A pretexto dum poema, recitado em Monte Branco.
8-12-1953
Eloquente Florinda:
Estou dominado pela funda impressão que a tarde inolvidável de 8 de Dezembro gravou, para sempre, no meu coração. Não quero desgravar, não posso esquecer, jamais talvez, serei capaz de olvidar, assim o julgo eu, o momento indescritível, em que vi surgir-te, na tribuna do salão, para arrancares a meus olhos tristes quentes lágrimas furtivas que, de atrevidas, não pude reprimir.
Evocaste, nessa hora, a santa figura da mãe adorada, que a morte impiedosa te levou em criança. Por tal modo o fizeste, que a meus ouvidos ressoa, num tom de plangência, o entono funéreo.
Foi assim que descreveste a paixão da tua alma!
Os meus olhos curiosos registaram prontamente o aspecto melancólico do teu rosto adolescente, já humedecido e vincado por traços de enorme sofrimento!
Os meus ouvidos ainda hoje repetem os acentos inflamados, vociferando contra a morte odiosa. A imaginação sente-se ainda como oprimida pela cena grandiosa que a tua viva paixão veio ali criar, nessa tarde memorável, consagrada às mães!
Sinto de igual modo! Comungo na tua dor. Choro e acompanho-te, na cruenta amargura, que dilacera e tanto amarfanha o teu coração, minado pela angústia!
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Monte Branco
1953-12-09 Continuação
Maria Florinda, não te julgues sozinha, A partir dessa hora, acompanhei-te sempre, compreendendo, à maravilha, a exasperada violência da tua amargura!
É que eu, na verdade, calculei então o acerbo pungir desse espinho ervado, que vai dilacerando a tua alma cândida
Entretanto, convido-te já a elevar para Deus o teu coração.
Alguma vez, acaso, te lembraste de o fazer? Não desesperes, ainda que seja nas horas mais tristes da vida presente.
Garante-nos a fé que, após esta vida, outra lhe segue, que vai durar sempre. Tua mãe não morreu. Hás-de vê-la outra vez, beijá-la com ternura, na Pátria ditosa. Ela está viva, sempre muito viva! A alma não morre, porque é imortal.
Logo, pensa em ti, roga ao bom Deus pela tua ventura: olha por ti. Pede-lhe, veemente, que te dê a sua bênção. Não sabias isto?! Espera por ti, no reino maravilhoso, para lá das estrelas. Foi Nosso Senhor que a levou deste mundo. Por isso mesmo, não odeies a morte! Ele é que permitiu que a morte vos separasse! Não blasfemes!
Não desejas, por ventura, que a tua mãezinha esteja no Céu, onde é tão feliz?! Não queres talvez que ela seja ditosa?! Deus é que manda ou então permite as coisas da vida.
É Ele, realmente, quem nos dá tudo. Permite a dor, para termos ensejo de nos santificarmos, á custa do sofrimento.
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Monte Branco
1953-12-10 Continuação
A bela Senhora da Conceição é a Mãe do Céu. Procede como filha, rezando-lhe amiúde e dando-lhe gosto!
A fim de concluir a minha carta aberta, em hora de angústia, para a tua alma, exorto-te agora a uma grande confiança, em Nosso Senhor.
Ele, decerto, não vai abandonar-te. Se levou a mãezinha, vai
conceder-te muitíssimos bens, a compensar!
Não invejes nunca as outras colegas da mesma idade! Admito, bem entendido, que sejam mais felizes, mas a tua mãezinha vive no Céu, onde é ditosa, ao pé de Jesus! De lá, exactamente, protege os teus passos e zela o teu bem.
Adere, pois, à vontade celeste, que assim permitiu!
Não te deixes abater e verás então como Deus te compensa!
O grande prémio a dar-te há-de ser este: permitir, na outra vida, que te associes àquela, por quem sofres agora - a tua mãezinha!
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Repara bem, Florinda! Como é que, a dois meses apenas, de mero convívio, sempre à distância, actuavas sobre mim, por jeito invulgar?!
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Europa
1950-07-24
Ontem, domingo, entrei na Suíça, verificando tratar-se dum país admirável, em questão de turismo. Afinal, respira-se apenas dinheiro e prazer. Vertigem na estrada, fome de dinheiro, satisfação de tipo sensual! A esta gente só luz ar estranho e fareja como perro a caça estrangeira! Quando já entre dentes, estrancinha-a, com ânimo, sufocando-a de pronto.
Amabilidade não sabe o que é. Se vê algum dinheiro ou pressente ganho, reveste-se então duma capa lisonjeira que não passa de mentira..
Não vendo crescer o número de francos, não liga patavina,
Irrompendo sem norma em ditos zombeteiros!
Como guardo lembranças dos bons portugueses. A gente saudosa de terno coração, em cujos olhos brilha se mpre o raio que aviventa!!
A penas oito dias e figuram oito anos! Quando verei eu uma luz diferente?! Casinhas humildes que me dizem segredos e falam de maravilhas?! Quando encontrarei pessoas irmãs, de amorosos sorrisos que, no silêncio da alma reservam e nutrem sonhos de ventura?!
Chegará essa hora em que sacie de vez o meu coração, torturado e oprimido pela funda saudade!
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Lisboa
1970-09-23 Nova Referência
Vi-o hoje também, na Rua dos Fanqueiros.
Encostado à esquina, bengala na direita e cofre na esquerda, aguarda ansioso. iamovimentos de frases entrecortadas.
O que ele dizia não me cabe repeti-lo, pois me encontrava do lado oposto. mediando os eléctricos. Avaliando, no entanto, pelo exterior, fui levado a inferir que ele estava borracho. Não posso jurá-lo, mas parecia. Descomedidos os gestos, impetuosos, às vezes, como se, na verdade, poderosa mola o fizesse girar!
As pessoas bondosas detinham-se a olhá-lo e, cheias de compaixão, extraíam de seus bolsos a moeda suspirada. Ele, então agradecia, com beijos simbólicos, denotando calma e sossego de espírito. Se me engano, pois, na questão do álcool, tenho a certeza, no tocante ao fumo. Sugava alarvemente! A fumarada subia, perdendo-se nos ares, enquanto era substituída, em menos de três tempos!
Quando eu julgava que ele ia descansar, puxa breve do maço,
pendurando-se logo noutro cigarro! Sim, senhor, disse eu então, para os meus botões! Borracho e fumador! Há-de ser grande a receita, para nutrir dois vícios horrendos! E que é que os sustenta?
A compaixão e a caridade! Será justo fazer tal?!
Devemos notar que é uma obra de alta corrupção e um trabalho danoso que arruína o ser!
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Lisboa
1970-09-24
O Padre Congar falou aos jornalistas. Foi interrogado, sobre vários assuntos, incluindo o celibato. Ora, li hoje, com grande interesse e funda curiosidade, a resposta equilibrada que ele encontrou. Não há dúvida nenhuma, de que os seus dizeres estão de harmonia com o meu pensar e que tal assunto é muito delicado.
E também é verdade que a igreja errou, (embora talvez de boa fé!), impondo aos homens o que Deus não quis nem achou bem.
Se bem me recordo, os pontos de vista do Padre Congar são os seguintes: 1 A sociedade moderna isolou o padre; ele, por sua vez, compensa a falha, procurando uma família; 2. a sociedade, sensual e erótica é aliciante e provocadora, em matéria de sexo. Ora, se o padre, por força, reflecte a crise, é incitado, por modo igual, pois não faz excepção!
A atitude da Igreja, através dos tempos, foi como é sabido, meramente proibitiva, bastante repressiva e, em geral, negativa, considerando a sexualidade como simples fenómeno de ordem biológica
No entanto, a psicologia actual veio demonstrar que isso é falso. A sexualidade tem raiz mais funda. Sendo assim, é fenómeno orgânico e também psicológico, ou então, um dado humano, assaz precioso, que engloba o homem todo, pois fica integrado na personalidade.
É um bem fundamental que nenhuma sociedade pode contestar.
Desenvolverei este assunto de monta, para maior clareza e compreensão
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Lisboa
1970-09-25 Isolamento do padre na sociedade moderna.
Fala-se muito, em dizeres românticos, de família paroquial, pastor e ovelhas, filhos e pai, lealdade e afeição. Isto, porém, são hoje meros sons, que passam breve e não voltam mais.
O padre, em nossos dias, tornou-se indesejável, por formar uma casta, por ser egoísta, não compreender os problemas da vida, não merecer aquilo que lhe dão e ele mesmo exige; por haver diminuído a fé religiosa, entibiando-se as crenças; por ser celibatário, não ligando aos assuntos que a todos respeitam, uma vez que fazem parte da própria vida.
Se ele aparece, muda-se a conversa e vem a doblez; acomodam-se todos, bem falsamente, assumindo, para logo, ares de santidade. Sendo isto assim, é o padre, realmente, fautor de hipocrisia e caminho certo de perdição. E caso não haja essas atitudes, vem sem demora o ataque descarado, como se fosse realmente um bicho mau, que é preciso eliminar.
Postas as coisas nesta plataforma, o padre fica só, com a sua dor Como preencher o vácuo aberto?! A quem pedir auxílio, na grande solidão?! Sociável, por natureza, o homem é gregário, não podendo viver só! Sujeito de deveres, mas também de direitos, precisa compreensão. Onde encontrá-la?!
Sentindo-se frustrado, porque não é aceito, vive oprimido e
contrariado, exigindo alguém mais que seja derivativo. Aonde acorrer?! A um lar seu, onde haja amor, esposa e filhos.
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Lisboa
1970-09-26 Crise erótica geral: aliciamento ao próprio erotismo.
Um dos traços mais profundos, que distinguem este século é, incontestavelmente, a sensualidade. Esta, de facto, revela-se em tudo, abrangendo alma e corpo, embora se exerça, visivelmente, através dos sentidos. Estende-se a todo o ser,e tem. na verdade, a
expressão mais intensa e até aliciante, nas relações sexuais.
As causas profundas de tal exacerbação, que é um facto inegável, devemos ir procurà-las na própria natureza, com suas aspirações e cobiças vincadas. Viciada a natureza pelo pecado de origem e pelas faltas pessoais, essa tendência é cada vez mais forte, segúndo a lei constante dos hábitos adquirdos,, que se vão revigorando, à medida exacta que são alimentados.
Entretanto, a necessidade orgânica, de carácter biológico é
também psicológica e brota sempre da raiz da alma.O ser racional, ainda quando ama , de maneira sincera, exige contactos e vida se-
xual. Por outro lado, ninguém pode subverter a potência de amar, pois isso é contrário à natureza humana.
" Vita cordis est amor", escreveu S.Tomás.
Sendo assim,, a sexualidade perde em breve o cunho pejorativo e proibitivo. que a Igreja lhe deu, ao longo dos séculos.. Deve ser regulada por normas morais, isso bem está, mas não reputada má
ou aviltante. Demais, foi o Criador que dotou assim a natureza humana.
Voltando às causas, ainda ajuntarei que a mulher moderna se
apresenta de tal modo, que leve decerto o homema pecar. estimulando assim a lubricidade.
Explicar, de momento, a atitude da mulher? As guerras mortíferas que dizimam os homens; a necessidade de amor e amparo; a concorrência, no tocante aos fins; a falta de fé e nobreza de sentir
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Lisboa
1970-09-27 A sexualidade como dado humano
Mercê, claro está, de influências estranhas, a Igreja Católica, ao longo dos séculos, foi elaborando a Teologia, dita sexual e as suas directrizes, dando-lhes sempre carácter negativo e de repressão.
Efectivamente, já muito antes de propagar-se o Evangelho, ao tempo dele e posteriormente, grassavam pelo mundo ideias semelhantes, no aspecto negativo. Se nos lembrarmos agora do dualismo persa,
que tinha por imundo e até repelente o que respeita ao homem afim de não mancharem a terra contactada; os não lançava ao mar, para não inquinarem, as benéficas águas, teremos encontrado as verdadeiras raízes de tal negativismo, em matéria sexual.
Este facto foi uma constante, na Igreja Catóica, sobretudo latina!. Agrada-me pensar que o não faria por mal, quando obrigou os religiosos, as religiosas e os sacerdotes a permanecerem célibes.Foi uma luta violenta, quase agressiva, que redundou brevemente em atrofiamento, para o amor e a família, encarando. pois. a sexualidade, como acto repelente, só próprio de animais.
Maniques e Albigenses propalaram tais erros,, vincando assim , mais e mais, a faceta em causa.
Ora, verifica-se, à data, por meio de estudos, harto consenciosos.
que os nossos psicólogos nos hão legado, que, afinal, o sexo tem raízes mais fundas que a função biológica da reprodução ou
?prazer venéreo. Ela abrange o homem todo, a quem aperfeiçoa;
confere, acto breve, maturidade forte; dá para logo, o sentido claro
da responsabilidade, no trabalho e afeições; evita ainda o egoísmo soez,; liberta o homem de taras bem como de satisfações malsãs.
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Lisboa
1970.09-28 A Juventude e a Igreja
Um grande sector da nossa juventude vê com maus olhos a Igreja Católica, por esta se aferrar à velha tradição ou por ela se voltar, porfiadamente, para um passado já longínquo.
Uma parte dos jovens, deslumbrados hoje pela Ciência e pela Técnica, a marchar velozmente, olham para elas como sendo ídolos
julgando erradamente que bastarão elas, para resolver os difíceis problemas que se apresentam ao homem..
Por outrolado, o erotismo do século, a que sempre a Igreja se mostrou avessa, revelando até agressividade, contribui para ignorá-la, se não mesmo hostilizar as instituições sagradas
. O espírito de casta e a incompreensão de certos problemas,
consequência fatal dum celibato imposto e mal entendido , também originaram certa indiferença, quando não hostilidade, contra a Instituição
Em consequência, pois, do que fica dito, vemos os jovens
afastar-se mais e mais, virando costas , enquanto os seus problemas não forem, de facto, encarados a sério e resolvidos com mais acerto. A nossa juventude não admite incoerêmcias nem sequer doblez. Exige certeza e sinceridade, compreensão, testemunho e lealdade..
É assaz legítima a sua atitude e não pode condenar-se..
Ouçamos, pois, o seu grito, estudando prestes a sua posição.
Atendamos pronto as suas reclamações... temperemos ainda o que for exagerado ou inatendível.
A juventude encontra-se virada para o futuro: não é do passado!. Ora, na Igreja há muito do passado, que não se adapta já aos tempos modernos nem está de acordo com as aspirações e a
mentalidade, vigentes no presente.
Quem não agir, de harmonia com isto, vê o mundo seguir,
ficando parado, inútil e vão, num mundo em marcha.
Época atómica, na matéria bruta, dinâmica também, no espírito
acordado!.
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Lisboa
1870-09-29 A Civilização e o Homem moderno
A civilização do nosso tempo acusa fortemente o dedo da Igreja, que deixou vestígios fundos, por todo lugar. Em qualquer expressão de arte ou sentimento, se notam claramente as suas pegadas: Pintura e Teatro, Arquitectura e Escultura, a Música e a Dança, assim como o Bailado.O folclore nacional é prova irrefragável.
Que dizer até das nossas romarias?! Pois, se vamos para a Música?!Em qualquer ramo de actividade humana, é indubitável a
nfluência criastã, não somente no campo científico,se não também
no campo Artístico..
É ver apenas como se efectua a sublime Epopeia desses Descobrimentos, nos séculos 15 e 16! A obra dos Cronistas e a voz de Camões lá o dizem claramente: " Dilatando a fé "
Este é um facto inegável, altamente confirmado pela voz eloquente das Catedrais medievas. As suas flechas airosas, a perder-se nas alturas, afirmam solenemente que que essa era de fé caminhava para Deus.
O homem moderno já nasce desvinculado Não é, de facto, para Deus que segue directamente. O encanto dele é antes a Ciência, a Técnica e o sexo. Está, pois, virado para o tempo futuro e não para o passado!. O que a Igreja precisa é adaptar-se às novas condições, estudando-as bem, para não ver fugir-lhe as massas juvenis que são, na verdade , o futuro do mundo
Outrora, nascia-se cristão, indo-se a Deus pela Tradição e pelo exemplo: hoje, vai-se a Ele por vias diferentes, que é urgente estudar, para torná-las assaz eficientes
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Lisboa
1970-09-30 Valor do Sujeito, no século XX.
A Idade-Média foi toda ela uma época ardente de relegiosidade, em que o homem viandante tinha a Deus por alvo de
todos os seus actos, podendo nós afirmar que todo o seu ser mergulhava em Deus. O homem, afinal, emergia sempre de um ambiente religioso, aceitando como bom o que lhe propunham. A
autoridade era tudo na vida.
No campo religioso foi, porém, diminuindo a tal influência, quando os protestamtes, no século XVI, negaram. sem rebuço a Autoridade máxima, atribuída ao Papa, rejeitando, ao mesmo tempo s Tradição cristã. Era o próprio homem a virar-se para si, descobrindo os seus dotes, que muito apreciava e, achando-se mais belo,.
Endeusado já, vem a tornar-se, aos próprios olhos, genuína divindade.A razão era grave e de tomar em conta,, pela sua grandeza.. O individualismo, característica forte, nos povos bárbaros, ia agora ressurgir, mais firme ainda, nos povos civilizados. Assemelhava-se ele, como bem vemos, ao homem pagão.
Deus-Providência, relegado em breve, para um plano inferior ,
deixava de ser o alvo supremo das gentes do tempo.
A Igreja, porém, com acção moderadora, conseguiu deter a onda e apaziguar o novo surto que avassalava o mundo. Mas o 454545454545454545homem de hoje avançou ainda mais, tomando consciêncis de tudo
quanto vale ou lhe haviam cerceado: aspira a reslizar.se, de maneira cabal, sem tomar em conta influências estranhas.
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Lisboa
1970-10.01 Juventude actual, Sociedade, no porvir
A sociedade, amanhã, brotará, com certeza, da nossa
juventude. O que esta for hoje, será depois aquela. O passado morreu para ela que se encomtra virada só para o futro.
Evidentemente, há certo exagero em tal concepção, mas os factos reais não podem contestar-se e hão-de ser tomados na devida conta, para estudo esmerado, com sentido construtivo.
Atendamos. pois, à voz dos novos, em suas reclamações,
desacordos e protestos, limando, a breve trecho, arestas ruinosas,
que não sejam adequadas aos tempos de agora. É certo e sabido
que algo de bom se vê, desde logo, na contestação, urgindo, portanto banir o que é supérfluo ou entao eliminar o que se jukga daninho., afim de nos firmarmos num centro comum, tendo como
base a verdade e a justiça.
Que importam, na verdade, tradiçóes venerandas, que realizaram outrora obra vultuosa, e apresentam agora sintomas claros de envelhecimento? Demolir em fúria todo o passado? Nem
por sombras é admissível, porque muito existe de belo e estável,
para o tempo futuro. que se está esboçando!. Quanto ao mais, não haja rebuço em fazer limpeza!
Cativemos, desde já, a nossa juventude, pois de outro modo caminhará sozinho, à margem da experiêmcia, não tendo realmente a que possa arrimar-se
Ganharemos simpatia, sendo coerentes, leais e compreensivos. Os novos ideais acabam em vitória, e as velharias
bafientas vão juntamente com seus defensores, para o rol extenso das coisas sem préstimo
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Lisboa
1970-10-02 Juventude; Igreja do Futuro.
Como a Santa Igreja remonta ao passado, no aspecto disciplinar, entre ela e os novos, há coisas diversas que desamam e rejeitam a civilização. dita cristã.
Esta vem marcada com o selo da Igreja que a nossa juventude escolheu para si, não tendo ela o selo da Ciêmcia, do erotismo e da Técnica. Haja vista. por exemplo, a famosa reunião
de jovens entusiastas que, não há muito ainda, se fez na Inglaterra.
e na qual se proclamou, de maneira solene, a preeminência do erotismo e do densualismo.
O Evangeho e Cristo não sofrem mudança, pois eles são de ontem, de hoje e de amanhã.
Estruturas religiosas, meios de difusão, a mentalidade e os mesmos processos, bem como o governo e administração da Santa Igreja estão decerto, sujeitos a variações, conforme as circunstâncias Há caminhos hoje que estão em plena luz, como por,
exemplo,a sexualidade. Alguma vez, no passado, se apresentou como dado humano?! Não era reputado mera porcaria?!
Daí, realmente, o aspecto proibitivo que a Igreja lhe deu.
Embora ela seja de origem divina e imutável também, na verdade que prega,, a qual vem impregnada de beleza eterna,vê-se impelida a ajustar-se aos tempos e às novas concepções: vida, ciência e arte. .
Fazendo assim, não vai negar-se: antes mostra a claro , a eterna vitaliade e poder de adaptação. Existe, realmente, poder de adaptação. Há, na verdade, que reformar costumes, ponderar tradições, algumas das quais se verifica hoje não serem de facto, as mais aceitáveis, embora o tivessem sido, em épocas distantes.
Persistindo intransigente, verá não longe caminhar sozinha a
nova sociedade, já tutelada por outra bandeira que não a sua.
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Lisboa
1970-10-03 Juventude e Tradição
O que vem do passado e se transmite oralmente, embora por vezes fixado por escrito, chama-se Tradição. Equivale a dizer que as suas raízes mergulham fundamente em épocas distantes, que muito se afastam do nosso tempo!.
Ora, estando a juventude abertta ao futuro e desamando o
passado, conclui-se, desde logo, que não podem conciliar-se as duas correntes. . Uma é novidade, outra experiência. Uma delas mergulha no
porvir, outra , no passado. Esta respeita sempre a digna autoridae; aqela , por seu lado. ignora-a simplesmente.
São antagónicas as duas posições.Qual triunfará? A lição da História diz-nos claramente que levam a palma as ideias novas.
Trazem ar de mistério, bem assim de promessas e de libertação!
O Sol de nascente é mais promrtedor e fascinante que o de poente!
Não vemos a esperança ultrapassar, de longe. a mesma realidade?! A coisa possuída já perdeu o encanto!
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Lisboa
1970-10-04 Juventude virada ao Futuro
Desiludida, pois, a nossa juventude com a civilização, onde vê, não raro, germes de corrupção e vest´´gios claros de decadência, levanta-se em peso a clamar por outras vias. Contesta, sem rebuço a presente situação, por não achá-la autêntica nem verdadeira.
Para ela só conta a coerência, a compreensão, a sinceridade. Tudo o mais é entulho, que importa alijar. Hipocrisia,e
doblez, clandestinidade, jogos de palavras. Tudo isso é banal e até desprezível. Atraída e levada por sentimentos nobres, projecta construitr um mundo renovado, em que a guerra e a ambição já não tenham lugar!
Nasida e criada, à margem da Igreja, surge pagã e naturalista. O seu mundo, afinal, é bem dtferente do que houveram outros jovens A Ciência arrebata, a Técnica surpreende, a s paixões aliciam. Afinal de contas, é puro naturalismo, do qual o divino se encontra afastado. Se a matéria é precisa, mais ainda o espírito que a ordena e transcende.
Se a vida presentem no pensar da juventude, há-de ser isenta de quaisquer sobressaltos, e bafejada por ares mais sadios, não se pode esquecer que a outra a seguir é mais duradoura e que assenta na presente.
O mundo, realmente, não fomos nós que o fizemos nem tão pouco decretámos a ordem admirável, que nele é surpreendente e
nos enche de pasmo Já tudo existia, antes do homem! Alguém o fez e nos fez també,!
Urge, pois, construir um mundo novo, sem quaisquer estorvos, mas sempre com Deus e para Deus.
Que a nossa juventude se deixe influenciar, pois não tem expeiriência nem dequer equilíbrio que lhe sejam favoráveis.
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Lisboa
1970-10.05 Educação e Juventude
.A nossa juventude acredita nos mestres, se forem abertos a casos actuais, riscando no passado uma parte da herança. É, pois, delicada a missao do professor, que vê comprometido deu nome e prestígio e até perdido seu esforço e porfia. Ora, sem autoridade, vai-se logo a aceitação, gorando-se
afinal todo o seu labor.
Que fazer então., em circunstâncias, demasiado críticas?
Acamaradar com os nossos jovens, dando-lhes razão, sempe que a tenham, mas sabendo. nestes casos, temperar bem as afirma-ções com o sal da prudência.
Demolir é fá il; construir é maid difícil! Tentar experiências, a título provisório, sem vanalismo nem tom agressivo! O que for inútil , indiferete ou prejudcial, pode eliminar-se. por via de regra, tentando fazê-lo, com serenidade, após um plsno, bem elaborado, quanto ao futuro
O provérbio holsmdês há-de estar presaente ao labor f
delicado:!" Não deites fora os sapatos velhos, antes de saber se os
novos te servem!"Aconselhhar aos novos o uso da prudência ; observação cuidada; exame atento; comparação, deveras minuciosa; exame imparcial;
O que há-de haver de belo, nesta civlização, já bimilenária, em que, no passado, estiveram empenhados, corações generosos, espíritos altos. e tão esclarecidos!
Sobre manchas possíveis, desdourando tal obra, vá um pano molhado,, mas guardemos a substância, que há-de ser maravilhoda: obra de séculos e obra de génio!
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Lisboa
1970-10-06 Juventude e Ensino
Para ministrar o ensino aos jovens, vários factores são necessários: competência e calma; engenho e paciência; boa disposição; eloquência e prestígio; adaptação-- da parte do mestre:
receptividade: , alegria e senso; aspirações; interesse e entusiasmo;
humildade e constância... por parte do aluno
O interesse desempenha, sem dúvida, papel importante. Prender o aluno com alguma coisa, de modo a interessá-lo, eis a mola real de todo o agir! Que sucede, no entanto? O mestre inamovível, virado ao que foi, contrapõe-se ao aluno, aberto ao futuro.
O que a um desagrada é precisamente o que enleva o outro!
Sendo isto assim, gera-se desde logo incompatibilidade. O aprendiz adora futebol, mas o seu mestre ou não lhe sorri ou até o verbera, impiedosamente; o mestre acata respeitosamente os valores do passado, os heróis e os santos, ao passo que o jovem escolhe outros factos.
Que urge fazer?
Descobrir primeiro os centros de interesse da nova geração, para logo se adaptarem os processos em vista. Conhecidos os clubes, os cantores da rádio, como da televisão, actuar em seguida. Estes elementos entusiasmam os jovens.
, Organizados em grupos, apontam no quadro os erros, detectados: uns, representam o Sport; outros, o Benfica.
As meninas procuram imitar um célebre cantor. Se nós atacarmos as suas preferências, mofam de nós e seguem outras vias, com alto prejuízo, para todo o Ensino, envolvendo igualmente
o nome e o prestígio do professor rejeitado.
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Manteigas
1970-10-07
Chegou-nos agora o frio cortante e, com ele também, a nossa tristeza. É um ar gelado que fere e arrepia, insinuando-se no peito. Havia muito já que o não lembrava e era-me agradável tentar
tar esquecê-lo, inteiramente. Mas não há bem que sempre dure nem mal que sempre ature! Razão especial por que o frio incomoda, sem dó nem piedade!
O cortejo a que preside é luzido e pomposo: vento, chuva e neve! Constou-me há pouco haver já nevado, na Serra da Estrela!
Sendo assim, como não temer?!
Neve branca e fria que enregelas o peito, angustiando a alma:
como hei-de querer-te, se me pões a tiritar?! Como hei-de amar-te, se enregelas a alma e torturas o corpo?!
Homenagear-te é coisa que não faço, pois, na verdade, falece-me a coragem! Que dizer de ti? Mais vale calar-me e ser discreto pois de outro modo, a vida é mais dura! Eriçam-se logo todos os cabelos arrepiam-se as carnes… entorpeçam-se os membros! Um horror
Consumado! Que monstruosa desfeita! Chegou sem aviso e depois banqueteou-se, de maneira lauta, ostentando na fronte um sorriso escarninho !
Fugi logo para casa, em busca nervosa de pobres agasalhos
Aqui fico tremendo, enquanto aguardo e sofro como alma penada!
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Manteigas
1970-10-08
Muito a sério foi este início das aulas! Toca, pois, a vez ao 2º ano.que tem Português. Avisados embora, de nada valeu! O
Biscaia do Sameiro é que usa da palavra, quanto verbo ‘ser’.
Interrogo e pasmo! Era impossível! Falta de trabalho! Não há dúvida! Ameaço, de novo! Estais perdidos comigo! Inauguramos a ‘palma!’
A estas palavras que eles, por tradição conhecem já, tremendo calafrio percorre o seu corpo. Os mais cábulas julgam chegada a hora do amargor! Mas a vida é isto mesmo e há que lutar, para enfrentá-la, sem desconsolo! Para tanto, urge trabalhar!
A preguiça é herança que fundo se entranhou em nossos membros! Só pode vencê-la quem, for instigado! Fora, pois, cigo eu, com manias tontas! Que perturbam alma e corpo e não deixam avançar!
Todos olham para mim, algo consternados, aflitos alguns, parecendo fazer já uma promessa estável;” trabalhar e porfiar, pois assim não é viver! Siga a lida… fuja o dano! Nós queremos lutar!”
Olho. Uma vez mais, figurando rancor, tendo embora no peito a brandura de sempre. Era apenas receio que desejava infundir, não fossem valer-se da pouca energia!
´´E semana decisiva a primeira do ano: vai sempre influir no passo fatal que se apresenta no fim.
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Manteigas
1970-10-09 A ti, Joaquim Cuco.
É asilado, cá nesta vila, fazendo. parte viva da exígua comunidade que reside no Hospital. Pequena, agora! Concluídas as obras, vai por certo, aumentar!
Ora bem! Voltando à personagem, cabe dizer, a propósito, que é bem apanhado o to Joaquim Cuco e um tanto velhaco!
Mal empregado, sem dúvida, pois é inteligente e algo expedito. Se pusesse as qualidades ao serviço do bem, era bom elemento, na Cruzada Cristã. Entretanto, as suas locubrações revestem, ao que julgo, aspectos negativos e nunca me foi dado saber, alguma vez, que tivesse, de facto, objectivo diferente,
Poderíamos até chamar verrinoso seu carácter agressivo, traiçoeiro e mordaz! A virtude, para ele, não conta nada e malsina os actos, seja de quem for! Faz a penas excepção, quando alguém o contempla, dando-lhe moedas Se é por meio delas que lhe vem o tabaco! Mas, francamente, alimentar os vícios é coisa que não quadra! Eu também não fumo e vou subsistindo!
Há dias, falou-me ele num caldo de botelha que é “ levezinhoo e agradável so estômago. Referiu-se também, com segunda intenção, à água da comida, que está precisando de maior economia, pois “se gasta em excesso”.
Aquilo é boa rês, o malicioso ti Joaquim!
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Manteigas
1970-i0-10
Primeiro fim de semana, já no tempo escolar.
Qual turista ansioso que chega, finalmente, ao cume do monte, respira já fundo, com alto prazer, assim eu também repouso satisfeito, ao chegar o sábado. É um ponto de apoio, um desvio agradável, um arejar interior que dispõe sempre bem.
Com toda a certeza, não pode o homem trabalhar sem descanso, pois se esgotaria, ficando arrumado. Urge, pois, fazer paragens, de vez em quando, afim de refazer-se e tomar alento.
A caminhada é longa, extensa como a vida, exigindo, por isso, esforço e coragem. Empecilhos e obstáculos de várias origens, problemas a rodos, um sem número de coisas, por vezes, inesperadas e até insuperáveis,!
Nesta lida constante, vão-se as energias e dissipa-se o esforço: gasta-se a existência, Ninguém pode esquivar-se, que nascer e trabalhar é tudo o mesmo. Apesar de tudo, quanto mais árdua for a tarefa, mais apetecido se apresenta o descanso!
A minha lida, bem que agradável e assaz estimada, gera monotonia e produz cansaço que redunda em nervosismo! Sempre igual ou semelhante, desafina os nervos… pede silèncio…demanda sempre caminhos novos, ,A isto se destina o fim de semana, que nos acena de longe, com doce refrigério.
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Manteigas
1970-10-11
É um velho asilado que andará pelos 70, se bem calculo. Passava eu, de manhãzinha, para S..Sebastião, distendendo os nervos e gozando o belo dia que é tão desejado, no Covão sombrio.
A essa hora, ainda matinal, já Manuel Badoca chegava ao tanque, para lavar a roupa de uso, que não quer extraviada. Avistando-o ali, fixei-o por momentos: agitava um lenço, na água resfriada, Movimentos retardados, a atitude prostrada e o busto recurvado,, denotavam fadiga, talvez necessidade e bastante cansaço.
Detive-me lá, por mais algum tempo, olhando para ele.
, , na vida terrestre. Dizem, realmente, que não é só, pois tem uma filha, o que é excelente, na vida do homem. Há, na verdade, quem ponha nisso a maior aspiração.
Uma filha dedicada é o que há de mais belo, para um homem viúvo.
Que centro formoso de gratas recordações! A noiva e a mãe, nos dias de glória e vivo encanto, vê-os o pai no rebento novo! A esperança no porvir, arrimo e consolo, fortaleza inexpugnável, contra os dias maus, tudo nela se encontra!
É um sorriso permanente, doçura que enternece, carinho que adormenta ! Quem a pode igualar?! Só Deus do Céu é, na verdade, mais belo e santo, por não ser criatura! Mas, neste mundo, uma filha abençoada é tesouro sem igual!
Entretanto, aquele homem vive só… está isolado e não tem ninguém! Que dor e aflição! Que tristeza imensa!
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Manteigas
1970-10-12
Ontem, finalmente, resolvi pôr à prova a minha resistência, após a grave e longa enfermidade, que me reteve, no Hospital.
A minha partida foi às 9 horas, depois da Missa. Saí de casa, sem rumo definido mas. Em breve tempo, aclarou-se tudo.
A capelinha airosa de S. Sebastião acenou-me lá do alto , com o seu Cruzeiro a dominar-lhe a fronte. Hesitei alguns momentos, por der difícil a íngreme subida, mas por fim, decidi-me fui!
Havia já 10 anos que o não fazia, indo sempre a pé! Ainda me lembro ! Tinha, na verdade 42 anos, quando fiz, em 2 horas a ascensão da montanha. Em regime forçado, escalei vitorioso a Fraga da Cruz! Agora, porém, tinha de ser moderado! Não faltaram desejos que a tal me estimulassem! Nem brios caprichosos
Olhei uma e muitas vezes para a crista da Fraga, dizendo para mim que era possível! Se não fora já tarde, ia lançar-me na grande aventura
Assim, limitei-me um pouco e,às 11 horas, arribava ao terreirinho que faz restada `Capela. Durante meia hora, sentei-me a divagar. O suor foi secando, ao passo que eu olhava, um tanto embevecido, as últimas leiras..
A vegetação começava a rarear e só a de altitude se mostrava
Já. A videira, o milho e as couves ficavam para trás, cedendo o lugar ao pinheiro vivaz. A esteva e o zimbro alcatifavam o chão.
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Manteigas
1970-10-13
“A menina gentil dos 5 olhos” ganhou nome e fama, neste Colégio. Havia já insinuado um possível regresso, caso fossem preguiçosos e não trabalhassem. Aconteceu, pois, o que era de prever! Um descuido lastimoso, certa indiferença, quase
Inexplicável, servem de pretexto.
O Biscaia do Sameiro foi o causador. O verbo ‘ter’ não é com ele ! Vai gozando a vida, compra tudo o que vê, sem peso nem medida, tendo os pais de custear as despesas frequentes e vultuosas. Eles que aguentem ! Utilidade ou proveito das coisas não lhe interessa!
Mas uma desgraça nunca vem só! Um abismo chama outro.
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O diabo tece-as. Por isso, lá veio a sexta-feira que, por ser dia aziagado, trouxe a desgraça. O prometido é devido! A “menina adormecida” apareceu em breve, mas a sorte bafejou o Biscaia a quem não coube vez, para ir à lição.
Eram tudo olhos, tudo ouvidos. Atenção como aquela é raro encontrar.
Na primeira fila, evidenciava-se o Zé Borrego que, chamado, nesse dia, revelou ignorância, merecendo, por isso, o cumprimento rasgado que a “ menina” lhe fez.
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Manteigas
1970-19-14
Ocorrem hoje as bodas de Ouro da Irmã Divino Auxílio.
Cinquenta anos de vida, consagrada a Deus, na sua totalidade!
É, realmente, epopeia vasta de generosidade, imolação e até heroísmo! Algo há de belo, na vida religiosa que lhe dá grandeza: é
A renúncia!
Numa época de egoísmo, consola em extremo ver alguém generoso dedicar-se ao próximo. Porque Deus e Senhor é a suma Bondade, não deixa de premiar, com grande largueza quem se doou, em corpo e alma, a um alto ideal.
Deixara a Galiza, em terras de Espanha, e, tudo abandonando, fez-se tudo para todos. Durante meio século, quantos espinhos e incompreensões! Quantos sacrifícios?! Enquanto uns demandaram o prazer, trilhou ela serena os caminhos pedregosos em que, tantas vezes, sangraram seus pés!
Enquanto outros se atolavam no vício, oferecia a Deus, na tribulação, os espinhos agudos que feriam sua carne!,
Este, para o Clube; aqueloutro, para a Casa do Povo; um, para o Cinema, outro, para o Teatro! Ela, porém, calcando ousada veleidades e caprichos, prosseguia animosa pelo caminho tortuoso.
Onde acúlios penetrantes iam logo feri-la.
Se o Deus que serviu é pura realidade, como tem de ser, que,
Distinção vai fazer, entre a freira imolada e os tais gozadores da vida terrena?!
Pod era, na verdade, haver dois Céus?! Terão todos gual recompensa?!
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Manteigas
1970-10-15 Ecos de Manteigas
Emudeceu esta vila, que morreram os Ecos! Se não há fumo, é que o lume cessou! Quando é que, na verdade, se extingue o eco? Quando a voz já não soa ou não acha condições, que pronto lhe garantam a eficiência.
O jornal acabou e ficámos sem notícias! É como um ser que deixou de expressar-se, um emissor arrumado, que já não transmite, um amigo provado que se espera ainda e já não aparece!
Deixa-me saudades, bem claro está! Apesar de pequenino, votava-lhe o afecto das coisas grandes! Por que nos deixaste, querido amigo, diligente informador, companheiro fiel de todas as horas?!
Afeiçoei-me a ti, por falares do ambiente, me dizeres também o que eu esperava, reprimindo o mal.
Eras que ansiamos por ti! mensageiro de nobres ideais, censor arguto de coisas repreensíveis, defensor incansável de quanto elevasse o pobre ser humano!
Agora, porém, a tua voz já não soa! A tua presença é apenas
um sonho e não temos quem fale! Vem, já depressa abeirar-te de nós que ansiamos por ti!! No abrir da porta, vamos revelar o nosso carinho! Ah! Como és lembrado e objecto de convefsas!
Foi a velhice quem te prostrou?! O desânimo dos homens ou a má vontade?! Seria tudo isto e mais ainda!
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Manteigas
1970-10-16
O 4º de Francês já se vai adaptando. É a primeira vez que me ouve, no assunto, quase o mesmo se dando no que toca Português. Estranheza de método, pronúncia diferente e aperto cerrado, é o que os alerta, nesta primeira quadra do ano escolar.
Por outro lado, não me adapto a estranhos nem deixo passar,
Fazendo vista grossa. Seria mais cómodo, menos fatigante,e mais lisonjeiro, mas não me submeto a este processo.
Sendo assim, é muito natural que surjam dificuldades e alguns desaires. Mas a vida humana é feita de tudo e podemos afirmar: sempre a variedade foi devida, em parte, a estas circunstâncias.
O princípio é duro, mas vencidos que sejam os primeiros obstáculos e montada a “carruagem”, é um regalo no tempo vê-la andar e progredir! A Prazeres e o Porfírio, o Mendes e a Amélia,
assim como outros sentem hesitações, não sabendo, realmente, como proceder.
Apesar de tudo, é um ano bom e de grandes esperanças!
Disponibilidade e capacidade é coisa que não falta.
Dar-lhes-ei, para já, um período razoável, para adaptação, procurando habilmente ser bastante humano e compreensivo, embora persista no meu ideal.
Alimento a esperança de que hei-de conseguir aquilo que desejo, embora com dissabores e momentos de aflição.
Que há, no entanto, sem o dedo fatal do martírio cruento?!
Não é, de facto, à custa da semente que se prepara, no grande silêncio, a nova planta?!
Não queira eu viver, para os outros morrerem!
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Manteigas
1970-10-17
A discussão não é oportuna, jamais entre gente de têmpera irritável. O calor provocado obscurece a inteligência, impedindo o raciocínio, enquanto o amor próprio vai criando volume e toldando a luz. Postas as coisas nesta plataforma, qual será o fruto duma discussão?!
Rivalidades, malquerenças e ódios, separação! É, pois, factor negativo, que urge eliminar, assim como tudo o que leve à discórdia.
Que importa, realmente, se os outros não aceitam a minha opinião?! Sou eu, por ventura, obrigado a aceitar opiniões alheias?! E pretendo, às vezes, impor a minha?! Muito mais acertado é ouvir e calar, ainda que passe por ignorante e incapaz!
Sendo consultado, apresento, sereno, a maneira de ver, tentando firmá-la. Ficarei bem aceito, sem criar inimizades. De outra maneira, olhar-me-ão de soslaio, vendo sempre em mim o adversário terrível
que é preciso eliminar,
Daqui, pois, indisposição, falta de apetite, insónias e nervos!
. Que lucrei eu? Será proveitosa a minha atitude?!
De modo nenhum! A minha experiência aconselha, pois, calma e bom senso, na maneira de actuar, quando em sociedade.
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Manteigas
1970-10-18
“ Sou livre, porque amo o que faça e faço apenas aquilo
Que amo”
Pôde alguém escrever isto e, se o fez com verdade, no que eu convenho, e ra por certo um homem feliz! A liberdade é, com efeito, o dom mais belo que o Senhor nos ofertou, mas ela, tantas vezes, não passa de uma sombra que aparece e logo foge!
É nela e por ela que o homem se realiza, fazendo eleição daquilo que lhe agrada. Mas, afinal, a que distância mora? A grande massa humana vive longe desse termo, imersa como está nas trevas da ignorância.
Escolher livremente, dar a preferência, conhecer a matéria!
Quantos, neste mundo, poderão fazê-lo?! É fraca minoria, na Terra infeliz, onde chora o escravo, algemado nas mãos e castrado no espírito! O atrazo lastimoso, a par da ignorância, o medo traumatizante, após a violência, o despotismo, ombreando sempre com a tirania,! Dura é a vida que se enterra nos antros, em vez de brilhar, nas alturas do céu! Escolher e pronunciar-se, ver e seleccionar, amar e realizar-se!
Como é ditoso aquele que afrma, não mentindo, no que diz!
Preferir seus gostos à ruim opinião! Escolher o que aprecia, amargando aos outros é caminho de rosas,, âncora pronta que insbria o peito e dá refrigério. Não há conselhos que igualem os meus! Os dos outros são bons,, mas eu, por minha parte, nem sempre os quero!
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Manteigas
1970-10-19 Encontro Marcado
Após breve troca de algumas impressões, em que mostrou à evidência não ter capacidade, para certos cargos, fez-se luz, no meu espírito. Através dela, vejo eu agora. Novo-rico e poderoso,
viu-se muito em breve senhor do ambiente.
Exercer altos cargos é algo desconcertante., para quem veio de longe e não tomou chá, no tempo devido Por outro lado, sem a mínima cultura e formação sócia, ignorando a nossa época e as graves consequências de actos praticados, apresenta-se ele como árbitro zeloso e déspota iluminado,
Hoje, porém, surgiu de pronto a luz da liberdade. Nele nem outro poderão sobrepor-se aos factos em marcha.
Habituado há muito a calcar os inferiores ou a ser lisonjeado por vis aduladores, persiste na tarefa, inglória e danosa, de estender além- fronteira, as garras aduncas, na mira de arranharem, segurando a presa.
É o tipo do Marquês, homem bem exíguo, que se crê iluminado. A um tempo enjoativo e harto pedante, conserva a luz, afim de actuar, e pergunta se é visto.
Para ele, há só o exterior a tomar em conta. O que se faz em surdina, longe de testemunhas, e olhares indiferentes, isso na da vale! Protocolos e praxes, vistosos programas, jantares suculentos,
vaidade animada, tais são os carris, em que vai deslizando sua velha carruagem!
O meu barco, porém, singra noutras águas Não concede a ninguém seja ele o diabo, me imponha seu querer!,
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Manteigas
1970-10,20 A Paixão das Crianças
Quando vejo uma criança, o meu ser estremece: :alvoroça-se a alma ! Qual flor delicada espalha seu perfume! Eu sinto-o de longe. Embrenho-me nele e folgo de aspirá-lo!
Inebriado e feliz, permaneço alheado, sem atender seja ao que for. É um sortilégio, encanto e feitiço, e não posso resistir! Detenho-me parado, feliz, pensativo e de olhos risonhos. Eflúvios talvez ou correntes ocultas me prendem e cativam! Inocentes e puros, esses anjos dominam!
Ali, de facto, não existe malícia! Falta ainda, por certo,
o sopro abjecto, emanado a flux, da vil sociedade! Hipocrisia
ou fingimento, deslealdade ou ficção não podem, ao certo, achar-se neas.l
É um mar bonançoso, de superfície clara; um lago azul, em que apetece vogar; um céu risonho, em que brilham as estrelas.
Meigas criancinhas, que trazeis no olhar, para assim me encantardes?! A luz da eternidade e o encanto do Céu? O reflexo de Deus e o sinal do Além?!
Que me dizem os olhos de inocentes criancinhas?
Oh! Que o Céu é maravilhoso!
Que doce refrigério! Quem me dera ser criança, para Deus gostar de mim e levar nos meus olhos o sinal da eternidade!
Eu, na verdade, também já fui criança, objecto de carinhos,
reflectindo no olhar a pureza virginal, mas depois, o meu olhar turvou-se e perdeu o brilho, ficando na amargura, que é saudade e amor,
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Manteigasa
1970-10-21 Encontro não marcado
Petrarca viu Laura, quando ela, de 9 anos, foi alvo fascinante do seu olhar. Era bela, por certo, peregrina formosura, que iria dominar a sua vida inteira. Jamais ia vê-la, mas havia de ajudá-lo,
Inspirando ao poeta, em horas felizes, sonetos primorosos.
Preparado este encontro?
Filho do acaso, se merece tal nome, foi mera coincidência. Ela,
criança ainda, já maravilhava as gentes de Avinhão!
Em alguns, a maioria, decerto, episódio amoroso, sem qualquer projecção! Um momento apenas, em que uma luz fulgurante
Embateu no seu olhar! Apesar de tudo, mera impressão! .
O poeta dos sonetos e seu burilador, melhor diria talvez, criador do soneto, com as linhas modernas, deixou-se marcar por um sinal invisível, selo já divino que Deus lhe apôs, afim de notar-se, engrandecendo as Musas.
Quem foi que vos disse o lugar do sacrifício? Seria acaso, talvez, em que ninguém pensou?! Não posso dizer! Muito menos afirmar! A verdade, porém, é que fala sem peias.
Há encontros de morte, que geram na alma o tédio da vi da.
Outros ainda que não imprimem calor algum ao cenário, onde actuam.
O de Laura formosa tocou-o tão fundo, que jamais a olvidou.
Foi-lhe luz e certeza, amparo e coragem, gozo e saudade.
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Manteigas
1970-10-22 Encontro com Anjos
Por não serem de matéria, impossível enxergá-los!
Eu, porém, já vi um, em tudo semelhante aos que vivem no Céu.
É verdade, sim, que tinha corpo, mas tão delicado, mimoso e subtil, que o tomei por um dos outros. Beijei-o na face, tenrinha e mimosa, tendo logo a impressão de não ser material.
Olhei com demora, analisando contornos, descobrindo pormenores. Não falava ainda, mas sorria já. Agora me lembro do belo pensamento que então me assaltou: linguagem celeste que eles trocam entre si?
Para mim, enternecido que faria tudo, só para vê-lo, não teve um olhar nem pequena atenção! O que então se passava era maravilhoso. Havia, pois, outra esfera, que prendia o seu espírito: o
Mundo puro do Além, onde os Anjos, seus irmãos entoam belos hinos ao Senhor de tudo.
E ele ouvia, com certeza, o murmúrio distante de vozes celestes. Por isso, não olhava e, quieto na mudez, entretinha-se
Gozoso, em colóquios angélicos. Devido a isso não olha e, de vez em qu
ando, sorri meigamente.
Quis eu, depois, beijar-lhe as mãozinhas, mas não as encontrei. Agora, já não posso, que a morte o levou. É mais feliz do que eu, que morro de saudade, ansioso por vê-lo!
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Manteigas
1970-10-23 Tradicionalismo e Progressistas.
Observam-se hoje, no campo religioso, fortes correntes de acção e pensamento: uma, parada, que não arreda pé e se prende ao passado, com unhas e dentes; outra, agitada e assaz fervente, como todos os movimentos e que olha desdenhosa para o passado remoto,
tentando libertar-se, para montar, afinal, uma estrutura diferente.
Ambas são extremistas e, por isso mesmo, dignas de censura. Apesar de tudo, olho com mais carinho os chamados Progressistas, quando moderados. Aquilo que é novo é sempre mais belo. Basta compararmos o Sol-nascente com a despedida, ao entardecer.
Principiar traz a vida consigo e, juntamente, a radiosa promessa. Já o entardecer leva-nos o sonho e, ao mesmo tempo,
a sua beleza
Ideias novas, prenhes de euforia! Veículos risonhos de quanto seduz! Abrir-se à vida e sorrir para ela! Ouvir atento o apelo da História e gritar-lhe “presente!”, eis pois a atitude que é sempre razoável e urge tomar!
Emudecer e alhear-se ou ainda ensurdecer é, desde logo ficar em ponto morto ou suicidar-se! O mundo caminha e tem aspirações. Há
Vários conceitos, já ultrapassados; costumes envelhecidos; tradições bolorentas, Há que olvidá-las, criando outras vias e outros centros de interesse!
Unicamente Deus é sempre antigo e sempre novo!
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Manteigas
1970-10-24 Extremos condenáveis.
Por serem extremos, não merecem adesão, já que eles se tocam, segundo o anexim. Mas, se os hei-de condenar, com certa veemência, venham desde já os conservadores, que não arredam pé e tudo empreendem, para denegrir ideias e factos que
mostram no seio o gérmen do futuro.
Todas as velharias, sediças e bolorentas ou deram o que tinham e já não acham lugar, por serem desnecessárias, inconvenientes e assaz ruinosas, ou geram furor, não podendo nós
deixar de condená-las.
Trastes já velhos, acomodados e sujeitos ainda a maneiras de ver, que foram postergadas e fizeram sua época, d evem ser repelidos e postos no lixo. Quem é que vai olhar para tais empecilhos?! A fazê-lo alguém, só para arredá-los!
Conceitos houve que hoje nos envergonham, lamentando nós que os homens de então os tivessem aprovado! Bem sei, realmente, que os tempos são outros, e bem que assim é, mas não
Deixo agora de lamentar bem alto, com toda a energia, que os homens brutais hajam escravizado os seus irmãos em Cristo?!
Não é essa, afinal, a prova mais clara da sua ruindade e causa fatal do nosso desdém?! Reprovo e rejeito a perseguição,
Que é movida, por vezes, aos profetas do futuro, que se vêem
desprezados e postos à margem não por certo, em nome da caridade.
Os derradeiros, chamados progressistas ver-se-ão obrigados a ser contundentes, utilizando meios que eles próprios condenam.
Para que servem ,hoje, as divisões senhudas, e as mal querenças?!
Que proveito advirá para a causa do Senhor?!
Não está em jogo a causa dos senhores?!
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Manteigas
1970-10-25 “ Est modus in rebus!”
Há medida (limite) para tudo!
Evitar excessos, duma parte e doutra, será o ideal! Por outro llado, seguir o exemplo de cima, que é dialogar. Quando falo assim,
refiro-me ao Papa e a certos cardeais, com visão profética.. Os
factos convincentes devem aceitar-se, pois condicionam a nossa atitude..
Não será o Espírito a revelar-se a nós, chamando-nos à razão ,ela põe-nos à margem e Jesus Cristo fica olvidado.
Quando alguém barafusta, pode exagerar, mas assiste-lhe o
direito de ser escutado, indagando-se as razóes que o levam à revolta. Nesse caso, devemos assentir, pois de outro modo, veremos sem fruto o nosso papel.: será contestado.
Impõe-se desde logo a boa vontade, a compreensão, a humanidade., aliada ao bom senso e à caridade. Esta deve partir de ambos os lados, principalmente dos que são depositários( ou se
dizem tais) ) da tradição cristã
Se é certo que, por meio de vinagre, não se apanham moscas, apliquemos a nós a doutrina dos séculos, procurando sempre o justo equilíbrio.
As novas ideias vêm, como é sabido. pletóricas de vida e criam seus mártires. Sejam humanos e condescendentes os
tradicionalistas e verão a tempestade acalmar-se em breve. Ao menos, vai perder muito da sua violência. Deste jeito, limar-se-ão, com certeza possíveis arestas, ficando em preparação o mundo de amanhã. Na confusão e na luta, nem progresso nem paz! As novas ideias triunfam sempre.
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Mantigas
1970-10-26
O Verão prolongado está prosseguindo, com viva angústia para o lavrador. Quem não conhece os problemas do campo, não faz ideia mínima de quanto ele sofre! Faltando a humidade, que pode esperar-se?! É meio imprescindível, através do qual entram na planta os sais minerais.
Ora, é verdade incontrastável que somente penetram, existindo humidade, para a dissolução. Claro fica já que, à margem dela, nada temos a espera ou melhor ainda, aguarda-nos a fome,
Juntamente com a angústia. Evidentemente, os efeitos da seca estendem-se
a todos, pois ninguém dispensa a boa alimentação!
O camponês, porém, agarrado à terra, que lhe serve de berço,
não tendo outro meio de vida senão a agricultura, depende das leiras e sua produção.. Daí provém seu grande alvoroço, em anos de seca.
Quando Deus quer, nem para as rendas! Como adquirir o essencial à vida: pão, vestuário, habitação?! Aonde vai mendigar para azeite e batata?! Quem lhe valerá, para nutrir os filhos, ainda pequenos)!
Oh! Como eu tremo e sofro, por tais infelizes, avaliando a sua dor e funda prostração! Não vim eu do campo?! Não sinto, por ventura, aqui, nas minhas veias, escaldante e viva essa inquietação? Quantas vezes eu li, no rosto de meu pai, essa dor amarga que tentava esconder, Mas ele não podia, que a gente adivinha! Este selo oculto ficou bem marcado no meu peito de homem!
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Manteigas
1970-10-27
Abeira-se Novembro. É um tempo já frio, em que os arrepios, frequentes e fundos, correm de lés a lés os corpos e as almas. Tudo nele é tristonho: a natureza sem galas; a atmosfera sem gorjeios; as pessoas receosas, amortalhadas em preto. Pesada e opressiva a moldura do quadro!
Os nossos olhos amortecem também, a alegria esmorece, as cores atenuam-se, a vida retrai-se.
Que vai então pelo mundo, para tal desconsolo? Apetece fugir, gemer e chorar, não se abra o túmulo que há-de ser-nos morada!
Se deixamos agora o campo da matéria e passamos, em breve, à esfera do espírito, notamos, desde logo, que há também melancolia. Mês das almas, fonte de saudade, que o próprio tempo, sublime gastador, não logra apagar! Entes queridos partiram
Há muito, deixando na amargura quem tanto lhes queria!
A lembrança deles é agora mais viva e a saudade muito mais intensa! Hemos de pensar naquilo que fomos e, tristemente embora, no que já não somos!
Sorrisos tão belos, quem vos ceifou?! Carinhos tão doces, quem mos roubou?! Presenças tão queridas quem mas levou?!
Tudo se foi e nada voltou! E eu fiquei só! Ninguém me consolou!
Não foi assim outrora, que me estou a lembrar! Havai alguém que eu amava e era tudo para mim1
Hoje, porém, vivo da saudade e na amarga desilusão, mas Deus é bondoso e a todos, por certo, há-de consolar!
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Manteigas
1970-10-28
O fim do mês aproxima-se já, trazendo, com ele, as notas dos alunos. É, pois lufa-lufa o que agora vai correndo, sem tempo de sobejo. Os minutos sucedem-se, na voragem persistente
da vida que se esvai. O corpo é vê-lo a recalcitrar, alegando fadiga e dando razões. No entanto, urgindo a tarefa, não lhe damos ouvidos, prosseguindo corajosos, pela via espinhosa.
Agora já, as Provas de Inglês; em seguida, Português e, logo,
Francês. É interminável o grande aglomerado! Por mai s testes que reveja, não há maneira de ver-lhes o fim! Faltam ainda os de Ciências Naturais! É aquele 2º ano, com 34 alunos!
São já passados bons14 anos, que exerço o magistério, nesta vila de Manteigas. Nunca tive ainda um curso tão grande! É um não acabar As costas repontam, arqueadas e oprimidas, no infindo labutar, duro e persistente! Ninguém avalia o grau de paciência, que tais coisas requerem!
Casos há, porém, que não são desagradáveis! É quando, na verdade, se verifica esforço e lucro real. Bons resultados alegram a todos, enchendo a alma de júbilo sem par! Dá então gosto fixar nstantemente as respostas elaboradas, marcando belos números os que fazem exaltar aprendizes e mestres!
A dor atenua-se e passa de largo, pois é bem certo que faz tudo esquecer!
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Manteigas
1970-10-29
Olhei para a montanha que era uso sorrir, mas logo pela manhã se mostrou carrancuda. Fiquei desiludido e, sem mais razões, invadiu-me a tristeza! Fixei várias vezes a íngreme vertente, sem me lembrar d e que viera mais cedo. Ideias tristes deveras acabrunham e revolvem meu ser, agitando o peito.
Era um regalo, bem se deixa ver, descansar os meus olhos, no sorriso da manhã. Neste vale sombrio, em que tremo e desespero, é loucura ver o Sol acenar-me da Fraga! O Verão já lá vai, mas este ano, por Deus, prossegue na tarefa de sorrir aos mortais
Importava-se alguém que o facto aborrecesse?! É natural, julgo eu, que os do campo se lamentem e chorem também. Cada um vive e sente, de maneira diversa.”Ex abundantia cordis os loquitur”
O provérbio latino, sempre velho e sempre novo, não perdeu o vigor! O que alegra o peito é que vem a nossos lábios.
Que poderei deseja, no Covão que me aterra?! Lugar sombrio e com humidade, desperta em mim paixão por tudo o que é luzente.
Quando a luz radiante começa já de aquecer-me, sinto dentro de mim dealbar novo dia. É, na verdade, como alegre despertar, em que as sombras da noite ficam breve dissipadas!
Visões ruins, assaz importunas, pesadelos e angústias, tudo quanto a noite locubrou de sombrio é logo afastado para o reino do silêncio.
Como não sentir, no peito regalado, ânsia ardente e inquietante deste sol maravilhoso, que me deslumbra e renova?!
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Manteigas
1970-10-30 Às 7 e 30 desta manhã, rumei ao Hospital, com fim determinado. Após a Eucaristia, prestei ali os serviços necessários, conforme o uso. Embora matinal,
a minha função tem seu encanto! Para isso contribui a brandura do
clima, que se apresenta esplêndido: manhãs sedutoras; com
auroras ridentes, que deliciam!
Em tardes primaveris e, às vezes, no Verão, não é mais
agradável nem traz mais encanto.
Entretanto, a rigor, o que mais me prendeu, na manhã outonal,
foi o vivo chilreio de simpáticas aves. De veras surpreendido, escutei-as ali, não sei por quanto tempo!
Eram cantos saudosos, hinos de louvor? Até me envergonho, quando penso em tal! Pois não sucede esquecer-me, às vezes, de louvar o Criador?! Quantas vezes nem penso que Ele é o Senhor!
As avezinhas, porém, não olvidam nem calam e, ao romper da manhã, erguem pronto seus hinos de louvor!
Quem as ouvir, nessa hora matinal, postadas aí, no cimo dos telhados ou no topo das árvores, notará por certo que o Nascente as cativa! ! Olham sempre o Levante que as atrai e prende, sem haver nenhuma força que as arranque dali!
Clara luz se difunde que atrai os olhos delas, rompendo em bem haja, que o seu canto ergue ao Céu. A gratidão não se esconde! Não se oculta a alegria! É louvar e pedir ao Senhor da Criação.
Quedei-me, pois, absorto, meditando na cena e cá dentro do peito, louvei também o Senhor meu Deus.
Este canto, porém, embora consciente, não tinha a candura nem a vibração do que há pouco ouvira! Espontâneo e fluente era o outro, por certo! O meu, pobrezinho, afastava-se tanto, que me enchi de vergonha, por ficar superado.
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Manteigas
1970-10-31
Decorria animada a aula de Francês. O 5º ano ia tomando notas, seguindo com interesse a minha explicação. O Mendes, à frente e a Odete lá atrás, esmeravam-se em extremo, como todos os outros em prestar atenção, aproveitando o ensejo.
Correm velozes aulas semelhantes: não chegamos decerto a aperceber-nos de que o tempo se esvai. Quando a sineta vem convidar-nos, ficamos então algo surpreendidos, embora seja grato arejar um pouco. A meio da aula, um feixe luminoso, se projecta breve, através da janela,
Eram 9 e 5. Espreito a custo e vejo logo o astro amigo a surgir glorioso, por trás da montanha. Parecia ledo e até brincalhão. tudo inundando e sorrindo a todos Vinha dar-me os bons dias, que eu retribuí, carinhoso e grato. Intento fixá-lo, mas fico deslumbrado!
Que tela maravilhosa, em que o ouro e o brilho faziam realce!
Quem me dera, Senhor, ver sempre este foco e poder contemplá-lo, em toda a majestade! Infelizmente, porém, são raros tais dias e, quando o Sol aparece, não posso fixá-lo!
Senti-me outro homem! A sua luz de magia coou-se no meu peito, operando milagres! Ideias ruins, vilezas da vida, ignóbeis pensamentos, pronto me deixaram!! Viva alegria brilhou nos meus olhos, agradecendo ao Senhor, por haver-me oferecido tão belo espectáculo!
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Manteigas
1970-11-o1 Festa anual de Todos os Santos.
Como é grandiosa esta efeméride! Multidões infindas que já gozam no Céu, por todo o sempre, são por nós aclamadas,
com grande efusão, É uma festa querida, pois todos os eleitos são da nossa família. Correu-lhes nas veias sangue como o nosso; tiveram, por certo, os mesmos problemas; partilharam também nas
mesmas dores; custaram todos o sangue do Cordeiro.
Por isso, ao crê-los felizes, no seio de Deus, irrompemos logo em hinos de louvor! Que paz e ventura o coração e o peito não sentem hoje! Haverá, no mundo ou no pr ainda no Céu, festejo como este?!
Óprio o```?????????????????
Conhecerão os homens alguma ocorrência, imponente e faustosa, comparável a esta?! Onde pode reunir-se tamanho ajuntamento?! Que lugar receberia multidões sem fim?! Quem iria descrever júbilo tamanho?! Imagino e figuro a alegria e regozijo que vai lá no Céu!
Mas, cá na Terra, sentimos igualmente o coração exultar, por
ser festa de família, a grande e imensa família humana!
É verdade, sim, que uma nuvem pesada ensombra o nosso rosto,
pois o mundo nos desvia, as paixões falam alto e o diabo desencaminha! Impõe-se, em cada hora uma luta constante, rigorosa e tenaz. Porque assim acontece, imploramos vivamente aos nossos irmãos que povoam o Céu, defendam nossa causa, junto do Senhor, para não sermos vencidos, no combate ao mal.
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1970-11-o2
Manteigas. Fiefs Defuntos.
Evocamos hoje, de modo especial, as almas dos mortos e, ao fazê-lo, erguemos orações ao Senhor da vida, para que em breve as tome para Si. Algo mais podíamos nós desejar para elas?!
A presença de Deus é fonte de bem e causa de ventura.
Como avaliar a imensa grandeza e o júbilo sem par dos que estão albergados, no seio de Deus?! É por isso, reamente que sufragamos
Todos aquelas almas, rezando e sofrendo, em seu benefício.
Hoje, foram três Missa:, a eles destinadas: uma delas, por minha; intenção; outra ainda, pelas almas benditas do Purgatório;
Uma Terceira, pelas intençõoes do Sumo Pontífice
Quem vai subtrair-se a esta caridade?!
Quanto maior for a dignidade mais devemos respeitá-la.; quanto maior a vivência mais inunda o peito, Ora, neste dia, a maneira d e ajudar os mortos queridos é por boas obras, orações e sacrifícios.
Sensação indescritível vão ter hoje, decerto, aqueles que amam, beneficiando, com seus actos piedosos aqueles que sofrem
No Purgatório. A ce rteza absoluta de contribuir assim para a ventura de alguém, é motive seguro de enorme prazer!
A cor dos paramentos é preta ou roxa, para assim denotar que é o dia da saudade e a hora de intercâmbio. O culto dos mortos e a crença no Além é, sem qualquer dúvida, uma âncora segura, que Deus nos oferece.
Sem isto, afinal, viria o desespero.
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Manteigas
1970-11-03
Em sala arejada, aqui no Externato, aguardo ansioso as 9 e 3o, para dar Português ao 5º ano. Aquecimento não há, que o tempo vai bom, pelo que aproveito, escrevendo estas notas, a formar Diário. A salinha ‘e airosa, de seu natural. Luz e calor penetram a rodos, Não fora o desconforto em que jaz mergulhada!.
Seria, na verdade, uma estância ideal!
Mesa avantajada é claro que não falta! Uma jarra de flores,,erguida ao centro, empresta-lhe logo certo ar de leveza.
Artificiais embora, o branco e o vermelho acariciam os olhos, em níveo fundo. Além disto, o que ali se vê bem pouco é Modestas cadeiras,e vasos dom flores que se estorcem na areia, relegadas para um canto.
Lá bem ao alto no topo do rectângulo avulta um crucifixo,, donde pende o Senhor .Está muito acima, ocasionando tal facto, passar despercebido.
Ali em frente, desenrola-se a estrada, por onde circulam après ados veículos, Vão para a fábrica, lugar de trabalho – a fonte geradora de pão e alegria. Se não fosse ela, que seria do povo?!
Encravado e calcado, nestes montes agrestes; arrumado a um canto, que a própria natureza amaldiçoou, veria passar o tempo, sem pão nem ventura.
Assim, vai lutando, com aparência de algum conforto, julgando erradamente que melhor não há´do que a terra natal!
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Manteigas
1970-11-04
O tempo seco vai prosseguindo, sem visos de acabar!
Não que o deseje, pelo que me toca, mas o agricultor, cuja alma se angustia,, com essa perspective!
De facto, enxutas as terras, não pensemos em relvas, para o gado pastar! É uma aflição! Escasseia,a valer, por toda a parte,o element imprescindível – a prestável água! Basta dizer que 77%do nosso organism é feito de água! Não é brincadeira! Quem tal pensaria?!
Pois que dizer, emordem âs plantas e aos próprios animais?! A rigor, não sabemos explicar a razão de tal facto! Mas que vai nisso?! Ele há tanta coisa que se esconde a nossos olhos! ”
Quem explicaria a união substancial, entre a alma e o corpo?! Que ela existe é um facto inegável. E compreendê-la?! Parece até haver contradição! Para mal dos pecados,, até em Manteigas sentimos escassez da linfa desejada! Parece um absurdo, mas é
realidade!
Entre tanto, devo esclarecer; água não falta, nestev vale glaciar! Fosse ela explorada, conversaríamos! A fonte Paulo Luís Martins é um caudal inextinguível! Quando servirá ela os grandes intaresses dos Manteiguenses?! O plano concebido talvez não demorea ser aprovado. Então, sim, que nem mesmo o Verão exaurirá tal nascente!
Nem os gados nem as gentes sentirão a dura sede!
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Manteigas
1970-11-05
A Igreja impõe duras leis, concernentes ao divórcio, controlo de nascimentos e celibato eclesiástico. Quanto a este, de que vou ocupar-me, as coisas mudaram, embora muito haja, para fazer ainda. Era um beco sem qualquer saída. Praticamente, não havia solução.Como era lastimosa e incompreensível tão grande severidade!
Muitas almas hão-de ter-se afastado ou caído no desânimo, por julgarem impossível o cumprimento da lei.. Manter a lei severa, sabendo ao certo que muitos deles a não cumpriam, era lastimável! A transgressão duma lei que é posta em causa, gerando revolta, não sendo amada nem tida por justa, é sinal bem claro da sua inutilidade.
Conservar-lhe o nome e lutar pela aparência, é o mesmo que repelir a gema do ovo, contentando-se da casca! A acção da Igreja há-de influir na vida humana, integrando-se nela.
Ficar, porém, à margem, consistindo em aparências é o mesmo que nada! Brademos, pois, forte emdesfavor da intransigência e verberemos já, sistemas inaceitáveis . em dados casos a que há-de atender-se!As leis humanas devem ser compreensivas, justas e úteis.
Nãosera este o espírito genuino do próprio Evangelho?! Que interressa, na verdade, o exterior e as mesmas aparências?! Foi Isto, realmente, o que Deus ensinou?! De que vale até a própria autoridade, quando já não corresponde ao verdadeiro ideal?!
Quaj foi, na verdade, o mandato de Cristo?! Deixou Ele algum caso sem solução?! Despediu alguém com a alma retalhada?! Ainda bem que a Igreja vai olhando já para certos casos,, por maneira diferente!
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Manteigas
1970-11-06 Uma Carta
Aguardar ansiosamente. Rspreitar ami´de, volver olhos inquietos para o longo caminho é coiisa banal, por demais conhecida!
No entanto, é necessário fazer distnção entre dus missivas: uma, benvinda; outra, inddesejada. Aquela, a princ+ipio, vem lentamente, dando a impressão de que chega
atrasada; esta, ao invés, surge impetuosa e aparece justamente, quando menos se espera!
Que situação de contraste! Uma dá vida; outra, vem tirá-la! A primeira delas traz o Céu a envolvê-la a segunda, ao contrário,
tem cariz infernal!. Q uisera eu somente cartas desejadas e nunca receber missivas inquietantes! É que estas, na verdade, como sol abrasador, em estio prolongado, qieimam e prostram, num abrir e fechar de olhos! Qual seta ervada, que toque levemente.
Embora de raspão, deixa a morte, apóa ela. A sua passage fica bem marcada, ningu+em conseguindo apagar-lhe os vestígios.
Qual tufão violent, arrasta na fúria quanto aparece!. Não atende nenhum rogo, não se dexa verger a pedidos veemengtes
Nem escuta lamentos! Traz em seu seio o veneno letal que há-de prostrar!
Que importam lamentos?! De que valem gemidos?! Aproveitam queixumes?! A braços com a sorte, sem eira nem beira, sem lar nem amigos.qual irá ser o desfecho lastimoso de
missivas cruéis. destinadas a alguém?!
A morte ou a vida! Outra coisa não há! O certo, porém, é que havemos de apiedar-nos de quem a má sorte elegeu para ferir!
O génio do mal recrudesce, por vezes, no seio dos mortais. I
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Manteigas
1970-11-07
Assustou-me aquela barra. Habituado há muito às tintas da manhã, não posso conter-me, sem um ai doloroso!
Aquilo era horrível, em manhã de Novembro. A longuei os olhos tristes , pelo curto horizonte, inquiridor e alarmado.
É Outono, bem sei, e vai correndo já o undécimo mês
A pesar de tudo, muito acarinhados pelo tempo seco, agradável e soalheiro, não fazemos bom rosto à sua mudança, embora
Veículo de inúmeros dons e benefícios!
Que manhã outonal, cheia de sorriso e doces promessas!
Aosubir a Estrada nova que liga o presbitério ao velho Hospital
Era sempre deleitoso repousar os meus olhos no levanter afogueado. A linha do horizonte, já muito para elém de S.Gabriel, tinha algo de feitiço que bastante suavizava as agruras desta vida.
Qual aroma subtil, infiltrava-se no peito, que deixava impregnado de suave per fume e calma edénica , vindo logo adormentar as almas suspirosas. Que recorte excelente, delicado e róseo , feito de veludo, com r ico matiz! Aquilo, sim!
Vajia bem a pena levanter-me da cama um pouco mais cedo, estando embora num vala sombrio!
Ag ra, porém, como é tiste e sensabor! Manhã negra e carregada se adensa,, no Oriente,,que enche, a curto prazo, os olhos de lágrimas! Qual rosto prazenteiro, que se volve, num momento, em grave e carrancudo!,
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Manteigas
1970-11-o8 Dia de Funeral
Já na casa dos 9o, faleceu, no Sameiro , o padre Adelino Rocha que, há dois ou três anos deixara os encargos, assumidos antes. Vida linga, acidentada, em que serviu a Igreja,
66 anos!
Parece até um sonho, mas não é afinal! Pura realidade e nada mais que isso, porque tudo é contingente! A penas Deus e Senhor contitui excepção. O que tem princípio vai sempre acabar, necessariamente! Apesar de tudo, causa emoção, tratando-se embora dee-se embora de pessoas idosas..
Habituamo-nos a vê-las, conversando com elas e trocando impresses. Fazem parte essencial desse mundo querido que,
A pouco e pouco, se vai desconjuntando. Par a dizer-nos claro que não virá muito longe a hora final
Fiquei, pois, emocionado e não consigo afrouxar a tristeza que me invade.
Perante o mistério da morte cruel, fico perplex: apenas a fé me pode sustentar! Que abismo intransponível, silencioso e medonho! Cessam contactos,! Findam recados,!Tudo acabou!
Fica apenas o silêncio. A tristeza imensa… a grande solidão! Como é pavoro este facto horrível, se a f´cristã não vem socorrer-nos!
Morreo o padre Adelino!
Passados 8 dias, já ninguém o lembrará! Até os seus amigos o vão desquecer e, o que mais é, os próprios familiars! Hão-de olvidá-lo!
Que ficou então de vida tão lofnga?! Nem um simples eco, pR este mundo?!
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Manteigas
1970-11-09
Caiu já ontem a primeira chuvada, após um Verão que parecia infindo! O efeito é patente: cessaram as queixas, alegrou-se o lavrador,despertou a Natureza,ententeceram as moscas. Há dois dias apena, faziam-me pedaços a cabeça aturdida.
Neste quarto velho do antigo presbitério, elas fazem propelias que nem é dado lembrar!
Aproveitando agora o belo sol da tarde, que entra subtilmente , pela janela,encontram seu deleite, adejando na estância, Malabarismos sem conto, experiências difíceis. Voos lentos ou rápidos, tudo elas ens aiam, num ambiente agradável, que lhes cai a matar!.
Pene a mim ou deixe de penar, isso não conta!
Prorrompo em suspiros, esconjuoo-as, às vezes, sacudo os braços, com forte energia, mas tudo em vão! Elas dançam e piruetam, arrancam velozes, para lancer-se inebr iadas , em voos plsnsdos. E eu fito-as nervoso, não obstante a “irmã mosca” do poverello de Assiz!
Escorraço-as de mim, praguejo e insurjo-me, mas elas continuam, alheadas e felizes.
Que lhes importa a elas a minha vida privada?! Vão e vêm amiúde,
Redopiam, se é preciso, levam e pousam,, vezes sem conto!
Que lição magistral de grande persistência me dão tais insectos! Por outro lado, ensinam claramente a logo desprezar ideias tristonhase a viver dsta vida, somente como a quero e bem a desejo!2
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Manteigas
1970-11-10
For a susto apenas. Aquela barra negra que toldava o horizont, lá para as bandas do Sol nascente, dissipou-se, a breve trecho.
Mercê deste facto, já contemplo, embevecido, um lindo panorama
A frescura habitual e o r óseo matiz chamaram, desde logo, a minha atenção .Quedei-me enfeitiçado, que não era para menos, sem haver maneira de seguir meu caminho! A linha sinuosa do extensor do extensor horizonte era alva de neve,, parecendo imaculada! Quuanto há de secreto, no virar da Natureza, em mistério e promessas. E vá um pobre homem retirar-se dali, atirando-se de chofre para o vazio da luta!
Quando, portanto, se apresenta assim a linha do horizonte se encontra assim, a nossa alma canta rejubila e sorri. São manhãs de enlevo.
Abuda no peito alegria sem par!,
No entanto, a vida agarrou-me pelos braços e puxou inclemente, a grandes solavancos! A pesar meu e a grande revolta, lá tive eu de abandoner a poesia da existência!. O doce balsam que tanto inebria!. A eternal aliança.o eterno mistério do Quichote e Sacho Pança! No mesmo indivíduo, o mais e o menos, o espírito e a material,o nobre e o prosaic,!
Vá.se a gente libertar co contraste repugnante, no mundo agitado, em que todos vivemos!
Quando a morte vier, então falaremos!,
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1970-11-11
Manteigas S. Martinho!
Com ele, o bom tempo e a alegria dos magustos! Ninguém há no mundo que não louve agora o bom do S. Martinho! Quantas lembranças não traz à memória, marcad as, a fundo pelo cunho da saudade! Presenças desfeitas, grupos bem amigos que logo se abriam em camaradagem!
Este ano, porém, aguardava- se mau tempo! Não foi longo o Verão e cheio de apreensões=?! Mas ele continua, persistentgta e vivaz, sem jeito de findar!
“Este ano o S Martinho não vai ter vez”, dizia-se. por aí,à boca cheia, aludindo, já se vê, à seca prolongada e fazendo presságos, acerca da fome! A verdade, porém,é que o homem põe e Deus é que dispõe.
Cá temos, pois, um dia maravihoso, como poucos esperavam.
À s 9 e 30, assomou brilhante, no alto da Serra o astro amigo, para trazer
Conforto, paz e bem-estar!
Como eu te bendigo, aprecio e louvo,, astro bondoso, que és luz e
Calor bem como a alegria deste imenso Covão. Vem sempre e não temas,
Jamais te repilo dos meus olhos ansiosos.Suspir o por ti: vem perenid ade, vent ura e paz!
Ao bom do nosso Santo vou também agradecer. O milagre do bom tempo que se operou outrora, continue a bafejar-nos, pelo seu valimento.
Já que a vidaé tão pesada, ao menos venha luz, a acompanhar o calor
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Manteigas
1p70-11-12
Lav ra em meu peito saudade infinita daquilo que não fui!
Do homem que não sou. da vida que não vivi! For a eu, de facto, a dizer à minha alma o caminho verdadeiro! Seguiria outro rumo, bem diferente do meu! Quem me dera olhar, de cabeça levantada, encarando bem a vida que decerto amasse.
Inffelizmente, porém,só colhi do pomar fruta verde e sem gusto, que não nem cativa! Algu’em ditou, no princípio, que eu não era, afinal,um ser livre e dotado, capaz e traçar o meu pr+oprio caminho! O que viria, em seguida, vejo agora bem claro: ser mesquinho lutando, para
.cair vencido.
Prometeu agrilhoado que não pode fugir! Para mais,, o abutre, noite e dia, r oendo sempre a minha carne em chaga! Aih!, montanhas do Cáucaso, donde o céu fica perto! O meu céu é tão distante, que não lhe enxergo a entrada!
Faz-me pen aver os outros bem senhores de si, poise u vivo, mas não sinto que a vida me pretence! Deus me valha e acuda, pois é bom e amoroso, que eu não posso calar-me, quando os outros abusam!
Que Ele me dª paciência, hoje e sempre a seguir: eu preciso tanto d’Ele,que O não posso esquecer!
Vem, Senhor, compensar-me do que os homens fizeram! Eu não creio serem bons, e Tu, mau e tirano!
Ó meiga saudade, vem já, sem demora, alegr ar-me o coração, pois sem ti é luta vã a que agora me entrego Trabalhemos juntnhos, até ao pôr do Sol: só depois, virá do Céu o prémio almejado
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Manteigas
1970-11-13 Debandou a Ninhada.
Feliz casal! Extremamente prolífero criara 8 filhos que mourejavam duro. para ganhar o pão. Dispersos pelo mundo, escreviam aos pais, falando com amor, do remanso carinhoso que a vida lhes roubara. O lar t~so amigo e sempre inesquecivel, as provas inequívocas de
Amor devotado eram fortes razões, para logo chorar e comoverem.
A dureza da vida, com agudos espinhos,só faziam avivar e nunca esmorecer a ternura desse tempo.Terras da África e seus ardores, Europa vizinhs e seus primores, jamais eclipsavam a luz diamantina, que se estava coando, através do tempo
Avoragem da vida, caprichos incontidos, ambição desenfreada, e planos de sonho mal podiam interpor-se, que o amor não deixava!.
E o velho lar, defumado e carcomido, permanecia deserto,, emudecido e triste.. Há quano já, esse facto ocorria!Móveis de cor baça,, muros a gretar,, recordações, por toda a parte!
Fotografias, harto acarinhadas, eram vozes eloquentes da mansão desabitada,! Ao canto do lar, pensativos e quedos, o pai adoentado e a mãe carinhosa !
Rir ou falar já não era com eles! Se vêm cartas ou chega algum deles,entra o sol risonho na frieza do lar!
Passado isso, a imobilidade e a própria mudez campeiam senhoras, na casa abandonada!
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Manteigas
1970-11-14 Lua de mel, aos 60 anos!
Encontrei-o ontem, à boca da noite, ali em baixo. À hora de jantar, aparece risonho, procurando ser amável. Era o velho Elíseo, pai de muitos filhos, já bem lançados. Trabalhara à sobreposse, mas de momento, com seu ar avelhentado, não pelos anos, exulta de alegria.
Se não fora a doença que teima em prostrá-lo, seria agora por certo uma fase dourada.. Há outro espinho - a saudade imensa que o aflige e tortura.
Disse ele, com graça:” Lua de mel nunca tive e minha mulher também não! Era preciso lutar, que a vida o exigia!
Vieram depois os filhos, um ranchinho mimoso, o que fez aumentar o esforço da luta! Recrudescendo esta, escasseou-nos o tempo que era intransigente. Agora, consolo-me, de ver bem os meus fiilhos!”
Falava com entono e sentia na alma a doçura inefável de um sonho realizado. Se não for a a saudade… mas, enfim, já trabalham! Já ganham, realmente, o pão de cada dia, Vem agora o descanso e, com ele, o passado.
Recordar é viver, e viver, realizar-se! Após o trabalho, é suave o descanso, por alguém merecido.
Ei-los, pois, já cansados, a procurar um abrigo que os iluda e conforte! Vão de longada, para o Rio de Janeiro, passar 8 meses. Levam com eles a saudade graciosa e o passado remoto que se apagou para sempre
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Manteigas
1970-11-15
É quase meio dia. Entretanto, não vejo com nitidez! Como explicr este facto molesto, que assaz me angústia? Quando o Sol está alto, irradiando mais luz, é que eu me vejo assim constrangido, qual fera em caverna! Que disparate da própria Natureza tirar a mágica luz, encanto dos meus olhos, feitiço do Universo!
Que dizer, afinal, do contra-senso palpáve, em que o obstáculo se avoluma dia a dia?! E não se julgue, erradamente que o martírio é efémero, aguardando-se em breve, a luz de cristal!
É um Inverno prolongado, que entra na Primavera e não poupa o Verão!. Espero um dia e mais outro dia, mas a minha confiança atenua-se bastante e, com ela juntamente se abar«te a esperança! Sem esta alavanca, pode o homem viver?!
Mas se a noite de breu é figura da morte, que viver é este o meu, já sem luz, ao meio dia?! Será então prenúncio de uma vida escura e já sem alento?! Que zona á esta do mundo, em que eu mal vejo, embora seja dia?!
Montanhas informes horren da e agressivas, afastai-vos um
Pouco, afim de ver um sorriso, enviado pelo Sol! Por que é que não ides para longe de mim?! Não vedes, claramente, como sois indesejadas ?! Ou tendes, acaso, prazer infernal em me torturar?!
Cobertura funérea, que nublas o céu, ocultando-me o que amo, por que não desapareces?!
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Manteigas
1970-11-16 Nove menos 15.
Com luz deficiente, escrevo o meu Diário, seja embora dia fosco e algo carregado, Que me presta a mim ansiar por claridade, em noite deveras longa e negra como breu?!A diferença, em ordem ao dia, tenho-a por exígua, imponderável até! Não há-de ser angustiante passar continuamente, de uma noite para outra?!
Houvesse luz na alma, que a luz exterior em nada pesaria. Mas, quando é noite no peito que se despenha, há motivo sério para cuidados e profunda reflexão.
Ensimesmado e assaz inditoso, vai o coração pelo mundo fora, em busca de conforto. Mas que vê ele. ao perto e ao longe?
Nem carinho nem abrigo! É noite… sempre noite! Desanimado e assim oprimido, segue, bem a custo, sua longa caminhada,na mira ansiosa de avistar o horizonte, que lhe oculta a realidade
Falha tudo, meu Deus! Destroçado já o querido lar por´
vendaval furioso que me resta agora, após o naufrágio? Foi naufrágio, não duvido! Outra coisa não é, andar sempre à mercê de caprichos estranhos,que não amei, de verdade! Como garras se cravaram na minha alma docil que seguia desamada, muito simples e crente. Crente em Deus é ela ainda, mas nos homens é que não, pois aferem a Deus por seus vícios e paixões.
Não os amo, que não posso, mas a Deus quero bem. Para
amá-los a eles, é mister uma graça que venha lá do Céu. Manda, Senhor, esse dom e um sol já radioso, que eu tremo de frio e não vejo o caminho!
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Manteigas
1970-11-17 Pedagogia em Portugal
O parto, em geral é, de sua natureza, uma coisa difícill. Princípio de uma vida, forte oposição a sistemas lançados orientação diversa,, nova correntes … tudo isso e muito mais, representa morte,acabamento… fim!
É o caso da semente, que lançamos à terra. Vinga a nova planta, à custa da semente, que se desentranhou breve em outra vida. O povos atrasados, que não seguem a par doutros evoluídos, no concerto das nações, marcandona sua presence um grau de evolução que logo os impunha, de modo nenhum eles podem ombrear, pois que estacionam em ponto morto.
O caso foi hoje,, no 4º ano de Francês. Tentei levá-los de
Início, por meios suasórios , ao jeito de quem respeita a liberdade alheia. Pois nada lucrei, chegando à conclusão de que
esbanjei, na verdade, o precioso tempo.
Considerados os factos, nova decisão avia de tomar: outro meio diferente, quero dizer, regress à tradição.
Declaro sincero que me repugna o processo, mas que fazer?! Cruzar os braços, nada tentando?! Permitir, sem miss, que a nossa juventude seja preparada,, de forma negativa, para um future, não aceitável?! Impõe-se, na verdade, alguma solução, com urgência marcada.
Ser extremista não acho bem, que não lido com máquinas, no entanto há que ser enérgico, doseando a violência com a moderação.
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Manteigas
1970-11-18
Falta apenas um mês, para logo se cumprirem 18 longos anos! Distância enorme no tempo da vida, um abismo profundo a separar-me, violeno, do meuquerido pai!
Parece quase infinda esta amarga ausência que nada nem ninguém jammais aliviou! Nem um sinal nem um recado,jamais uma notícia! Que mistério inefável este da morte, perante o qual nos curvamos, aflitos,chorando prostrados, na impotência do nada!
Como pôde ocorrer este facto cruel, para logo verger o coração de um filho, que se parte de dor! Roubaram, há muito, o paizinho adorado,, sem nada me deixarem, preenchendo o lugar!Como eu senti, penosa e amarga,sua falta lastimosa! É que eu, infeliz, perdi, naverdade, o amigo certo, o ser que sempre ameie sabia perdoar, sem hipocrisia!
E que éque me ficou, em lugar do seu amor?!
Aridez e solidão, eis o que se depara, neste mundo vil, em que ando contristado!
Poderei tornar a vê-lo, escutar a sua voz e banhar-me de novo na luz meridian de seus olhos castanhos?!Que delícia inefável! Que prazer, sem igual o sorriso de meu pai
Não vi, que me lembre, olhos meigos assim!
Que outro homem encontrei, neste mundo venal, a falar-me de amor, por linguagem tão bella!
Partiu e não voltou: eu fiquei só, envolto no meu nada! Espero, a toda a hora,encontrar-me com ele. para matar a saudade
Razão da mimha vida, apoio do meu viver, deleite que senti e a morte me roubou!
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Manteigas
1970-11-19
Daqui a três meses completa-se outro giro na roda fatal. Girando sem descanso, levou a efeito 52 voltas, não tardando muito que perfaça mais uma. Que figuram, realmente, 52 Primaveras?! Preferiria, na verdade, chamar-lhes Outonos, por melhor se casarem com a melancholia que infundem no meu ser.
Afinal, era ontem criança e, sem me aperceberr, já nao sei como foi! Sei apenas, de facto, que mudei profundamente.
O exterior acusa isso mesmo; o interior, também.Como nas rochas, o tempo foi agindo. e, ao cabo de alguns anos, parecia diferente.
Olhei-me com tristeza, observando o desgaste: se intento identificar-me, só a custo lá chego.
Quanto ao cabelo, já muito caíra e algm que ficou, não tem a mesma cor.Ouvidos e olhos? Não sei também se a voragem do tempo ali não fez estragos! Pois braços e pernas, outrora tão ágeis, só esforçando-me consigo o meu alvo!
Coração e pulmões, intestine e fígado? Tudo isso arruinado e assim o estômago.
Sou, na verdade, aquele que era eu?! Que mudança foi esta que me fz duvidar, ignorando, afinal se eu sou dois ou então um só?!
E se lanço o olhar, pela face interior é então que eu pasmo e descreio de mim! Poder dizer o que vejo, sinto e penso?!
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Manteigas
1970-11-20 Alimento Racional
Para que o seja, deve contar: glúcidos ( hidratos de carbono), como açúcares e farinácios; lípidos (gorduras e a zeite); proteínas; catalíticos e vitaminas.
Os chamados glúcidos têm por fim proporcionar ao nosso organismo a energia necessária; os curiosos lípidos, dar-lhe resistência contra o frio e a fadiga. Constituem, na verdade, camada isolsdora: anichados sob a pele, evitam assim a perda de calor.
Por outro lado, situando-se eles, como é notório, nas articulações e nos interstícios dos nossos músculos, impedem a fadiga.
As proteínas destinam-se, em directo, a reparar as perdas sofridas pelas células. Durante as combustões, vai-se dando o desgaste, nas próprias células, pois essas combustões realizam-se inteiramente à custa de carbono e outros elementos constitutivos das mesmas.
A acção reparadora é, pois, levada a efeito pelas proteínas
Que se encontram nas carnes, queijo e pescada, ovos, etc.
Os catalíticos cuja finalidade é dar equilíbrio ao nosso organismo, acham-se nas ver duras bem como nas frutas ( hortaliças,etc).
Quanto às vitaminas, a sua função é preparar ambiente para as funções orgânicas, O leite só por si é um alimento completo. Os ovos das aves são também excelentes, pois lhees falta apenas a vitamina c. As carnes em crescimento são de evitar, à excepção do frango. Contèm, na verdade, elementos tóxicos.
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Manteigas
1970-11-21 Os que eu amo
Acima de tudo e em primeiro lugar, ao meu bom Deus que me criou, pela sua caridade e amor sem limites.
Jamais esquecerei a sua morte cruenta e bem assim a paciência infinita que mostra em esperar.
Não há palavras bastantes, para dizer o que lhe devo e quanto lhe quero. Depois do meu Senho, desço logo à Terra, em que vivo e labuto, afim de lembrar os queridos pais a quem sacrifico, nas aras do amor
Neste mundo cruel e cheio de escuridão, foram raios de luz que brilhou intensamente. nos meus trilhos pedregosos, envoltos em trevas! Sem esta luz, que seria, realmente, este meu caminhar! Passaram, é verdade, mas não foi em vão, pois a sua lembrança é esteio firme.
Como sinto no peito erguer-se a emoção, ao lembrar os desvelos, em que fui envolvido! Amparo e ternura, amor e carinho, tudo ofertaram, sem recompensa! Desfalece a minha alma, sossobra o coração! Fico loogo rendido, memorando o passado!
Quantas horas amasgas não passaram eles, por causa de mim! E que fiz eu, por esses Anjos da Paz?!
Ó Senhor, lá no Céu, onde sempre reinais, dai Vós o que não posso a quem tanto me deu! Em abraços e beijos, quero só envolvê-los, mas não posso, infeiz, que a saudade, emocionada,
Vem chorar, nos meus olhos!
Três amores tão grandes enchem bem o meu peito: possa vê-los um dia, lá na Pátria ditosa!
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Manteigas
1970-11-22 Os que amo II
Entre o Céu e a Terra, decorre o meu viver. Firmo os pés, cá em baixo, mas vivo ao longe. O que mais amei, cá neste mundo, já passou e fugiu: cinco amores tão, que só Deus ultrapassa! Quem me dera avista`-los, inda que fosse a distância!, mergulhando o meu olhar num sorrido dos seus!.
Vivo sem carinho, parecebdo enjeitado! Após tanta ventura, como pôde acontecer uma desgraça tão grande?!
Realidade ou sonho?! Nem já sei o que foi! O certo e o seguro é viver como digo: a pedir o que já tive, mas agora não enxergo!
Como fazem os outros que vivem, neste mundo? Fundaram um lar, que a vida é traiçoeira: assim fazem muralha que os proteja do mal. Os pais não duram sempre, que a morte os vai levendo: urge, pois, abroquelar-se contra o mal que vem de fora.
Eu, infelzmente, fui deixando passar esse tempo de sonho,
Confiado na sereia que a meu lado cantava. Crédulo, simples e sempre ingénuo, logo acreditei numa vida angelical, sem pensar, a valer, nos contrastes da mesma!
Eu só tinha, realmente, o que outrem me dava, sempre às furtadelas, fazendo-me acreditar num Deus irreal. Só muito mais tarde é que vi bem claro que o meu Deus é diferente. Apoucado como os homens não podia ser!
Não foi Ele, não, por certo, aquele que me enganou.
Condeno vivamente esse erros fatais, que me lançaram vivo num
Abismo de dor!
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Manteigas
1970-11-23 Os que eu amo III
Mergulhando neste abismo que os homens criaram,
Gemo, pois, e choro, suspiro e lamento-me, agrilhoado, noite e dia, pela viva saudade. Entre tanto, ela punge, e eu só a estorcer-me, já não posso aguentar seus embates horrendos, que me atiram ao chão.
A longo então os olhos, pelo tempo decorrido e, simplório ainda, julgo ver, realmente, quem outrora me queria. Doias amores eram esses como nunca outros vi, devotados e fiéis, sem
Recurso a vileza nem qualquer interesse,
Mas um dia triste fiquei desamparado, iludido a sonhar,
Acreditando no engano, que de longe me sorria. Sinistras vozes se ergueram, conjuradas no mal, fazendo crer a vida como ela não era! Acreditei a fundo, pois julgava, inicente, que os homens eram bons, e que Deus falaria pelas bocas humanas!
Pensei, algumas vezes, que Deus incarnava no seu corpo
mortall e que falhas não havia, vivendo nesta fé.
Deformaram-me o espírito, lançando no Senhor os defeitos do próximo e eu, então, segui por um caminho que não era o meu
Era doutros! Que me importava?! Fossem eles trilhá-lo, se haviam prazer! Eu, então, ludibriado, só já tarde ondeuacordei. Mas quando abri os olhos, tudo era perdido!
Clamei então forte: pai e mãe acudi-me, porque fui enganado! O silêncio então foi quem respondeu, que a negra morte os havia ceifado!
Depois, fiquei só, esperando em vão a presença de alguém, muito querido e harto suspirado que lobriguei, à distância.
Chegou tarde e sorriu, enchendo-me de gozo, mas logo em seguida partiu, sem regresso.
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Manteigas
1970-11-24 Os que eu amo IV
Foram, pois, 5 amores, a dourar o meu viver. Três adultos e idosos: os queridos pais e a vizinha Ana Rosa. Outro veio mais tarde falar-me do Céu. Pequenino, meiguinho, sorriu para mim.
Fui feliz, em extremo, nessa hora ditosa, encontrando, a meu lado, um anjinho formoso! Um sorriso deste género é bem de pasmar vindo logo mergulhar-me em perene delícia.
Julguei ser chegado o momento final para todo o sofrer que me havia tocado. Deus, porém, não quis ouvir-me ou então foi aviso que o Céu me enviou. Perdi tudo em breve, ficando mais só! Amor assim não havia, para este coração, mas Deus que é bom, resolveu provar-me. Diria melhor: aceitou uma oferta que eu lhe fizera.
Eu te bendigo, Senhor meu Deus, por teres enviado uma voz inocente a dizer-me sorrindo que ficava à espera, na Pátria celeste! è bem melhor acompanhá-lo de longe, cá deste mundo,
Enquanto é ditoso, na Pátria sem dor, onde Vós estas presente.
Eu precisava grande expiação, para ir descontando, na balança do mal o que tinha amontoado. Veio, enfim, e chorei: a
Minha carne é doente, mas depois, reflectindo, glorifiquei ao Senhor Ele é bom: não falta jamais a quem O serve, em plenitude.
Espero, pois, me perdoe, preparando, no Céu, um lugar para mim. Desforrar-me poderei de tamanha desventura,
Juntando-me no Céu a que amei cá na Terra!
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1970-11-25
Manteigas Meu Diário prezado!
Como eu te quero, amigo fiel, confidente valioso de alegrias e dores!! Neste mundo, em que vivo, és tu o meu refúgio,
defesa que me ampara, quando sou escorraçado! A ti me dei, há muito já, sem reserva nem receio: quando estou desesperado, venho logo procurar-te.
Noutras horas - elas são bem poucas!
em que a dor se ausenta, és também relicário, em que verto o meu júbilo. Se não te houvesse encontrado, que seria de mim?!
A quem abrir o meu peito, a sangrar constantemente?! A quem dizer, em aberto, o que sinto e me punge?! Rebentaria, por certo, não podendo viver: é mister desafogar mágoas fundas e molestas!
Em ti vejo a salvação, que não dizes a ninguém nem troças de mim, quando a vida ingrata me aperta e constrange. Fico grato, meu Diário, e jamais esquecerei a bondade e paciência que sempre mostraste.
Continua, fiel, a dar tua ajuda, que eu não tenho, para escolha, outro amigo e confidente! Em ti repouso e confio, que não és indiscreto: nem perguntas nem respondes, ficando sempre mudo! É por isso que te quero e me lembro de ti.
Para compensar-te, não sei que fazer! É tão grande o favor que me tens dispensado, que não acho palavras, capazes de expressá-lo ! Já tens 40 anos e não és conhecido. Assim intento pagar o muito que me fazes: à tua discrição respondo , semelhante, evitando mexericos e distorções que traz a curiosidade
Mais tarde, possivelmente, bradarei ao mundo inteiro quão grato m sinto, alegando as razões por que fui cauteloso
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Manteigas
1970-11-26 Os que eu amo V
Houve, realmente, cinco grandes amores que douraram, no passado, uma bela parte da minha vida, levando-me a pensar que este mundo era um sonho . Mas o sonho dissipou-se, e eu fiquei a penar, lembrando-me, já então, de que estava acompanhado.
A dor e a solidão jamais me deixaram. Eu pertenço, já se vê, à vasta legião dos pobres mortais, que arrastam seu fardo, com os pés a sangrar. Sofro, por isso e choro com eles, angustiado também.
São, de facto, irmãos que a fortuna enjeitou. Por isso, verto pranto e logo me angustio, ao vê-los penar. Membros doentes do belo Corpo Místico, podia, acaso, eu ser indiferente?!
Sofre algum deles? Sou eu próprio que sofro e choro também sua própria desgraça: a agonia dum irmão, que está martirizado! Deserdados e órfãos, achai um amigo, que espero por vós! Pobrezinhos de Cristo, a vaguear pelo mundo: o meu coração há muito vos ama., cheio de simpatia. Humilhados na vida, pelo forte capricho de tantos homens, eu partilho convosco
A porção da amargura.
Dominados e feridos pelo orgulho dos grandes: batei à minha porta, que não hei-de fechar! Criancinhas inocentes, que não tendes ninguém, o meu coração ama a todos vós, por modo igual.
Enterneço-me e folgo, de pensar nos humildes! Quem me dera ajudá-los quanto eles precisam ! E vós iludidos, ingénuos e simples, que vistes nos homens, um deus que não eram,
Também choro convosco, agonizo e sofro!
Seja Deus a recompensa do mal que nos fizeram!
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Manteigas
1970-11-27 Os que eu amo VI
Eu amo os infelizes, que sofrem no silêncio misturando suas lágrimas com o pão de cada dia. Um gemido, um ai são alerta para mim ! Qual acerbo espinho entra fundo no peito .E àqueles que a miséria atirou para o tugúrio, quero dar uma parcela de amor vitalizado!
Envergonhados, gemendo, vou também acompanhar-vos.
Passaria ao pé de vós, indiferente e altivo?!
Aos que penam em masmorras, inocentes, desditosos, o meu ósculo de psz, amor e compreensão.
Esmagados pelos grfrandes que só vêem capital. Eu adoro esses rosto eu a vaidade pisou! Quisera ser um de tantos, esmagado também, para viver a seu lado, confortando-os na dor! Embrutecidos, calcados, passais a vida , ó irmãos, entretanto o Pai do Céu não deseja que vos calquem!!
Por todos morreu, fossem grandes ou pequenos: para Ele é tudo igual e só merece a virtude!
Desiludidos, frustrados, por culpa de vampiros, ó caros irmãos, o Pai do Céu é amigo que não atraiçoa!
Confiai no sofrimento: esta vida é passageira. Após ela, virá outra que não sofre distinções. Ali morrem castas, privilégios, diferenças: veremos a nossa causa apoiada por Deus!
Cá na Terra, as duras algemas podem tolher-nos. O coraç~so, porém, bem como o pensamento ficam sempre libertos.
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1970-11-28 Aqueles que eu não amo
Uma vez, o doce Rabi, com ser tão bondoso, lançou mão de um azorrague e pôs fora do templo os que ali se encontravam, desonrando alarvemente o Santo lugar!
Não vou censurar a atitude de Cristo, que não tenho craveira e impudor tal que me levem a tanto! Se Ele fez isso, é porque, na verdade, assim devia ser. O que eu entendo que posso é imitá-lo de perto.
De facto, visto de longe e olhado serenamente, o acto re- pugnante de quem me trucidou afigura-se um crime. Por isso é que eu, se tivesse um azorrague e a mesma autoridade, corria-os
num pronto, da minha presença.
Jesus Cristo amará os vendilhões? Pelo menos, detestava os seus actos! Poderei eu amar os esbanjadores do que era tão meu? Que fizeram eles da minha liberdade que amarraram a ferros?! Que noções me inculcaram, sobre amor e família?! Hoje,
Envergonho-me delas e recuso-me a aceitá-las!
Por que é que me enganaram, abusando de meus anos e servindo-se, imunes , da minha inexperiência?! Que mostrem diplomas e apresentem, igualmente suas credenciais! Mas o mal está feito e é sem remédio
Representantes do Alto, urgia obedecer-lhes ! Oráculos do Além, eram indiscutíveis os seus veredictos!
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1970-11-29 Aqueles que eu não amo
Defraudado nos meus bens, sinto hoje vergonha! Que é feito da liberdade, sempre vigiada, e doutros bens estimáveis, de que eu só e mais ninguém era dono e senhor?!
Actuaram em mim, alterando, com firmeza, o ciclo evolutivo das fases da vida (receber, dar, receber),com efeitos danosos, na formação da personalidade e na identidade, vindo a reflectir-se, em áreas diversas como a psicológica ,sentimental e sexual. Já nem falo em certas enfermidades!
Enviados do Alto diziam-se os tais, para os educandos acatarem seus mandados, sem exame nem detença Decorar era o lema que o veneno trazia, não pensando eu que me estavam manietando.
Não retiro a palavra, pois estou convicto de que tal meio é eficaz, para levar à obediência, não aquela obediência, racional, meritória, consciente e voluntária, como própria da razão!
Servilismo, escravatura, já no século das luzes, abusando alarvemente de crianças ingénuas! Eu protesto vivamente,
condenando o sistema. Renego de tal processo e clamo por Deus, que me prendou largamente. A Ele entrego os agentes, que fundaram impiamente, sobre a minha ignorância, ideais que não amo .
Alguém meu amigo comandava , do alto, mas se a culpa era sua, eu não posso louvá-lo!
É pecado matar, que só Deus é Senhor, mas tirar a liberdade que vem a ser, afinal?!
Que me resta disso agora senão ruínas, destroços?!
Por Ti, Senhor, eu clamo, nesta hora de dor!
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1970-12-01 1º de Dezembro
Em tempos decorridos, enchia-me de ardor, lembrando gozoso os feitos pátrios dos Lusos famosos.
Simultaneamente, um desprezo soberbo era pão saboroso da minha alma ardente, que não prezava o povo castelhano.
Hoje, afinal, quase tudo morreu: crenças e sonhos, Ideais e projectos . Não sei, não ,que vendaval furioso passou pela vida, onde ficaram impressos vestígios indeléveis!
O sina é bem visível e não será tão cedo que alguém o elimine! É quase cepticismo aquilo que me afecta: a opinião
dos outros, a sua atitude, conselhos e rogos, esforço e trabalho.
Nada me aquenta, se é que não gela!
Detesto enormemente o agir de sua mão e protesto, ao vivo, contra ideias iinseridas, no intimo da alma!
Patriotismo exaltado, egoísmo satânico, euforia estúpida, fundo me invadiram , em tempos distantes!
Os outros eram nada! Só nós o tudo! Cavalheirismo, heroicidade, atrevimento e galhardia, só neste cantinho “ à beira-mar plantado”.
Amo ainda a minha Pátria! Quero-lhe mais, muito mais que às outras! O que ela tem e me oferece é bem mais doce eloquente e suave e até carinhoso!
Entretanto, detesto e abomino os sentimentos abjectos, que me excitavam o ódio e levavam ao desprezo. Precisamos de amor; necessitamos união
Abaixo, pois, o patriotismo exaltado, que despreza outros povos ou pretende ignorá-los!
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Manteigas
1970-12-02
É o ovo de Colombo! A rir corrige os costumes !´E um unhas de fome! Não ter mais que pele e osso. A quem trabalha Deus o ajuda. Grão a grão enche a galinha o papo. Honra e proveito não cabem num saco estreito ! Pescar trutas a bragas enxutas. A sogra e o furão só depois de mortos é ´que dão pão. Burro morto, cevada ao rabo.
Se queres que guardem o teu segredo, não o digas a ninguém . Arreliam-se as comadres, descobrem-se os segredos
Quem tem padrinhos não morre mouro. Quem a boa árvore se chega boa sombra o cobre. Quem se mete com meninos fica sempre borrado.
Estar morto por vinho. Ser doido com alguém., Ser como unha e caene, Andar com a Lua. O mal que te desejo me caia em cima. Assim Deus save a minha alma Tão certo é como Deus estar no Cú. Juro agora pela minha salvção. Nãber em si, de contente. De contente lhe dói um dente. O Céu é de quem o ganha e este mundo é de quem o apanha. Com Deus não se brinca. Deus não ocupa lugar. Ser como guia de cego.
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Manteigas
1970-12.03
São já 18 voltas que a roda fatal vai realizar, após a morte de meu querido Pai. Havendo nascido, em 1886, faria 85, a 20 de Março de 1971. Quando vejo alguém mais idoso que ele, quase tenho emulação! Gostava que vivesse, pois lhe queria muito ! Ainda hoje, na visita aos doentes, um deles me disse que tem 85
Coincidência estranha, que foi agradável ! Aquele velhinho, da mesma idade! Mas como ele estava! Rosto cheio
e sem rugas, cor de pimenta, fala sadia, timbrada e vibrante! Só um pouco de bronquite!
Ao vê-lo no leito, inspirou-me simpatia. Julguei, por momentos,
Ser o querido pai que estava falando. Afinal, era sonho e foi por isso que se desfez, num ápice. Apesar de tudo, foram na verdade, momentos ditosos, com ele vividos! S e é grata a fantasia, que não será, pois a realidade?!
Mas, afinal, tudo o vento levou para ficar sozinho a lutar com a vida. Às vezes, também luto, no silêncio da alma, contra o meuju ser, Considero-me parvo , de confiar nos outros, quando é Deus que merece confiança.
Houve um homem, na verdade, que amei loucamente. Só me pesa alguma coisa, de o não ter amdo ainda mais, Esse queria eu para sempre comigo. O meu querido pai que só bem me fez sempre! Aos outros homens , porém, acatei, indevidamente.
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Manteigas
1970-12-04
Estiive, há pouco ainda, na cidade industrial - a
Covilhã. Se bem que eu não goste dela, pelos altos e baixos,
prende-me a ela um afecto sincero, Com efeito, ali decorreram acções diversas, que o mister exigia, as quais as quais se relacionam, de maneira evidente, com os meus brios de humilde professor
Quantas horas não passei, angustiado e receoso, quer assistindo a Provas Orais, quer esperando os nossos resultados!
Esses tempos memoráveis, integraram-se fundo na minha vida íntima
É por isso, realmente, que jamais olvidaria a cidade industrial, em luta ardorosa, porfiada e constante, afim de manter seu nome famoso. Sempre que passo ou ali me detenho, gosto imenso de lembrar o que foi razão por que amei ou sofri, odiei ou me indispus.
Adeus, cidade-máquina, de outeiros e colinas, vales e barrancos, por onde a linfa gorgoleja. Capital orgulhosa da indústria portuguesa, que Mamona absorvente não te induza algum dia a imolar em seus altares!.
Que o Sancho Pança da sátira não comande a tua vida, transformando este mundo numa orgia constante!
Pouco mais te verei. Assim o espero!
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Manteigas
1970-12.05
Em pensamento, vou à Covilhã: gosto de lembrar o que ali observe. Era um dia sofrível, para termo de Inverno.
Passeavam no jardim como nas estrada, não faltando, como é uso. observadofres atentos. A té eu próprio me dejxei vencer! Na
Verdade, se não era de facto passagem de modelos, algp se notava que fazia lembrá-lo ! Capricho da vaidade?
Satânico prazer de humilhar os despreparados?!
É capaz de não ser! Estadear bom gosto e originalidade, será mais acertado
Seja como for, os dados contrastantes ferem logo quem chega.!
Vizinha da grandeza que se miranas obras, corre logo parelhas a miséria suprema. É chocante e deprimente, caso sinta o coração! Ao requinte do luxo que os olhos extasia, segue-se, acto breve, quer o andrajoso, quer o mentecapto.
Estes, sim, que nos doem, arrasstando sem mérito, nos ombros descarnados, os resíduos da vaidade.
Ma s então quem fez ou talhou a barreira condenável que separa os irmãos, filhos do mesmo Pai?! Ele há Deus ou não h´a?
Há, para ajustar a nossa vida?!
D ormirás, Provid êmcia, que no Céu tens assento?! É isto
Caos ou mostra certa da tua paciência?!
Não te peço que punas, meu Senhor e meu Deus! Rogo apenas mais luz que avivente o espírito !
Manteigas
1970-12-06 Ainda a Covilhã
Passeia a vaidade ruas e praças da cidade industrial.
Há bom gosto, às vezes; outras, porém, excentricidade! Aquelas
“maxes”, oh Senhor meu Deus, que tremenda aberração!
Que sejam longas, admite-se, mas abertas, a fudo, como amplo! Que fim é o seu?! Abrigar, com certeza, preservando do frio!
Quando as portas se abrem, entra vento e chuva, ficando a morada exposta , desde ligo, *a inclemência do tempo! Acontece a mesma coisa nos corpinhos alongados, vítimas por erto, dos caprichos da moda!
Estava eu contemplando o variado panorama da gente pecadora. Ali, junto ao polºicia, observava fur tivo os diversos modelos. Fncostado `s grade, voltava-me, às vesez, para não dar nas vista.ou chamar a atenção.
Retomada a tarefa, os olhos curiosos seguiam prontamente o que então erra pábulo de fundo cismar. .Dinheiro não importa!
O que interessa é marcar, dando assim quinaus, à direita e à squerda.
Era quase no fim , quando passa alguém que me leva após si Outro Max catita, a fazzer alição, de linhas iguais aos que tinha já visto! Mas, sfinal, quem estava lá dentro, a bambolear-se?!
Um rapaz! Ó céus, pasmai
Será que o homem intenta, dede agora, substituir a mulher, no todo ou em parte?!
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Manteiga
1970-12-07
Há dias apenas, fiz mais uma visita: fui ao cemitério falat com minha mãe, Haviam já dito, aqui há pouco tempo, que fora invadida a sua “morada”., Estremeci, de horror, não querendo jamais que o ferro tocasse num corpo tão santo!
Falei ao coveiro, perguntando então se tratara, com respeito esses áo queridos!
Respondeu-me que sim e que os havia guardado, esperando miord ens, como havíamos dito. Informou-me também acerca do estado, em que agorsa se encontra o corpo
materno. Ossos apenas era quanto restava : juntamente, o cabelo, os sapatos e as meias. Outra coisa não havia.
A terra voraz havia consumido as foormas adoradas.
Aguardo ansioso oporunidade que seja favorável , para tirar aquelas ossadas que restam do seu corpo. Levá-las-ei então,
Para Vide EntreVinhas, onde ficarão, junto do marido que também adorava. Juntinhos na vida, assim continuarão, esperando filmente a rsurreição
Quero euni-los em enlace final, simbolizando assim uma grande união: foi tão perfeita, que n~qo houve igual!
No Chão da Romeira, descansarão afinal, de tantos trablhos que a vida lhes impôs. A piedade filial assim o deseja: itodos juntar-nos, embora em pó, cinza e nada, aé chegsr o dia que nos fará ressurgirt
Esse pó inerte, ao sopro de Deu, vai transformar –se, formando corpops bnelos que eião os sepulcros. Esta feia morada, onde haviam apodrecido, fica abandonada, rumando ao
Céu os cor
Se Cristo ressuscitou, não haja a menor dúvida: teremos sorte igual! Vai para o Céu a cabeça dum corpo? Para lá vão também os membros que lhe pertencem
ªºººººº
Manteigas
1970-12-08 O Toninho morreu
Asilado em Manteigas, passou a melhor vida, há poucos dias. Andava, como dizem, pelos 102 anos. Bonito rol Que
o poeta me perdoe! Nunca vi ninguém, de família sua nem me consta, afinal, que tenha alguém.
Era insuficiente, à data em que veio, talvez há 8 anos. Tê-lo-ia sido, ao longo de toda a vida?! Apesar de tudo, seus modos infantis, em idade tão provecta, granjearam-lhe amizades. Claro se deixa ver que era simples compaixão e não, por certo, amor, lá do íntimo peito!
Agarrado a seu pífaro, levava horas e horas, à torreira do Sol. Certos dias, não falava; outros, ao invés, em extremo gárrulo ! Podiam falar-lhe acerca de tudo, mas assuntos havia que assaz o irritavam. A bolsa das moedas era tema perigoso! Que alguém lhe tocasse e veriam o Toninho! Lamentava-se prestes -, batendo o pé, que não era brincadeira!
Os seus grandes amores não eram mais que dois: a bolsa e o pífaro! Para ele, a rigor, nada mais contava. Tudo
Indiferente, se não mesmo odioso! Apreciava também erguer-se, de madrugada. Julgava até que já era dia! Seguidamente, rumava à cozinha., procurando o fogão. Uma vez ali, dormia outro sono!
A bem dizer, não gostava da casa! Uma loja de gado, em que houvesse palha, era a sua aspiração!
Pobre Toninho que deixou, de vez, o que tanto amava!
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Manteigas
1870-12-09 Duas belas companhias
A querida mãezinha jaz em S. Marcos. Seis anos em descanso, incomodaram-na agora, tirando-lhe a jazida. Alguém esperava - o senhor João dos Bairros, que a morte ceifou, aos 48 anos. Quem iria dizê-lo?!
Era bom homem, por isso, foi mais cedo. Que tal é a morte ! Junta-nos todos, na vala comum ! A mãezinha cedeu, para dar o lugar. Desarticulados os ossos do nosso corpo, sem músculos a tapar, ajeitam-se, de facto, num lugar qualquer.
Consentiu, pois, retirando dali, para fazer caridade!
Fora assim toda a vida: continuaria, após a sua morte.
Que lhe importava ser homem aquele defunto?! Era morto, já se vè, e incapaz de fazer mal, fosse a quem fosse!
Viesse, pois habitar a mesma jazida!
Descansariam, pois, na Terra Prometida, onde já se não peca nem pode fazer mal.
Ali, bem pertinho, outra cova se abriu. Foi para o Toninho de 102 anos! Nenhum dos três era daqui e todos almas justas! Coincidência notável que me faz reflectir!
Descansai, almas santas, no seio de Deus, onde a sua bondade por certo já vos tem . Se acaso ainda fostes ao lugar do Purgatório, que o Senhor se compadeça, levando-vos breve para a eterna Morada!
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Manteigas
1970-12-10
A 13 do corrente, efectua-se na vila o cortejo de oferendas, que há-de reverter, a favor do Hospital. É um dia cheio, em toda a acepção que a palavra tem. Ricos e pobres, grandes e pequenos, ilustrados e incultos, todos se unirão, para levar, nesse dia, um pouco de alívio àqueles infelizes que a sorte enjeitou ou feriu a desgraça.
Trata-se, pois, de um acto comunitário, cabal entendimento, simpatia sem barreiras nem exclusivismos. Cessam os títulos, apaga-se a vaidade, para emergir a filantropia a caridade e a justiça. Não é esmola senão um dever que a todos abrange.
Como é bela a caridade, flor delicada, trazida pelo Mestre, dos Jardins da Eternidade! Antes de Jesus aparecer em carne, alguém olharia para os infelizes?! Arrojados para o canto, eram alvo de escárnio, objectos de desprezo! Que foram as castas, afinal de contas?! Compartimentos estanques, onde os filhos dilectos do mesmo Pai tinham de ficar e permanecer?!
E o apartheid, segregação racial, e o mesmo proteccionismo?! Que foi, no passado ou ainda é hoje, esse cancro horrendo, chamado escravatura?!
Sintoma bem claro da malícia e da vileza, acobertadas, por vezes, pela capa da bondade?! Fraudulências e rapinas, despotismo e tirania, avareza também e voracidade, tudo ganhou crosta, ao longo dos séculos.
O cortejo, porém, é um belo desmentido!
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Manteigas
1970-12-11 Aproxima-se o Cortejo
Ao dia radioso é também a Natureza que vem associar-se. Espírito e matéria, o Céu e a Terra, tudo a uníssono! Para longe o ódio, afaste-se a mentira, apareça a verdade! Altercações, fruto são de má planta; as dissidências, artigo sem importância, inveja ou ódio e `vilania, coisas são tais, que não têm lugar
Queremos novo espírito, à sombra do Evangelho, essa luz Diamantina a que os olhos humanos se desabituaram.
Para que servem as lutas?! A que vêm as contendas’! Em que ajuda a violência?! Um diálogo sincero, entre irmãos que se amam opera maravilhas ! É preciso renunciar? Que importa fazê-lo, se é Deus que assim quer?! Não é Ele o Senhor, o Supremo Poder, a que tudo se curva?!
Eia, pois! Banidos os preconceito, e ideias sinistras, velejemos noutras águas, que é Deus a chamar! Sua voz é de Pai!, o apelo, de amigo, o convite, uma honra!
Estremecendo a todos, não quer diferença s ! O coração não lhe sofre olharmos com com desprezo os nossos irmãos!
Caminhemos, então, bafejados pelo S ol , que o nosso bom Pai faz erguer no horizonte, para bons e para maus. Para amigos e inimigos, sem diferença de cor, raça ou condição.
Vá ser o cortejo desmentido formal, para toda a hipocrisia,
Condenação peremptória do esmagamento, a que foram sujeitos
os que gemem e choram, sob as vistas de Deus!
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Manteigas
1970-12-12 Véspera do Cortejo
Alvoroço no no peito, júbilo nas almas! Reina o entusiasmo, explode, a alegria! Uns são felizes, por tgterem que dar; outros, ao invés, de poderem recebê-lo! Haverá na Terra compreensão que seja mais bela?! Que lindo seria, se todos,
afinal, se compenetrassem, no íntimo da alma, de que o viver neste mundo impõe obrigações!
Mas, se rejubila quem do seu dá, muito mais quem recebe!
Na verdade, aqueles que nada têm, com excepção de trabalhos e amarguras, vêem chegada a hora, em que mãos generosas se desatam, em bênçãos.
Como é bom ser lembrado e objecto de interesse! A morte levou os pais? Nem os filhos já existem? Acabou-se a família? Na da issi importa! Alguém se condói, participando, ao jeito cristão, no alívio dos pobres e demais infelizes.
Foi há pouco ainda que o Toninho partiu. Era já uma criança! Tão provecta a sua idade ! Asilado, nesta vila, passou consolado o final da existência! Todos lhe queriam!. Objecto de carinho, vivia feliz! Pão e agasalho, conforto e ventura nada lhe faltou!
Não lhe sei de família, que jamais o encontrei. Visitas que eu saiba, daqueles que eram seus, desconheço totalmente!
Estranharia algum tanto essa falta cruel? Parece-me que não! A
Caridade e a justiça operaram o milagre: sentir-se tão bem como
Em família. própria!
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Manteigas
1970-12-13 Chegou, por fim, o que tanto e amava!
Todos, à compita se esmeram cuidadosos, realizando o sonho. O cortejo aproxima-se! Ele aí vem, de facto, ao nosso encontro! Os sinos repicam, as gentes estremecem, os rostos animam-se. Anda no ar um bulício de festa.
Já ressoam, pela rua, os acordes vibrantes das Bandas lo –cais.
Toca somente aos necessitados! Não interessa! Todos são chamados, a tomar parte! É dia animado, superior aos demais.
Migalhas do meu pão, não quero perder-vos! Juntai-vos aqui: alguém vos espera! São as bocas dos pobres, que Deus abençoa:
aguardam pressurosas que tenhamos compaixão!
Economias diversas que fiz, durante o ano, representando o carinho que voto aos humildes, vinde já comigo, para ficardes a render, nos Bancos do Senhor!
Os meus sacrificios. ao longo da vida, quero-os juntinhos, neste dia solene! Não me importa quem come. Eu dou sem olhar, porque Deus em cada pobre se encontra realmente. Que tenha defeitos ou seja vaiado, também eu os tenho, podendo ser igual!
É Deus, Pai de todos que manda ser franco: desejo, pois, servi-l’O
E fazer-lhe a vontade.
Que pai haverá que não sofra horrivelmente, vendo os filhos com fome?!
Que dizer então do ódio, malquerença e desamor?! Quererá Deus, a suma bondade, que vivamos assim?!
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Manteigas
1970-12-14 O ti Zé Borrego
Encontrei-o há dias, muito risonho e bem humorado, dirigindo-se a casa, antes da hora que tem por norma. Algo de novo se passava com ele, o que me levou a interpelá-lo.
- Vossemecê, hoje, deixa a vila mais cedo! Então?! Que é isso, afinal?! Vai fazer o jantar?
- Na senhor! Já num bebo nem fumo! O Médico, agora, deu-me cabo da cabeça!
- Veja o que diz, ti Zé Borrego! Olhe que os Médicos são homens lidos que percebem do ofício! Estudaram muito e adquirem experiência, através do tempo! Julga, por ventura que são alguns néscios?!
- Na, na são, mas eu é que num stô prós aturar! Hoje, já cá cantam três meios! Cuma pinga ( olhava, deliciado e cheio de saudade , para a torre de S. Pedro) num havia home pra mim!
S’ela num fosse tão alta… e mesmo assim, inda lá subia! Já cá stÃo 77! Mas, pra tocar o sino, num há ninguém, cá pró melgo!
- Mas olhe, ti Ze, são boas horas de fazer o jantar” Vomecê
é sozinho… a sus mulher já morreu!
- Cal jantar, cal nada! Fiz ontem uma panela que dá pra dois dias! As pernas é que falham q’u resto inda faz ver òs novos!
Ao dizer tais palavras, abria a boca, desmesurada, dando forte estalido, enquanto punha ao léu as gengivas sem dentes e já calejadas.
Declinando a tarde, estende para mim a sua mão enrugada que eu logo apertei!
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Manteigas
2970-12-15
Ontem já, baixou a temperatura, de maneira sensível.
Era corrente e já esteriotipada a frase banal Vamos ter neve! Nossa Senhora da Conceição gosta muito dela!
Estas e outras vozes corriam, de boca em boca, e todos se agasalhavam, com o máximo cuidado, por causa de gripes e constipações. As pleurisias são de temer!
Isto preocupava-me! Tinha de ir ao Sameiro, por causa dum funeral Prazeres havia falecido, no dia anterior, prestando assim contas ao Supremo Juiz!
No regresso, três horas depois, a faixa de rodagem estava molhada. Teria chovido ou seriam, realmente, vestígios de neve?! O ar frio da tarde levantava suspeita! Havia de informar-me! A caminho da garagem, encontro de chofre a Maria José.
Olhe lá! Estevea chover, aqui em Manteigas?!
- Oh! Não é isso ?! Foi a neve que chegou!
- Ah! Mas da minha parte nada fiz para isso! A vontade era pouca!
- Pois aí a tem, desejada que fosse ou aborrecida! É da praxe visitar-nos e não perde o hábito!
- O frio glacial tiraniza-me o corpo! Arrepios sem fim, estremeções fundos… um grande pavor! Tinha medo de mim próprio! O rosto anuvia-se e os olhos embaciam.
Fico pensativo e algo agitado! No resto daquele dia, fui mais sorumbático, em corpo e alma.
Era a neve de regresso!
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Manteigas
1970- 12-16
Em planos variados se gastam as vidas, mas a morte indiscreta, que nos espreita solícita, não deixa, por vezes, realizá-los, cabalmente. Também tenho os meus projectos, sempre diversos e quase falhados, porque factos estranhos à minha vontade, assim determinaram Há dias ainda, eram diferentes as minhas aspirações e o mesmo pensar.
Deus, porém, que faz sempre as coisas pelo melhor,( creio que foi Ele e mais ninguém), mudou planos e sonhos! Houve melhoria, com toda a certeza! Influência poderosa de minha santa mãe, na Pátria Celeste! Pedido seu, a meu favor? Fosse como fosse, tenho para mim que foi uma viragem de carácter peculiar! Os meus sonhos dourados vi caí-los num momento!
As minhas aspirações mais íntimas e fundas, violento furacão as veio submergir, para todo o sempre! Seria melhor assim, para a minha salvação? Estes são, de facto, os caminhos de Deus?
Sofri intensamente, como só Deus é capaz de saber, Não foi mera frustração, vaidade ferida ou logração, mas a falta de tudo o que no mundo se adora: amor e amizade, ventura e famí-
Lia
Qual tornado sanhudo, apresentou-se a desgraça ( Deus sabe se o não é) batendo com força à minha porta gretada, Abri prontamente, julgando tratar-se de coisa benévola.
Começava o tempo da grande amargura, a época horrível da minha inquietação.
Deus o quis? Assim seja, pois!
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Manteigas
1970-12-17
Ferido,b ao mesmo tempo, em corpo e alma, chagado
Totalmente e sem visos de esperança, acolhi-me em Deus,
refúgio supremo e amigo certo de qualquer infeliz! A do,
Afinal, é caminho de resgate e porta de salvação. Bendigo.
nesta hora, a Providência amorosa, que me feriu tão fundo, para
eu reflectir, mudando meus projectos e fazendo penitência de
todos os pecados.
Agora, estou ciente de que tudo perdi, mas se ganhar o
Céu e o nosso bom Deus, a quem amo deveras, sobre todas as
coisas, o dano é nulo. Ofertei ao Senhor amarguras e penas, Que
elas sejam, na verdade, preciosa moeda, para ganhar o Céu.
Dois infernos era muito! Um, neste mundo, e outro, após
ele?! Chega o primeiro! Que a graça do Senhor me preserve do
mal! Agora, são diferentes as minhas aspirações: garantir, com
esforço, um pouco de pão e, em seguida, reparti-lo também,
com sensatez e grande equidade.
A minha família é por onde começo; em seguida, a igreja
da minha aldeia, onde com certeza, as futuras gerações presta-
rão a Deus o culto devido; a elevação social da minha terra
humllde; o Seminário que me preparou, para a vida em pleno,
emprestando asas para eu voar; as Missóes Católicas; a Boa
Imprensa; o Hospital de Celorico da Beira e uma obra infantil;
A minha alma a assim a de meus pais como avós; as almas do
Purgatório.
Quem dera ter muito, para distribuir!
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Manteigas
1970-12-18
Abril e Junho de 1971! Nessa data, espero, na verdade,
que se realize um sonho, muito acarinhado. Melhor diria,
começará então a ser realidade. É a luta pelo pão, que garante
a subsistência, livra de amargura e repele a vergonha.
Quatrocentos e dez contos mais quinhentos e noventa,
Totaliza mil! Tal é o fruto maduro de imenso trabalho, apertada
Economia e grandes privações! Não herdei o pecúlio: resulta do meu esforço e bela orientação! Só Deus é que sabe! Foi amealhado, à custa de suor e da própria vida! Nem sequer um centavo alguma vez desviei, fosse de quem fosse!
Pertence-me em pleno e será para mim garantia segura
dos anos derradeiros, que já se aproximam. Doença e privações amestraram-me cedo, levando-me a esforço que era demasiado,
com perigo da saúde. Fosse como fosse, aquele montante é grata realidade. Sinto-me feliz, por haver pão e também aconchego, neste exílio tão triste!
Dividirei com os outros, sem deixar de trabalhar! Rendendo 8, , nas Firmas em vista, ambas em Lisboa, virá brevemente o montante seguro de 84 contos, ao fim do ano. Não terei cuidados! Diminuirei as tarefas, repartindo com os outros um pouco do meu pão.
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Manteigas
1970-12-19
Finalizou ontem o 18º giro da roda fatal.
Em 1952,, um mês como este, numa tarde menos fria, entregava-se a Deus o autor de meus dias ! Como o tempo é veloz e apaga no seio, as realidades mais vivas, os afectos mais ternos! Não sucede que me tenha esquecido, pois o lembro amiúde, estranhando que não fale comigo nem venha visitar-me!
Apesar de tudo, esse tempo vai longe… tão longe vai, que o não reconheço, fazendo-me saudade a sua recordação! Q uem dera que voltasse! Mas não! É de tal modo o fundo abismo que agora nos separa, que fenece breve toda a esperança! Mais vale confiar no Pai do Senhor,, que assim orientou, esperando ansiosos que um belo dia nos ponha juntinhos, para sermos felizes.
É tempo de fé, na sua Providência, embora seja duro viver desligados, como sendo inimigos! Depis que partiu, jamais achei amigos, que ombreassem com ele! Cada um arrebanha aquilo que pode, esquecendo amizades, postergando atenções!
Diz o povo: O Céu é de quem o ganha, e este mundo é de quem o apanha!
Prestemos sempre ouvido atento, volvendo com preateza os olhos em redor,! Proceder ao invés, é fonte de amargura que vai
Sair cara! Como era calmo o viver e me sentia feliz, nesse tempo remoto! É que então um braço robusto, amigo e pronto, estava
À minha beira, disposto a agir, em favor do “menino”!
Já homem embora, eu tinha-me ainda por mera criança, de ver a meu lado o carinhoso paizinho! Um dia veio, porém, em que ele se foi, para nºao voltar! E eu fiquei só, no deserto da vida, a chorar a minha dor!
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Manteigas
1970-12-2o
A Fraga da Cruz e o Fragão do Corvo erguem-se altivos, no cimo da montanha. que ali se talha, quase em perpendicular. Olhados cá de baixo, parecem esmagar-nos, pois
se enco de facto, em desnível acentuado, a cavaleiro da vila.
Decorreram os séculos, as gerações passaram e aqueles dois vultos, imobilizados embora, desde o princípio, têm presenciado mutações diversas. Atentos à vida e sempre alerta,
observaram de lá, com grande perspicácia, tudo o que passou,
cá na povoação.
Será curioso abeirar-nos deles, para ouvirmos, de perto, a sua conversa, em extremo ajuizada e julgarmos do passado que não volta mais. Discretamente, pois, assestemos o ouvido, escutando-lhes a voz, que traz ensinamentos.
A experiência é mestra do homem e há s empre, afinal, vantagem enorme em as novas gerações escutarem as velhas a quem a vida amestrou, fornecendo achegas, harto apreciáveis.
Se acaso alguma vez nos doer um pouco, tenhsmos coragem, para aguentar, na certeza firme de que eles censurando, não fazem por mal!
É côa mais não poder, a crítica ajuizada, não fazendo jamais acepção de pessoas. Integrados no ambiente, fazem parte dele e não dizem, por certo aquilo que deprime. A medicina é para curar, não obstante o ardor e até a repulsa, que ,às vezes sentimos!
O Fragão e a r aga exigem somente que prestemos atenção. O mero facto de serem bons vizinhos originou desde logo bom entendimento. que reservam para nós. Velhos conhecidos e muito bons amigos, a todo o momento, de luneta assestada, vão dizer-nos o que julgam, acerca do presente
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Manteigas
1970-12-21
Como é bom ser livre e dispor de si, a bel-prazer! Deitar, sem retardo, erguer a capricho, comer descansado e,
finalmente, seleccionar o trabalho que dá mais gosto fazer!
Ter o pão de cada dia, lar e ventura, viver também de amor
E amizade, sentir-se desejado, dormir sossegado, não tendo remorsos a pesar na consciência, crer-se útil e prestável.
Não seria, talvez a ventura em pleno?! Pelo menos, boa parcela!
Não pedir à vida mais do que ela pode, limando aspirações, tenho a certeza de que era o caminho para a vida feliz.
Quem goza, no entanto, de privilégios assim?! Havia, naturalmente, de ser procurado, a todo o momento! Diria até assediado, com perguntas infindáveis!!
Bem sei, há muito já, que este mundo é exílio e que o exilado jamais é feliz! Está ex acto o pensar, mas a grande verdade é que certos exílios mais são calvários, em que o homem se setorce, inevitavelmente. Há circunstâncias, que demandam heroísmo ,e muito bem sabemos que Deus e senhor, Pai justoe santo, não exige de nós tão grande renúncia..
Estes casos não são frequentes e, quando existem, é Deus que chama. Não são os homens que talham Com tal chammmamento e ajuda celeste, secundad as. Já se vê, por doação voluntária, consciente e amada, a dor e o sacrifício transformam-se logo em font de prazer.
Algumas vezes.porém, que é o que vemmos?! Famintos de pão? Mais, Famintos ainda de paz e bem-estar, por se verem algemados, contra sua vontade e não poderem fruir do que vêem aos outros e a que se julgam , realmente com direitos iguais e inauferíveis.
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Manteigas
1970-12-22
Fraga da Cruz: rochedo majestoso, a cavaleiro da vila.
Fragão do Corvo: rochedo imponente, não longe da fraga.
Ela - Um dia maravilhoso, para encetarmos o nosso diálogo, sobre o que vai, por esta região!
Ele - Sim, boa amiga! Vejo que não dislata, seja embora, neste passo, o princípio do Inverno! Parece, às vezes, que anda tudo às avessas, não é verdade?!
Ela - Tudo, tudo não direi, mas certas coisas!... Não pretenda convencer-me de que um dia assim nos é desagradável Luz e calor não molestam ninguém! Há um livro excelente, dum Mestre da Língua, que dá por esse nome!
Ele -…Ah! É de Bernardes, o Padre Manuel Bernardes, que eu lia amiúde. Recoro perfeitamente essa bela obra-prima e não tenho em menor conta a Nova Floresta! Prosa fluente, ingénua e pura, terna e cristalina, como a alma do autor, não poderei esquecê-la!! Aquilo, sim, é na verdade, Portuguès de lei!
Ela - Oh se é! Tudo na obra respira humanidade, frescura e beleza; moralidade segura; intenção recta.
Lá dizia o Castilho: “Quando fala da Terra, tem ods olhos no Céu!” Não vedva, por certo, a sua leitura a filhos meus!
Ele - Uma árvore boa não dá maus frutos. Assim diz também a Santa Escritura. E o famoso ditado: “Chega-te aos bons, serás como eles:chega-te aos maus, serás pior do que eles!” E ainda: Chega-te a boa árvore e boa sombra te cobrirá”
Ela - O caro vizinho é forte em máximas e rico em provérbios. Gostaria imenso de achá-los juntos, num livro formoso!
Ele - Como não apreciar o que os povos condensaram em frases imortais! Cada uma delas , banal que parea, é fruto da experiência, resultado brilhante de inúmeras vigílias.Em tempos idos, coleccionei bastantes!
Ela - Acha que a leitura é, na verdade, apreciada, na vila e que terá eficiência?
- Olhe, cara amiga, assuntos de importância requerem mais tempo, Responderei, sim, mas de outra vez!
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Manteigas
1970-12-23
Ele - Prometido é devido, assim reza o Ditado.
Ela - Lá vem ele já com citações! Que bem me quadram!
Creia, meu amigo, que daria tudo por um rifão! Multa in paucis!
(Muita coisa, em poucas palavras!), como dizem os Latinos. Ele - Se vamos agora para o Latim, nunca mais de lá saímos! Quanto à leitura e rentabilidade, muito há que dizer. Comecemos então. É para o espírito, sem tirar nem pôr, como o alimento para o estômago: nutre e alimenta, valoriza sempre!
Bastava isso, para impô-la a todos.
Um indivíduo forte, sadio e competente é coluna segura, na
qual a sociedade poderá firmar-se. O progresso das gentes não é possível, à margem da instrução.
Ela - Pelo que diz o bom amigo, d eduzo eu já a importância do Colégio, pois ali se prepara o escol da sociedade.
Ele - Não haja dúvida! Trata-se, afinal, da obra-mãe. Num
Lugar qualquer. É ali, na verdade, que se embebe o espírito de noç~~oes valiosas, que vão permitir, nos filhos de Portugal, em dia não distante, ombrear com outros povos, e responder também ao apelo da História . Ele é o cadinho que afina as almas!
Ela - Estou vendo, meu amigo, e sou de opinião que deve
Toda a gente acarinhar em extremo tão bela Instituição, afim de que, por um ensino deveras frutuoso,, tenhamos, no porvir, bons chefea de família.
Ele - A nova biblioteca, fundada recentemente, veio coadjuvar, neste campo de treino. O que urge, na verdade, é retira dos livros todo o ensinamento que eles podem ministrar,
Estimando-os sempre, como bons amigos.
Uma leitura apressada, que atende apenas a casos dede enredo, é pouco eficiente e nada proveitosa.
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Manteigas
1970-12-24
Ele - Ó cara vizinha, é-me grato hoje, interromper o assunto da nossa intimidade, para nos ocuparmos, acerca de outro. Que se oferece dizer à minha proposta?
Ela - Não faço questão, como sabe há muito e, neste passo, vem ao d e cima, o célebre dito do poeta latino. Creio que foi Terêncio:” Nihil humani a me alienum puto. ( sou homem.
Nada do que é humano julgo estranho a mim).
Acho que podíamos dizer: sinto na minha alma a dor e a alegria de todo o ser humano.
Ele - Domínio e clareza, ao mesmo tempo! O seu Latim foi sempre acarinhado. Olhe, sabe o que preferi? Este dia, por ventura, não lhe lembra nada?!
Ela - Melhor fora que não me lembrasse! Mas, enfim, tudo é viver!
Ele - Consoada e família, amor e amizade, enlevo e ternura, compreensão, tudo cala fundo em almas atribuladas, num dia como hoje. Quem um dia partiu regressa de novo: quem era frio ou talvez odiasse, volta, pelo Natal,, à bela concórdia! É um dia grandioso que a todos aproxima, ao contrário do ódio que separa e divide!
Amanhã é Natal! A voz angélica, ouvida em Belém, continua a ressoar. Para ouvi-la, cessam desde logo os bombardiamentos, emudecem os canhões, calam-se, por igual, as metralhadoras! Não ser eterno este ponto final! Se acabasse a ambição e morresse a inveja, como seria outro o mundo que
Habitamos!
Ela - A emoção não consente que eu agora fale! Que saudade imena e funda agonia sinto na minha alma, atribulada e pobre! “Quem partiu regressa hoje”! Se fora assim, não seria tão grande meu fundo penar! Desde a a guerra dos Gigantes, qual houve que voltasse?! Adamastor ou Atlas, nós e tantos outros do mesmo fadário, algum pôde reunir-se , em tão belo dia, àqueles que amava!
Ele - Se o mal dos outros é conforto para nós, que nos sirva e aproveite!
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Manteigas
1970-12.25
Ela - Bem quis eu dormir a noite passada, mas não houve processo! A lembrança do passado e os factos de ontem abalaram-me a fundo! Foi num dia como hoje que o nosso noivado teve seu fim! Juras de amor, promessas eternas de fidelidade, tudo se gorou, naquele dia fatal, em que o grande
Júpiter, como castigo da nossa ambição, nos converteu a ambos
em poderosos rochedos, para todo o sempre!
Ele - Não lembres o passado, que deixou de pertencer-nos! A feia ambição é digna de castigo! Não é ela, com efeito, a causa basilar, que subverte a consciência, levando ao crime?!
Ambição e inveja, cobiça e fraudulência! Que é que faz as guerras, perturba a harmonia e gera desordem?!
Ela - Siim, realmente, foi castigo do pecado, bem compreendo. Que tragédia a nossa! Que desgraça irreparável!
Se houvesse remédio!
Ele - Há que sofrer as consequências! O plano tenebroso que tinha por fim destronar o deus Júpiter, para ali se instalarem os soberbos gigantes, em lugar de Júpiter,, é que fez, realmente, a nossa desgraça! Aquele amor vivo que j+a te cons agrava, levou-me também a aderir à conjura, só com a mira de fazer-te rainha! De que valeu tudo isso?!
Ela - Hoje, é Natal, símbolo vivo de paz e amor, vínculo estreito de união, entre os povos, centelha de fogo que abrasa os corações, ainda os mais frios!
Para nós, porém, este dia não conta, que vai ódio profundo, em nossos corações! Pudéssemos nós converter ainda o destino cruel no suave paraíso dos tempos d e outrora!
Continuarei, bem firme, a alimentar com ânimo, a luzinha da esperanca, pois de outro modo não consigo viver!
Os gelos dp Inverno e a s ardências do Verão destroem-me o ser,
ao longo do tempo!
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Manteigas
1970-12-26
Esperança! Grande alavanca, esteio bem firme em que os homens see estribam! Enquanto existir, o desespero não assenta arraiais! Mas olhe lá, boa vizinha, não será uma ilusão?!
Ela - Ainda que o seja! Mesmo que o fosse! Até nesse caso, seria bela a esperança!
Como doura as coisas. tornaria suportável a cruz da vida! Sobrelevando â própria realidade, tem o condão de aviventar os pobres mortais, na mira de alcançar aquilo que intenta.
A posse das coisas é já desilusão! A Facilidade ainda mais! Longínquas, trabalhosas, mais belas se apresentam as coisas desejadas!
Ele - Na verdade, perder os bens, é dano muito leve;; perder a saúde, algo pior; perder a esperança, nada mais a perder! É que não há base, em que assente a existência! Ainda é mais necessária que a luz e o calor, procedentes do Sol!
Esperemos, então, ainda que, realmente, seja impossível!
Ela - Isto de chor adeira, quando todos cantam,é que não gruda!
Ele - Inteiramente de acordo, exsepto num ponto. A cara
Vizinha já pensou alguma vez no que é o Natal, para muitos infelizes?! Juulga, talvez, que traz alegria a todos os lares?! Nesse caso, engana-se, em pleno! Eu até drei ser mais ditoso e alegre só para as crianças e pouco mais. Se não vejamos.
Entre as próprias crianças, quantas delas há que não chegam a saber o que é o Natal?! Umas preteridas, abandonadas, repelidas outras ou enjeitadas! Se as trouxe o acaso ou a loucura as fez surgir?!
Ela - Que rosário longo de tragédias e dores vai pelo mundo! Nem as próprias crianças poderem ter um Natal feliz
Ele - Sabe agora que não! Como passa a quadra quem é só no mundo?! Adulto ou criança, pouco isso importa!
Enterneço-me, é verdade, perante a criancinha que não tem ninguém, mas o adulto é mais infeliz, por haver conhecimento do seu estado miserando, em que apenas vegeta! Promessas incumpridas, sonhos desfeitos, traições e frustração, crua deslealdade, negras ingratidões!
São estes realmente, os grandes infelizes, que a ninguém interessam!
Ela - E quem teve culpa do seu mísero destino?!
Ele - Às vezes, eles próprios, devido à imprudência ou leviandade; outras, ainda,é o meio desastrado, em que giram suas vidas, tendo agora em vista o meio económico, social e religioso.
Ninguém pode libertar-se do meio em que vive! As
Circunstâncias forçam e logo constrangem, Vocações falhadas, caminhos impostos, ou ainda torcidos, ideais que se impingiram,
Dourando a aspereza ou ainda ocultando a própria verdade.
O Natal para estes é bem mais doloroso, se não mesmo trágico do que para outrem!, incluindo as crianças!
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Manteigas
1970-12-27
Ela - Será melhor então escolhermos outro assunto, retomando assim o fio da conversa que, há dias, nos ocupava.
Ele - Se bem me lembro, trata-se da leitura.. Este meio é
muito outro do que foi outrora! O nome da terra deixa entrever, não é segredo,, agricultura ocupações humildes, atinentes à pecuária e pastor ícia.
Podemos hoje afrmar que essa actividade é, como se. realmente, houvesse terminado, ao menos em parte! O que tem mais importância, em nossos dias, é de facto a indústria e as as actividades, ligadas à floresta; agricultura e pastorícia ; ficam abaixo.
Ela - Estou vendo, desde já, os efeitos necessários dessa marcha crescente: elevaçã imediata, ao nível cultural; promoção humana; valorização do mesmo trabalho e assim, da inteligência. Que mais direi eu?!
Ele - Na verdade, assim é. Mas tudo isso não foi obra do acaso! Jogo, sim, de forças criadoras, espíritos iluminados que deram a Manteigas a luz da sua mente e a bondade generosa de seus corações
Manteigas
1970-12-28
Ela - É, pois, evidente que a chamada evolução, no meio social e económico, foi bastante acentuada, principalmente nas últimas décadas. O surto de progresso deixa entrever-se na
Maneira de vestir bem como de falar; na higiene pessoal; nas diversas vias de comunicação e meios de transporte; em casa arejadas e muito bem expostas; fundos monetários; alimento e bebidas e também na cultura das gentes.
Cá estamos nós chegados ao ponto exacto, donde havíamos partido. Uma coisa puxa a outra, claro se deixa ver! Se
Nem tudo está feito, há muito realizado, e a cultura dos povos levá-los-á, de facto, a efectuar o que está por fazer.
Ele - Essa conta bem sai, como diz o povinho!. Há, com efeito, muita gente cursada, a partir do Liceu e da Universidade.
Neste capítulo, desempenha bom papel o Colégio local. Como
Prova de eficiência, basta reparar nas aprovações que já conta em seu activo e nas possibilidades que forneceu, desde início, às famílias modestas ou com muitos filhos.
Ela - Estou vendo isso. As famílias sem recursos, não podendo enviar seus filhos e filhas para fora da vila, tinham de ficar-se, de braços caídos!
Ele - Por outro lado, veja o movimento que se verifica, diariamente, com destino à biblioteca! Gente que vai, gente que vem, interessada em ler d esejosa, ao máximo de enriquecer a sua cultura.
Quanto ao proveito da própria leitura, isso já depende, como é evidente, dos recursos pessoais: argúcia de base, poder de raciocínio; faculdade rica de assimilação; cultura geral e outros factores. Seja como for, o rendimento é já positivo.
Ela - Que seria necessário, para que a leitua rendesse ao máximo?
Ele - Bom! Isso é um tanto complicado! Apontarei, no entanto, alguns requisitos: não ligar, geralmente, importância demasiada a dados secundários bem como ao enredo;
prender-se em extremo com as ideias do próprio autor procurando extraí-las com a máxima clareza; anotar com interesse a forma literária e primores de expressão; enquadrar o assunto, na época literária e respectivo período; descobrir se o auto viveu a fundo, os problemas do seu tempo e se realiza também as características da Escola literária; investigar ainda se ele é original e tem personalidade; não passar despercebida a sua justeza de ideias e o equilíbrio moral.
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Manteigas
1970-12-29.
Ela - No tocante ao Colégio, que pensa o vizinho?
Ele - Olhe, boa amiga, tal instituição é o número um da vila de Manteigas ou qualquer agregado. Recordo agora a frase sonante dum escritor francês:”Abrir uma escola é fechar uma cadeia!”.
Vítor Hugo tinha, de vez em quando, tiradas magistrais ,
Ela - Essa frase notória, salvo o respeito ao grande luminar, é um pouco suspeita!
Ele - Não vejo porquê! Não acerta melhor quem tenha os olhos abertos e os volte breve para o exterior do que outro sujeito que apenas abranja o que vai dentro de si?!
Ela - Sim, tem razão, mas no caso em foco, as coisas, a rigor, não se apresentam em termos iguais!
Ele - É indiscutível ser o Colégio uma bênção para a vila,
devendo, portanto, ser acarinhado por todos os habitantes. Quem fizer o contrário nem é bairrista nem preza o que é belo, necessário e útil!
Casos pessoais nada interessam: devem mesmo esquecer!
Salvemos, defendamos as fontes maravilhosas, geradoras de energia, para acompanharmos os povos civilizados, atendendo assim ao apelo da História.
As instituições figuram como as pessoas: precisam de carinho, compreensão, vigor e alento.
Destruir é fácil; difícil construir e manter funcionando
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Manteigas
1970-12-30
Ela - Voltando uma vez mais ao assunto de ontem: a quem pertence o Colégio e que interesse é que ele serve?
Ele - Como propriedade, é particular; como instituição, é da vila inteira, pois serve os interesses da população. Não existe ali acepção de pessoas: todos são bem-vindos e tratados por igual. As duas paróquias - S. Pedro e Santa Maria - estão, de facto, em pé de igualdade.
Ela - Julgava eu que, por estar em S. Pedro, nunca desse atenção aos problemas da vizinha!.
Ele - Nada disso! Até já teve Mestres da outra freguesia! Agora me lembro de que o mesmo pároco foi chamado também a colaborar! Como vê, não se faz ali, de modo nenhum, acepção de pessoas nem reserva os benefícios para dados sujeitos. A luz do Sol, quando surge no horizonte, é para todos: bons e maus, grandes e pequenos, ignorantes e sábios, plebeus e nobres.
Instituição do género é a melhor das luzes e, à maneira do Sol, a todos contempla.
Ela - Que dizer também, sobre a má vontade que separa as freguesias?
Ele - Olhe, boa amiga, não quero pronunciar-me nem descer a factos que dêem nas vistas! Sabe? Não tenho de feitio melindrar ninguém. O que me parece é que isso, na verdade, se vai limando, pausadamente, com enorme proveito, para a vila inteira.
As novas gerações, mais avessas à discórdia, entendem, com razão, que é melhor dar as mãos e trabalhar em comum. Lá
Diz o ditado: A união faz a força!
Ela - E a fábula dos vimes?
Certo homem, já velho, que tinha sete filhos…
Ele - Ah! Eu sei-a há muito já! É bastante curiosa! Sabe, vizinha? O que o mundo precisa é amor e não ódio! Neste aspecto, os novos de hoje estão vendo melhor as coisas censuráveis, rixas velhas, altercações, a má vontade, inveja e ódio para que servem?! Que lucro trouxeram as velhas discórdias?! Em que podem ser úteis?!
Ela - Inteiramente de acordo!
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Manteigas
1970-12-31
Ela - Gostaria imenso de que informasse, em ordem ao , Colégio, sobre o seguinte regime interno, método seguido pedagogia aplicada, aproveitamento e o que resta ainda.
Ele - De boa vontade, tanto mais que isso me é grato em extremo, na medida exacta que posso elucidar.
Fundado há ano pelo actual Vigário da paróquia de S. Pedro, tem prestado às famílias benefícios incontáveis Para tanto, rodeou~se o Director de vários professores , zelosos e dinâmicos, que têm levado a cabo a tarefa do Ensino, com aproveitamento, sem desdouro algum.
Ela - poderá ombrear com outro qualquer, em iguais circunstâncias?!
Ele - Sem dúvida nenhuma!! É verdade segura que não faz propaganda, quanto a resultados, obtidos nos exames, mas nem por isso é menos brilhante a folha de serviços! As estatísticas falam por si!, no que toca à Primária,, Escola Preparatória e Curso Geral
Ela - Não teve ele já o Curso Complementar ou seja o 6º e 7º?
Ele - Sim e podia tê-lo ainda, se houvesse alunos, para se manter,. Como ia dizendo, há poucos momentos, o Corpo Docente é bem intencionado e assaz trabalhador.
Em questão de método, utilizam eles o chamado meio termo: nem a dureza e rigor do passado nem o flexível e assaz macio da época presente.
Ela - Mas bom amigo, não acha melhor a pedagogia actual, que proíbe, terminante, os castigos físicos e deixa o aluno entregue a si próprio, olhando a liberdade como intocável?
Ele - Não acho, não! Essa teoria há-de ser adaptada, olhando, com atenção, às várias circunstâncias diria peculiares, que rodeiam os alunos.
O lar paterno, onde correu a infância e parte da adolescência tem a palavra, a este respeito. Não se ignora que a preparação no lar, em diversos casos, deixa muito a desejar.
Se a criança apenas cumpre, temendo o azorrague, não vejo alternativa, ao menos em princípio. Não vem assim habituada?!
Para sairmos do círculo vicioso, urge dosear a cara liberdade, alternando-a, gradualmente, com a chamada responsabilidade.
Urge educar os pais, afim de utilizarem meios diferentes, no trato com os filhos. Formar a consciência, levando as crianças, por modo gradual ,a assumi,r em cada caso, a responsabilidade.
De outra maneira, impossível se torna evitar castigos, no mundo luso.
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Angola-Cuangar
1976-01-21
No dia de ontem, partiu um casal, rumo ao Calai, onde vivem acampados, há coisa de três meses, 13 dezenas de refugiados, todos portugueses. Este número, porém, vai engrossando com os fugitivos de várias cidades: Serpa Pinto, Moçâmedes e Sá da Bandeira.
O ambiente psicológico, em que todos vivemos, é já o pior que possa imaginar-se. Para infelicitar, bastaria, na verdade, o pensamento constante do que vai ocorrendo: deixar tudo para trás - bens, emprego e casa; planos e sonhos e tantas vezes, a própria vida daqueles que amávamos!
A insegurança actual, a incerteza do futuro e a falta de recursos, até mesmo para fugir, tornam isto um calvário: viaturas arruinadas, carência de combustível, esperança destruída!
Se não morremos todos, à fome e ao frio, é que a nossa vizinha, a África do Sul, ainda vai ajudando os que vivem no Calai! Nós, aqui, se tivéssemos randes, compraríamos tudo, do outro lado (
(Sudoeste Africano), onde nada falta, mas onde estão os randes?!
Os nossos patrícios, Duarte e Teresa, que ontem nos deixaram, levam três crianças e não têm que vestir! Largaram tudo, ao longo do caminho, na fuga de Serpa Pinto. A viatura enterrou-se na areia e ficou abandonada. Copor aí que já foi assaltada, roubando o que havia.
Hoje, vive-se do roubo. Criou-se por aí, mentalidade própria, que é já padrão e nova moral: ser um triunfo, locupletar-se, desta maneira!
Os que votam a vida a transacções de tipo comercial l e dispõem de meios, enriquecem depressa ,aproveitando o momento! Uma simples garrafa de vinho Porto custa, para logo,
600$00; uma de wisk sobe logo a 1ooo$00; qualquer artigo de 15 cêntimos, comprado no Sudoeste, é vendido aqui por 50 e mais!
Uma garrafa vulgar de vinho corrente, obtida por 1 rande, além´, no Sudoeste, é vendida por três!
Note-se ainda que pagam o rande a 200$0, havendo já chegado aos incríveis 500!
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Cuangar
1976-o1-22
Vivemos do boato e nutrimo-nos de angústia!
Esperando sempre dias melhores, ouvimos atentos o que dizem todos, à volta de nós. Mil coisas se espalham, seguidas logo de amplos comentários, adaptados aos factos. Derramam-se ais fundos e cai-se chofre em longo cismar.
Avança triunfante o MPIA, que tomou a Cela bem como
Santa Comba, às tropas da UNITA. A FNLA iniciou, no norte, a guerra de guerrilha. O pavor aumenta. Nada vale esperar!
Angola, ao presente, necessita um governo, venha donde vier!
Dos três Movimentos ou apenas dum só? O melhor de todos seria a coligação. Será possível, em África?! A experiência
cria hesitação. Ambição e cobiça, falta de maturidade e interesses estranhos fizeram disto um grande fiasco!
Haja quem governe! Acabe a anarquia! Cesse o latrocínio!
Angola a saque! O MPLA, atendendo ao que se passa, nestes dias sombrios, tem boa orgânica, aparentemente. Grande pena é que seja marxista, em que a fé religiosa não tem cotação!
AVoz da Alemanha propalou hoje haver, ao que sabe, 10000 Cubanos a lutar em Angola!
Se bem compreendi, a Ilha de Cuba prepara, diariamente 200 homens, para lançar em combate. Não sei a valer, quem tem razão! Quem vai lucrando são, na verdade, as grandes potências
Que vendem, a capricho, o seu armamento e empregam os homens!
Por aqui, afinal, é tudo ruína! Quem nos acode! Avança glorioso o MPLA! Poderá, na verdade, assegurar a paz, em zona
Tão extensa e com tantos inimigos?!
Os outros Movimentos e as nações vizinhas continuariam a luta armada .
Vejamos agora como a Rússia respondeu aos Estados Unidos: “ I have no question, about Angola! It isn` t my Country !”
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SWA Nyangana
1976-01-23
Chegou, por fim, o que tanto desejava! É verdade incontestável que, neste mundo, nada há que satisfaça! Ansiava,
noite e dia, que chegasse a nomeação. Esta efectiva-se, e a tristeza não me larga! Não tive eu de separar-me das pessoas que amo?! Assim, fica a alma destroçada, pelo mundo além!
Um mês, no Catuítui, Campo de Refugiados; 4 no Cuangar, onde o bom Padre Abílio a todos acolheu!
Cinco largos meses de alto nervosismo, em que a guerra e o terror foram pão de cada dia. Só colunas militares a troar a toda a hora, à volta de nós!
Canhões e blindados, em fortes arreganhos, que logo intimidam! Aviões a cruzar-se, levando a destruição a todas as partes da querida Angola! Deixe-a com saudade, mas ela está perto. Do outro lado do rio, acena-me triste, e eu leio nos seus olhos! Impressão minha?i
A verdade, nua e crua, é que a amada Angola se apresenta melancólica e me toca fundamente! Ai! Angola querida! Recebeste o sangue vivo do luso coração, que te amou e defendeu! Deixei-te com pena! Durante 500 anos, percorreu os teus caminhos o povo português
Nenhuma força existe, no mundo habitado, que apague e destrua essa marca indel«evel! Revela-a o teu rosto! O caldeameno luso é feito de amor,sorriso e ternura:não ao som dos canhões! Aquilo fica na alma, gravado para sempre em letras de fogo!
Minha Angola idolatrada, que encerras no teu seio on corpo infeliz da Maria Margarida, a desditosa que foi assssassinada, em Silva Porto. Pelo crime de te amar!
Jamais te esqueceei, terra de mil encantos, onde fui tão
Feliz, em dias de paz!
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NYangana
1976-01-24
Desliguei-me de um mundo e encontro-me noutro.
Afinal de contas, é bom o princípio, não obstante os problemas que se antolham, desde já : Línguas doutro ramo que não o latino,costumes diferentes, dificuld ades enor mês que os 57 anos trazem sempre consigo, e não sei que mais ainda.
Deus me acuda! As imprssões de ontem, que foram as primeiras, deste mundo novo, não desagradaram. Ficarão, pois, registadas em pobres Diários
Quanto à minha viagem, nada a interpor, não fora a travessia, na jangada do Cuangar. A li é que foi o bonito! Venderam as gentes, levianamente, as pranchas de serviço. Que eram grandes e adaptadas, fazendo agora as vezes delas duas tábuas, algo estretas.
Foi por estas, na verdade, que o Taunus deslizou mas com tanta desventura, que esteve prestes a mergulhar no rio Cubango. A entrada correu bem,; quanto à saida, emoção e alarme!: guinou à esquerda, ficando, desde logo, a pontos de cair! S uores frios e fortes cobriram-me o corpo, nessa hora azarenta!
Enfim, com muito esforço e boa vontade, puxando todos ali como valentões, durante a subida, conseguiu-se o milgre!
A via pública é de terra batida. Foi há pouco arranjada. Para carros pesados, não aparecem quaisquer dificuldades! Viaturas delicadas… entram na desgraça! A trepidação, que raramente cessa, ao longo da estrada, põe os braços num molho!
Enfim, percorridos na calma 2oo e tal quilómetros, che guei à Missão, onde o almocinho não se fez esperar! O padre Hermes Wirth, como o Superior foram muito amáveis.
Em seguida, fui ao Liceu, para avistar-me com o Reitor.
Obtida a informação que tinha em vista colher regressei a Nyangana, para arrumar o quarto, na Missão Católica, onde fico instalado.
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Nyangana
S .W.A-Namíbia
1976-o1-25
Como já disse, a viagem foi boa. Acompanhando sempre o rio Gubango, não havia que enganar! Ficava sempre à esquerda,
rodeado aqui e além, por cubatas de indígenas.
Do outro lado, era a nossa Angola, que também me seguia, em corpo e alma Houve cer tas ideias que foram obsidiantes:
Suapo e terrorismo; seguir pela esquerda; bois e cabras, na e strada; ultrapassar o Liceu, não me apercebendo de que tal ocorresse!
Apesar de tudo, não houve azar!
As espinheiras, agora reverdecidas por chuvas abundantes, servem de cobertura ao esperto capim! Às vezes,
Iludia-me: afigurava-se breve imensa alameda, alindada pelo homem, onde logo apetecia repousar… esquecer! Impossível
fazê-lo!
Viajar é de dia ! Para mais em terra alheia, totalmente ignorada! Nkurenkuro-Tondoro: 28 quilómetros; daqui ao Rundu, mais 112; da cidade à Missão, mais 113; daqui ao Liceu,
16 quilómetros. Dá, se não me engano, 269 quilómetros.
As emoções da viagem tornam desde logo, o dia pesado! À
Noite, estava exausto e não dormi bem: acordei à meia-noite
Que zonas estranhas e que toada impertinente, ,,melancólica, sinistra! Não sei muito bem o que parecia! O efeito
Notado semelhava, a rigor, o de serra manual! Durante a noite, era constante o vai-vem da serra, notando-se claro, de quando em quando, muito breves paragens!
Engenhos desconhecidos, ali no Cubango?!
Pela madrugada é que foram os trabalhos ! Quis sair de casa, mas não foi possível! Era tanata a água que dava a impressão de
Vir em caudais, por um céu rompido! O chão a pisar assemelhava-se a um rio, cujas águas furiosas caminhavam sem descanso!
Quem me dera botas altas! - disse eu então para os meus botões. Era a cântaros! O que dá jeito é o fim d e semana! ( sábado e domingo!)
As nossas aulas são de manhã, cabendo por semana, 35 tempos aos primeiros anos.
Cada tempo escolar dura somente 35 minutos.
Nyangana
1976-01-26
São agora 6 e trinta. Já estou preparado. Às 7 e trinta,
arranco para o trabalho. Sendo o primeiro dia, é cheio de apreensões. Bem pesaram estas na mente agitada pois que o sono de três noites, que levo na zona, foi algo interceptado.
Na pr imeira delas, acordei à meia-noite; depois, na segunda, a um quarto para as três; na terceira final, às três e meia. Decrescimento evidente da tensão nervosa. Estou sozinho, num país estrangeiro, em que tudo é diferente.
Já me não cobre o céu de Portugal nem ouço falar ou ain- da cantar, em língua portuguesa! Tudo aqui é estranho, embora rodeado de atenções e interesse!
Fosse eu rapaz ainda! Nada haveria que receasse!
Apesar de tudo, com Deus a meu lado, conseguirei os meus objectivos. Como é novo para mim este mundo em que vivo, e
todo bem diferente daquele que me embalou, procurei, nos meus papéis um mapa de Portugal Havia de ter um! Lá estava dobradinho, com muito jeito e até elegância, como a gente faz sempre às coisas preciosas, que ama deveras
Desdobrei-o então , fixando-o ali algo enternecido e remontei, deliciado, `Pátria dos Rouxinóis. Que eles bem sabem onde é grato cantar! Nunca mais dobrei a Carta, permanecendo estendida, sobre a mesa de trabalho.
Aqui está ela, em frente dos meus olhos, a lembrar-me o que fui e deixei já de ser! Faz enorme bem contemplar este mundo, tão vivo e amado, enquanto de frente, me fixam em mudez, as figuras apagadas dos entes que amei!
Uma delas está rindo, envolvida em flores: enlevada e mriga, sorri para a vida, que alguém lhe roubou, a 8 de Maio de1975.
Nyangana
1976-01-27
Decorreram em calma as primeiras aulas
Habituado como estava a canalhice e desordem, fiquei maravilhado com este ambiente! Confesso, em voz alta, que me enche as medidas. Às 7 menos 15, hora regional, encontrava-me já, no Liceu Técnico.
Não vou dizer que é preciso madrugar! Às 4 e 30 da velha Europa, é logo e pôr acima. Assim fiz eu, para tudo correr bem.
Na verdade, fazer os preparativos, comer alguma coisa e percorrer, depois, 16 quilómetros, leva seu tempo . Isto, é claro,
não contando, já se vê, com alguma pirraça, que me caia de improviso um furo de pneu; estrada empoçada. gado ovino e caprino. Os animais, em regra, vão dormir à via pública e não querem levantar-se logo tão cedo!
Andando nervoso, acordei mais cedo! O 25 de Abril ou melhor ainda, o seu evoluir criara-me problemas.
Ir para a s aulas, após essa d ata, era encaminhar-me ao pretório da amargura! Graças a Deus, pois aqui é diferente! Não vi despotismo: antes convicções, aprumo, distinção!
Que bem eu me sinto, num ambiente assim!
Liberdade e convicção, auto-domínio e personalidade!
Materiais escolares que o Mestre precisa é só ir buscá-los .
O Estado fornece-os sempre, gratuitamente! Bendita fartura!
Não parar diariamente e havê-lo feito sempre, desde que nasci!
Bom! Que ao menos o fim seja um pouco animador!
O corpo docente, ao que me parece, é todo protestante, Apesar de tudo, começa rezando o dia de trabalho Que bonito é e que lição para muitos!
Estou satisfeito, de caminhar para Sul!
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Nyangana
1976-o1-28
Agora, já posso elaborar o horário de trabalho, que vou estando ao corrente do mais importante. Dizia-me o Padre Baetsen, aqui há dias: Beginnigs are always difficulr.
É bem verdade. O princípio arranha, de maneira forte e gera dificuldades!
Com o tempo em cima, vai-se tudo aclarando e torna-se mais fácil. Uma coisa, por
Em, é mais que certa: começar é bom, mas para jovens! Aos 50 anos, perde-se a cartada! O que me vale a mim são as bases que tenho e a grande experiência, adquirida, no passado! De outra maneira, não era possível!
Ensinar Inglês, numa nação estrangeira, cuja língua oficial é também a Inglesa, até parece um sonho! E há uma grande verdade que ninguém contesta: só nos despachamos, convenientemente, na língua suave que aprendemos em criançs e que a nossa mãe transmitiu com o leite.
Eu cá vou indo ( melhor do que pensava). Entretanto, há momentos difíceis! Outra barreira que dá água pela barba: não
saber Africânder Para as minhas aulas não interessa, mas para falar e tratar com o público, fora das aulas?! A língua mais falada, ao Sul de Angola, é, de facto, o Africânder!
Com o tempo rodando, as outras duas línguas ( (nglês e Alemão) irão dominando, pouco a pouco, se não houver, de facto, intervenções ou desvios políticos. Vejo-me, pois, forçado a aprender línguas novas e a relembrar também o meu Alemão! O que isto representa de esforço e trabalho, aos 57 anos!
Preparar a s lições, fazer o meu Diário, rever os anteriores
Corrigir os exercicios; qualificar e lança r em breve a escrita exigente das frequências mensais, é realmente exaustivo!
Juntar a isto 6 aulas diária…
N ecessidade obriga e tenho de aguentar!
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Nyangana
1976-o1-29
Após quase uma semana, em contacto frequente com as lidas habituais, é fácil, pois, elaborar o meu horário. Não posso descuidar-me e hei-de ser pontual, pois que as minhas aulas começam, às 7 horas. Um quarto de hora antes,
Vamos todos rezar. O pessoal docente bem como o discente
Congrega-se em pleno, no grande salão.
Acho bonito! Julgava eu que era somente , pela abertura do ano escolar mas, ao que vejo, é função quotidiana. Quando
Chegamos, já os nossos alunos se encontram em forma, ao longo
da quadra; no proscénio, ao cimo, tomam assento os professores.
A primeira parte é um canto religioso; logo em seguida, lê um docente um passo da Bíblia, a que segue a oração, utilizando-se uma das seguintes línguas: Africânder, Inglês; Alemão ou Dirico.
Segue-se, depois, a ordem do dia, transmitida pelo Reitor.
A isto que digo, sucedem as aulas, todas pela manhã. À s 13 e 20, acabam as tarefas. Para mim, é coisa excelente! Devendo às estar no Liceu, às 6 e 45, é forçoso levantar-me, às 5 e 30.
Há coisas diversas que precedem as aulas, não contando já com a pobre estrada, que é, na realidade, um montão de empecilhos. Se estivesse livre e fosse alcatroada, eram só 10 minutos, mas como ela se encontra!...Nem falo já no deplorável estado em que as chuvas a põem! Embora reparada, uma vez por outra, há diversos lugares , feitos em papas, devido às chuvas!
O pior não é isso! O gado que lá vive constitui um perigo enorme! Lá vão dormir as cabras e os bois, assim como descansar. Chamo-lhe com verdade, sala de estar, durante o dia, e dormitório, ao longo da noite.
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Nyangana
1976-01-30
Hoje, foi um caso sério a condução do meu Taunus!
Arranquei da Missão, às 6 em ponto, mas cheguei mais tarde, por causa do Sol. Batia-me de frente e era tão vivo, que tolhia a visão. Fosse apenas isso! Centenas de cabras, confiadas em excesso, dormiam na estrada, ocupando-a totalmente , o mesmo fazendo os enormes bois, cavalos e burros.
Por outro lado, os poços de água abundavam também, constituindo, sem dúvida, obstáculo medonho! Julgava eu que algo aborrecido iria acontecer-me. Entretanto, Deus acompanhou-me ou Santo António, correndo tudo bem.
Em razão do exposto. Resolvi o seguinte: levantar-me bem cedo e partir para o Liceu, antes que no horizonte aparecesse o astro . Talvez às 5 ou antes ainda, em vez das 5 e 30. Havendo eu
de fazer isto, o que não acontece, em dias de chuva ou céu enevoado, passo a dispor de casa própria (flat)
Já falei no caso ao nosso Reitor, a , quem pedi uma mesa e cadeira respectiva, bem como estante, para arrumação de livros.
Respondeu afirmativo, mandando um colega indicar-me o local
É pequeno, sim, mas bastante airoso: um autêntico brinquinho.!
E o fogão de cozinha?! Alto lá com ele! Tem 4 bocas! É quase monumental! Tivesse eu tempo de lá cozinhar! O guarda-fatos é enorme também, podendo ali depor tudo o que possuo, neste
mundo!
À entrada, pela banda de fora, avista-se, desde logo, uma garrafa de gás, que tem quase a minha altura. É o governo da África do Sul que oferece tudo isto aos professores.
Estas regalias são devidas, a rigor, ao facto do isolamento e
a ser zona de guerrilha. É um sítio perigoso, junto d fronteira, onde a vida se encontra exposta! Por esta Frazão, não querem o lugar, aproveitando-se dele os mais necessitados.
Por enquanto, vivo na Missão, deslocando-me sempre ao Liceu Shashipapo. Sinto-me lá bem, mas o contra da estrada, com tanto gado e lamaçais tremendos!
São os espinhos que a vida apresenta e me fazem doer!
Quando chove muito, são tudo poças de água e todo aquele barro a salpicar a pobre viatura!
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Nyangana
1976-o1-31
Finda o mês inicial de 1976! Bom ou mau? Quanto a mim, se tenho presente o caso pessoal, digo que foi bom, pois achei ocupação, embora já se vê, num país estrangeiro. O pão é
Necessário como o ar que respiramos.
Além de mim, estão ainda esperando mais 5 pessoas, que eu intento ajuda, por se encontrarem, na suma desgraça, num
Campo de refugiados: minha irmã e família. Já tenho mil saudades e, se não fosse que o tempo vai preenchido com inúmeras tarefas, não seria capaz de suportar esta ausência.
Custa de morte ver a pobre irmã, num campo imenso de concentração. Tudo farei, para retirá-la, o mais breve possível, do incómodo lugar.
Era já tempo de moderar o labor, mas agora, infelizmente, é que ele redobra. Enfim, paciência! Confio em Deus, que há-de compensar-me; não rejeito a fadiga nem volto as costas aos grandes problemas, que o tempo criou.
O céu, após a morte vale bem as canseiras . O ambiente não é mau. Ontem, por sorte, houve um belo feriado, tendo um fim de semana que durou três dias. Nada mau, para início!
A comitiva especial dos chamados Serviços de Educação, a
Trabalhar no Cavango, veio até nós
É formada por 18 pessoas, entre as quais o Ministro (preto) e o seu Secretário (branco); o Inspector do Ensino e o seu Secretário (branco).
Houve almoço excelente (copo de água), discursos e cantos.
A minha presença, no tablado escolar, em razão de ser de fora, é já conhecida. Fiquei à esquerda do ilustre Secretário da Educação, que me fez ali várias perguntas e disse gostar muito do meu Portugal
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Nyangana
1976-02-01
Começou já o segundo mês que, para mim, não é banal Efectivamente, foi nele que vi a luz, não esta que me
circunda, mas outra mais bela - a dos olhos maternos. Não posso afirmar que,de facto, a vi logo, mas sei com certeza que ela me viu a mim: viu-me e ficou, por tempo sem fim! …
E que luz foi essa, a luz do seu olhar, um olhar sem igual, tão doce e meiguinho, tão cheio de promessas! Acompanhou-me sempre, ao longo da vida, até que fiz um dia, 46 anos, após a sua morte.
Lá do Alto Céu, onde é tão feliz, continua a dardejar, sobre o filho que gerou! Morreu em 1964, no mês de Novembro. A caminho de 13 anos, sem presença tão amada, a presença tão amada de minha santa mãe! Acompanha, excelso anjo o filho que geraste para vida tão árdua! Roga ao bom Deus que eu não me perca, nestes ínvios caminhos, que trilho penosamente e rego de lágrimas, tristes e amargas!
A luta pelo pão a tudo me obriga! A 19 do corrente, já caem 58! Sinto, na verdade que estou envelhecendo, mas tenho de lutar! Vencerei, decerto, por Deus do Céu e a virgem Senhora, as mil dificuldades que agora se deparam no meu caminho! Tantas elas são, à data presente!
Levantei-me, às 3 e 30, iniciando logo o meu dia de trabalho! É hoje domingo, é fim de semana, mas eu não descanso!
Deus nosso pai tudo fez bem: são os homens, na verdade, que desfazem sempre o que topam no caminho, levados pela cobiça, devorados , em suma, pela ambição!
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Cavango-Rundu
1977-05-08
Passa hoje o aniversário dum crime nefando: assassinato infame da querida Guidinha !
Dezasseis e oito. Ouço no Bié (Silva Porto) o sinal da vilania:
Um tiro monstruoso, disparado por um negro, à ordem injusta
o comandante Tigre. De facto, só um tigre podia levar a efeito
acção tão soez!
Quando o justo Abel, filho dilecto do primeiro casal. foi assassinado, veio Deus em defesa, com estas palavras “ sangue de teu irmão clama da Terra por mim!”
Foi isto endereçado ao injusto Caim, irmão do infeliz.
O sangue inocente da Maria Margarida, clama da Terra, pelo nosso bom Deus! Era inocente, alma pura e bela, que honrava o seu Deus, respeitando a família, que muito lhe queria!
Finalista do Liceu, conversava animada, ao fim do intervalo.
Faltavam dois minutos, para entrar na sala de aula. A bala, porém, instalando-se no cérebro, não permitiu que voltasse à vida.
Caiu para sempre, no traço da porta, sendo impossível articular palavra!
“para sempre”, neste mundo!
Assim perderam seus pais a filha estremecida, e eu também a sobrinha querida e afilhada que a todos deixou, mergulhados em pranto! Com ela se foi a alegria, ficando a saudade a pungir-nos o peito.
Hoje, rezarei por ela ao Senhor da vida, para que Ele a tenha em glória. Como prémio justo de seus actos bons.
O comandante caiu no Lobito, varado por balas que actuaram no seu corpo, em volta do punhal que o havia atravessado. Assim me informaram.
Quem com ferro mata, com ferro morre!
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Rundu
1977-05-09 Visita de Alvoroço
Nunca, em vida minha fiz tantas diligências e vi, pessoalmente, fazer outras tantas, por motivo de inspecção
Parece agora certo o dia que vem: 11 de Maio. É quarta-feira.
Reina apreensão no corpo docente. Apesar de tudo, não vejo
Porquê.
Segundo creio, todos são cumpridores. Eu, se melhor não fiz, não sou culpado. Não é certo que levo tudo em dia?! !
Que venha ela, pois, em muito boa hora e nos traga assim a paz desejada. De nervosismo tenho eu vivido, ap´s 74!
Não intento dizer que o 25 de Abril me fizesse mal As consequências, porém, e o ambiente criado é que desluziram,
por causa dos governos! Es ta manhã não tive um momento que dissesse meu! Os próprios intervalos me foram roubados ! Melhor diria: fui eu que dispus, afim de cumprir! Não gosto, não, de coisas retardadas!
Havendo saúde e boa disposição, é arrumar! Para quê, afinal, guardar trabalho e juntar canseiras?! São já bastantes aquelas que me traz a lufa diária! Fico sossegado e repouso melhor, com tudo em ordem!
Por isso, agora, após a manhã que foi trabalhosa, estou fatigado, embora tranquilo. Finalizou também o pesadelo do Rundu! Efectivamente, apodrecer esperando, com a vida a recuar, não é ideal!
Acaba de chegar um veículo da tropa, que me leva, num pronto! Calhou bem! Nervoso como andava, nem dormia em paz
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Rundu
1977-09-10 Decorre a Prova Escrita de Língua Alemã.
Está dando provas a turma do 6º ano. O número de alunos sobe a 45 e noto com agrado que todos se esforçam por
mostrar, visivelmente, que o trabalho dá lucro.
É mista a classe e dá que fazer! Ultrapassando os 20, já não sei trabalhar! Parece multidão, em que as partes se diluem, ficando só a massa. Olhar devidamente a caso particulares, ra- rmente ocrrerá.,O tempo não permite. Para mim, estrangeito da Europa, há vários problemas: nomes esquisitos; psicologia destes nativos; traços escuros que dificultam muito a identificação. Apesar de tudo, luto para acertar e, se mais não faço, é porque não posso!
O segundo período vai sendo enervante, por causa da Inspecção! Segundo consta, vem amanhã. Preparativos de vária ordem, exigências de escrita, mil pormenores a que obriga a Direcção, puseram-me nervoso, chegando a não dormir. A tal
Ponto fui levado, que durmo sem medida, há já duas noites.
A ida ao Rundu, por causa do Médico, foi também excitante! O que toca a operações, para mais, delicadas, é sempre emocionante, criando, a breve trecho, ambiente de mal-estar.
Assim decorre a vida, com altos e baixos, até que Deus chame para um mundo melhor Daqui a um ano, estarei perto do fim?
Já se aproximam as férias de Junho. Que o Céu as traga, muito em breve, para alívio da alma e repouso certo do coração!
Longe da guerra, distante dos canhões e livre de balas, contemplarei, extasiado o céu de maciez, que vi, em menino!
Deus traga, em boa hora, o céu imaculado que os meus olhos de
criança fixaram primeiro, nos olhos luminosos da mãe que me criou.!
Azul e macio, puro, aveludado, empolgante e fagueiro, sanará tantos males que agora me atormentam!
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Liceu Linus
51977-05-26
Contra os meus hábitos, acordei sem esperar, aos 30
para a uma. Fiquei alarmado, pois não eram ainda as horas dormidas! Quatro apenas, só por doença! Tenho sono global .
Ao despertar, é para erguer! Pus-me logo à escuta, para descobrir se o ruído exterior havia intervindo Em zona operacional, tudo se espera!
O diabo não dorme e, dum momento para o outro. tece-as boas! Doía-me a cabeça que acorda afectada e já não dormi!.
Havia, na verdade, um sonido forte, causado pelo vento. Chovia também e, caindo a chuva, ao longo dos telhados, ficava a impressão de qye era um dilúvio ou que mil diabos se haviam reunido, para dar combate, em cima do prédio.
As casas são térreas e s eus telhados, de ferro zincado. Ocasiona o facto barulho descomunal, que muito assusta, quando não esperado!
Realmente, em Maio, não costuma chover! É a segunda vez, que tal acontece.. Seria a despedida ? É prováve que sim!
Seja como for, a noite, para mim. Não satisfez! É a razão pela qual estou mal disposto e cheio de sono! Tentarei reagir, para que os outros não sejam molestados pela minha aparência!
De nada têm culpa. Não me assiste o direio de produzir mal-estar, seja em quem for!
São já 6 e 30. Daqui a 10 minutos, vou para o Liceu. É quinta- feira. Amanhã, se Deus quiser, havendo almoçado, sigo velozmente para Nyangana. Oitenta à hora, é já bastante, para o meu estado!
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Lx.Lcântara
1981-01-01
Começou a rodar o ano 81. Como irá ser? Está o mundo ansioso por saber a resposta. Entretanto, o porvir é nebuloso, pois foge ao alcance da nossa visão. Só Deus o penetra, lendo claramente os seus mistérios.
Há fome de paz, justiça e amor. Surgem, de momento e
breve proliferam sociedades várias, de carácter geral, afim de
resolverem,[PdF1] [PdF2] [PdF3] [PdF4] [PdF5] [PdF6] [PdF7] [PdF8] [PdF9] [PdF10] [PdF11] [PdF12] [PdF13] [PdF14] [PdF15] [PdF16] [PdF17] [PdF18] [PdF19] [PdF20] [PdF21] [PdF22] [PdF23] [PdF24] sem perigo de guerra, questões e diferendos Sociedade das Nações…
Resultado, porém, nunca se viu, pelo menos luzido!
Se digo ‘fizeram’, ficou obnubilado pelas grandes tragédias que
Ensombraram a vida. A guerra continua, os ódios fomentam-se e aumenta a injustiça. É este o aspecto que o mundo oferece .Daqui se infere a conclusão seguinte: foi vão e improfíquo o esforço dos homens!
Onde a causa do malogro?! Deve centrar-se no próprio homem!. O que ele procura, à margem de Deus, não, é a paz, a equidade, a genuína justiça! Isto é capa e disfarce, para ocultar seus íntimos desígnios. O que ele intenta, de facto, é o controlo do mundo e sua exploração.
Sucede, pois, que tapa injustiças com outras maiores. Se ele recuperasse a paz de Deus! Mas não! Intenta, sim, a paz dos home!ns, a falsa paz
Que falta, pois, à triste Humanidade, afim de acertar?! Tomar decisões: ir, sem demora, ao encontro de Cristo. Apenas deste modo, alcança a verdade, o amor, a justiça e. por fim, a paz.
O Mandamento novo de que fala Jesus, “ que vos ameis uns aos outros”, é letra morta! Por esta razão, tudo vai falhando!
Campeia o egoísmo, a ânsia ardente de sumo bem-estar, a inveja e o comodismo. As consciências andam oneradas. .
Embotou-se, há muito, a sensibilidade. Como é triste assim, o nosso pobre mundo. Já for Remorso de consciência?!
Inveja e ambição, injustiça e ódio encontram mezinha no amor de Deus!
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Lx. Alcântara
1981-o1-02
Dia segundo que a roda fatal já vai encetar! A vida prossegue, constante , porfiosa,, aumentando as horas e formando os anos. Sono profundo e bem-estar, meditação
e inúmeros cuidados urdem sem notarmos, boa parte do tempo!
Mercè deste facto, ao sair para a luz, sentimo-nos velhos, alquebrados e trôpegos, e a roda gira sempre, com percalços variados, através da existência .Força nenhuma consegue detê-la!
O homem, por seu lado, de que o terreno lhe falta, debaixo dos pés. Vive inconsciente, alheado e preso, como se, na verdade, fosse neste mundo a Pátria verdadeira! As lições que vai colhendo não agem bastante: os outros morrem…finam-se, pois… desaparecem!
Ele, porém, tem outro destino. Tudo, julga ele, será diferente, no que toca à sua vida, planos e acção! Parece estupidez? Aos outros, realmente, afigura-se tal,mas enganam-se e falham!
Por este cálculo , segue o homem imprudente, caminhando, apesar seu, para a morte fatal! Não pensou nisso? Jamais se ocupou de tais realidades? Importa lá! Não fará excepção ! Há-de suceder-lhe o que vê realizar-se, à volta de si!
Regra de prudência vai ser como ouro: Abri olhos. à luz de De us, clamando por Ele, como é de avisados!
Só desta maneira podemos realizar-nos, e ser felizes! É Deus, na verdade, o nosso princ+ipiio e fim derradeiro! Repelindo.o de nós, fica apenas o vácuo! Só a mentira! A triste desolação!
Que pode o homem, entregue a si mesmo=?! Pequeno e vil,
Mesquinho e pobre, fica desde logo, â merc^do mal! Impotente e fraco, chora desde logo seu triste fadário. Lamentando-se e caroindo!
Seres dementados, filhos de Adão e pobres mortais voltai-vos para Norte, onde se encontra a ventura Procurai-la em outra parte?! O vosso norte é Deus, principio e fim da vtda que amamos e razão de ser da noa existência.
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Lx, Alcântara
1981,o1-03
Baixou a dois graus a temperatura. Lá para a Guarda foi negativa, o que não admira; aqui, porém, todos se alarmam .
Rouquidão e anginas é sintoma geral. Que o diga eu próprio!
Ontem, por manhã, cheguei a desanimar! Faria ouvir-me?! E então a garganta, a doer grandemente!
Estranhá-lo? Fui sempre assim! Sempre mudanças e com fartura! Poderei esquecer o triste caso da pleurisia?!
Quatro meses de hospital, na vila de Manteigas! É obra!
Nesta ordem de ideias, quantas ocorrências de triste memória! Haverá lucro, ocupando assim o tempo?! Amolece o corpo e desalenta o espírito. Procuremos, pois, águas diferentes, para a navegação
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Lx Alcântara
1981-01-84
O nosso engenheiro, acabadas as férias, faz logo caras à cidade invicta. Hoje ainda, vai ele sair da Praça das Cebolas,
em grande auto-carro! Por volta da meia-noite, arribará ao Porto
Frequenta o 2º ano e tem 22, ainda incompletos. Se não fora aquele ano, de corrido em amargura, num campo de refugiados! Mas isto é a vida! Ainda assim, não vai muito mal!
Se não houver percalços!
Estamos receoso de que não vença os obstáculos! Terá
Força de vontade, para ir em frente?!
Bom rapaz é ele, amável e dócil. Parece-me no entanto,
bastante flexível, ficando assim apto, para sofrer influências,
mesmo deletérias.
Esta condição pode ser nefasta, se encontrar pela frente
Elementos danosos. Reagir continuamente não acho improvável Mas tenho receio.É matéria acomodada a sofrer alterações, que
Poderão lesá-lo! Esperamos que não!
Passaram as férias, em novo ambiente, pois a nossa aldeia foi cedendo lugar à linda capital Também isto influi: mudança de professores, outros contactos, interesses Esperámos o Carlos, em grande ansiedade, vendo-o partir,
com muita saudade. Que Deus o acompanhe, abençoe e proteja,
afim de que o labor o não faça vergar!
Agora, por tanto, só na Páscoa do Senhor o tornamos a ver
Até essa data, confiamos em Deus para que ele obtenha o resultado previsto.
Quanto â Regina, modifiquei já a opinião de outrora. Admito, na verdade, que seja capaz.É trabalhadora e tem aspirações, o que é bom prenúncio, Em criança, descri bastante.
Amanhã, inicia com alma a vida escola, para levar a bom termo o 10º ano de escolaridade. Corresponde ao 6º, como antes se dizia. Veremos, pois, o que o tempo nos traz!
O Quim Isaías é o mais preguiçoso.
Não pegou em livro, durante as férias! Confia no talento?
Pensa e discorre infantilmente?! Por enquanto, é massa.
, Oxalá que triunfe!
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Lx, Alcântara
1981-o1-05 Preferências i
Reportando-me aos sobrinhos, que se encontram em Lisboa, onde fazem os estudos ou passam as férias, não posso omitir as suas preferências, algumas das quais bastante acentuadas.
Vamos primeiro ao Quim Isaías. Os seus 17, ainda incompletos; um ano e meio, em campo de refugiados ; a vida irregular que tem levado sempre, ora aqui, ora além, fizeram-no inconstante, sendo o caso extensivo aos outros irmãos que não sofreram tanto o efeito deletério.
Futebol e cinema é a sua paixão. Por isso, exactamente, gosta de passear, seguindo a pé, ao longo das ruas, que são intermináveis, aqui em Lisboa. Localizar os Estádios, ouvir os relatos e avistar os Cinemas é aspiração, entre todas favorita.
Dedica-se também, à recolha de selos, havendo já formado várias colecções. Aprecia imenso que lhe respeitem, mas a valer, a personalidade, reagindo prontamente, de o caso n~so agrada.
Rejubila fundo, se vir bons pratos e dinheiro bsatante, para gastar.Adora também ser muito acarinhado, cedendo-lhe sempre o primeiro lugar
A cina, sua irmã, ocupa-se ao vivo com matérias escolares. O que ela deseja, acima de tudo, é um Curso regular, que ofereça garantias, em ordem ao porvir. Como ronda já pelos 20
anos, encara a sério, a vida e o lar, Nas horas vagas, f az ela croché ,movendo os dedos, a incrível rapidez. Pouco haverá quem ombreie com ela. Na tarefa em causa.
Enquanto se entretém, movendo as agulhas, que os dedos impelem, escuta deleitada música em surdina. Dá tudo por isso!
Até se afigura qual panaceia, pata todos os males.
Geralmente isola-se, ficando introvertida, Esta situação é-lhe bem cara, pois a livra sempre de grande mal-estar e ditos molestos.
No trato é áspera, até impetuosa e deselegante, não
tentando ocultar o seu estado de alma. Isto sucede, quando alguém a contraria ou tenta bulir com os seus ideais. No entanto,
quando bem disposta, é amável e grácil, pronta e jocosa.
Após o duodécimo, quer prosseguir, no Curso de Românicas.
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Lx, Alcântara
1981-01-06 Dia de Reis
Era, realmente, a 6 de Janeiro. Natal… Ano Bom e Reis! Trê dias bem gratos ao meu coração! Como vão distantes!
Ao mesmo tempo, quase se perdem, sendo muito a custo que chegam ainda os ecos do passado! Cinquenta e cinco anos!
Mais de meio século! Onde estais vós, dias tão caros, que trazeis delícia amparo e conforto à minha alma inocente?! Para onde fugistes, que o vosso perfil se apresenta minguado, a pontos de enxergar-se com tanta dificuldade?!
Pedir os Reis! Ir de porta em porta, ao longo das ruas, empunhando um saquito e rogando confiado, no limiar das casas: “Ó mimha tia, dê-me cá os reiss! Ó ti Ana Rosa, dê-me cá as janeiras!”
Como isto era belo! A alma inocente desafogava-se ali e o
meu coração fundo se expandia! Descontraído, afrontava o mau tempo, não vendo outra coisa senão as castanhas, os figos secos, nozes e maçãs!
Às vezes, porém, era algum dinheiro, embora raramente.
Que bom aquilo era! Regalavam-se os dentes, e o peito rejubilava ! A minha alma, então, desentranhava-se em cantos que os anos futuros, não lograram apagar!
Chegam as canções, um pouco desmaiadas e quase em surdina, mas eu adivinho-as e sei distingui-las.
Nessa tardinha, em 6 de Janeiro, acorriam as crianças ao
Velho presbitério. Num pátio enorme e assaz desafogado, ( julgo-me lá) apinham-se todas epinam-se toadas, esperando ansiosas que dhegue d epr essa a figura paternal do velho pastor.É o Padre Zé Maria
Vem sorridente, amigável e bom, trazendo nas mãos os tostões da manhã, ao beijar o Deua- Menino.
Haviam caído na antiga bandeja que o ti Cabral segurava com todo oenpenho.
Ago ra, po r ém, as exíguas moedas vão se dos meúdos. Esperamos todos, com grande alvoroço, a distribuição Parece ali um acto litúrgico! Algo de sagrado , bem apetecivel e misterioso! Um tostão a cada um era já suficiente para tornar feliz o nosso coraão!
Belos tempos esses! Horas bem suaves, cujo perfume
Ainda agor a recende, para inebriar o peito, cansado já e desiludido!
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Manteigas
1970-12-01 Pequeno Desvio, pra distrair
Espeta mais do que assa! Casa onde caibas, fazenda que não saibas. Trazer o rei na barriga. Quem pensa não casa, quem casa não pensa. Ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo, Por cima de melão, vinho de tostão. Em casa de ferreiro,espeto de pau. Só lembra Santa Bárbara, quando ouve os trovões. Vale mais pedir logo a Deus que aos santos do Céu!.
O amor e o ódio são filhos do mesmo pai. Quem cala consente.
Vêem mais 4 olhos do que dois somente. Alma sã em corpo são. Coração pressago nunca mente. Estar farto até à sarapa. Muito se engana quem cuida. De esperanças vive o homem, até que morre. Um santo triste é um triste santo. Trabalha, que Deus dará pão. Enquanto o pau vai no ar, folgam as costas.
Até ao lavar dos cestos é vindima. Ser desmancha-prazeres. Quem não tem vergonha todo mundo é seu. Quem não tem barba não tem vergonha. Limpa-te a esse guardanapo! Fazer um serviço como as suas trombas! Gato escaldado de água fria tem medo,
Quem desdenha quer comprar. É mais fácil destruir do que e
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Manteigas
1970-11-30
Decorreram dois anos, recheados de angústia!
Era um dia como hoje, belo, de bom augúrio, em que fui a
Monte Anil, com missão arriscada. Por um lado, sorria-me o futuro, concretizado em viva realidade, que me enchia de gozo;
Por outro, levava comigo enorme incerteza, sobre problemas, tidos como graves.
Teriam eles, de facto, solução imediata?! Como iam receber-me?! A minha qualidade e e temperamento e o receio
Natural que transbordava intenso, dum caso delicado, tudo isso enegrecia o meu baço horizonte. Mas o pior não podia supô-lo!
Era cedo, para tanto! Hoje, pois, que tudo é passado, e infelizmente, resolvido também, olho de largo e avisto claramente o abismo tenebroso, em que me havia lançado.
Inocente ou culpado?! Creio não me engano, dizendo simplesmente: uma coisa e outra! Mas,se eu penso com acerto,
Muito mais inocente! Agora, porém, tudo se esvaiu e as incertezas vão-se apagando, O tempo leva tudo. O aixe fundo que veio a sangrar, refez-se já completamente, e a noite escura
Volveu-se em dia.
As trevas densas foram espancadas pela nova aurora que surgiu . além. Mas que longo rós ário de penas e dores e que noites amargas para o meu coração!
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1970-12-01
Manteigas Continuação
Cheguei, por fim, a Monte Anil. Uma noite agitada, pois a incerteza lavrava n
sono! Andava arredio, não havendo maneira de chamá-lo a mim! Jamais esquecerei essa noite longa,
passada, em parte, na Praça M. Lembra-me tudo como se hoje fora, de modo especial, uma conversa, que terminou o serão.
O jovem rapaz, que dialogava comigo tinha só 16 anos e era
Sextanista. O que ele me disse, relativo pai, causou-me arrepios! Que mentalidade tão diversa da minha, na mesma idade!!. Impudor e arrojo casavam-se nele, à maravilha ! Era de estarrecer!
Se eu tivesse um filho daquele jaez, não sei que lhe faria!
Ignoro também o que viria depois a suceder-me Julgo que o pendurava, de cabeça abaixo,, ao alto duma trave. Respeito e carinho, Humanidade e gratidão, não podiam encontrar-se num peito o seu!
O que mais me feriu e gelou o s angue foi o arrojo, a estupidez, o desamor e a leviandade! Como é posível, interrogo-me agora, fazer referências daquela natureza?! Trata-se, pois, do autor de ses dias! “ Era filho directo de prazer e egoísmo! Nem sequer tinha sido consultado!, para vir a este mundo! Se a vida lhe não sorrisse, contra quem se voltaria?!
Desatinos e loucuras, estroinices e estúrdia tudo lhe era lícito,, uma vez que seus pais tinham grave obrigação de de assumir, para logo, a responsabilidade!”
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
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