirma!

Atribuindo às palavras bom efeito retórico e vendo nelas um cunho sagrado, lança-as ao acaso, ficando a impar de importância e vaidade.

, Mulato de nascença, do que ele não tem culpa, é bem constituído, fisicamente, efeito provável do cruzamento de raças.
O sujeito é carpinteiro e parece, desde já, um tanto filósofo.

Na mira da ventura, vai lutando, dia a dia, atirando-se ao vinho que não é brincadeira!

Afinal de contas, nem tudo correu mal, pois a cara metade não tolera nem admite que se exponha à irrisão. Olha de muiot alto para os seus iguais, que mede em breve, dos pés à cabea, fulminando-os logo, com olhar afogueado.

É caso para dizer: "Abençoado leite que a sujeita mamou e feliz do mulato que a elegeu para esposa".
Daquilo há pouco!

2-10-1972
Chitembo
A tropa e os costumes

Há pestes horrendas que vêm de longe, sendo os seus miasmas trazidos pelo vento ou então por animais e outros agentes.
No Estado de Angola vai já grassndo outra epidemia que o altera e corrói, destruindo as energias e relaxando os bons costumes.
Esse corrosivo é a devassidão, espalhada,por toda a parte , onde a tropa se encontra. Não bastariam os enormes encargos que ela origina?!
Como se não bastassem, decaiu a moral, vindo logo em seguida a corrupção dos costumes.A dourada paz de casas e lares, a boa harmonia entre as famílias, o sossego do espírito e assim o repouso do próprio coração tudo foi abalado pela horda insana que a terra-mãe aqui despejou.

Rapazes sem norte, para quem a vida são encontros fortuitos, sem outro ideal que o do podengo, põe tudo a saque, vazando no cerne os germes da podridão.

Serão todos assim? Sinto que não, mas uma parte não sai do rol! Ora, sendo como é, que podemos esperar?! Se mal havia, mais ainda prospera: não há pior chaga que a devassidão.

São lares de pretos, desfeitos em vento! Donzelas formosas que se etregam à desgraça, inutilizando seu futuro de mães!São belas esperanças, goradas, ao nascer! Corações destroçados, aspirações desfeitas, pelo tufão da sórdida luxúria!

Poderemos assim construir o futuro, na base do ódio, arruinando as famílias e ofendendo ao Senhor?!

3-10-1972
Chitembo
A preta e o ganho

Entre os males detestáveis que envilecem e depravam o género humano e afligem a sociedade,erncontra-se, de facto, a prostituição. A palavra " ganho , " que encima o Diário, equivale ao mesmo .
Urge saná-la, mas torna-se árduo, uma vez que os pais incitam as filhas a viver em meretrício.
Chegada à puberdade, uma corrente forte vem logo cingi-la: " É tempo de amigar! "
Assim dizem às filhas.
Daí, já se vê, ligações precárias, degradação da mulher, quando não até, prostituição manifesta.! O que fere,desde logo, a sensibilidade, é o aspecto seguinte:

sendo embora os pais guardiões da honra de suas filhas ( a própria Natureza a isso os impele ), verificamos serem eles em pessoa que as alertam e aconselham a tomar aquele rumo.

Sei muito bem que há honrosas excepções mas,por via de regra, a chaga pestífera alastra e contagia. Torna-se urgente um série de medidas, a partir, como é óbvio, das autoridades. para castigar determinados pais, incriminados, a tal respeito.

Por outro lado, impõe-se, ainda antes,uma campanha assaz inteligente, contínua e porfiada,para formar os chefes de família, alertando as consciências. De outro modo, que podemos esperar duma sociedade, assim aviltada, cujos membros primários se abandalham a tal ponto?!

Pelo caminho. já tradicional, a mulher angolana é mero objecto de prazer e vilania, sem honra nem valor.
Uma sociedade, estribada,ao que vemos, em tais raízes, já está condenada.
A mulher, afinal, também foi redemida pelo sangue precioso do Senhor Jesus, derramado no Calvário; além disso, é ela a mestra, apoio e sustentáculo de qualquer sociedade.

4-10-1972
Chitembo
"O que não pode a mão pode-o a espada."

Entre os povos negros, também há sabedoria e bastante senso prático.
É muito frequente ouvir aforismos. deveras curiosos, onde se acumula o saber dos povos. Apesar de analfabetos, têm noções claras e muito acertadas, no tocante a problemas que são basilares. Quantas vezes sucede que nos deixam assombrados!

Aquela máxima pode equivaler a outras muitas, que nós utilizamos: O que não vai a bem vai depois a mal! O mais forte é que tem razão! A força é a razão do mais forte!

Às vezes, esta gente, de aspecto miserável, que não olha a conveniências nem atende a trajos, também aloja no peito um coração formoso, que sente e ama.

Há mostras claras de intelecto agudo. Fossem eles educados e teríamos logo uma sociedade nova, cheia de vigor, energia e recursos, base promissora de um mundo melhor.

Infelizmente, porém, alguns elementos, de origem estranha, utilizam-nos apenas como agentes de trabalho, sem ligarem muito à sua promoção. Por que é que o terrorismo vai grassando em Angola?
No meio de tudo isto, há brancos admiráveis, que são deveras pioneiros, contribuindo largamente, para elevar e promover os Nativos.
Nem me refiro já aos nossos Missionários e às Religiosas, cujo papel é surpreedente!

5-10-1972
Silva Porto
Borboletas

Em Agosto e Setembro, via-as doudejando, por aqui e por além, num afã porfiado, com destino incerto. Tendo-as visto no Chitembo,dengosas e lindas, não previa, nessa data, o que agora vou notando.
Endemoninhadas e cheias de vida, gerando sonhos e trazendo promessas, fazem-me cismar, durante longo tempo, no logro da existência.
Doudejava com elas, afim de correr loucas aventuras, dando imensa larga à minha fantasia e saciando-me também de inefável amor.
De flor em flor, sugavam o néctar que era delicioso, e eu, na verdade, ficava extasiado e cheio de emulação, nutrindo , de momento, desejos muito altos.
Trocar, desde logo, a minha natureza, assumindo a delas… eis a minha tentação!

Eram bem felizes esses insectos, por mim invejados, não obstante a origem, deveras feia, donde tinham partido!
Mas, afinal, que importava o princípio, quero dizer, a nojenta lagarta, quando agora o prazer vem pronto à mão?!

Invejei-vos loucamente, por serdes leves e assim contentes, e por tantas outras causas que ao tempo recordei!

Vós, na verdade, faláveis bem alto, numa linguagem que não olvido, censurando a minha vida, por ser tão presa e descontente.

Ouivi ralhos e troça, nos volteios crebros que dáveis então, apercebendo-me claro de que o alvo era eu. E a tristeza vinha a mim , assentando arraiais, no mais íntimo do ser.

Hoje, porém, voltei a ver-vos: já não sois, de facto, cono éreis então! As primeiras chuvas cavam, desde logo, a vossa ruína.
Que é,pois, o que eu vejo, no pomar do lado, aqui junto de casa?!

Tentativas falhadas dum voo que findou! Enleadas na ramagem ou presas com visco, bateis asas gementes, contra ramos e muros!
É cruel tal destino que, após sonho de embalar, vos atira,ainda vivas, para a morte inglória!
Foi assim a minha vida: é também o meu fado!
Para mim, no entanto, a vida continua, para além da morte, num mundo melhor.

6-1o-1972
Chitembo
O Caso das Frangas

Eram felizes aqueles pintainhos! Possuíam, benza-os Deus, uma solícita mãe! Esgaravatando, no solo promissor ou mostrando aos filhos o biscato apetecível, não largava de olho o milhafre atrevido que perpassava nos ares, guloso da presa, agora descuidada no amplo quintal.

Um dia, porém, não sei como foi, surgem os pintos a queixar-se tristemente, correndo tresloucados, quais barcos sem vela, ao sabor das ondas e ventos furiosos. Quis logo saber o que sucedera.
Onde se encontra a mãe? — indaguei eu prestes.
Olhei ali. tornei a olhar, mas tudo em vão! Teria morrido? Atropelamento, na via pública? Enfermidade? Nada disso!
Simplesmente um passo novo! Um rumo diferente, na vida dos pintos.
A mãe sensata, vendo-os crescidos e aptos para a vida, resolveu deixá-los. Que se governassem! Eram já grandes! Eles,porém, estranharam a valer! Faltava a protecção e aquela penugem, quentinha e fofa!
Tive pena deles, mas a vida é isto! Uma luta constante! Um desapontamento !
O pior, no entanto e que mais me feriu não foi, exactamente, o que fica exposto. Até me custa lembrá-lo! Quanto mais traduzi -lo, em palavras minhas!

Ao romper do Sol, dirigia-me ao horto, quando se me oferece um quadro lamentável: duas franguitas, afinal irmãs, andavam empenhadas numa luta fratricida! . .
Fiquei desapontado! Porquê? Se a união faz a força!

7-10-1972
Chitembo
Foi há pouco ainda, ali na Sanzala.

Vizinha do Chitembo, nada lá ocorre que não tenha ressonância aqui na vila. O caso de agora foi tão alarmante, que logo despertou a atenção das gentes, levantando protestos.

Segundo me consta, alguns soldados que ali tinham ido, foram atacados pelos nativos, habitantes da Sanzala, que se juntaram em multidão.
Com vários paus, espetos e catanas, propunham-se eles. bem entendido, escorraçar a tropa e escarmentá-la. O rastilho perigoso já vinha de trás.

Ciosos das esposas, não permitem os maridos que elas vivam para os brancos, ainda que uma ou outra se preste a isso.

Desta vez,realmente,foi ajuste de contas! Se a versão é exacta, o que não se prova, três ou quatro soldados haviam já forçado uma porta de entrada para a residência, onde se encontrava o Monitor Julino
Perguntam de chofre: "Aqui há mulheres?"
Neste momento, envolveram-se em desordem, resultando pronto que o dito Monitor, depois de ser batido e ver o crânio já fracturado, se encontra no Hospital, para tratamento.

A esposa fiel, ao vê-lo prostrado, jorrando sangue, encheu-se de nervos, postando-se à entrada e ameaçando, de catana em punho. O primeiro deles que teimasse em entrar, cairia vítima da ousadia.
Neste comenos, fazem alarde, em toda a Sanzala, começando a correr imensa gente, com paus e ferros, para o que desse e viesse.
Então os soldados, reconhecendo ser grave tal situação, enviaram recado para o seu Quartel, afim de os socorrerem, com homens e armas.
Consta por aí que um dos soldados se encontra, igualmente, em perigo de vida.
Em vez de paz, trazem eles a guerra?!

8-10-1972
Chitembo
Sovaram a Delfina

Esta jovem preta andará pelos 18, a muito conceder. Trabalhou com minha irmã, durante muitos anos, fazendo-se mulher e aprendendo muitas coisas, pois é inteligente e assaz prendada.

Vive, actualmente, ali no Samalenso. Embora de cor negra, tem feições regulares e os seus olhos vivos demonstram, à saciedade, que não é vulgar.
Em companhia de minha irmã, Agusta, tentou ser honesta e conservar-se ilibada, até ao casamento. Entretanto, ao chegar a puberdade, os pais desnaturados obrigaram-na a fazer o que ela não queria.
Veio logo um filho, em pouco tempo, continuando assim uma vida censurável que desonra a mulher e a torna qual objecto.

Há poucos dias, houve um baile no Jacinto ( branco ).Trata-se, afinal, de bailes nocturnos, em que a lascívia campeia infrene. e onde falta o decoro.

Como era de esperar, lá estava a Delfina. Não sei bem porquê foi bombo de pancada: tantas levou. que está no Hospital. Ignoro se melhorou, sensivelmente, mas ouvi dizer hoje que o filho morreu, logo após o batuque. Diz-se, à puridade, que também ela não vai escapar.

Não será pena que tal suceda, por culpa dos pais?!.
Pobre Delfina! Inteligente e prendada, começa o labor por feia
desonra, envolvida em intrigas, ódios e malquerenças!
De vez em quando, visita a Casa amiga, porque tem saudades de quem lhe quer bem, mas deixa transluzir que não é feliz.

9-10-1972
Chitembo
Álcool

Entre os agentes, deveras perigosos, que alteram a raça, não é subestimável o danoso álcool. Se os negros de Angola se inteirassem disto, fariam diligências, para emendar-se.

A verdade é que, prosseguindo assim, verão suas tribos, algo abastardadas por causa da bebida.
Tenho imensa pena de os ver etilizados, pensando a valer nas consequências.

O caso atinge os dois sexos.Qual será, na verdade, o porvir destes filhos, com mães borrachonas e fumadoras?! Não haverá barreira que suste , desde logo, esta onda satânica?! Há remédio para tudo, menos para a morte!

Surjam, pois, medidas eficazes que impeçam ps Negros de tornar-se cretinos! O bom exemplo devia começar pelas Autoridades, actuando prontamente, com eficácia e não permitindo que o vício alastre e se mantenha

Que vantagem haverá em ter alcoólicos, para escárnio do vulgo
e vergonha dum povo?!
Guerra, pois, à droga, seja ela qual for! Essa peste medonha faz ser inútil e gera bom alvo, para ludíbrio de gentes e povos!
Favorece alguém o alcoolismo?! Fará, realmente elevar o povo e fomentar o progresso da Nação?! Mãos à obra pelas gentes de Angola! Os fornecedores dessas bebidas têm outros meios , para vingar!

10-10-1972
Silva Porto
Um desejo crescente.

Começa a realizar-se o meu sonho de há tempos: ingressar de vez no Ensino Oficial. Nem sempre o diabo fica atrás da porta!

A documentação lá foi para Luanda: no espaço de 8 dias, conto iniciar as aulas de Inlglês, com 27 tempos. ao longo da semana, O ordenado mensal vai a 12 050$00.

Para quem é modesto e vive de pouco, já não é mau! Terei vencido já os possíveis obstáculos?! Sinto-me eufórico, granjeando recursos, para ajudar quem precisa e sofre.

Vir para Silva Porto foi grata aspiração de longa data, vivida logo em profundidade. Entretanto, assim que o soube, veio logo a tristeza. Abandonar o Chitembo, o carinho dos meus, sua presença amável, seus desvelos sem igual !

Já não comi e velei toda a noite! Vivem aqui dois sobrinhos caros: o Carlitos e a Guida. Entretanto, como estamos separados, mergulhei de novo em profunda solidão. Dos outros sobrinhos também sou amigo.

À hora de jantar, havia 10 colegas. Todos falavam, com enorme interesse e funda animação.
Apenas eu me encontrava ausente. Nesta fuga da vida, escapavam-se, às vezes, lágrimas furtivas, que não lograva reter.

Criancice? Talvez, mas é de facto assim e não de outro modo.
Cada ser humano tem os seus problemas. Se alguém ajuda, integrando-se neles e sendo generoso, é boa sorte.

Caso contrário. ficando sozinho, a braços com a dor, ..«É triste sina… miserável condição!» Rigorosamente, nunca estamos sós, porquanto Deus vive connosco. Apesar de tudo, faz grande jeito o elemento humano.

Com esta finalidade,criou Deus um casal e não um homem só!

11-10-1972
Silva Porto
Vida estudantil, As meninas.

É horrendo e nojento o quadro ignóbil que se oferece â vista! Passando pelas ruas, em jeito provocante, maneiras estudadas e denguice manhosa, ninguém diria talvez que esses corpos de jovens fossem, realmente, cloacas imundas!

Nem todas! Claro!
Não as vedes, em grupos, deslocar -se, pelas vias, manhosa e lorpamente?! Uma jovem deste meio veio elucidar-me, sobre este assunto. Garantiu,com firmeza, que raras excepções podemos encontrar! Antes fosse exagero que verdade tão dura!

Caminhando assim, aonde vamos ter? Qual será o desfecho? Quem semeia ventos colhe tempestades!. Honradez e virgindade é coisa que não existe, em muitíssimos casos.. Fiquei decepcionado!
Que sociedade é esta em que as mulheres logo se entregam, não olhando à honra nem tomando em conta o porvir dos filhos?!
Que respeito guardam elas àquele desditoso que lhes couber em sorte?! Que vão elas nutrindo, sobre o futuro de uma Pátria respeitável?!

Quererão os Portugueses que o fermento prolifere?!
Por que não cuspir logo no rosto infame dessa escória vergonhosa que se atravessa, ao longo dos caminhos?!

Os relvados que falem e dirão sem rebuço o que nunca esperaríamos! Sejam elas daqui ou venham de fora é coisa que não importa!
Alta noite, pelo escuro, vão elas sequiosas, ao encontro da vida… numa erxistência fácil, em gozo e prazer!
E dizem-se estudantes aqueles espantalhos! Mal empregado o nome que arrastam!
Estudante é quem estuda.Quem faz a caça ao homem, exibe fealdades, espreita às esquinas e bate calçadas tem outra profissão!

12-10-1972
Silva Porto
Ninguém diga jamais: "Desta água não beberei "

Para confirmar o velho rifão, deu-se o caso de tarde.
Desde terça feira que fiz um pedido, o que sucede, por via de regra, quando tenho novo quarto. O meu primeiro cuidado é verificar se há vaso da noite.
Sem isso, nada feito! Como parte essencial não posso dispensá-lo, por motivo de saúde.

Verificada tal anomalia, tratei logo do caso,chamando o Irmão Paulo a quem expus as razões.
Bem! Prontificou-se logo a dizê-lo ao Reitor, o que fez sem demora. Após a diligência, encaminha-se ao meu quarto. Vem desapontado, uma vez que lhe dizem: "Não há tal costume, na Casa que eu governo!"

Fiquei banzado com tal observação. Aquilo, sim, é falar pronto, claro e sem acerto! Como se fora, da minha parte, um capricho pessoal Julgando, talvez, que lidava com bebés deu reprimenda, sem contemplação!

A verdade, porém, era muito outra.. Houvesse o que houvesse, doesse a quem doesse, o objecto requerido tinha de aparecer! O meu quarto sem bacio! Eu que o tive sempre qual objecto imprescindível Nem já dormia o tempo necessário! Os rins e a bexiga não toleram modernismo!

Anti-higiénico? Que me importa a mim. se não posso dispernsá-lo?!
Reflectindo um pouco, tomo a decisão: comprar um, na cidade. Assim aconteceu. Por 15$00, resolveu-se a questão, de maneira esplêndida: pequeno, leve e de plástico! Muito branquinho! Auttêntico brinquedo! Verdadeiro mimo aquele vaso de ignomínia!

13-10-1972
Silva Porto
"A Ronda interminável.Avenida Herculano de Moura!
Percorrendo, a certas horas, os passeios da Avenida, entre a Escola João de Almeida e o Liceu Silva Cunha, nota-se, desde logo, movimento de ronda que excede em muito os limites do bom senso e da recta razão.

Trata-se, em geral, de gente desocupada, o que assenta, à maravilha, nos soldados do Exército.
Nem sempre, ao que julgo, terão seus lazeres, mas quando sucede é de fugir

Ocorrem tais factos, por volta das 8, que é o momento da entrada,no Liceu e na Técnica, bem como às 14, nova ida para as aulas, Os 30 minutos que antecedem tais horas, transformam-se logo em perseguição às pequenas estudantes

Se fosse uma vez, a título de passeio, tolerava-se bem, porque a rua é de todos! Mas tal não acontece. Percorrem a Alameda vezes sem conto, mostrando as divisas e, ao mesmo tempo, exibindo, vaidosos, seus carros particulares,.

Como vão ficar as leves cabecitas,no limiar da vida, julgando-se adoradas e alvos de atenção?! Como é que preparam lições e exercícios, com o peito a escaldar?! E a leve imaginação?!

É isso bastante, para inutilizar o sacrifício dos pais e o esforço persistente dos pobres professores.
É a caça à fêmea, só por desporto e ânsia de prazer! Responsabilidade, intenções honestas e respeito mútuo… já se não usa.
Haverá razão bastante, para vedar o acesso a estes lugares, em nome da decência e do progresso humano? Estão em foco os soldados, cujos movimentos prejudicam as aulas.

14-10-1972
Silva Porto
São 11 e 15 .Manhã de sábado, em que dei longo giro.

Contornando a cerca, aderente ao Seminário, fiz logo caras à Escola Padre Vaz, alongando a vista, para assim localizar o patrício Varandas.
Proprietário abastado e luzido comerciante de boa visão, tem adquirido o que outros não puderam, mercê, claro está, de actividade, assaz laboriosa ,constante e porfiada.

Após o casamento, realizado em tempos, na minha aldeia, encaminhou-se, mais tarde para o Estado de Angola, onde já leva mais de 20 anos, com belos capitais.

Admirei sempre quem é trabalhador,ganhando a vida honradamente. Estas razões e outras mais ainda,levaram-me à Herdade, não sendo estranha a visita ao pomar e ao gado vacum.

O certo é que, não estando lá, houve de ficar para a outra vez.
Encontrei a esposa, diligente e activa, aviando natiivos que se haviam reunido, em frente do balcão. Atendeu-me, não obstante, com muita gentileza,enumerando as razõea que justificavam a ausência do marido: distribuía o leite e fazia compras.. Era fim de semana.
Chegou depois um filho. A convite seu, visitei Silva Porto e, seguidamente, a Estação ferroviária.. ,
De regresso a casa, uma vista de olhos à extensa vacaria.

Diz o meu guia; " Lavo-a, diariamente. Há o máximo cuidado.em questão de higiene.!Deito-lhe criolina.sendo também lavadas as tetas dos animais, todas as manhãs." Juntou ainda : O gado sem leite dorme em barracões ou grandes cercados. em pleno campo..Par evitar doenças letais,o que mais interessa é o tanque-banheiro. .
Desta maneira, evito seguramente 75 % em doenças e mortes"

15-10-1972
Silva Porto
Ontem, de tarde,

Por volta das 15, arranquei da Pensão, em visita à Guida. As saudades apertavam, pois desde quarta feira, não tornei a vê-la. Cópia fiel da mulher santa que mais amei, alegra-me o encontro. É bom ser lembrado e contar com alguém.

Ontem ,porém, como fui encontrá-la! Encostada ao muro… o pé direito descalço e cheia de dores! Fiquei partido!
Firmada a custo na perna doente,ali esteve algum tempo, conversando comigo, sabe Deus a que preço! Não obstante o caso. tentava sorrir e até gracejar.

É adorável esta sobrinha! Faz imensa pena ser tão doente! Terá ela saúde,para levar a cabo o sonho que nutre? Formar--se em Letras e, seguidamente, dedicar-se ao Ensino.
Gostaria inenso que tal ocorresse.Só Deus é que sabe o que está para vir, já favorecendo já contrariando os nossos planos! Como prefere Línguas, terei oportunidade e grande prazer em dar-lhe a mão, prestando assistência, em várias matérias

16-10-1972
Silva Porto
Nepotismo

Esta palavra é um bom sinónimo de clara injustiça. Jamais o Céu bondoso fechará seus ouvidos ao gemido e clamor dos infelizes.!
Que se ponham os do sangue em primeiro lugar é um tanto desculpável, mas fazer levianamente acepção de pessoas, gera rancor nos seres postergados.

Pelo simples motivo de alguém, neste mundo, ser filho de A ou B, ou irmão de C ou D, já tem concessões e merece, a todo o custo, favores especiais, marginando toda a gente?!

Isto deixa rasto, produz enorme ferida e, por mais que gire a roda, não pode esquecer. Errar é próprio do homem, mas trata-se aqui de um erro diferente, uma falta grave, urdida e perpetrada com tempo e reflexão — distribuir injustamente o que é pertença de todos.
Ainda hoje não sei nem talvez jamais consiga desvendar por que motivo, na vila do Fundão, (1933) obtive apenas 11 ,em matéria de Catecismo, levando no mesmo ano 14 a Matemática; 14 a Francês; 15 a Latim; 16 a Português..(de '0 a 20 )
Seria por não saber? Caso assim fosse, mal me ficava tocar no assunto! Era matéria que eu bem conhecia.

Desde pequenino,bebi eu decerto, com o leite materno, as noções primárias da Doutrina Cristã. Diariamente repetia o que não pude esquecer, No primeiro dia de aulas, estava já senhor de todo o progama.
S. F. inferior a mim e que pouco disse, na Prova Oral, conseguiu l3! O tempo não apaga nem leva consigo a memória da injustiça.
Como é possível, em vez de educar, proceder-se ao invés! Não é isto deformar?! Pouca saída eu posso encontrar para tal acção: falta de senso; leviandade somente; incompetência; nepotismo e o mais? Qualquer delas é grave,se um professor, em qualquer lugar as põe em prática.
Os actos de um Mestre não ficam no olvido. A criança não fala é tímida, pela origem e pelo ambiente, infeliz e nervosa. .Entretanto, o rescaldo fica.
J. F. era o nome de alguém que me escandalizou.

17-10-1972
Silva Porto
Crianças e reza.

Rezar é necessário: tal necessidade iguala a do comer. Santo Afonso Maria de Ligório resume o sentir do Livro Sagrado nos termos seguintes: "Qem reza salva-se; quem não reza condena-se ". Orai e vigiai - diz o Mestra Divino - para não cairdes em tentação"..
Daqui se infere que o tempo da oração não deve regatear-se. O exemplo surge em actos comunitários sendo a reza obrigatória.

Neste caso preciso, os actos de piedade hão-de ser leves e não demorados . Se alguém, acaso, por vontade própria , os quiser prolongar, já é coisa diferente.
Para confirmar o que fica exposto, basta olhar para o mau resultado, na reza prolongada, feita em comunidade.

O jovem seminarista, encontrando-se em férias, entregue a si mesmo, abandonava tudo! Era como reacção, forte, incontrastável, ao abuso e prepotência de longas orações! Aconselhar está bem; obrigar é insensato, inconveniente e harto danoso.
Para cobrar mais tempo, âs 6 da manhã, era de pôr acima, tendo ido para a cama ,às 22 horas! Não seria abuso? Oito horas de sono, em tais idades, não bastam decerto.

Só como excepção!
Por que não levantar meia hora depois, cortando esse tempo às longas orações, feitas sem gosto!

Algum dia perguntaram o sentir dos alunos, tratando-os já como seres racionais, livres e responsáveis?!
Maldito fascismo, que impavas de importância! Uma vez preparados, logo para a capela, o que não censuro. Entretanto, merece reparo o tempo ali gasto, de uma assentada: oraçao da manhã, meditação, reflexão em silêncio; sacrifício eucarístico;
comunhão seguida e acção de graças
Tudo isto obrigatório, diariamente, logo pela manhã, ao começo do dia!

18-10-1972
Silva Porto
Ontem, de tarde.
Pelas 16 ou um tanto depois, a Guida passou, fazendo de conta que não me via. Até acelerou, afim de esquivar-se. Entristeci-me com isto. Não terei família? Estarei condenado a viver solitário uma vida inteira?

Quando em Portugal, sonhei novos mundos… um viver mais humano! Entretanto, se ela me ignora, enganei-me em projectos, realizando-se , de facto, o que alguém me disse um dia; lá na Europa: " Não foi criada consigo!"

Claro! Pode ser acanhamento! Neste caso suposto, havia desculpa. Amargura-me bastante ser olhado talvez com indiferença ou havido até como impecilho.

Caso não mude tal situaçãp, reverei os meus planos, assentando,finalmente, no rumo a seguir, noutra direcção.
Para andar contrafeito, não vale a pena! Se a minha acção for bem aceita, e logo apreciada, o caso é diferente.

Quando já tiver aulas, passarei melhor, absorvendo-me nelas.
Aguardo a resposta que Luanda vai dar-me. Estará para breve o sim desejado ou o não temido?

19-10-1972
Silva Porto
Eram 8 horas de uma quente manhã. Todos agora procuram a sombra, porque os raios solares, harto abrasadores, fazem transpirar.

Fiz também a mesma coisa, aproveitando, para tal efeito, um banco de pedra, situado no jardim, não longe do Liceu e da Escola João de Almeida. Sentei-me, pois lá,inclinando a cabeça, afim de aproveitar a sombra de um arbusto.

Entretanto.alongo o olhar, para descobrir os meus sobrinhos, na vinda para o Liceu.
Nestas diligências, noto duas jovens, sentadas ali, de costas para o busto de Reboxo Vaz, as quais se mostravam assaz descontrafeitas e em grande àvontade. Fumam à pressa, que a hora urge: ao toque da campainha têm de partir.

É que as aullas esperam por elas. Ingrato, na verdade, levar uma falta! Por isso, exactamente, é cada chupada, que o cigarro se encurta, a olhos visto, enquanto no ar, se vêem , distintamente, fartas espirais de fumo pardacento

Entretanto, preocuparam-me então os pensamentos graves que elas deviam ter, mas não admitiam: estas jovens moças, a viver para a droga, seriam mais tarde futuras mães.

Como serão os filhos de um ventre enfumado?! Desequilibrados? Diminuídos mentais? Insuficientes? Quem sabe? Mas elas não atendem!
Insensatez… prazer e vaidade! Nada mais! Infelizes filhos de mães tão reles!

Soa a campainha do Liceu Silva Cunha,,. Olho, discretamente, A moça do meu lado é já espadaúda e mulher cem por cento. Vai de levantar! Já tudo acorre..
Quando eu julgava que tentariam compor-se, para dar impulso e se levantarem, abrem as pernas,desmedidamente,fazendo exposição de carne humana!
Que belos trastes andam por aí!
Comerciantes de panos, estais perdidos! O que elas intentam é a vossa ruína!

20-10-1972
Silva Porto
Escola Técnica.

Fui hoje mesmo à Escola João de Almeida perguntar, uma vez mais, se tinha já vindo a nomeação. Disseram-me logo o que mais temia: a mesma resposta! " Não veio nada!"
Como é doloroso esperar longamente, sem o mínimo sinal do que é desejado!

Havia assegurado o Doutor Buco, Director da Escola, que após 8 dias, viria de Luanda a resposta ansiada. Os 8 perfizeram-se, na terça feira passada, sendo hoje sexta. Que devo fazer? Eu sei lá!

Que rume a Luanda, em pronto avião? Quem não pode nada vale! Sem ninguém conhacido que então me ajude que vou eu lá
fazer?!
Amanhã, sábado, não abre a Escola; depois é Domingo! Já perdi Setembro; agora, vai-se Outubro e quem sabe ainda o que depois virá! O raio de esperança começa a entibiar-se.

Questão de informações? Tudo lembra agora, ainda o que não é.
Que dias tão longos, esperando, esperando, já quase em desânimo! Ainda virá tal nomeação? Acontecendo, terei nesse dia
júbilo sem igual!
Vinte e sate anos de Ensino Particular,é já motivo para abandoná-lo! Não propriamente devido à extensão, mas ao processo que, âs vezes utiliza.

21-10-1072
Silva Porto
A tecla mártir.

Tantas vezes o disseram, qjue acabei por aderir. É mesmo assim. À força de ouvir, ainda contrariado, há sempre alguma coisa que se integra em mim, fazendo logo parte da minha essência.

Que havia de ser? Uma frase curta, mas assaz diabólica: " O que pagais não chega para pão "Andar aprumadinhos! Quando não, ides para a rua!"
Seria verdade? Não intento desdizê-lo: alguns havia que nada pagavam! Outros então, só de harmonia, com os próprios teres , sendo a informação enviada pelos Párocos.

O que está em jogo não é, realmente, o facto em si, mas a tragédia que ele traz consigo..Não há dúvida alguma. Cria complexos! Quanto eles prejudicam, ao longo da existência, não cabe dizê-lo em poucas palavras.

Pessoa complexada é um ser diminuído! Tem-se em menos que as outras pessoas; receia enormemente, por tudo e por nada; é falha de iniciativa e aguarda sempre que outrem diga ou faça, para actuar em seguida.

Estou em dizer que um rapaz assim é um asno perfeito: será muito difícil afastar-se do trilho. A marca negra de inferioridade, impressa em verdes anos, torna-se indelével.

Daqui a gravidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade, no que respeita a quem educa. Não prepara para a vida. faz assim
ineptos, seres diminuídos, totalmnte,falhados. Só foram domados para obedecer!
Espírito aberto; iniciativa; capacidade crítica; poder de raciocínio, tudo foi ao vento, a poder de " marteladas".
Dizer ao educando que ele é pobre e carente e não paga o bastante é destruir a pessoa e torná-la inepta.

22-10-1972
Silva Porto
Falta de doação.

Entre as coisas estranhas que não sabia explicar, encontrava-se esta: por que é que não gostava de ir ao Seminário, quando já em férias, passava junto dele?. Figurava para mim um grande absurdo.
No mês de Agosto, havia o que chamavam" Colónia de Férias." Uns dias passados, lá no Seminário! Que grande sacrifício deixar a minha terra! Devia ser o contrário: antes gostar .

Em Barcelona, vi eu alguém demandar o Seminário, espontaneamente, em l946, durante as férias. E, para mais, sentiam gosto em o fazer!
Houve uma altura, em que decidi aprofundar as razões. Tudo neste mundo tem uma causa.

Quando, já na Guarda, estudava Teologia, notei surpreedido que não voltavam ali os que haviam terminado o Curso respectivo.
Isto fazia-me espécie! Ora,como eu sempre gostei de averiguar as causas, pus-me logo em campo,de orelha afitada.

Haveria, realmente, fortes razões?
Segundo me parece, o verdadeiro motivo residia no seguinte: o Corpo Docente não vivia para nós ou se o fazia em parte, estava muito alto, havendo um abismo, entre mestres e alunos..Até me convenci de que formávamos casta!

É aceitável, em casos pontuais. Outros misteres? Diversos encargos? É natural, mas deste modo, é não trabalhar na formação de alguém, com alto sentido.
O professor tem de ser camarada, contactar amiúde, viver os problemas dos alunos confiados, numa palavra, dar-se a eles
por inteiro

23-10-1972
Silva Porto
"Corpos e Almas"

Acabei de ler hoje este livro portentoso, escrito por Maxence.
Todas as pessoas, segundo me parece, deviam conhecê-lo,visto que proporciona horas altas e belas de Filosofia e de Psicologia.
Por meio dele, se conhece um pouco a vida verdadeira; a excelência real de tantíssimos seres , que passam despercebidos ao comum dos mortais.

Vê-se claramente , nessas páginas de ouro, que a matéria só, junta com prazer, jamais contenta nem satisfaz. Perpassa, nessa obra, um sopro vivo de espiritualidade, ainda quando se ocupa de assuntos escabrosos.

O amor sincero, feito de abnegação; renúncia generosa; compreensão e indulgência; imolação e acolhimento são as molas reais desse livro assombroso,

Meras reacções, operadas na matéria, não podem explicar, de maneira cabal, sentimentos ideais, em ordem ao próximo. Desprendimento e renúncia não dependem da matéria. Existe, forçosamente, algo mais que não se vê: Deus e espírito, vida eterna…
Que cenas dolorosas nele se apresentam e como fica patente que a burla odiosa, a infidelidade e o vil adultério, seja qual for o aspecto que revistam e o campo vasto em que se executem, não trazem ,afinal, senão infortúnio, dor e tormento!

O estendal enorme de miséria humana, em Casas de Saúde, Hospitais e Sanatórios, gera compaixão e toma-nos de assalto!

É este livro um sinal de alarme, para fazer acordar os que estão mergulhados em caprichos e regalo, bem-estar e conforto , levando-nos assim a fazer alguma coisa pelos nossos irmãos.

24-10-1072
Silva Porto
A ansiedade aperta

Aguardo inquieto a minha nomeação. Já passaram 15 dias… e nada até hoje!.Quem espera desespera! Na verdade, posso garanti-lo: é exacto e perfeito! Nos primeiros 8 dias, correu a vida auspiciosa, mas em seguida, tudo se alterou.É que, realmente,,por um dia que passa, vão-se logo embora 4oo$00. Além disso. há certas despesas, por estar ausente .

Faça eu o que fizer, para dominar-me, inventando razões e alegando pretextos, há sempre aquele espinho, agudo e cruel, a ferir-me no peito, enquanto uma voz segreda ao ouvido: - Não esperes mais
.
Vai-te embora daqui, que não foste nomeado! " E o acúlio actua, com muita presteza e grande crueldade.

Que hei-de eu fazer?! Todos me perguntam: Já veio? .
A isto respondo, com enorme tristeza: Não! E este" não " é duro e seco, impertinente e muito sombrio. Terrível paiavra o não, como diz Vieira.
Chega-nos ao ouvido como voz de tempestade!
Também conta para mim o atraso dos alunos,Vai já para dois meses que as aulas começaram! Quando virá o tal documento?! Esse dia, para mim. será jubiloso e festival, mas sem foguetes.

25-10-1972
Silva Porto
"… um coração de mulher, em que me apoie; um filho que me faça reviver, um pequeno mundo onde floresça aquilo que
escondo dentro de mim". — Diário de Amiel
Solidão e martírio! Eis dois inimigos, assaz perigosos, quando não fatais para o homem infeliz!

Solidão! Palavra onomatopaica, dolorosa e triste! Logo que soe, em lábios sem vida, alonga, sem falta, a sílaba final,criando no ouvido fúnebre toada! Algo que é extenso, poderoso. esmagador!

Solidão! Estado lastimoso de quem vive só, amordaçado pela dor cruciante e visitado pela ingrata amargura! .

O homem criou-o Deus, afim de viver e se realizar, em sociedade, " Não é conveniente que o homem esteja só!"Isto disse Deus, após a criação do primeiro ser humano.

Para companhia,deu-lhe o supremo Deus outro ser igual?
Não exactamente: sim. uma companheira, seu apoio e consolo, a qual, por extraída, de seu próprio corpo, se tornava mais cara.

Que dizer, então, acerca do filho? Projecção do pai, na existência terrena e firme garantia de que a vida continua,… depositário fiel da centelha de vida que o pai lhe comunicou, irá fazer o mesmo, realizando o mandato: " Crescei e multiplicai-vos". com tal processo, a vida não cessa nem vai extinguir-se.

Este filho é, pois, a glória de seu pai, retrato perfeito, orgulho e apoio, consolação e suprema alegria; a voz da sua voz; o sangue do seu sangue, a alma da sua alma, enquanto reproduz a sua psicologia.
Um pequeno mundo… O lar fascinante. em que o homem se expande, aviva e realiza… onde ele se mostra tal como é, na verdade cristalina e na sinceridade! O lar em que germina e dá seu fruto, evitando assim ressequir-se a fonte, em que Deus lançou o germe da vida!

26-10-1972
Silva Porto
O valor de um Diário.

Como disse Amiel, é o confidente e o consolador do triste solitário, porque se ajusta à verdade e a traduz com viveza.
Bem compreendo a sua linguagem, pois a minha alma estremece, ao ouvi-la.
Para quem desabafa o homem solitário? Vivendo sozinho, não tem decerto para quem o faça. Neste impossível, recorre à escrita,de lábios a sorrir.

É que o Diário nunca se aborrece nem ostenta mau humor. Se não fosse ele, que desolação e tremenda carga a vida não era!
Querer, por ventura, dizer suas mágoas e não poder fazê-lo! Sentir-se oprimido e ter que desgastar, no próprio seio, a dor que o atormenta!

Com um simples Diário, tudo se resolve, porque ele escuta, paciente, ais e suspiros, que guarda e vigia, ciosamente.

Quem haverá no mundo que lhe ouça uma palavra?! Lhe arranque uma fala, breve que ela seja?! Nestas circunstâncias, inspira-me confiança, vendo nele um apoio.

É também consolador. Que pena estar enfermo, curtir seus males e não ter alguém, para dar consolalção! Não és tu assim, Diário tão querido!
Ao mesmo tempo, és também um Médico. Boa sorte
me coube, de haver-te encontrado! Galeno delicado que trabalhas e velas só por amizade!! Físico solícito e compreensivo, que num relance, adivinhas e curas,prevines e atalhas!

27-10-1972
Silva Porto
Um telefonema.

Soa a campainha dum telefone. Durante vários anos, estremeci fundo, ao chegar a meus ouvidos o sinal perturbador e indesejável. Por ele me avisaram de um facto sinistro: a lenta agonia de meu querido pai. Por esta razão, com arrepios na alma dorida e grande alvoroço, no peito insofrido, escutava eu sempre o tremendo sinal.
Esse facto, porém, atenuou-se bastante, ao longo do tempo: ao fim de 12 anos, caía no olvido. Agora, porém,volta o percutir a molestar-me outra vez, embora, já se vê, por outras razões, Aconteceu, ainda agora, Fiquei agitado. Cessou, desde logo, a vida interor, ficando prisioneiro daquele som persistente, agudo e molesto.

O coração oprimido jamais palpitou; a respiração obstruída a fundo, quedou-se para já, no íntimo peito.

Aguardo então, no silêncio do quarto, o surgir de alguém. Momento de angústia! Situação deprimente! Desejo imenso que batam â porta, mas pssos não ouço, no longo corredor.

O zumbir dos insectos incomoda em extremo. Muito mais ainda o trabalhar dos motores e o arranque dos veículos: sou todo ouvidos e ponho-me à escuta. Sobe mais e mais a concentração. Fecho logo a janela.
Nada vem. Passaram já 17 longos dias, sempre neste inferno que me prostra e consome. Não surge ninguém, para dar-me um recado que Luanda enviasse!

Era tão simples! " Já veio, afinal, a sua nomeação!" Todos os males, iriam passar, nessa hora tão bela!

Assim, porém, vai-se o apetite, a alegria de viver e não posso dormir. Que situação a minha!
Quanto tempo ainda serei martirizado, talvez ingloriamente?!

28-10-1972
Silva Porto
Dia festivo.

Sempre veio, afinal, a suspirada notícia! Embora fique somente professor eventual, o certo é que ingresso no Ensino do Estado: por várias razões, não caibo em mim, de tanta alegria!

Contra minha vontade, não pude sair, hoje de tarde , afim de enviar a notícia grata , rumo ao Chitembo.
Surgiu a tempestade com água e vento, dando a impressão de que o céu desabava. O Carlitos e a Guida tambem nada sabem.

Sinto, porém que tudo vai a contento, embora haja, ao presente, um pequeno espinho a cravar-se no íntimo.

Isolado como estou, não sou ninguém. Não posso dizer que me sinto feliz. A quem vou declará-lo? Às paredes do meu quarto? Se elas não entendem nem falam comigo! Nem se mostram risonhas!
Acaso me beijam ou fazem carinhos?! Como vou expandir a minha alma em fogo?! Não é dando e recebendo que alguém é feliz?!

Um pequeno mundo, a todos vedado, em que eu, de facto, me sinta criança,inteiramente à-vontade, e sem laivos de malícia, para brincar, sorrir e beijar!
Desta maneira,sim, baixaria a ventura ao mais íntimo do peito. Só um pequeno mundo nos fala e aquece. Tudo o mais é banal, frio, gelado, sem interesse algum e até sem vida.

29-10-1972
Silva Porto
Ainda Amiel

Releio agora o Diário de Amiel e, simultaneamente, faço ainda estreia que não conhecia. Neste caso se encontra, precisamente, .o de Duamel ,Poderia juntar o de K. Manfield.

Comparando-os todos, sem excluir o da pequena judia, que morreu na Holanda, durante a Grande Guerra.desencadeada por Hitler, deixam para logo inpressões diferentes, conforme o grau de pura humanidade, fluência natural e espontaneidade, que eles apresentam.
Os mais espontâneos, humanos e fluentes são para mim, o de Amiel e o de Ann Frank. Respira-se neles a dor e a alegria; perpassa ali como a voz da saudade e o grito da alma, em lento estertor de infinda agonia.

Lendo-os em sossego, vejo claramente o retrato da minha alma ,
julgando, por vezes, lhes servi de modelo,
É isso, exactamente, que faz a sua beleza e os marca,desde logo, com o selo de eternidade

Há tão viva paixão; ressumbra dali tamanha agonia, areja-os tão fundo a espontaneidade e a própria fluência, que jamais se olvidam, tornando-se agradável e assaz frutuosa a sua leitura.

O de Amiel é mais completo e diversificado, em razão das circunstâncias que lhe serviram de fundo.

O da pequena judia não tem menos eloquêmcia nem é menor a impressão que nos deixa na alma, mas é, a rigor, de assunto mais restrito e, portanto, de menor alcance, embora apaixonante.

No concernente aos outros, tenho para mim que lhes falta, às vezes , naturalidade e falha o interesse. Ora, tais carências não os deixam calar fundo na alma do leitor. como sucede aos dois primeiros.

30-10-1972
Silva Porto
O novo dia certo

Comecei hoje a tarefa, na Escola João de Almeida. Iniciar alguma coisa é penoso em extremo, de modo especial, após os 5o.

Adquirem-se hábitos; cristaliza-se firme num sistema do passado; fixou-se uma linha que é duro abandonar. Isto, precisamente, acontece, a meu respeito.
Tudo se apresenta com ar de novidade, o que fundo cativa, na idade juvenil! Agora, porém, já nos 54, após 27, no Ensino Particular, foi doloroso mergulhar noutro meio.

Caras diferentes; lugares e coisas dissemelhantes; matérias desiguais; método, enfim, que não seguia…. Mas, como a vida é luta, impõe-se o combate, por amor ao ideal.

Verdade seja que me sinto deslocado, na Escola João de Almeida. Todos os colegas, eles e elas, são ainda jovens, com raras excepções. Que poderá unir-nos ou congraçar-nos? O ideal? O casamento? A simpatia?

Se os problemas deles não são, de facto, iguais aos meus! Se
aquilo, afinal, que lhes agrada não me diz frespeito!...
No concernente aos alunos, acho-os sossegados, com excepção da turma A,1º do Comércio.

Começaram logo a cochichar, o que harto me indispôs.Houve de pôr-me sério e perguntar de chofre: dão-me licença, meus bons meninos, de ser eu o primeiro a falar,na aula?
Então emudeceram, vindo logo a paz. ,

Estas foram, de facto, as primeiras impressões , ao iniciar a minha actividade, em terra angolana.
É possível ainda que me adapte a isto..

31-10-1972
Silva Porto
Após os 5o

Sinto iimenso vazio, no peito amargurado e grande secura, na alma deserta! É certo, me lembro,que o povo diz:"

Vale mais estar só que mal acompanhado" O rifão, porém, não
abrange decerto a vida inteira nem se estende sequer a uma parte notável.
Tenho para mim que alude a excepções. Até porque surgem logo as palavras do Senhor,no Paraíso Terrestre:

"Não é bom, não, que o homem esteja só!" Por isso, lhe deu logo
adorável companheira. Dali avante, alguém o distraía, amenizando-lhe a cara existência.

A própria natureza do ser racional, por outras palavras, a mesma psicologia é avessa em extremo, à solidão.

Exige-o, claro está, a tendência forte para comunicar. Não é ele, por natureza, um ser gregário?!
Não fica oprimido, ao querer desabafar, sem ter para quem?! Por outro lado, como ultrapassar a natural deficiência, em que gira a sua vida?!

Com outros, ele acamarada, ajuda-se e ilustra-se, recebe exemplos e cobra incitamento.

A solidão pode ser útil, durante algum tempo, mas a título perpétuo, dá cabo do homem, pois o amesquinha, acentuadamente, deformando-lhe até o senso prático. Altera, por completo, a pessoa humana, que torna agressiva , inconformada e misantropa.

Há, com efeito, necessidade premente de algumas afeições. A própria netureza o reclama,afinal, em alta voz: a ternura de filhos; compreemsão e estima da esposa; mundo adorado. em que o homem desabrocha, se expande e cresce, manifertando-se tal como ele é, realmente.

Se alguém,livremente, envereda por ali, não vamos censurá-lo ,pois cada um é feliz, a seu modo.

Silva Porto
1-11-1972

Dia de todos os Santos! Numerosa família! Quão feliz e tranquílo não devo sentir-me, por fazer parte de tal agregado, embora viva ainda, aqui neste mundo!
Quem são, afinal, os ditosos Santos ?
Os bem-aventurados, habitantes do Céu, que a morte surpreendeu, na amizade do Senhor: quero eu dizer, os que foram deste mundo, levando em bom termo os problemas de consciência.

Membros efectiivos do Corpo Místico, formam assim
uma única família, cujo Chefe e Cabeça é Cristo Jesus.! Mas, se quero ainda um laço mais estreito, levando em conta o sangue e a carne, orgulho-me também de possuí-lo, em vários membros da família terrena.

Lá se encontra, por certo, a minha saudosa e querida mãe, ( sem ocultar o pai amoroso ), que se ausentou deste mundo, a 12 de Novembro de 1964.

Maior empenho sobre ela, pois se tanto amava, cá neste mundo, o filho estremecido, muito mais o prezará, nos Umbrais da Eternidade!
Como sinto a alma em festa, neste dia glorioso, em que presto homenagem á família do Céu! E saber, cá de dentro, que tenho lá uma santa, uma rica advogada. bastante zelosa, e um anjo formoso, que me ampara e alenta. protege e guia!

O coração estremece e fundo se alvoroça, recomhecendo tal facto! Alguém no Céu, vigiando meus passos e assim impedindo a queda fatal no hórrido abismo!

Silva Porto
2-11-l972

Lembrei hoje, saudoso, os queridos ausentes, que se encontram longe, (estarão longe, de facto? )separados pela morte. Ceifados e colhidos na grande seara da existência humana, cotinuam vivendo, num lugar desconhecido, a que damos, vulgarmente, o nome de Purgatório, ante-sala da esperança do mágico Éden.

Ontem já, lembrei jubiloso os que vivem no Céu. Estes, realmente, por serem felizes, não precisam orações .

Hoje têm vez os que aguardam, ansiosos, a hora feliz do
do seu ingresso no Paraíso.
Ao lembrar, pela manhã, os queridos finados que sempre trago
em frente de mim, comovi-me e chorei, de modo que a oração foi regada com lágrimas. Terá ela chegado a seu destino — o trono
do Altíssimo'

É fora de questão, pois foi na Santa Missa que roguei ao Pa, por intermédio de seu amado Filho . Recusará Ele o pedido formulado? Não.

Atendamos bem às palavras de Jesus: « se pedirdes alguma coisa ao Pai, em meu nome, Ele vo la dará»
Por esta razão, confio plenamente que essas almas benditas que Deus e eu tanto amamos, experimentam, neste dia sagrado, grande lenitivo à sua dor.

Como hão-de alegrar-se, ao verem que, neste mundo, alguém as recorda e roga por elas, dá suas esmolas, faz sacrifícios e oferece ainda a Eucaristia, tudo aplicando em sua intenção! .

Como eu fiquei ditoso, ao poder aliviá-las de penas e dores! É tão delicioso prestarmos ajuda a quem nos amou e sempre o fará!

Meu Deus e Senhor, por mediação de Jesus Cristo. levai para o Céu os queridos paizinhos, os saudosos avós e todos os familiares. Apiedai-vos também das almas dos amigos , dos benfeitores e inimigos; das mais abandonadas e de todas em geral.

Silva Porto
3-11-1972

Primeiro fim de semana que me cabe, em Angola, como professor. Em paz o acolho e certa alegria, embora convicto de que o tédio surgirá.

Efectivamente, passar estes dias. até segumda - feira, pelas 8 horas, sem trabalho na Técnica, faz-me impressão.

Nem aulas novas a preparar nem pontos escritos a corrigir! Chegarei ao fim, sem ter enjoado?! Aborrece-me tal vida que se entibia e degrada, perdendo atractivo!

Que tornaria agradável este espaço de tempo que os Colegas aguardam, com enorme ansiedade? Havendo aí algo que me distraia, devo utilizá-lo.
Por enquanto, não é possível fazê-lo já. pois não tenho carro, mas logo que chegue, lá de Lisboa, servir-me-ei dele , afim de arrancar, de Silva Porto, nos fins de semana.

Pelas 15 horas de sexta-feira, irei de longada, por sobre o asfalto, rumo a Cachingues e, ao fim de 100 minutos ,eis-.me no Chitembo, ao pé da mana Agusta.
Já tenho saudades dela e de todos! Gostaria imenso de os ver e abraçar! Aqui na cidade, estuda a Guida e o mano Carlitos.
Entretanto, como estamos separados, abre-se o vazio ,entre nós todos.
Se viessem ter comigo, de vez em quando, seria já um pouco diferente. De outra maneira, fica-me a impressão de que não tenho ninguém a quem interesse!
Não era difícil o nosso encontro, uma vez que o Liceu e a Escola Técnica se encontram frente a frente.

Silva Porto
4-11-1072

Qual o meu valor, perante a sociedade? Se lhe faço falta, algum valor hei-de ter, por certo; de contrário, apresenta-se nulo.

Estou dando Inglês a várias turmas.Se não fosse eu, poderiam obviar a tal dificuldade, isto é, conseguir professor? Julgo que sim. A minha falta não seria sentida, motivo pelo qual me julgo um zero ou pouco mais.

É verdade certa que, ao longo dos meus anos, fui adquirindo sólida cultura, para não ficar inferiorizado, perante os Colegas que são cursados. em Inglês e Francês. Português e Latim. Mas que adianta isso, não sendo irreparável a minha falta?!

Porão os meus Diários criar-me jus a um lugar de honra, na passagem breve pela existência? Pobre Diário!

Tão humilde surge e tão recatado, tão frouxo. às vezes, e tão mesquinho!

Se o meu idioma , a doce Língua materna ostentasse nele, suas galas e primores! Tenho lido os Mestres e faço uso diário da sua experiência, mas com tudo isso não me jacto nem abono, como diz o Poeta.
Apesar de tudo, se eu neste campo, alguma coisa fizesse, morreria contente, por não ser vã esta minha passagem cá pela Terra. Ser apreciado como artista verdadeiro e cultor exímio desta Língua sem par, que tantos amaram e dignificaram!

Não era vaidade o que eu ia sentir: antes consolo e profunda alegria, de ser útil à Pátria, contribuindo assim para a sua grandeza. Ânsia, talvez, de imortalidade? Esse fómite agudo acha-se gravado, a letras de fogo, na alma humana. No entanto,
aprecio mais que Deus me considere! Aqui, afinal, reside o meu segredo!
O bom conceito formado pelos homens nada aproveita para a eternidade. Aquele, sim! Muitíssimas vezes, o conceito dos homebs é falso e vão!

Silva Porto
5-11-1972

Hoje é Domingo. Fico no quarto. mas não se julgue que me encontro sozinho! Amigos diversos aqui me rodeiam, os quais decerto, embora em silêncio, falam bem alto, dizendo sempre coisas formosas.
Abasteço-me perto, na biblioteca da minha residência. É dar alguns passos, no extenso corredor, e eis-me logo chegado.

Tive muita sorte, porquanto os meus deixei-os lá, na capital portuguesa, a longa distância.
Se há prazer nesta vida e algum lenitivo para a solidão, encontro-o de facto nas nas minhas leituras e assim na escrita, ao tomar nota das impressões.
Neste momento, cercam-me já livros diversos, alguns dos quais não conhecia, havendo,porém, outros que reli com agrado.

O famoso Amiel está neste caso. Não encontrei, na verdade, o de
Sebastião da Gama, e bem assim o de Ann Frank. Talvez ainda me venham à mão. São Diários imortais. Para mim, é como ópio, a sua leitura . Meditei Salavin, pelo escritor Duhamel e leio com interesse K ,Manfield.
Em seguida, passarei a outros, que já tenho comigo:Isabel L.Dubos; M. Lenern, Lençon.etc.

Os dramas das almas interessam-me, ao vivo. Sinto,desde logo, que são meus irmãos,e esta funda razão aproxima-nos a todos. fazendo-nos viver e vibrar a uníssono.
. O infortúnio bem como a dor, a descrença nos homens e a amarga desilusão da vida terrestre, tudo vem morar, neste abismo insondável — a alma humana.

Silva Porto
6-11-1972

São, de momento, 22.30, pois acabo de chegar da Escola Joáo de Almeida. onde ministro Inglês ao 4º R A.Âs segundas-feiras, acontece isto mesmo, vindo sempre a transpirar. É tudo o que exponho consequência fatal da hora avançada.

Haver de atravessar una faixa escura, a esta hora da noite, em zona operacional, onde há terrorismo!...Mas que fazer?! Quem nada pode morrer se deixa. Precisarei, realmente, de sujeitar-me a um grave risco? Deus é quem sabe. Alguém vai imaginar o dia de amanhã?!
Devo imolar-me, por mim e pelos outros. Nas férias de Natal, irei a Lisboa pelo meu Taunus. É imprescindível, aqui no Planalto.
Sem carro próprio, não se pode trabalhar, nestas regiões .Até ao Natal, engolir arrepios, sobressaltos vários, temerosos trovões e vivos relâmpagos que deslumbram sempre, encandeando os olhos,…cair no caminho em poços de água!. Vai assim a vida para todo aquele que não é mandrião.

O Chitembo, no entanto, apresenta-se agora qual oásis promissor, compensação digna para tantos suores. Se eu tivesse o carro, juntinho a mim!
Amanhã, faz 4 semanas que deixei a família. Parece-me, às vezes, uma eternidade!
Está sempre, sempre, no meu pensamento.

Silva Porto
7-11-1972

Mais um dia passou. Por ser terça-feira, já não tenho mais aulas, após a tardinha: cessam, pois, os cuidados .

Na verdade, embora o vulgo teime, persistindo em dizer que é dia
de bruxas, tal não me aquenta nem arrefenta. Experimento já um certo alívio, por não ter aulas, durante a noite, como é à segunda, quarta e quinta.
Tenho de confessar que é um petisco indesejável,
principalmente a de segunda-feira,às 21,25.

iEm zona operacional, atravessar,indefeso, uma longa picada, sempre às escuras, é obra de respeito! Bem utilizo uma lâmpada eléctrica! Mas que problema! Negrume espesso de cortar à faca!...

Terrorismo agressivo que espreita e não dorme! Luminosidade frouxa que me faz transpirar,se procuro as bermas!

Algumas vezes, penso inadvertido que as minhas lentes estão embaciadas, levando num ai a mão aos óculos, para os limpar!

Qual, porém, o meu espanto, ao notar, por fim, que eles estão no bolso! Roçando com os dedos, saio desconsolado, tendo a impressão de que a estrada me foge.

Agora, a lanterna baralha-me a visão, produzindo, a espaços, uma espécie de bruma , pouco luminosa que me confunde, extremamente, e causa perturbação.

Caminho ansioso, mas a senda trilhada parece não ter fim.
A isto que digo acresce ainda o danoso influxo da velha cubata que persiste, geralmente, em aborrecer-me, para meu mal! Não fica ela junto do trilho?!
Sairei ileso desta maçada, no silêncio da noite?! Será aqui talvez a minha sepultura?!Envolto nas trevas anda sempre o diabo, ficando a coberto, sem prestar contas.
Bem me dizem os Colegas que não devo nunca passar ali.
Hei-de ir pelo ar?!
,
Silva Porto
8-11-1972

Cinco horas e vinte de uma tarde amena, embora decorra a estação das chuvas!,Clima excelente para quem veio de uma zona gelada! Quinze anos em Manteigas, na Serra da Estrela!
Que longo martírio! Como se a existência dependesse tão só de um fundão imenso, húmido, escuro!

Que foi então que ali me prendeu? As pessoas amigas, a presença adorável de minha santa mãe,enquanto foi viva e, depois de morta, a sua lembrança que ficou indelével, no meu coração. Aqui, sou já outro! Sinto-me diferente e com saúde. Há mais alegria, dinheiro, bem-estar… resistência física e até moral.

Escrevo no jardim que faz testada à Escola Técnica. Do lado oposto, fica o Liceu. Isto sim, que me enche as medidas! Quase em mangas de camisa, … e sinto-me bem!
Tanta roupa de lã que usava em Manteigas e nada me chegava! Tinha muito frio, sempre, sempre frio… A neve, então, a fazer-me negaças o ano inteiro!

Grande pesadelo!Acabrunhante, esmagador! Maçada tremenda e castigo sem igual! Ainda agora sucede, com bastante frequência , acordar em sobressalto e julgar-me intiritado, procurando logo roupa, com desembaraço!

Quando os olhos se alongam, por esta chapada, fico arrebatado e sinto-me feliz, por se haver dissipado o anel de montanhas,que me tolhiam o céu e roubavam a luz! Por outro lado, o Ensino Oficial é mais compensador, bastante mais calmo
e deveras prático,
Que me falta,nesta hora? Apenas um lar, fora mesmo de empréstimo! Mundo pequenino, em que fosse igual a mim, ,sentindo-me senhor do meu próprio destino! Um lugar à-parte,
aonde a minha alma fosse desafogar, sem constrangimento! Um remanso querido, onde eu sorrisse, francamente, lealmente.

Silva Porto
9-11-1972

Foi alegre, inolvidável a tarde amena que hoje passou. Alguma coisa houve que pesou a valer, descendo à minha alma,qual refrigério. Nesta aridez que sempre me envolve, surge, de vez em quando, uma aberta mágica , em que as nuvens teimosas se rasgam e dissipam.

É o Sol douradinho que logo as transforma, amornando-as então com seus raios de magia, Fiquei desoprimido, com imensa vontade, para viver e lutar.
Sendo necessário à vida de alguém, justifica-se pronto a e- xistência terrena.
Larguei às 15 horas,pois havia um de 4 horas e 3o.
Ao sair da Técnica, avisto o Carlitos, impante e sorridente, por obter um Bom. no Ponto de Matemática. Quem é que lhe fala!
Fiquei bem contente, pelo bom sucesso!
Quando a mãe o souber! O menino bonito por quem Deus falou!
Em companhia dele procurei a Guida, que lográmos encontrar, algum tempo depois. frente ao Lar Feminino.

Estava bem disposta e fez diligências,para ser gentil. Isto caiu bem. Por vezes, surge inquieta,nervosa, preocupada. Ora tal coisa afecta-me a valer!
Ontem, foi um dia raro! Gracejou até, beijou-me ali com efusão e fez recomendações: que evitasse a chuva e que a minha cautela se estendesse aos pés, já que a humidade é portadora de gripes sérias.
Terei uma sobrinha que se interesse por mim?

Silva Porto
10-11-1972

Juízo errado opera. tantas vezes, qual mordedura que fere e mata. Passou hoje, na verdade, um caso destes. a tal ponto chegou que deu tratos de polé à minha fantasia.
Faltavam 1o minutos para as 14 horas, tempo de entrada, rumo às aulas.
Ora bem. Passeava eu no jardim, que faz bela testada ao novo Liceu, na mira de avistar o nosso Carlitos ou a mana Guida. Desejava um recado.
Nisto, vejo-a avançar, na minha direcção, em companhia de uma colega .Por esta razão, sustenho a marcha, aguardando ali que ela me procurasse. É que, a rigor, mediariam apenas escassos 10 metros, entre nós ambos.

Entretanto, sem que eu esperasse, volta de repente em sentido contrário.Fiquei alarmado, transpirando a valer!
Convenci-me, por momentos, de que a reviravolta seria intencional. Poderia ser?! Coisa horrorosa! Fiquei sem fôlego.

Arquitecto mil coisas… faço mil planos. Dar-se-ia talvez o caso lastimoso de envergonhar-se, por estar em público? Poderia ser?!
Montões de conjecturas!
Contactando-a mais tarde, para elucidar-me, apurei facilmente haver-me enganado. Antes assim!

Capolo
11-11-1972
Dezanove menos 20. Encontro-me agora, no sítio do Capolo, que dista apenas 65 quilómetros, de Silva Porto. Saímos daqui às 3 da tarde, chegando ao termo, às 16 e 10.

A viagem para cá foi acidentada, pois a chuva abundante das últimas horas ensopou de tal modo a velha picada, que era só lama, por toda a parte! Apesar de tudo, com bom motorista e um pujante Land Rower, não foi este caso o pior de todos.

Durante o percurso, vinha eu pensando nos medonhos terroristas e suas proezas, uma das quais é pôr minas, a esmo, ao longo das picadas. Como se vê, não corri perigo, embora atravessássemos boa parte da savana.

Quando havia pretos, ao longo da estrada , era gostoso vêl-os sair do caminho trilhado, refugiando-se no mato, para não serem vítimas de algum atropelo. Um deles houve que largou a bicicleta, no meio da via, estreita e barrenta, correndo pressuroso para o meio das mumangas.

Aqui e além, pequenas lavras de milho viçoso, apresentando-se este ainda pequeno, mas já espertinho! Foi também excitante o nosso cruzamento com a tropa a cavalo.

Cavaleiros houve que saíram da picada, porque os seus alazões eram nervosos e desconfiados. Belos animais de nédio pêlo, sempre altaneiros e dispostos a lutar!

Lá iam eles, savana fora, a caminho do mistério, em busca da morte! Que grande tristeza e funda agonia se instalou no meu peito! Ser preciso fazer isto, para conseguir não sabemos o quê!

Atacarem-se os homens, à maneira de feras, em vez de amar-se e prestarem auxílio uns aos outros! Por que é que os de fora nos impõem cruéis esta dura guerra?! Pretendem correr-nos, para eles entrarem llogo em seguida.

Colónia Penal
12-11-1972
Vão passadas agora mais de 20 horas, na bela estância da Colónia Penal Que paz de espírito! Que sossego de magia, no meu coração!
Aqui, em plema savana, temos a impressão de o mundo acabar, para início pronto de outro género de vida…. uma coisa nova, sugestiva e bela, a que não sei dar chamo.

Que noite bem dormida! E foi de uma assentada Acordei bem disposto e sinto-me em forma, para trabalhar. Embora sozinho, numa casa tão ampla, decorreu esta noite como num éden.

Pouco faltava, para crer-me feliz, mas a esse pouco, dizem os homens, não tenho eu direito! Quem me garante que a voz dos homens é sempre e em tudo a voz de Deus?!Esta, claro se vê, não é dado contestá-la.

Estarei sonhando? Bom! Afinal, digo eu que a vida é sonho: este só acaba, no momento da morte. Eu, no entanto, já me satisfazia com um lar emprestado!.
Às 11 da manhã, lá fomos à Capelinha. Havia muita gente: brancos e pretos, em boa harmonia, cantando e rezando ao Pai Comum!
Após o acto litúrgico, por amabilidade e extrema gentileza do casal amigo — Secretário e esposa — almocei de companhia, servindo-me no acto um bife de tal ordem, que foi grande heroímo eu tê-lo acabado!
Em seguida, fomos sem rodeios, à curiosa barragem do Luculu, destinada, por mandato, a fornecer energia à povoação do Capolo. Após a digressão, veio outra do teor: a barragem do Lutambo, cuja água cristalina irriga as culturas da Colónia Penal.

Silva Porto
13-11-1072

Sendo agradável uma visita, deixa na alma suave perfume, à semelhança da rosa, que nos embriaga e embalsama. Gravaram-se fundo no peito receptivo, as fortes impressões, colhidas no passeio que ontem me ofereceram.
Barragens e culturas, pomares de citrinos,cafezais extensos e soberbos arrozais! Belos campos arados, onde o milho verde e o vistoso gira-sol encantam os olhos!

Infindáveis anharas de milho e hortaliças; luzidos pomares,onde a vista se deleita, contemplando gostosa a eterna paciência dos bondosos mamoeiros; o sorriso eterno das laranjeiras; o viço exuberante dos cafezeiros; o ar composto das nespereiras.

Estas,então, muito graves, cientes e alegres do bene fício que prestam às mais, alinhavam, a espaços, abrigando carinhosas arbustos delicados, em que se notava, bem clramente, a viva grati-dão dos cafezeiros e a profunda estima para com árvores tão suas amigas.

Que maravilha de campo, rasgado ali pelo catrapil!...alindado por baixo têm, de curvar-se ! Quanto menos falar,melhor para si!
— Pois é, atalha concordando, mas uma pessoa deixar-se esmagar! tractores, grades e semeadores. Quinze mil hectares de terreno arável, adjacente à Colónia! Quinze centos fartos de cabeças de gado, incluindo neste 600 ovelhas!

E os vitelinhos, tão acriançados! Que graça não têm! Apetecia, a valer, pegar num deles e levá-lo comigo. Vacas de raça, cuja produção láctea vai a 16 litros, por cada animal! Falou-me sobre uma que chegou a atingir os 32 litros!

Que alvoroço enorme, para o meu coração, modulado em criança, ao bafo morno do gado bovino!

Silva porto
14-11-1972

Recordar é viver. Amando a vida, é-me grato recordá-la. A minha ida ao Capolo fez-me vibrar, de modo extraordinário. A cabeça é delírio; alvoroço, o coração. Hoje, terça-feira,já suspiro pelo sábado.

Quando chegará?! Claramente sei que tudo passa. O tempo leva tudo, na carreira veloz ,mas demora a chegar o que muito amamos. Foi um alerta!
O campo seduz-me e a vida campestre enche a minha alma. Não posso negar as raízes profundas que me ligam à terra. Todo estremeço, ao contacto breve de seu húmus portentoso!

Aquele ar embalsamado; as canções esfuziantes das aves tropicais;
os cantares dos nativos, que se ouvem, à noitinha! Tudo isso agora me anda de em torno, qual mundo fascinante a que desejo voltar.

Não posso olvidar a sinfonia da noite, em que sapos e rãs fazem belos concertos , capazes até de arrebatar a alma. Jamais vira tal!
Maravilha de harmonia, acompanhada a primor! Pus-me à janela, debruçado e fixo no parapeito, ficando alheado, não sei por que tempo Guarda a memória tudo quanto vi e muito admirei.

Gente boa e piedosa, sempre amiga de rezar, louvando o Criador!
Uma linda Capela, autêntico mimo, já na sua estrutura, já no gosto requintado, manifesto no arranjo. Tudo prende no Capolo: gentes e gados; a terra e as aves.
Natureza forte, porque virgem e sã, acena-me de longe, como se houvera feitiço poderoso ou algo de sortilégio, a que o meu coração ficasse amarrado.
No sábado próximo, irei à Prisão, visitando no caminho o ovil e as pocilgas
Mágico sábado, quando chegarás?!


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