Manteigas
1-1-1971
Fraga da Cruz e Fragão do Corvo dialogam entre si, relembrando agora o seu estado glorioso de soberbos gigantes. que a ira de Júpiter virou furioso, em apagados e humildes rochedos. Esperam confiados que o poderoso Deus lhes levante o castigo, deixando-os viver como simples mortais.
Fraga: Começa hoje o ano de 1971! Isto, por conseguinte, leva a reflectir Os homens, por aí, dão-se parabéns, enquanto fazem votos de mil prosperidades.
Fragão: Quer dizer a comadre que devemos imitá-los?
Ela: Sim! Quanto a isso, é-nos possível ou ainda tolerado por nosso mísero e cruel destino! Olhe, sabe? Tive um palpite que julgo excelente! Tratar-se-á por ventura de um encantamento? Se fora deste modo, ainda vir iam dias maravilhosos para ambos nós Que belo não seria dar corpo então àquele sonho de nós tão amado!
Ele: O tempo tudo leva e volta a trazer, como diz o rifão. Portanto, não acho impossível! Seja como for, devemos ter coragem, não perdendo a esperança. Se não pudermos realmente ligar as nossas vidas. que pelo menos elas sejam úteis àqueles que sofrem, para que a nossa bondade escorrace do peito quanto seja egoísmo e ódio morta
Como vamos então passar este ano, que agora tem início?
Ele: Observando, a rigor, os acontecimentos, com vista a procurar-lhes a interpretação, de man
eira sensata, Para que as gentes sejam esclarecidas e não venham a correr algum risco iminente! Estejamos, pois atentos e, ao comentar os factos1, façamo-lo com argúcia e bastante discrição, tentando sempre uma crítica humana, rigorosa e construtiva
Ela: Assim o desejo, de toda a minha alma! Oxalá o encantamento se desfaça em breve, para retomar aquelas actividades, que me eram tão caras!
Ele: Que farias então, se eu mal pergunto, e quais os teus planos?
Ela: O meu sonho tão querido, agora mais que nunca é, na verdade, a fundação de um lar
Ele: Lá dizia já o Antero de Figueiredo: No lar, até a cinza fria aquece!
Ela: Grande realidade, que logo me arrebata, só de pensá-lo! Como então seria amada por ternos corações, ainda infantis! Eu a ser tudo, para o meu lar! Amor e carinho, luz e sustento, e guia perene! Dando-me a eles, como a ti, por igual, seria o auge da minha ventura! Tentaria igualmente, dando primazia aos pobres órfãos ser útil a eatranhos e desamparados!
Manteigas \\ 2-1-1971
Ele: Por que anelas tanto pela fundação de um lar adorável?
Ela: É a voz da minha alma que o pede e reclama. Quanto de belo existe no mundo tudo nele se encontra. Só ali me sinto de facto realizada! Queria realmente desfazer o mistério, qe me tortura e prende , e ouvir à minha roda, vagidos ténues de louras criancinhas.
Atentando bem nos seus olhinhos, suplicantes e meigos, sentiria a minha alma inundar-se de gozo! Jamais a ambição havia de empolgar-me! Somente a verdade eu iria servir! Lutando sempre com a força do meu braço, granjearia desse modo, pão e abrigo para os filhos do meu ser
Nem enredos nem doblez, nem hipocrisia. Como seria bom viver assim, levando também precioso bálsamo a lares pobrezinhos!
Ele: E a teu marido que farias tu? Que papel exerceria, na vida privada?
Ela: O pai de meus filhos seria o esteio, o braço forte e de veras amigo, a luz de todos. Comungaria também no ideal familiar, vivendo portanto ambos arroubados na mesma ventura! Havia de ser eu, pela vida fora, a companheira amada e assaz estremecida, que sempre o honraria, em todo o lugar, jamais consentindo que os meus actos de esposa originassem descrédito ou leve suspeita.
Ele: Como estás eloquente, bela companheira, na imensa desgraça que agora nos afecta! Como gosto de ouvir-te!
Ela: Julgas, por ventura, que eu seria, alguma vez um fardo para ti?! Bem te enganavas! Pensas acaso que não sou realista e muito positiva?! Trabalharia de gosto, para ajudar-te nas muitas lidas, aliviando assim, um poucochinho a faina de teus dias.
Reprovo, com veemência as que andam hora a hora, de montra em montra, à cata de modelos e recentes novidades, para chamar a atenção! A essas, porém, não há soma s que lhes cheguem nem abunda paciência para suporta-las!
Ele: Tu vales muito mais que todo o ouro junto, e eu tudo farei, para ser teu marido.
Ela: O nosso lar ia ser um paraíso, um vislumbre do Céu, embora neste mundo! Desacordos e rixas, altercações bem como desarmonia, só longe de nós! Então sim, me desforraria de tantos gelos e fortes canículas que, ao longo dos séculos, aqui tenho suportado! Será possível tamanha ventura?!
Baixasse embora de condição, ficando simples mulher, nad importaria! O que vale e importa é viver tranquila, neste mundo agitado!
Manteigas \\ 3-1-1971
Ele: Sempre é verdade que não me tinha enganado! Aquela paixão, louca, absorvente, que um dia me levou a sérios desatinos, causa bem forte havia de ter! A minha única mira ( Deus o sabe também) foi tão somente um porvir de glória, que pudesse ofertar-te! Queria ver-te subir, emergindo breve, da condição social, em que havíamos nascido, para um estado mais belo ainda! Subires a deusa!
O plano falhou, porque era insano! Tirar Júpiter do Céu, para ali ficarem os temidos gigantes! Quem pudesse recuar! Mas águas passadas, não movem moinhos! Olhemos para o futuro, reparando o mal feito. Se aludi aos factos, que geraram para logo a tua desgraça e a minha também, só uma razão a isso me levou: mostrar à evidência como eu te amava!
Arrastei-te na queda, bem o sei há muito. Quanto isso me dói!
Ela: Não falemos agora de coisas tristes, meu bom amigo! Pressinto, desde já, que um dia vai surgir, para trazer-nos a grande ventura. Assaz invejável? Espampanante? Não importa, declaro, que seja modesta harto obscura!
Ele: À medida exacta que a roda fatal gira solícita, mais e mais te admiro, enquanto no meu peito se vai acendendo a chama antiga.
Ela: Eu tenho para mim que foi encantamento a situação lastimosa a que fomos reduzidos! E se não olha:
O Gigante Adamastor, a quem alude Camões no Canto 5º foi por inveja e funda cobiça que urdiu com outros a tremenda conjura, mas aí levou-te a paixão, que já me consagravas, expressa em amor. Foi, na verdade, um pecado de amor! Pecado, sim, mas algo desculpável
Por outro lado, e isso confirmação do que estou pensando: houve longo tempo, em que nenhum de nós tinha consciência do triste passado.
Profunda amnésia dele nos separou, caindo para logo no estado de inconsciência Hoje, não é assim, como estás vendo, Recordamos tudo! Vivemos da esperança! Temos aspirações.
Manteigas \\ 4-1-1971
Ele: Aguardemos confiados e, já que a experiência é para nós uma boa lição, saibamos aproveitá-la. No meio de tudo, uma coisa me envaidece: é que não me enganei, preferindo-te a outras. Razão tenho, pois, orgulhando-me de ti.
Ela: Não vejo, a rigor. por que sintas orgulho! “Ele há tanta mulher!”Não começa deste modo, um belo soneto, urdido no Brasil?! Julgo que te lembras!
Ele: Pudera não! Mas não é essa a ideia basilar que o poeta foca! Escolheu Bilac e eu também, entre muita mulher. Há belas moças, de calças â homem, que não usam bigode, porque o não têm. Pretenderão elas mudar a Natureza? Há outras moçoilas, de mini-saia , onde o pano é tão exíguo, que se afligem deveras os seus vendedores..
Outras ainda aparecem, justificando bem a lei dos contrastes: à mini que sobe e assaz compromete opõem a Max, que já faz de vassoura!
Ela: Estás hoje muito azedo. Supunha-te cordeiro, mas nem por isso vou deixar-te só!
Ele: Ainda é tempo de escolheres, a capricho, o que mais te convém.
Ela: A minha escolha está feita: ou tu ou ninguém. Foi o Deus Magno que assim quis!
Ele: Quantas há que não trabalham, vivendo parasitárias, à espera que os maridos transformem, dia a dia, o suor em dinheiro! Outras vão espreitando, com olho aguçado, o que as montras oferecem ou prometem, ao diante! Esta lê ávida, uma revista de modas, Anota as mudanças, mas ao decoro é que ela não olha!
Aquela então vai já calculando o seu rendimento, pelo ano adiante. Acabado o modelo, é urgente mudar. Haja falta ou abundância, não importa o facto! Seguir a moda estritamente, é isso que interessa!
Ela: Não apoio a vaidade, que e insensatez: se a mulher assim faz, é para agradar. Não pode viver só, que Deus, realmente, a fez para amar! Não deixemos corrompê-la, que seria tremendo! Ela é fraca, bem sabemos, mas tem um dom: converter a fraqueza numa força poderosa. Em chamar a atenção põe a mira, afinal.
Não intenta perverter: antes, sim, construir o seu lar!
Puxar a brasa à sardinha é já velho, costumado : fica sempre bem defendê -la, que sou mulher, afinal! Mas eu concordo: no fundo, tens razão! O que ela faz ,em geral, tem por fim atrair
Una vez corrompida, é já o demónio, em figura de gente! Ninguém pode aturá-la, sendo então bem pior que o próprio veneno! Respeitá-la sempre é dever sagrado que temos de cumprir Se ela falha e naufraga, a culpa é do homem!
Manteigas \\ 5-1-1971
Ela: Se eu bem compreendo as tuas palavras, creio teres má vontade, contra maxes e minis, Que me dizes, em resposta?
Ele: Não andas muito longe, em ordem à verdade, pois detesto ao vivo quanto é artificial, se mostra espampanante e deveras impróprio. Não que eu seja puritano ou manga larga! Julgo estar no meio. Nem demais nem de menos! O que é elegante, prático e útil não posso condená-lo!
Ainda sei distinguir o que é repreensível e aquilo que o não é!
Ela: Acompanhei, a rIgor, o teu pensamento, julgando que e prático, mas não elegante o uso de calças , à maneira dos homens.
Ele: Precisamente! Prático e útil em viagens longas; no tempo do frio, naquelas regiões, onde ele aperta!; no executar de alguns trabalhos.
Ela: Mas donde vem ao homem que se imponha à mulher, à maneira de senhor, para a sua escrava?! Não é igual em tudo e senhora absoluta do próprio destino, para realizá-lo, segundo lhe apraz?! Será tempo já de compreender-se esta doutrina!
Ele: Que ideia fazes tu acerca da liberdade?! Há conceitos erróneos que urge corrigir! Inteiramente livre só Deus o é! A nossa liberdade é condicionada pela dos outros. Se me apetece cantar, pela noite fora, em voz alta e sentida, aproveitando ali a bela inspiração, que sacode e agita, não devo fazè-lo, pois vou incomodar o vizinho do lado. Se fizesse de outro modo, ia pôr em risco a liberdade alheia.
Querendo viajar e não tendo dinheiro, havia de roubá-lo ou extorquil-o, mas isto, afinal, violaria também a liberdade alheia.
Ela: Vejo muito bem que ao teu raciocínio preside a clareza e a sinceridade
Ele: Quando reina o amor, entre homem e mulher, cada um sente gosto em ceder à outra parte, diria até, obedecer! Mais ainda: conhecer as vontades, chegando a adivinhá-las: eis aqui o móbil de toda a existência!
Não se amando o casal, temos o inferno, ainda neste mundo! Melhor é estar só que mal acompanhado! Como é indissolúvel o matrimónio católico, é necessário prepará-lo bem, com toda a rectidão e boa vontade
Ela: De facto, está no amor o grande segredo que alenta a vida. Tudo planifica, tudo facilita; confere muita graça; dá sempre encanto àquilo que nos rodeia!
Manteigas \\ 6-1-1971
Ele : Cada ser humano ficará bem, seguindo a Natureza e conformando-se a ela. Direitos iguais, perante Deus e a sociedade! ! Há situações e trabalhos , mais acomodados uns que outros quaisquer
Robusto e vigoroso, está o homem talhado para tarefas pesadas, que, de modo nenhum, conviriam à mulher. Invadir esta o domínio daquele ou vice-versa, além de irrisório, seria impossível, em parte dos casos.
Basta para isso que tomemos em conta a estrutura complexa do corpo feminino. Tudo nele se encaminha à função materna. Por isso, não vejo com bons olhos , tentativas loucas de masculinização!
Ela: O mesmo se passa, no sector masculino, se bem comparo.
Ele: O mesmo não direi, mas algo semelhante que reprovo também. Há os efeminados que não são homens nem mulheres tão pouco! Se lhes tendes asco, muito mais nós! Ao homem a força; o vigor e a coragem; a protecção eficiente do seu semelhante; a humanidade; à mulher cabe, pois, a consideração; a doçura, a meiguice; a docilidade; o encanto, a beleza; a compreensão; a luz e o calor de toda a família!
Alguém escreveu:” A mulher é o céu deste mundo!” Alves Mendes juntou, com argúcia e mimo incompa- rável” E a mãe é o sol deste céu!”
De facto, que há neste mundo que possa comparar –se à maternidade ?! Quando a mulher se envergonha de ser mãe, já perdeu o encanto, naufragando a dignidade, no charco da luxúria.
Ela: Descubro em ti uma gama rica de sentimentos nobres, que não são banais! Por que é que admiras em grau tão alto, a mulher em geral que, por vezes desce tão baixo?
Ele: Já que me perguntas, vou responder.
Como não querê-la assim respeitada, se nasci de uma mulher?! Não é também mulher aquela que adoro?! Não é mulher igualmente a noiva que estremeço?”E no rol dos possíveis , não vejo desde já uma filha encantadora)! Resumi com bem pouco ideias basilares que eu muito prezo.
Ela: Se a todos guiasse a luz da razão, o mundo venal seria bem outro!
Ele: O caminho é este e não há fugir-lhe! Se queremos respeito, devemos guardá-lo! Querendo ser respeitados, hemos de fazer a mesma coisa às outras pessoas! “ Não faças a outrem o que não queres te façam a ti”Não é assim que reza o provérbio?!
Ponhamos de parte acusações infundadas; reparemos o mal, se algum houver; façamos, desde já que reine o amor, desterrando o ódio. Cada um no seu lugar, nunca fica mal. O homem no trabalho; a mulher no lar!
A vida moderna tem exigências, que separam e distorcem mas o princípio mantém-se firme.
Manteigas \\ 7-1-1971
Ela: Uma vez que falámos, acerca dos novos, há outros aspectos que merecem atenção.
Ele: Sim, não discordo! Os novos de agora serão no porvir, os guias e mentores da nova sociedade. e os grandes responsáveis , perante o futuro. Receberão de nós o património sagrado, para mantê-lo como lhes chegou! Convém, pois, elucidá-los bem, incutir-lhes o respeito e a noção exacta da responsabilidade. Nnca é demais o tempo gasto, ensinando a mocidade!
Ela: Entre as belas qualidades que emergem nos jovens, avulta sem dúvida, a sinceridade, não é, compadre? Há quem veja só defeitos, mas o seu a seu dono!
Ele: Esse predicado é, certamente, um dos melhores! Vale até, ouso dizê-lo, por muitos defeitos, em que abundam os jovens. Confesso para já, me cai muit bem. Nunca amei a doblez, a hipocrisia, bem como o cinismo! Sim, sim; não, não!
Para que serve, de facto, este jogo de imposturas?! Uma vida dupla, um desdobramento de personalidade?! Fora então, com essa casca, deveras nojenta, para vestir a capa da singeleza! Um mundo de aparências e falsidade é um campo de armadilhas, onde com frequência vão soçobrando os que são mais lavados!
Das grandes campanhas, levada s a efeito pela juventude, é esta precisamente, uma das mais nobres! Limando no seu viver defeitos lastimosos que são comuns, nada recearemos, quanto ao futuro., pois que os nossos jovens manter-se-ão dignos, cumprindo o seu dever. Ou sim ou não! Ou branco ou preto!
Agradar a Deus e também ao demónio, servindo ao mesmo tempo a senhores opostos, não é jogo sincero! Luta, pois, juventude, contra a mancha terrosa, para ficar em pleno brilho a genuína epiderme!
Ela: Folgo, de ouvir-te, sobre tal assunto, até porque eu não divirjp de ti!
E le: Em todos os meus actos, intentarei sempre a verdade pura. Nunca eu me envergonhei de confessá-la em aberto e, ao julgar-me culpado, resolvo logo o meu caso, dando ali prestes a mão à palmatória.
Manteigas \\ 8-1-1971
Ela: Além desta qualidade, que bastante aprecio, outras, por certo, exornam os jovens, nos dias que passam.
Ele: Não duvido um momento! São mais fiéis aos altos princípios, bastante abertos e amantes da verdade. Pois não é Deus a mesma verdade?! Por que é que Jesus, em presença de Herodes , nem sequer abriu a boca? Aquele rei era de facto a doblez em pessoa, imundície abjecta, com aparência de homem.
Ela: Isso de amar a verdade é um belo adorno! Para mim tenho eu: se alguém, de facto, ama a verdade e está fora dela, dar-se-á pressa em ir logo buscá-la!
Ele: É lógico. Por esse caminho, outros bens surgirão A ambição e a cobiça, que geram sempre guerras fratricidas. não são realmente, filhas da verdade. A paz do mundo fia-se dos novos, esperando todos o seu contributo, que há-de ser valioso!
O patriotismo exaltado, que leva ao desprezo dos outros povos, criando no espírito a ideia falsa de super-homens, tem sido realmente um dos cancros sociais.
E la: A nossa juventude, julgo não me engano, vai já singrando por águas diferentes. Alguns desertores não o terão sido, por causa disso?! Difícil apurá-lo!
Ele: Desertor tem havido, com receio da morte! Esses, de facto, não são bons elementos! Ninguém pode fiar-se neles! Cobardia e nada mais é, na verdade, o seu lema querido! O espírito nobre de sacrifício bem como igualmente a prestabilidade são, ninguém contesta, qualidades eternas que jamais envelhecem.
Mas admito, apesar de tudo, que alguns dentre eles, concebam a existência, de maneira diferente, rompendo breve com a ambição e tentando ser humanos.
Ela: Os que se opõem firmes ao serviço militar e ao mesmo exército de carácter permanente, não serão eles bem-intencionados?! Seria maravilhoso esse estado de coisas! Rios de dinheiro que tomariam logo outro fim diferente. Em vez de armas e canhões, instrução geral, vestuário e comestíveis!
Em vez de quartéis e grandes fortalezas, Escolas e Hospitais bem como Asilos!
Ele: Em teoria, tudo bem, mas descendo à prática, não é como julgas! Se todos os povos fizessem o mesmo, estava muito certo! O perigo, no entanto, surge exactamente, quando menos se espera! É preciso estar alerta!
Manteigas \\ 9-1-1971
Ela: Chegámos agora ao capítulo obscuro, não é verdade?
E le: De luz e sombra é feita a vida. Até no melhor pano cai, às vezes, a nódoa!” Convém indicar os prós e os contras, afim de termos, no porvir, uma chefia segura, equilibrada e justa.
Ela: Falemos então, sobre os defeitos, para bem da Humanidade.
Ele: Um dos maiores e mais repelentes, é, sem dúvida alguma, a auto-suficiência, quer dizer, a funda convicção de se bastarem, quando é certo e provado que eles partem, afinal, dum falso princípio! Efectivamente, as novas gerações utilizam diariamente o que outros angariaram, ao longo dos séculos, com muita paciência e rara constância. A vida humana é, na verdade, uma longa cadeia, ininterrupta, de factos e ideias, em que os elos anteriores servem de trampolim, para ajudar os seguintes.
Se o homem agra tivesse de começar, voltando, num ápice, ao tempo da barbárie?! Ninguém, decerto se basta a si mesmo. Gregário como é, tende a pòr em comum os seus achados, valiosos talvez, o que, sem dúvida , lhe traz naturalmente grande incentivo, muita alegria e utilidade.
Ela: a confiança em si próprio creio ser vantajosa!
Ele: Não nego, comadre, mas uma coisa é isso, outra bem vemos, ser presunçoso, achando sempre mal quanto se fez e contando só consigo, para elevar o mundo! Este princípio, deveras arrogante, é falso na íntegra, porque a civilização não é, ao que sabemos, organicamente hereditária como a dos animais.
Ela: Os bichos, afinal, têm civilização?!
E le: bem vês, comadre, é maneira de dizer, à falta de expressões! A palavra usada implica inteligência , para haver progresso. Nos animais, há estabilidade.A nossa andorinha tão bem constrói o ninho logo à primeira, como depois, em repetição. O mesmo se passa com a abelha operosa, em ordem aos favos. O mesmo também, no tocante ao castor e sua habitação.
Ela: Bom! Estou inteirada, mas como extirpar o defeito em causa, já que é danoso à gente de amnhã?
Compadre: Convencer os jovens de que toda a su vida mergulha no passado; que para eles trabalharam centenas de gerações. Se algo está errado, nem tido está mal! É preciso trabalhar em colaboração! Os velhos dão certamente válida experiência ; os novos, dinamismo, vida e alento, sugestão e promessa
Manteigas \\ 10-1-1971
Ela: Neste passo, vem a propósito o belo rifão.” A união faz a força! As vantagens práticas são inumerá veis!
Ele: É certo. Além disso, o tempo dos super-homens já se escoou! O orgulho rematado foi sempre enjoativo! Unir e confiar! A desunião bem como a suspeita são fonte de mal-estar e nada vantajosas para o bem da Humanidade. Outra falha acentuada afecta os nossos jovens. Caso os deixem, nada eles fazem ou pouco realizam.
Ela: E não há, por esse mundo, excepções honrosas, que hajamos de tomar na devida conta?!
E le: melhor fora! Aonde iríamos ter, se realmente as não houvesse?! Intentamos, porém, uma sociedade, bastante melhorada , em que os bons elementos sejam maioria! O ditado latino ainda não passou! “ Labor omnia vincit” O trabalho vence tudo! O que há de belo no mundo, vale a dizer a civilização, é fruto persistente de árduo labor, em que tomaram parte milhões de indivíduos, através dos séculos.
Ela: As circunstâncias presentes vêm facilitar esse estado d e coisas. Hoje, tudo surge feito , desde as refeições aos mesmos programas,; dos objectos úteis aos ao próprio vestuário.
E le: Seja embora como diz es, hã que espevitar o amor ao trabalho, sem o qual estagnaria a civilização ou melhor ainda , recuaria muitos séculos. O progresso do mundo não tem limite ! O homem viajor é um ser em evolução, razão pela qual jamais atingirá perfeição acabada.
A sua inteligência, prodigiosa, na verdade, continuará sempre , mostrando dia a dia novos aspectos, descobrindo fenómenos, jacentes na matéria. Não pode estagnar ! É marcha permanente, a caminho do ideal
Ela: Nesse caso, temos de pregar o amor ao trabalho, não só pelo exemplo, que é mestre ideal, mas também com razões que sejam convincentes.
E le: Basta observar a própria Natureza, no aspecto animal, vegetal e mineral : nada existe no mundo, que permaneça estático, pois o movimento é uma forma de energia e sinal de vida.
Manteigas \\ 11-1-1071
Ela: Entre os defeitos do jovem moderno, encontra-se igualmente a danosa leviandade. Bem sei eu que é próprio da idade, facilitar as coisas, sem olhar a pormenores. Falta ainda o “calo” da vida , que é basilar.
Ele. A prudência foi sempre, através dos tempos , uma grande virtude. “ Ante s que cases, vê o que fazes!” Primeiro pensar e de pois agir! Quantos pesares e fundas amarguras, quantas lágrimas inúteis, por falta lastimosa de serenidade e circunspecção! E quando se trata de coisa irrememediável?! Então, sim, que ficamos tramados!
Mercê de irreflexão, Quantas guerras monstruosas, quantas mortes horrendas e danos sem conta!
E la: Como agir então, para evitar desgraças tamanhas?!
Ele: habituar os jovens a pensar em calma, avaliando com tempo os graves resultados de actos à pressa! Por outro lado, esclarecê-los. devidamente , sobre a conveniência de pedir conselho ao primeiro que aparece! Deve escolher-se, agindo com argúcia!
Para conselheiro, não serve qualquer! Há-de ser prudente, equilibrado, serviçal e amigo, e perspicaz!
Ela: Este assunto é um pouco abstruso, não é, meu amigo?!
Ele: Entendo que não! As coisas da vida hão-de tratar-se de harmonia, já se vê, com a sua importância
Figuremos, por absurdo, que os mentores dos novos, eram gente desonesta., banal e fraudulenta. Que viria a suceder?! A nossa juventude se ria envenenada ao primeiro contacto. Em vez de homens bons, teríamos decerto elementos suspeitos e já pervertidos, que jamais ganhariam a confiança de alguém!
Ela: Sem confiança, a vida neste mundo, ia ser intratável!
Ele: O primeiro e maior de todos os males era a inquietação, e sua filha dilecta a falta de paz! Ora, não havendo paz, não há felicidade
Manteigas \\ 12-1-1971
Ela: Há um aspecto da vida, que me apraz focar: a religiosidade.
Ele: Quanto a isso, não deixo, não, de reconhacer –lhe vantagens práticas. Sem religião, o ser humano é mais perigoso que as próprias feras. Acodem-me ao espírito as palavras gravea de Napoleão, antes de vir a ser um cristão praticante: “ Que os Franceses pratiquem a religião: caso contrário, jamais terei segura a própria cabeça, por cima dos ombros!”
Ela: São textuais as ditas palavras? Sempre tive admiração pelo grande general, embora tenha invadido o meu berço natal, no século passado.
Ele: Textuais não são, que não me lembro agora das palavras exactas, mas há fidelidade ao pensar do autor. As invasões decretadas eram, no fundo, um ataque à Inglaterra que odiava de morte.
Sendo nós aliados, pagávamos as favas! Na verdade, o aspecto religioso não pode olvidar-se nem ser postergado! Povo sem Deus, coisa que não existe, seria desde logo um covil de feras! Em vez de amor, entre os seres humanos, medrava a cizânia, ódio acendrado que não é, realmente, factor de paz.
Ela: Parece-te acaso serem os jovens dados à piedade?!
Ele: Aqueles que desertam são vítimas fatais de leituras suspeitas ou de más companhias. Por outro lado, estão mal estruturados e alguém os convenceu a abandonar seus caminhos! Muitos deles voltam mais tarde, repensando o caso, mais atentamente, sem o estuar de violentas paixões, a queimar o sangue!
Ela: Há também campanhas, habilmente conduzidas, recorrendo à mentira e à pornografia. O Estado, por norma, apercebendo-se claro do que vai sucedendo, recorre a medidas, já de prevenção, já de repressão. Além disso, bem vês a Televisão, a imprensa e a radio, o desporto e o jogo absorvem de tal modo que , muitas vezes chegam a descurar problemas essenciais da vida presente , como por exemplo servir a Deus e salvar a alma. Consequência fatal de outro grave defeito a que vamos referir-nos
O jovem rapaz precisa de ser bom, para difundir a verdade e o bem, servir a Humanidade e contribuir a valer para um mundo melhor. Deus o quer. O Ser Omnipotente não é uma criação do espírito humano. Nós, afinal, é que somos, na verdade, criação divina. Precisamos, pois, de lares piedosos, que amem a Deus, habituando as crianças a privar com Ele. Pode ser isso um bom darivativo para as aspirações do nosso coração que busca o Senhor, por todo o lugar
Apresentemos, pois, a religião como acto agradávej, excelente e belo, que sacia plenamente as nossas aspirações. O conjunto maciço se proibições e graves ameaças é sistema negativo que desdoura e afugenta, mata e destrói.
Manteigas \\ 13-1-1971
Ela: Referiu-se o compadre, se eu bem me lembro, a uma série de valores, em que, por vezes, são falsos os critérios empregados.
Ele: Sim, também este capítulo é de levar em conta. Na verdade, o jovem de hoje liga importância àquilo que, em geral, tem valor secundário Assim, por exemplo, quando estão em causa estrelas do Cinema, actores e actrizes, ou ainda jogadores ou desportistas ,,, que seu e!? Quem não exerce tais profissões faz má figura , acompanhando-as de tal maneira, que prejudica a valer a sua profissão!
Muitos há decerto, que perdem o sono a tranquilidade e até a paz! Se perder alguma vez o Clube favorito, que lhes advém de funesto? Achar bem que ele ganhe, defendê-lo com alma, salientar o seu valor… tudo é admissível! Sacrificar o dever e as fontes de receita, em benefício dessas actividades, não cabe realmente na cabeça de ninguém!..Sendo essa a profissão, a coisa muda logo!
É que, nesse caso, encontra-se em jogo a própria subsistência! Há, na verdade, um falso critério a nortear a vida!
Ela: É razoável, sim, estabelecer-se, a propósito, uma escala de valores e segui-la a rigor!
Ele: Fazendo-se ao invés, é deixar o mais, para seguir o menos; seguir-se até ao que é secundário, postergando obrigações, sejam elas prementes
Ela: Quais são, a teu ver, aquelas necessidades, julgadas superiores?
E le: Religião e amor, dinheiro e pão. Qualquer outra, afinal, se prende a estas, buscando satisfazê-las ou garantindo plena realização.
Ela: Todas elas em plano de igualdade! Nenhuma escala a seguir?
Ele: A nenhuma, sim, pode o homem furtar-se, que não é possível defraudar a Natureza, no que tem de essencial, absoluto, inalienável!
Manteigas \\ 14-1-1971
Ela: Aprecio deveras o teu raciocínio, meu bom compadre Se não fosse molesta, pediria agora um arrazoado, embora não longo, demonstrando à evidência, que as tais necessidades são impressindíveis na vida humana.
Ele: É fácil a tarefa. Ora, vejamos. A não ser que se trate de genuínos paquidermes, ninguém existe no mundo que não sinta alguma vez esbrasear-se o peito nesses desejos. São eles tão fortes, que nenhum poder humano consegue dominá-los. ou ( o que é mais difícil) extirpá-los um dia da própria Natureza. Sendo esta violentada, reaparece mais tarde, em momento inesperado, com requintes vorazes.
Se o não fizer, é porque já não reage, encontrando-se acaso na via fatal da inanição! Em tais circunstâncias, aproxima-se do fim e a própria vida nãp passa de aparência!
Ela: Ó compadre, és enciclopédico! Onde é que hauriste, meu bom amigo, tal clarividência, a respeito dos problemas bem como a justeza dos teus raciocínios?! Creio firmemente se não trata apenas de simples admiração!
Ele: Experiência da vida, estudo, observação! Explanando um pouco mais: o homem ajoelha e adora a Deus, contemplando as maravilhas do grane Universo e a ordem admirável que nele se verifica; sente na alma um fómite poderoso que o leva a dar-se, recebendo também; sem dinheiro, não pode obviar a prementes exigências que a vida lhe cria, a fim de reparar o desgaste da matéria , que a todo o momento se vai fazendo , nas células do corpo. Por esta razão, tem de alimentar-se.
Ela; Mas há por aí quem seja ateu e quem renuncie à própria riqueza, fazendo até votos de não possuir seja o que for.; há-os ainda que renunciam ao próprio amor, pelo voto espontâneo de castidade; outros mais recalcam também a própria vontade, pelo voto admirável de plena obediência.
Ele: Isso é fácil de dizer, mas difícil de provar! Como esta já vai longa, será melhor talvez guardarmos o assunto para amanhã, a fim de expor claramente a opinião que sustento. Estás de acordo ou não?!
Manteigas \\ 15-1-1971
Ela: Estar de acordo?! Se eu te considero e muito aprecio!
E le: Que haja ateus, neste mundo, não me atrevo a crer! Com efeito, a existência necessária dum ser Criador, Arquitecto e Senhor de quanto existe, é tão evidente como o o próprio Sol, em pleno meio-dia. Se alguém não quer ver esse astro amigo, sente-se obrigado a reconhecer –lhe a existência real. Donde a luz e o calor que permitem ávida, à face da Terra ?!
Se encontro algures um relógio belo, penso logo no artista que realizou essa maravilha! Avisto ainda um palácio grandioso, acode logo à minha mente o arquitecto emérito. É tudo assim. Que dizer do Universo e da ordem admirável que preside a tudo?!
Olhemos, a valer, para o corpo humano. Que havemos de pensar? Por que não vemos os braços, no lugar das pernas’! Por que achamos os olhos , no lugar mais próprio, com destino claro â visibilidade e à defesa dos mesmos?! Alguém pensou e ordenou tudo isto! Quem foi?!
Ateus! Uma léria como outras!
Ela: Verdadeiros, sim, ou então simulados, por certo que há! Qual será, pois, a causa do facto? Existe , julgo eu, um motivo encapotado, que deveras solicita!
Ele: Razão, embora falsa, haver á, naturalmente. Eu tenho para mim que a raiz do facto reside por certo na consciência manchada . Aquele cuja vida é honesta e digna, bom chefe de família, trabalhador e probo, não sente desejo de Deus não exista! É no fundo um sinal de malícia, interesse disfarçado!
E la: Nas isso, afinal, ! não opera por si! Que me vai a mim, se desejo, por ventura, umas asas de águia?! Se eu as não tenho! Que importa negar eu a bondade de alguém, sendo a mesma palpável?! A própria Escritura apoda à letra quem se atreve a negar a existência de Deus. Dixit insipens in corde suo: “ Non est Deus!” Chama-lhe’ estulto’ .
Mante igas \\ 16-1-1971
Ela: Imagine o compadre que nada existia para além da morte! Como iria arrepelar-se o que tive se no mundo praticado a virtude, coibindo-se do mal, enquanto os malamdros iriam chacotear!
Ele: Assiste-me o direito de virar essa hipótese em sentido contrário. Supõe ntão que para lá da morte, se depara a eternidade, a sanção moral bem como a felicidade! Em caso de dúvida, que faria, na verdade, uma pessoa sensata?!
Ela: Optaria desde logo, pela va segura, que segundo opino, se resume em pouco; fugir do mal e praticar o bem; amar a Deus e, por igual, o próximo!
Ele: Aí temos precisamente o caminho da prudência Por outro lado, se nada existisse, o que é absurdo, não havia decerto arrependimentos nem exaltações. uma vez que, à morte seguisse o nada! Neste momento, não posso realmente deixar de referir o que sucedeu, no caso de Remam e também de Voltaire.
Toda a gente sabe que passaram por ateus, cuja vida e obras desonraram a Cristo e à sua Paixão! Esfalfaram-se em vida, para desacreditar as grandes verdades, em que eles próprios acreditavam a fundo, Pois, se não, que significam as atitudes, por eles assumidas, pressentindo a morte?!
Ela: Que fizeram eles então?
Ele: O primeiro, tomando um crucifixo, olhava-o com ternura, enquanto dizia: Senhor, tem pena de mim que pequei e te ofendi!
O segundo pedia um sacerdote, para confissão, Onde está, pois, o ateísmo destes homens?! Quando se tomam a sério. as atitudes de alguém? É certamente à hora derradeira!
Se quiséssemos ainda recorrer à História do nosso Portugal, encontraríamos, muito facilmente casos semelhantes. Para exemplo, basta na verdade, o Marquês de Pombal.
Tanto se empertigou, durante a vida inteira, para depois ajoelhar na lama de Pombal, em dia de tempestade, a fim de suplicar lhe fosse perdoado o que fizera de mal a Deus e à Igreja
NOTA: este facto notável foi presenciado pelos habitantes da vila, em dia de festa, ao receberem, triunfalmente, o representante da Igreija, que acabava de Chegar
Manteigas \\ 17-\- 1971
Ela: No tocante à existência do nosso bom Deus, arrumou-se o caso. Um tolo, afinal, +e que pode negá-la ou ainda alguém que não tenha reflectido
Ele: Na verdade, se a matéria de facto se encontra na origem do ser humano, o menos deu o mais, o que é inadmissível Se o homem, por seu turno, originou a matéria, agiu como tolo, pois, ainda agora não sabe aquilo que realizou. Que revelam às gengtes as Descobertas? Que manifestam os grandes inventos? Que não foi ele o autor dessas maravilhas
Ela: Está provado. O assunto é claro! E quanto à renúncia ao próprio amor, que diz o compadre?
Ele: Eu tenho para mim que é impossível alguém renunciar. Acho isso absurdo! O facto notório de haver religiosos, sacerdotes e leigos que parece viverem à margem disso, não vai contra ,mim! Lá diz S, Tomás: vita cordis est amor! O coração alimenta-se de amor. Se quiseres também um autor profano, vè a propósito o que diz Garrete, no seu livro precioso “ Viagens na minha Terra”. A ideia aproximada é como segue: O coração alimenta-se de amor; se lho tirais, esgota-se a ele, actuamdo por força sobre a própria substância.
Daqui não pode fugir-se! É um facto universal, que não admite excepções
Ela: Nesse caso, eles são falsos! Aparentam uma coisa e, afinal, são outra!
Ele: Mais de vagar, comadre minha! Vamos por partes! Como sabes, há várias espécies, no tocante ao amor: paternal, fraternal. conjugal, filial, platónico, amizade e sobrenatural.
Eka: De todos eles eu faço uma ideia, segundo me parece, à excepção do platónico e da própria amizade. Também esta se inclui na lista do amor?!
Ele: À primeira vista, afigura-se que não, mas se atentas na raiz… O elemento ‘am? significa união. Portanto, se já embora diferente, nos vários efeitos e manifestações, tem o mesmo principio e fim geral. O amor platónico vem a ser uma coisa que os homens inventaram, ignorando eu se alguma vez , por acaso. ele foi praticado, a não se r , talvez por necessidade. O soneto de Camões “ Tr ansforma-se o amador na coisa amada” é significativo.
Ela: Cada vez, asseguro, estou mais intrigada, com esses rodeios e impossibilidades
Ele: para nãp alongarmos, é amor à distância, o amor de bem querer .É ajgo semelhante ao dos espíritos puros. Imagina, por momentos, que não tínhamos corpo e, no entanto, amávamos. Talvez assim compreendas melhor. Amor de vontade: não exige nada que alguma vex ultrapasse as barreiras do espírito. Para ele, a matéria não conta e, portanto, não visa de modo nenhum, o prazer venéreo. Aí tens, pois, o que se oferece dizes, acerca do assunto. Não conheces, por ventura o caso de Petrarca? O poeta famoso que deu ao soneto as linhas moderna?!s.
Ela: Julgo haver –se convertido, após a leitura do livro “Confissões” de Santo Agostinho. Foi um milagre!
Ele: Ah! Também tu conheces a Águia de Hipona, o maior génio e mais portentoso que passou por este mundo?!O maior Doutor da Igreja e um dos maiores Santos que habitam no Céu! Havemos de falar, sobre o seu valor. Agora, no entanto, voltemos a Petrarca, uma das glórias da Itália renascentista, como Dante e Bocácio. Com o primeiro, deu-se na verdade uma coisa engraçadíssima. A musa inspiradora do seu génio imortal, foi a célebre Laura , como fora Beatriz, no caso de Dante e Natércia em Camões.
Ela: Quem foi então a criatura angélica, que dominou a sua vida inteira?
Ele: Acode-te ao espírito haver sido esposa ou coisa no género? Estarias enganado, se tal pensasses. Viu-a apenas uma vez e creio lhe não falou!
Ela: Ela viu-o?
Ele: Que havia de ela ver, tendo apenas 9 anos?!
Ela: Só 9 anos ?! E conseguiu dominar a vida dum Artista, que foi talentoso?! Uma criança! Como devia ser bela e deveras adorável!
Manteigas \\ 18-1-1071
Ele: Olha, para nãp alongarmos, é amor à distância, o amor de bem querer.É ajgo semelhante ao dos esp’iritos puros! Imagina, por momentos, que não tínhamos corpo e, no entanto, amávamos. Talvez assim, compreendas melhor! Amor de vontade, não exuge nada que alguma vez ultrapasse as barreiras do espírito. Para ele a matéria não conta e, portanto não visa, de modo nenhum, o prazer venéreo.
Aí tens, pois, o que se oferece dizer agora, acerca do assunto. Não conheces, por ventura, o caso de Petrarca? O poeta famoso, que deu ao soneto as linhas modernas?...
Ela: Julgo haver.se convertido, após a leitura de Santo Agostinho. O livro “Confissões” operou o milagre!
E le: Ah! também conheces a Águia de Hipona, o maior génio e mais portentoso, que passou por este mundo? O maior Doutor da Igrija e um dos maiores Santos da Pátria Celeste? Havemos de falar, sobre o seu valor. Agora, no entant, voltemos a Petrarca, uma das glórias da Itália renascentista, como Dante e Bocácio. Com o primeiro, deu.se na verdade, uma coia engraçadíssima.
A musa inspiradora do seu génio imortal foi a célebre Laura, como fora Beatriz, no caso de Dane e Nat+ercia em Camões.
Ela: Quem foi então a criatura angélica, que dominou a sua vida inteira?
Ele: Acode-te ao espírito haver ssido a e sposa ou coisa no género! Estarias enganada, se tal pensasses! Viu.a apenas uma vez e creio lhe não falou!
Ela: Ela viu-o?
Ele; Que havia de ela ver, tendo apenas 9 anos ?!
Ela: Só 9 anos?| E conseguiu dominar a vid dum Artista, que foi talentoso?! Uma criança! Como devia ser bela e deveras adorável!
Ele: Pois aí tens um caso celebérrimo de amor platónico!
Manteigas \\ 18-1.1971
Ela: Fiquei ciente do amor platónico, sendo possível realizá-lo na vida! É bastante mais puro do que eu julgava! Não achas ideal um amor como este?!
Ele: Eu não julgo! A praticá-lo, extinguia-se logo a espécie humana. A família é na verdade, a célula básica da sociedade. Por outro lado, o ser racional não podia realizar-se. Dotado de corpo e sensibilidade, tem por isso mesmo de efectuar o seu destino, pelo modo normal que Deus lhe traçou! Ora, se o espírito do homem exige acordo e interpenetração, o corpo humano, unido ao espírito, substancialmente, demanda também contacto íntimo e presença física.
A ideia de pureza é um tanto subjectiva. Devemos ter como puro tudo o que Deus criou. Ora, a Sagrada Escritura lá diz claramente;”Crescei e multiplicai-vos”.Se Deus assim mandou, há-de estar bem. pois que Ele na verdade, nada faz mal, como isso é próprio da essência divina.
Ela: Estou seguindo o teu discurso e vejo com nitidez a conveniência do processo em causa. Na verdade, pensando um pouco, achamos logo bem. O processo, a rigor, não é imundo nem reprovável! Bem natural e eficiente é que ele é!
Ele: Ora bem. Quando afirmaste que há exemplo de renúncia ao amor humano, querias referir-te provavelmente ao amor conjugal mas , de facto, ainda resta muito para saciar o coração humano, Imagina agora um coração generoso, doando totalmente vida e haveres, para sustentar um Patronato. destinado a crianças. Tem havido, felizmente inúmeros casos .Lembremos, por alto: S, Vicente de Paulo, s, João de Deus, S João Bosco, o padre Américo e outros ainda
Estes, pois, e outros que tais não alimentam substancialmente o coração generoso?!
Ela: Embora tais crianças não sejam, realmente, filhas naturais, é como se o fossem. Trata-se amor, já sobrenatural ou ainda caridade, o que significa amor, devotado ao próximo, por causa de Deus. Por ideal superior, sacrificam então, a família de sangue, por outra família de tipo espiritual ,
Ele: Chegámos, portanto a acordo perfeito!
Manteigas \\ 20-1-1971
Ela: Viver para os outros, sacrificando-se, nada recebendo, cá neste mundo, é um pouco duro, não achas?!
Ele: Entendo que não, pois se trata dum caminho livremente escolhido. Não temos o direito de censurar ninguém, pelo facto simples de haver escolhido este rumo ou aquele! Cada um é livre: deve realizar-se, de harmonia com o gosto! Se alguém prefere, espontaneamente, ficar celibatário, para melhor servir um ideal superior,
só temos de louvar a generosidade e riqueza de espírito, não havendo mais razões, por dar mais do que nós!
Ela: E se vem, por ventura, arrependimento, algum tempo depois?!
Ele: Tudo é possível, cá neste mundo! Imutável só Deus! Em tais circunstâncias, melhor é arrepiar caminho, seguindo a consciência e pedindo conselho a pessoa esclarecida, equilibrada, recta e prudente. É o caso, afinal, de certos padres e religiosos, a quem, por motivos graves, que não devemos censurar nem subestimar, a Santa Sé dispensa dos votos e encargos assumidos
Ela: Isso, realmente, é o que tenho observado, nestes últimos anos. Aparece até quem se erga em fúria, contra o celibato e os votos em geral.
Ele: Isso, ao que julgo, é ir longe demais! O que é bom em si, não pode contestar-se e muito menos atacá-lo! O que me parece, em boa verdade, é que tais votos não devem ser perpétuos, mas renováveis! Quanto ao celibato deve ser livre. Não vai passar longo tempo, sem que haja, de facto, padres casados a exercer o sacerdócio, como foi no princípio. Podemos até dizer que já está em vigor, sendo protestantes, convertidos a Roma.
Ela: Se já foi assim, não vejo razão para tantas barreiras! O celibato dos padres não é, realmente, de instituição divina! Também não é , igualmente de instituição apostólica. Foi o homem, a rigor, bem mais exigente que o próprio Cristo!
Este assunto é complicado! Só com tempo disponível se pode tratar
Manteigas \\ 21-1-1971
E le: Há quem renuncie aos bens materiais, pelo voto de pobreza., mas afjnal deve compreender-se no exacto sentido. Evidentemente, ninguém há no mundo que dispense habitação, alimento e vestuário. Ora, isto requer dinheiro! Logo, tal dinheiro é impressindível! O que se passa, de facto, é o seguinte: não administram individualmente, bens materiais, mas sujeitam-se todos a um processo de economia , que chamam ‘dirigida’ Em vez de ser alguém a dispor de coisas suas, é a comunidade, governada então pelo Superior. Nenhum tem nada, mas têm todos o que precisam
Ela: E donde é que vem o preciso rendimento, para obviar âs despesas diárias?
Ele: Os membros constantes da comunidade não estão inactivos: trabalham com afinco, dedicando-se uns ao apostolado e realizando outros funções lucrativas.
Ela: Nesse caso, vivem melhor do que outros, cujos rendimentos são bem escassos!
Ele: Não tenho eu dúvida! Até passam a existência muito mais sossegados, já que o dia seguinte os não preocupa. Assim, pois, é que deve entender-se o voto de pobreza: r enunciam, de facto, à posse individual, mas de modo nenhum à posse colectiva. A propósito, vem-me agora ao pensamento o caso dos Lazaristas, que podem administrar os bebs pessoais. É um caso interessante!
Ela: Não exaltes demais a vida religiosa, organizada em comum, que pode suceder algum caso imprevisto.
Ele: Não pe cebo! Dou tratos de polé à pobre fantasia, mas, a rigor, não atino agora com a resposta!
Ela: É muito simples: acabado o ‘encanto’, posso vir a se r freira!
Manteigas \\ 22-1-1971
Havia de custar-me, bem entendido, mas , com certeza não ia suicidar-me! Se a tua vocação for, na verdade aquela que dizes, não serás feliz em outro estado nem farás, decerto, a ventura de ninguém! Cada um de nós siga livremente a sua tendência, não cedendo a pressões de qualquer natureza. Quando os pais matraqueiam, indevidamente, seja embora com zelo e muita piedade, o ouvido de seus filhos,, ainda inexperientes cometem d esde logo, um crime nefando, pois estão a violentar destinos alheios e a fabricar indevidamente situações encravadas
Ela: Mas então que hão-de fazer? Não desejam os pais o bem de seus filhos?!
Ele: Não é isso afinal o que agora está em causa; sim o processo de orientar os filhos. Se disserem ao petiz que há-de ser marinheiro, passa desde logo a não ver senão água, a pensar em barcos, retirando em seguida os olhos da terra, como se para ele nada mais houvesse! Eu pergunto: será, de facto, verdadeira vocação?! Redondamente que não, pois saiu, toda ela, de fonte bem alheia: não do próprio, como fonte natural! À volta do petiz, foi-se criando um mundo artificial, a pouco e pouco: julgando pertencer-lhe, pode vir a ser o caminho da desgraça!
Ela: Nesse caso, seriam os pais verdadeiros assassinos dos próprios filhos
Ele: Irrespondível! Antevendo logo, muito provavelmente, um futuro próspero no campo material, esqueceu-se então de que o homem, neste mundo, só pode ser feliz, executando apenas o que livre escolheu. Os pais devem orientar, mas não impor, já que, em tais casos se trata realmente de ‘imposição’, embora disfarçada! Dirigir, mas não forçar; guiar, sim, mas não levar, como diz Garrete, no belo Tratado da Educação
Manteigas \\ 23-1-1971
Ela: Deduzimos, pois, a educação de uma criança é de enorme gravidade, Não basta alimentar, que o fazem os cães; nem chega também dar alimentação, que o fazem os brutos; nem satisfaz a protecção no perigo, que vamos encontrá-la, nos irracionais.
E le: viveremos a fundo o assunto em questão, quando houvermos filhos a quem temos de educar. Então verás claro a eficiência do método. Delicada tarefa vai pesar então sobre os nossos ombros. Não modelamos estátuas de pedra ou outra matéria! Bem ao invés: seres vivos, pensantes e livres! Ela: Imaginas talvez que o nosso encantamento já teve seu fim?! Estás agindo, agora, como se nós ambos dispuséssemos, livres, do nosso destino! Quem sabe, por ventura, o tempo que restará, a fim de repararmos, satisfatoriamente, a falta de submissão?! Façamos de conta que, na verdade, o castigo já findou! Em tais circunstâncias, qual a tua ideia, acerca do futuro de nossos filhos? Que profissão irás indicar?
Ele: Nenhuma, afinal, porque é deles, não de mim que há-de partir a escolha do mister. Porei as crianças em contacto com a vida e, pelas reacções, verei do que mais gostam ou se deixam cativar, de modo especial. Serei todo olhos, ouvidos e paciência, para atender e logo registar!. Só depois disso é que tiro conclusões. Atenderei igualmente aos sonhos que tiverem
Ela: Percebo, à maravilha a tua finalidade, que é bastante razoável. A pe sar disso, hás-de ter, com certeza, certas preferências.
Ele: Olha que não! O que eles amarem é que eu amarei!
Manteigas \\ 24-1-1971
Ela: Nem sequer insinuarás o que traria mais prazer?
Ele: Não! De modo nenhum, toma sentido, eu farei alguma vez que eles possam dizer, com sério fundamento: “ A meu pai é que eu devo, ser hoje tão infeliz! “ Interrogado, exporei então a maneira de ver; em caso de erro, manifesto e palpável, salientarei os prós e os contras; vendo hesitação, apontarei caminhos vários, de harmonia, já se vê, com os sentimentos e aspirações de cada um.
Ela: Original e assaz curioso, esse teu pensar! Se todos os pais agissem desse modo, o mundo seria outro!
Ele: A que são devidas, em grande parte, as deserções, agora frequentes, na esfera eclesiástica? A um sistema fechado , em que a família e o próprio Seminário colaboraram juntos, a fim de de que o neófito só visse batinas e sobrepelizes!
E la: Desculpa lá, mas tenho uma suspeita: que não admiras talvez o ideal religioso e sacerdotal! Enganar-me-ei?!
Ee: Não há dúvida, não, que te enganas a fundo e redondamente! Jamais, afianço-te, desviarei os filhos da sua carreira, seja ela o sacerdócio! A questão é que eles tenham escolhido, sentindo-se felizes! O que não quero é impor, veladamente que seja. A criança precisa realmente de contactar com a vida, pois de outro modo , não poderá escolher, ao chegar o momento.
Um lar fechado… um seminário igual! Estava em uso, não há muito ainda! O educando, em tais circunstâncias, poderia escolher?! E o próprio jovem fruto do sistema, ficaria mais apto e desembaraçado?! Erro manifesto! Uma escolha livre , acertada e prudente só pode fazê-la quem leu atentamente o livro da vida, com seus problemas!
De outra maneira, lidando só com livros, vendo só batinas e tratando só com homens, a escolha está feita, mas é perigosa, incorrecta e desastrosa.
Manteigas \\ 25-1-1971
Ela: Não julgas arriscado expor a criança, naquela fase, em que, realmente, falta capacidade para discernir?!
Ele: Expô-la demasiado não julgo sensato nem é preciso! Aquilo que as circunstâncias forem exigindo, na justa medida! Compreendes muito bem, disso estou seguro, que os nossos filhinhos não ficam toda a vida inocentes, ingénuos! Seria para nós um desgosto enorme! Ora, sendo assim, convém de facto elucidar as crianças, à medida que o precisem!
Ela: Há um tanto de acanhamento, bem justificado!
Ele: Nisso discordo! Acanhamento de quê?! De cumprir o dever?! Quem assim procede não merece, bem creio, o nome de pai! Com os olhos cerrados, para este realidade, a quem recorrerão, em suas necessidades?! Aos colegas da rua, que deturpam e malsinam?! Não serão os pais os mais indicados para tais funções?!
Ela: Razão tinha, digo eu, o padre Verney, no século XVIII, para censurar, o processo de ensino. vigente em Portugal! Foi ele, entre nós, o ousado paladino da instruçãp à mulher, pois grassavam preconceitos de era preferível ficar ignorante! Sendo iletrada, como ensinar?! Não é ela, por ventura, a primeira professora se seus próprios filhos?!
Ele: Bom! Mas hoje ninguém o põe em dúvida! O caso está arrumado, felizmente para nós! O que é preciso, em boa verdade, é responsabilizar os educadores, para não verem baldados seus grandes esforços ou serem de facto maus pedagogos
Manteigas \\ 26-1-1971
Ela: Vê, bom amigo, como as coisas são?! Ao longo dos séculos, mudança radical se se tem operado, tendente a reconhecer direitos postergados ou não atribuídos.
Ele: Ainda bem que assim é, para glória e proveito do género humano! Sinto nisso vaidade, porque foi um homem que lançou a campanha, a favor da instrução da mulher poruguesa!
E la: O compadre acha justo que ela mereça ainda a consideração de tempos idos?
Ele: Se comparar, demoradamente, a mulher de hoje com a de Moigénie, apresentada em seu livro “ A Mulher, em Portugal,” noto desde logo uma diferença. bastante profunda, Entendo, na minha que o homem de todo o tempo deve colaborar, generosamente , a fim de elevar o conceito e juízo, referente à mulher, para ela não ser vítima de perversas doutrinas. A nossa vida mergulha, toda nela, devenndo , pois, lutar pela sua dignidade, honra e proveito.
Ela: Por que olhas tanto para o mundo dos homens, se tu pertences à raça dos Gigantes?!
Ele: Vítima dum castigo, que direi ‘nefando, jamais pertencerei ao mundo superior, onde tive o meu berço. Deixei-o com lagrimas, recordando isto com amargura! Mas, na verdade, que fazer agora, se é tarde em excesso?! Conformidade é o que importa! Derrotismo lastimoso, sensibilidade em grau extremo, de nada servem! Ela: O mundo dos homens é bastante corrupto, mas tercemos armas, para melhorá-lo. A que atribuir a baixa lamentável da mulher portuguesa, olhada noutras eras como a mais adorável terna e meiga de todas as mulheres?!
Ele: Efeito perverso de ruinosa propaganda, que nos veio de longe! Chegaram as modas e vieram também doutrinas avançadas, arejando-se as mentes, à brisa de fora.
Ela: Por que não lançar eficientes campanhas, a fim de a repor, no seu devido lugar?! Seria obra útil e, ao mesmo tempo, nobre e honrosa.
Manteigas \\ 27-1-1971 Cont.
E le: Quando todos os homens ou então a maior parte der para isso colaboração, teremos já coberto um lanço considerável.
Ela: Tudo neste mundo requer muito esforço, espírito generoso e muita paciência. Feita a sementeira, deixemos a Deus o seu resultado , pois é Ele, sem dúvida, que governa o mundo. Empreguemos os meios, que não há-de sair vão o nosso labor!
Ele: Estou deveras empenhado em tal cruzada e, embora sempre aberto às novas ideias, não rejeito globalmente o que veio do passado.. Quanto de belo e assa z proveitoso não achamos ali! Pretender construir, empregando meios, que apenas destroem, má tarefa é. Demolir não custa! Erguer melhorado é que tem os seus quês!
Ela; Que podemos nós então ir buscar ao passado ou ainda contestar?
Ele: Contestamos, por exemplo, o exagero abusivo, que se punha em prática, no tocante à mulher, exigindo-a ignorante, qual bicho da selva, espiada como ré, incapaz em tudo, como insuficiente!
Ela: Entendes, pois, que fique para logo entregue a si própria, desde os tenros anos, sem jamais importar a inexperiência e a falta lastimosa de conhecimento?
Ele: Nada disso! O meu ponto de vista é muito outro daquele que julgas! Apurei, seguidamente, o que vou aplicar a flhas que eu tenha!
Ela: Querias tu filhas, antes que filhos?! Parece deduzir-se das tuas palavras!
Ele: Não! O desejo é igual, no tocante aos dois sexos. Gostava, realmente, que o primeiro a vir fosse uma menina! Compreendes bem! Seria, de facto, a reprodução dum ente adorado, que foi minha mãe ou ainda o retrato vivo de alguém que és tu: nos dias turvos da velhice temida, o beijo suave que adormenta dores e apega â vida.
Ela: Não percas, te rogo, o fio da meada, no plano educativo.
Ele: Vou direito a ele, para dar-te prazer e, como hoje é tarde, espero retomá-lo na próxima conversa.
Manteigas \\ 28-1- 1971
Ele: Prometi? Venho dar cumprimento ao que esperas de mim. Educar é tarefa delicada que exige paciência. Realmente, não se trata de impor a nossa vontade ou moldar um ser a gosto pessoal. Ali, não há destruir ou substituir-se! Para haver bom êxito, é preciso amar, observar e esclarecer. O amor verdadeiro é panceia geral que a tudo se aplica e tem, por via de regra, efeitos maravilhosos.
Onde ele actua, a dureza embrandece; o impossível deixa logo de o ser o agreste e impérvio suaviza e planfica-se. Como fruto maduro de paciência longa, apenas o amor a pode gerar. Amar, para dar-se; amar ainda, para convencer; amar também, para conseguir. Não há voz, decerto, mais eloquente nem solicitude mais eficaz. É quase divino tal sentimento e, como tal, opera maravilhas!
Ela: É isso evidente, no que toca às mães! Não há filho que não ceda! Bastaria, realmente, lembrar dois casos, de que fala a História: Santo Agostinho, Bispo de Hipona e Coriolano, ilustre general. Um, da História da Igreja, foca Santa Mónica; outro, da História profana, visa afinal a famosa velhinha, de nome Vetúria. Na História pagã, não há, efectivamente, quadro mais belo!
Ele: Deduzimos, pois, que sem amor, não há, realmente, educação possível. Teremos, por ventura, hábeis farsantes, exímios funcionários, dóceis manequins, , animados bonecos, que atraem maldições. Perguntaram um dia. a S. João Bosco, onde estava, a rigor,o grande segredo para a sua influência nas camadas juvenis. A resposta breve foi a mesma de sempre- : “ Se quiseres, a valer, modificar alguém, ama primeiro!”Este é o grande passo que, a não existir,faz gorar logo todo o esforço. Que faz o lavrador, antes de semear? Prepara o terreno, banha-o de lágrimas, visita-o amiúde, acompanha solícita as alterações, vigia o tempo, adivinha e previne.
Ela: É mais que certo e ninguém terá dúvida. O educador precisa dar-se e viver a fundo. os problemas alheios, ajudar a resolvê-los. alegrar-se em comum e chorar também com o educando. É como se fora pai, mas um pai amoroso. dedicado e so lícito, altamente generoso.
Ele: Aí tens, pois, o grande segredo, que opera milagres e gera conversões. À margem dele, é tudo árido, terroso r prosaico; a seu calor, um sopro vital anima a criatura!
Manteigas \\ 29-1-1971
Ela: O segundo requisito vem poia a ser a observação, como disse o compadre
Ele: Exactamente! É que, a rigor, não se trata de cobaias. às quais aplicamos esta medida ou aquela! O processo de actuar é inferido com lentidão, paciência e custo. O que está em nossa mão é, na realidade, um ser em bruto, quase insensível e algo apático. Objecto constante do no nosso lidar, sente, pensa e reage, porque tem inteligência e vontade. Ora isto não pode esquecer-se!
Àqele que é dócil ne também carinhoso não vamos tratar com alguma rispidez ou severidade! A nossa obra ficaria gorada e jamais obteríamos o mínimo de tudo.
Ela: Qual deve ser então o ponto de partida? A que atender, em primeiro lugar?
Ele : Aqilo que importa, acima de tudo, é desde logo, captar a simpatia. Sem isto, nada feito!, uma vez que o educando permanece fechado, não se revelando. Deve, realmente, sentir-se à-vontade, não ver no Superior um ente inacessível , cuja presença, harto desagradável, é mais temida que desejada..Há-de ter desejo de encontrar-se com ele, falar-lhe a sós e expor sem rodeios os seus problemas.
Ela: Isso que dizes não é tão fácil como parece, ao menos, julgo eu, em certos casos!
Ele: Sim, convenho, de modo especial, tratando-se de índoles bem pouco abertas! Pessoas há que se fecham a capricho, dificultando imenso a obra educativa. À maneira exacta do simples caracol, a qualquer pressentimento cerram-se na concha, impedindo se actue, a partir do exterior. Ela: . Até me parece que nem todas as pessoas nasceram para isso!
Ele: Claro que não! É dom natural e até bem raro, levar outra gente a ser aberta , sem esforço algum! Predicado inato importa descobri-lo, fazendo-o render!
MANTEIGAS \\ 30-1-1971i
Ela: Como proceder, em tais circunstâncias. para insinuar-se ‘
Ele: , colaborando sempreAmar os outros é o grande segredo e a mola real, que tudo acciona É que neste caso vem tudo por acréscimo. Quando alguém se apercebe de que é, realmente objecto de estima, não levanta problemas nem opõe resistência. Amolda-se e actua, de do intenso. Efectivamente, é deveras penhorante, ver alguém preocupar-se com a nossa pessoa. vivendo também os graves problemas que nos afligem e, ao mesmo tempo, ajudando a resolvê-los, sem qualquer interesse. Que poder aí há que resista a isso?! Preparado o terreno, desaparecem barreiras, endireitam-se caminhos e galgam-se obstáculos.
O educando, mercê do amor, que lhe e votado, ganha confiança, desabrocha sem estorvos, e não tenta jamais o que é frequente: ocultar o peito ou então disfarçar, fugindo a contactos,
Ela: Santo Deus! A dissimulação é algo de terrível, na matéria em foco.
Ele: Em vez de formarmos um homem digno, preparamos um hipócrita e, possivelmente , refinado vigarista! Ora, escusado é dizer que pessoas destas são pouco desejáveis, em sociedade! O convívio estável entre os indivíduos, como entre as nações, tem como base a confiança mútua. A suspeita é fonte natural de intranquilidade e origem de mal-estar, caminho inseguro e impraticável!
Ela: Que Deus nos livre de tais farsantes. Na verdade, ante esses mafarricos, seremos quase ingénuos, a quem aguarda um fim las imoso. Desfazer-nos deles é tarefa que se impõe!
Ele: Imagina , pois, a delicadeza bem como o fino tacto, que deve possuir o bom educador! Além disso, não pode faltar perspicácia aguda e bom espírito de observação. Caso contrário, pulularão sempre na sociedade, elementos perniciosos, cuja presença nos é odiosa. Quando Deus quer, nem ensejo nos resta, que permita fugir deles. Medram nos educandos tendências maléficas, que se vão desenvolvendo notavelmente, em prejuízo de outras, que seriam proveitosas. Em vez de melhoria, pode ter havido um jogo satânico, que serviu meramente, para afinar a maldade.
Aqui tens o que penso, em matéria delicada como esta que versámos
Manteigas \\ 31-1-1971111111
ELA: Resta somente uma terceira parte: orientação do nosso educando.
Ele: É a parte mais difícil e até delicada - o remate do edifício. Não há prudência nem tacto que se digam a mais. O papel do jardineiro não vem a propósito .É que este, de facto, arranca logo e inutiliza, enquanto o educador não pode fazer assim..Mais primorosa a sua tarefa, exige efectivamente que ele respeite sempre o que há no educando, já que nem pode extirpar nem destruir!
Há, sim, que desviar em outro sentido, a propensão da criança, aproveitando logo a notória preferência , que sempre manifesta. Essa capacidade é reserva excelente de energia vital, que pode fazer um santo ou um criminoso.
Ela: Mas isso afinal, requer paciência bem como ideal! Creio que nem todos se orgulham de possuir esses dons excelentes!
Ele: Há na verdade quem os possua, mas não esteja disposto a fazer uso deles! As virtualidades, também por sua vez hão-de ser moderadas, não seja caso talvez, que se volvam mais tarde em prejuízo manifesto. Assim, por exemplo: a criança é generosa e gosta de ser prestável. Tem de ser estudada, com toda a minúcia, pois dar tudo e nada guardar é loucura rematada. Urge, pois, moderar-lhe a tendência, para bem de si própria.
Se, ao contrário, é avarenta, a campanha educativa leva outro rumo. Há que desprendê-la por meios suasórios e razões convincentes, de uma parte notável de bens pessoais. É eficaz e útil pô-la em contacto com a miséria, para se inteirar de que há fome na Terra e que muitas crianças morrem, de inanição Far-se-á o elogio da caridade cristã, com vista à prática de actos meritórios. É também aconselhável encarregá-la, por vezes, de missões especiais, com fins de beneficência, em que ela descubra o imenso prazer de fazer bem aos outros.
Ela: Até humanamente a avareza é detestável Nunca é louvado o que tudo segura, dando provas inequívocas de egoísmo sem par!
Ele: E há razão de sobejo, para não ser prezado! Em que pode ser útil qualquer avarento?! Aquele que se ocupa somente de si, não faz bem ao semelhante. Quem dá aos outros parece-se com Deus., quer se trate, em geral,de bens materiais, quer de bens espirituais.
Mamteigas \\ 1.2-1971
Ela: o facto de o avaro não ter amigos gera logo em mim acentuada suspeita , Serei eu exagerada?!
Ele: Conclusão nova?! Creio abranger o teu raciocínio. Deduziste, por ventura, que tem amigos quem dá, não é assim?
Ela: Sem tirar nem pôr, mas tenho para mim que tal amizade é pouco valiosa
Ele: E não pensas mal! De facto, sendo esse o motivo, é como edifício a que faltam alicerces! Construir sobre areia não vale a pena! Lá diz o grande Mestre da Língua Portuguesa, o mavioso Bernardes, que não tinha amigos, mas amigos do seu
Ela: Nem isso, a rigor, é amizade, porquanto ela assenta em bases mais firmes. Não vemos nós desfazerem-se, às vezes, certas ligações e até amizades que pareciam eternas! Ora, como diz argutamente o Bispo de Hipona,:” Se a amizade acabou, é porque não existia! “
Ele: ele que o disse, é que tinha por certo razões para isso” Quando é verdadeira, não só ão acaba, senão que aumenta. O que a faz autêntica são os motivos que lhe dão origem: razões naturais ou sobrenaturais; com Deus do Céu ou a virtude por sólida base. Como Deus não passa e bem assim a virtude, também a amizade não pode cair, por estar firmada. Bem ao invés, se há motivos encobertos e menos honrosos, logo que estes soçobrem , cai o edifício.
Ela: No entanto, ouve-se dizer: eu tenho muitos amigos.
Ele: Essa frase é falsa! Não diz a Escritura:”Se encontraste um amigo, deves estimá-lo pois achaste um tesouro?!” Não se trata propriamente de amigos autênticos, mas pessoas da tertúlia , parceiros habituais do copo e do cavaco. Outras vezes, é já diabólico o motivo que os une. Amigos, sim, para ferir e derribar outrem ou obter algum empréstimo , alcançar finezas. e lograr doações; satisfazer a vaidade ou a sensualidade! Estas razões são de tal natureza, que logo se esborouam, ao primeiro embate!
Manteigas \\ 2-2-1971
E la: Perguntasse alguém que vem a ser a amizade, qual seria a resposta!
Ele: Não seja embora das coisas mais fáceis, vou tentar definição que ao menos se aproxime: uma fusão de almas que um dia qualquer descobriram semelhanças, nas duas pessoas, pondo em comum prazeres e dores. por forte razão de ordem espiritual.
E la: Fica, pois, à margem qualquer motivo de ordem material ou então corpórea?
Ele: Evidentemente! Se não fora assim, como distinguir a amizade e o amor?! É óbvio também que no próprio amor pode existir um motivo de ordem espiritual, mas ainda neste caso, há sinais específicos
Ela: indica alguns deles, que aprecio ouvir-te!
Ele: O amor, em sua génese, aparece de improviso, enquanto a amizade é fruto de convivência, efeito de observação e caminho que trilhamos, depois de observado. O amor ´e passageiro, singular e violento, ao passo que a amizade é de si constante, serena e comedida. O amor vai subindo, na escala do afecto e,uma vez chegado ao ponto máximo, decresce fatalmente, chegando, por vezes, a extinguir-se inteiramente
A amizade, ao in vês, vai crescendo, crescendo, numa linha ascendente.. Aquele d´´a-se e exige necessariamente retorno sobejo, mas esta sorri apenas e não tem exigências que se tomem por medida. O amor é ciumento e exige contactos; a amizade, porém, não se importa demasiado nem leva em conta algumas realidades como as referidas.
Aquele é a um, jamais tolerando que outrem se incorpore, enquanto esta não olha ao número, folgando até, se encontrar no seu caminho novas amizades.
Ela: São bem curiosas essas facetas
Ele: Re flectindo um pouco mais, encontraríamos, segundo julgo, novas diferenças. A causa do amor é algo misteriosa. Às vezes, não sabemos, de modo nenhum, encontrar-lhe o motivo. Teoricamente, porém, descobrimos no caminho motivo que baste!
Manteigas \\ 3-2- 1971
Ela: Eu tenho um fraquito por assuntos destes!
Ele: A psicologia é, dentre tudo, o que eu mais aprecio. Penetrar fundo no desconhecido, achar ainda, para além da aparência, as causas reais, não ocupa lugar, na escala de valores! Como aparece o amor! Um olhar, por vezes, age qual faísca. Que houve entre as almas que revolveu e logo abrasou?! Força misteriosa que arranca da inércia dois que não sofriam. Agora, porém, a vida é tormenta e cada obstáculo um inimigo a vencer! Uma luta renhida , um diálogo sentido, uma unidade, assaz completa!
Aqui o imprevisto, dominador e sempre fulminante; além, na amizade, tudo corre diferente. Sempre e em tudo comunhão total: num caso, meditada; noutro, inesperada. Agora, sem razão aparente; agora, com motivo adequado!
Ela Grande força é ele que dobra corações e submete vontades!
Ele: Que admira tal facto, se leva consigo o poder criador?! Não foi Deus Omnipotente que lançou um dia no fogo do amor, a centelha de vida ?! Essa vida que Ele tinha e da qual é Senhor, emprestou-a generoso a toda a Humanidade,” Crescei e multiplicai-vos” assim disse o Criador. Por isso mesmo é que a centelha não pode apagar-se e vai sendo transmitida , de geração em geração.
Algumas vezes é compaixão o veículo potente que incendeia a faísca; outras ainda, a formosura, que logo estonteia, pondo alvoroço, no peito de alguém. Sucede também impor-se com afinco a mesma virtude, que logo transparece, nuns olhos brilhantes.
Ela: Fico elucidada, meu bom compadre. Sem a menor sombra de baixa lisonja, sinceramente confesso que foi muito agradável a troca de impressões, que levamos realizada.
Ele: Podíamos, realmente, aprofundar ainda um pouco mais. Entretanto, julgo que o essencial fica bem explanado. Cada um, reflectindo, encontrará certamente aspectos originais, que são de focar.
Ela: Oxalá que aproveitem estes nossos diálogos e que o mundo se eleve ,tornando-se melhor! A ignorância, compadre, é fonte de miséria, caminho de maldição! Haja, pois, em nosso espírito, luz que vivifique, para que a Humanidade, lançada em caminhos novos, ganhe novo alento e sinta maior desejo de subir para Deus. Este é o alvo de tudo, queiramos ou não.
D’Ele é que viemos: para Ele, então é que havemos de voltar
Manteigas \\ 4-2—1971
Ele: Muito havia a dizer, acerca do amor, pois é veio inesgotável, com aspectos variadíssimos. Definições a montes se registam nos livros sem que nenhuma o exprima, de maneira cabal. Grande e misterioso, pois o vencedor é que fica vencido .Não o disse Camões, o maior entre os vates?!
Ela: Que foi que ele disse e a propósito de quê ?!
Ele: As palavras são estas:” É servir a quem vence o vencedor” Fazem parte notável do soneto belíssimo , que retrata o amor pelas suas propriedades. O primeiro verso é como segue: “ Amor é fogo que arde, sem se ver”
Ela: Já que falaste em soneto, viria a talho de foice comentarmos alguns, já que a nossa Línga os tem como nenhuma!
Ele: Bem sei o que intentas, doce e cara amiga. Acaso olvidei eu os tempos que lá vão?! Por ventura morreu “Um Sonho de Amor?! Como se fora hoje, ele está bem presente! Recordo ainda agora a bela dedicatória:” Ao seu Gisaldo a Amélia que o adora”
Todo estremeci, da cabeça aos pés, sentindo cá dentro uma ponta de vaidade.
Ela: Que vaidade sentirias, ligando a mim o teu destino, se tu és gigante, e eu simples mortal? Razão para discórdia vinha a ser na tua vida, que os gigantes são ciosos, nada querendo com os mortais!
Ele: Que importava o seu gosto, se era eu quem amava?! Receios de meus pais, frequentes insinuações de irmão e conhecidos, tudo se esvairia, pois o meu astro assomava no horizonte.
Manteigas \\ 5-2-1971
Ela: Realmente, é um género que eu sempre adorei! Só 14 versos, dispostos, geralmente, em quartetos e tercetos, e que mundo agitado, vivo e suculento! Os pensamentos mais nobres, a tragédia mais funda, os desejos mais subtis, nada vai escapar ao exíguo soneto, em que brilharam, aos centos, vates bem famosos do mundo lusíada
Ele: Embora não seja leigo, no assunto de agora, folgo de ouvir a tua opinião. pois lá diz Garrete: “ Em Poesia, Música ou Drama, as mulheres não se enganam” Quais são para ti os melhores sonetistas da nossa Língua?
Ela: Os que falam mais alto à sensibilidade são os seguintes: Camões e Bocage, Florbela e Antero. Não quero dizer com isto que admire apenas estes, mas simplesmente que voaram tão alto, que dificilmente alguém os ultrapassa. Começando já pelo maior de todos, não haverá, de facto, restrições a fazer?! Lembra-te desde já que imitou Petrarca, o grande poeta que deu ao soneto as linhas definitivas!
Ela: É certo e sabido que ele o imitou, pelo menos ao princípio, como tinha de de ser, para se integrar na Escola Clássica. Se o mérito pessoal consistisse apenas na originalidade, absoluta e integral. quem seria bom poeta?! Nem haveria, por certo, Escolas Literárias, para guia de escritores! Cada um formaria uma Escola!
Não se deu p mesmo, em ordem aos Lusíadas? Olha somente ao primeiro verso da nossa Epopeia, fazendo a mesma coisa, no primeiro da Eneida.
Ela: Isso prova meramente que a nossa Epopeia é uma obra clássica, Nada mas! Voltaremos ao assunto, um dia mais tarde, havendo ensejo, para o fazermos
Manteigas \\ 6-2—1971
Ele.: Vamos então falar do soneto’
Ela: Oh! Nunca estive mais pronta! Sou toda ouvidos!
E le: Teoricamente, sou capaz de igualar-te, embora na prática vás à minha frente! Vejamos primeiro a sua estrutura: formam-no, pois, dois simples quartetos, sendo igual também o número de tercetos.
Ela: No tocante a isso, tenho algo a dizer: há sonetos, por aí, com mais três versos. chamando-se ‘estrambote’ o último terceto.
Ele: Bem observado, não haja dúvida! Pois vou dizer-te que surgiu na Sicília, devendo a forma actual ao grande Petrarca, famoso autor de livros de Salmos.
Ele: Efeito, julgo eu, das famosas Confissões de santo Agostinho, que leu e meditou!
Ele: Fixadas então as linhas estruturais, que todos conhecem, o soneto difundiu-se, por toda a Europa, sendo cultivado amorosamente por notáveis poetas e altos espíritos.
Ela: Quem o trouxe para nós foi Sá de Miranda,, não é verdade?
Ele: Exacto! Pertence o dito às chamadas formas novas, junto com a elegia, a própria canção, a ode e o hino. Além disso, trouxe ainda o terceto e o verso decassílabo.
Ela: Se bem me lembro, o divulgador das tais formas novas , terá sido entre nós António Ferreira, autor famoso da Tragédia clássica ‘A Castro’i
Ele: Exactamente. Discíplo querido e muito devotado a Sá de Miranda , em breve o fez conhecido. Ele em pessoa foi autor de sonetos, exemplificando o novo género.
Ela: No tocante à rima, Há-de tomar-se em conta o que vou dizer: encontramos no soneto duas unidades, abrangendo a primeira
os dois quartetos, e a segunda os dois tercetos.
Manteigas \\ 7-2-1971
Ele: Não tenho bem presente o sistema rimático
Ela: Bom! É muito simples: nos dois quartetos, a rima é uniforme, sendo já diferente, no caso dos tercetos. Exemplificando, temos o seguinte esquema: abba abba ; cde-cde. Além da emparelhada e da interpolada ou ainda a cruzada cruzada , enta umadmitem os tercetos outras rimas ainda.
Ele: Segundo o teu juízo, a quem dedicou o grande poeta o soneto”Alma minha”, que hoje apresenta um cacófato, ainda inexistente, no tempo de Camões?
Ela: A princípio, julgava eu, segundo a crença geral, havê-lo dedicado â famosa Natércia . Mais tarde, porém , mudei de opinião. Diogo do Couto, amigo de Camões, esclareceu o problema: Dinamene, com certeza. Esta jovem asiática, de cor amarela foi a grande paixão do vate lusitano. Acompanhando este numa viagem a Goa, sofreram naufrágio em que ela pereceu e estiveram em perigo os primeiros 6 Cantos da Epopeia Nacional.
Para memória eterna, aqui deixo o soneto, que espanta as gentes:”Alma minha gentil que te partise\\\ Tão cedo desta vida descontente\\\ Repousa lá no Céu eternamenrte \\\ E viva eu cá na Terra sempre triste\\\
\\\ Se lá, no assento etéreo onde subiste \\\ Memória desta vida se consene,\\\ Não te esqueça daquele amor ardente \\\ Que já nos olhos meus tão puro visre \\\ E se vires que pode merecer-te \\\ Alguma coisa a dor que me ficou \\\ Da mágoa sem remédio de perder-te \\\ Roga a Deus, que teus anos encurtou \\\ Que tão cedo de cá meleve a ver-te \\\ Quão cedo de meus olhos te levou\\\
Manteigas\\8-2-1871
Ela: Quanto à beleza formal, nada existe aí que possa igualá-lo!
Ele: E todos são unânimes?! Não há divergência?
Ela: Haver pode, mas no geral o sentir é unânime!
Ele: Quanto ao naufrágio, há quem diga tratar-se duma lenda! Que diz a isto e que vamos opor aos que discordam? É um assunto grave que merece interesse! Até porque o caso está ligado aos Lusíadas
Ela: Não é exacto! A nossa Epopeia refere-se ao caso, por mais de uma vez!
Ele: Infeliz Camões! Não bastavam as torturas e problemas dos homens, para vir o naufrágio exacerbar a sua dor?!
Ela: Bem observado! Nos seus 28, era ele ainda totalmente ignorado.
Ele: Como sabes isso?! Há documentos que possam elucidar?
Ela: Há documentos que possam elucidar?
Ela: Com certeza! Na carta de perdão, que o Rei João III concedeu ao poeta, lêem-se os dizeres:”… o rapaz tem 28 anos, é pobre e vai servir na Índia”.
Ele: Parece impossível, atendendo, realmente, a que os nossos reis da 2ª Dinastia foram quais mecenas das Letras e das Artes!
Ela: Pois sim, é verdade, mas quem nasce fadado para a incompreensão, de que presta isso?! Aliás, o caso nã+ é inédito! O nosso Fernão Lopes só foi achado 3 séculos após a sua existência!. Pois se ele escapou (como foi isso?) ao olho observador, arguto e sagaz de Manuel de Melo!
Manteigas \\ 9-1-1971
Retomando agora o fio da meada, Luís de Camões ia ficar deveras aturdido, com a morte infausta do ente amado! Eu imagino! Perseguido pela sorte, malquisto aos homens, afastado pela inveja, e vítima inocente de graves preconceitos, fez-se militar, por força das circunstâncias, tendo por companhia a dor e o tormento! Olha que é forte desgraça! Vai, depôs, encontra no Oriente um peito amigo, e um terrível naufrágio arrebata-lho para sempre, cá no Planeta!
Tenho para mim que foi precisamente o caso da foz, no rio Mecão, já na costa do Camboja!
Ele: A que propósito fez o vate essa longa viagem? Como terá escapado à morte cruel?
Ela: Uma tragédia em tudo consumada! Era ele, ao tempo, provedor-mor de defuntos e ausentes, na província de Macau, quando na Índia governava j´´a Francisco Barreto, inimigo figadal do poeta infeliz! Ora, sucedeu que alguém, o acusou , afirmando peremptório que desviava dinheiro, inorrendo assim na ira do Vice. rei, que não gostava dele e iria desforrar-se de agravos anteriores. Intimado então para vir a Goa, oóe-se a caminho, trazendo por companheira a sua grande amiga e o Poema imortal. que já tinha 6 Cantos, como disse algures.
Ocorreu o imprevisto! Ela morre, deixando-o na angústia, e ele, muito a custo, defende w própria vida e a Obra-Prima da Humanidade, sustentando-a no ar.
Ele: Que dano irreparável, para as nossas Letras, se o belo Pema ficasse pasa sempre nesse mar fundo!
Ela: Imagina, pois, a angústia, o desespero e o desalento dum homem sensível, que chega à praia e não vê quem adora. Ficara no abismo o esteio forte do seu viver! Restava-lhe apenas uma escora potente, o Poema grandioso, que doava â Pátria! Se não fora ele, que lhe importava a existência?! Mas assim, vai uma vez mais arrostar com a miséria, encarar de frente com o ódio dos homens… encaminhar-se a Goa. Ali, é pois, condenado à prisão!
Qle: E seriam justos, atirando-o assim. desumanamente para um calaboiço, de alma a sangrar?! Inspiraria dó a quem fosse de pedra!
Ela: Os homens são algozes, quando têm o poder e jogam à-vontade!
Manteigas \\ 10- 2-\971
Ele: Comentemos agora o soneto imortal
Ela: Nunca eu tive prazer maior nem estive mais pronta! É que este assunto me quadra a valer Há no arranjo suma beleza e até sublimidade, que seduz e encanta!
Ele: Bem estou vendo que é o teu elemento! Que é que faz o peixe, dentro da água ou então fora dela?| Pois bem! Como se trata, realmente, de genuína obra.prima, devemos penetrar-lhe o sentido profundo, imergindo no mistério que encerra tal beleza! As primeias palavras são um grito de angústia, que a saudade articulou, após a grande tragédia. Dinamene está morta, sem qualquer esperanç!
Com ela se fora tudo , e o poeta infeliz mergulhava então mais do que nunca, em profunda solidão,.Sua vida e consolo, dedicação e apoio tudo fora levado na asa traiçoeira duma ave agourenta! O terrível naufrágio, impiedoso e cruel era causa bastante, para matá-lo. nesse dia aziago! Por que não morreu, juntamente co ela?! Para sofrer assim e agonizar, em contacto impiedoso com os homens sandeus!
Vinha para Goa, trazendo no peito, amargura, ansiedade. Acusado injustamente e havido por ladrão, encontrava-se a braços com a justiça terrível de Francisco Barreto .Que podia confortá-lo? Morrer? Seria melhor, mas a Epopeia imortal que não tinha acabado?! A vida, sim, fosse ela madrasta e deveras espinhosa! Resignado embora a continuar a existência, prorrompe em queixumes de cortar as entranhas , despedaçando o mesmo coração! “Alma minha gentil que te partiste”
Ela: Como te admiro excelente amigo e como sinto orgulho de haver-te escolhido!
Ele: Bem vês, grande amiga, que a dor sem limites não tem segredos, que não conheça também! Insónias perduráveis, longo cismar, solidão imensa, tudo foi pão que eu houve de tragar! Nestas horas aflitivas é que o peito se estorce, voltando-se para um alvo que foi luz e consolo.”Alma minha!” Era dele, na verdade, porque a amava loucamente, recebendo em troca dedicação sem limites!
O pensamento constante, a certeza da posse, a formosura e lindeza que lhe adornavam as formas constituíam no mundo a razão do seu viver, mas tudo era um sonho que as águas revoltas haviam cavado seu pr óprio túmulo e o dele também.
Manteigas \\ 11-2-1971
Ela: Está provado, à saciedade. que, sem dor e amargura, não há neste mundo, via nobilitante. Quem me dera também voar eu a capricho no dorso das ondase, logo em seguida, mergulhar até ao fundo!
E le: Não entendo francamente arrazoados assim, pois ir ias deixar-me, sem dó nem piedade, entregue à minha dor?! Tu não vês que és minha, porque eu te elegi?! Não sentes ou presumes que a razão do meu viver está só em ti .Já não sinto em minha alma o fogo sagrado que me fazia vibrar! À maneira de um tufão que desfez o meu peito, noto realmente que sopra em meu redor. Assim, não quero viver!
Desculpa, bom amigo, que eu não quero deixar- te : se vivo neste mundo, é por ti que o faço! O que tenho passado, já lá vão tantos anos, é na firme esperança de fazer-te feliz! O que disse agora há pouco, bem deves compreender ,visava tão só um destino imortal! Desejava ser cantada por lira bem sonora, para que o mundo soubesse meu viver angustiado!
Ele: Não me deixes, por favor, abandonado na Serra, prisioneiro desditoso, à mercê de fúria estranha! Estes gelos eternos, este frio insuportável só um peito amante os chega a contrastar! “Alma minha gentil!” Que eu não diga também como o vate infeliz “ Não quero que partas! É que eu sem ti, não sou ninguém. És alento e vida, amparo, consolação! Aih ardores de Julho! Que será d e mim! Arrepios de Janeiro, que penetrais fundamente, como eu vos detesto e maldigo vivamente!
A minha triste sorte foi um dia lançada por grandes potestades! Vê se podes ajudar-me, que preciso de ti!
Ela: Eu não quero partir, que sou tua, só de ti! Não vês, meu amigo, que fiquei eternamente, aqui ao pé de ti?! Melhor prova do que esta não podia arranjar, pois fui solicitada com promessas atraentes de paz e ventura!
Mannteigas \\ 12-2-1971
Ele: Sou feli, É que sinto a chama de novo a arder, convidando a prosseguir, no caminho encetado. A chinesa par tiu, deixando o seu vate mergulhado em pranto.
Ela: Sim, é claro, mas foi contrariada que ela o deixou! “ Que te partiste desta vida ‘descontente’ Se ela o amava, como é que então o podia deixar?! Aquilo que se ama não é de largar! Apenas a morte, com garras aduncas, infringe esta lei! Q eu poder haverá, tão forte e ousado,, que separe dois amantes?!
Ele: É verdade! A forç a do amor, quando é sincero, vai além do normal! A união é perfeita, o sincronismo, total, a razão de ser, apenas uma!
Ela: Como justificas o voto do poeta “ Repousa lá no C+eu eternamente? Não achas absurdo, em tais expressões?! Se não podia, realmente viver cá na Terra, assim longe da amada, que dizer a tais paalavras?!
Ele: Há razões fortes que o levam por diante! Querendo-lhe tanto e sabendo que é feliz, resigna-se a tudo. Quem é que não gosta de ver bem ditosa a pessoa idealizada?! Querer-lhe bem é querê.lo a si próprio. Moralmente não são dois,mas apenas um!
E la: Apesar de tudo, ele junta em seguida “ E viva eu cá na Terra sempre triste!” Não parece que devia andar alegre?
Ele: Pretendes o impossível, num homem apaixonado!! Só Deus é capaz de quanto deseja! Não queiras então que o homem ascenda ao lugar do Infinito! Conforma-se, é verdade, mas a sua natureza sofre, gritando.
Ela: Não era ele um tanto desconfiado?
Ele: Essa agora! Desconfiado porquê?! Tens cada uma!
E la: Repara bem no 2º quarteto e medita-o a sério! “ Não te es queça daquele amor ardente”Seria preciso recomendar tal coisa?!
Ele : O poeta bem sabia que era amado ao vivo, apesar de tudo sentia prazer e até necessidade em confessar o seu grande amor. Na verdade, é como a chama que pronto se espevita, não porque vai apagar-se, mas unicamente, para reforçá-la ou ainda, se preferires: como fino combust+ivel, que s e vai lançando na fogueira ateada.
Manteigas \\ 13-2-1971
Ela: Achas, a bem dizer, remédio para tudo, mas não entres a julgar, algo erradamente, que a surpresa me toma! As razões que apresentas sinto-as eu em mim.
Ele: Tanto melhor, já se deixa ver! Não é falível o homem?!
Ela: Sim, e volúvel também, sendo isto, pois, resultado imediato! Sujeito a mudanças, que poderá futurar-se?! nem ele mesmo é senhor que garanta um caminho e não outro diferente.
Ele:” Se lá, no assento etéreo onde subiste…” Como é notório, supõe o vate que a eterna felicidade é já sua herança
Ela: Ser+a isto, a rigor, confiar demasiado! Quem jamais penetrou em arcanos
celestes?!
Compadre: Ele conheça-a bem.: sacrificada e virtuosa, meiga e submissa,, que havia de pensar?!Pois Deus não é justo?!
Ela: Mas como é isto?! Agora me lembro de que os deuses pagãos não são perfeitos!
Ele: Se foram, na ver dade, inventados pelo homem! Recorremos a eles, por motivo de estética, pondo em acção jogos de fantasia! Nem os pagãos acreditavam neles
Ela: uito bem observado! Platão e Cícero riam-se deles! Acreditavam só num Deus e Senhor.Este premiou decerto a infeliz Dinamene, pois que os bons serão recompensados
Ele: Assim foi, com efeito. O vate lusitano é firme na crença, admitindo, sem rodeios, que uma justiça estrita caracteriza o seu Deus.
Ela: Que dúvida aquela a atormentar-lhe o espírito?!
Ele : Inteiramente razoável! Como saber, de longe, o que vai l+a no Céu?! Quem vai revelar-lhe o que ali ocorre?! Arcanos divinos que o homem não decifra!
Ela: Vai o coment á rio a meio do caminho, e o tempo mingua. Assim aconte ce com tudo o que +e belo! Quando mal despertamos, aproxima-se o fum! Já o m esmo não sucede quando a vida tortura! Nesse caso, os momentos são loongos, o dia eternidade, a vida uma tr agédia.
Ele: Mas um poeta é g rande, até na desgraça.
Manteigas \\ 14-2-1971
E la: Vamos concluir o nosso trabalho?
Ele: Assim penso eu e quero também. Sem quaisquer preâmbulos, entremos no assunto.
Ela: “ E se vire s que pode merecer-te \Alguma coisa a dor que ne ficou 1 Da mágoa sem remédio de perder-te”…
Ele: Bem se vê que lidas com o Belo!
Ela: Como não fazê-lo, se alimenta e aviva a minha sede amorosa?!
Ele: O poeta angustiado fizera já um pedido, no 2º quarteto, e agora faz outro, não menos importante. No primeiro, rogou-lhe que o lembrasse, baseando p edido na sinceridade e na mesma pureza do seu grande amor. Agora, esta nova súplica fundamenta-se, é claro, na dor incomensurável, que punge a sua alma. “ Na m+agoa sem renédio de perder-te”
Ela: Qual dos pedidos é mais sincero, veemente e se ntido?
Ele: Julgo, na minha , que ambos são iguais. , mas o segundo tem para mim a sublime grandeza da própria tragédia, a unção da paciência, a ternura incomparável da maternidade. Nada houve neste mundo, com acentos mais brsndos,, inflexão mais suave, mais sonora vibração!
E la: Repousa, lá no Céu, eternamente”
Ele: A vida para ele tornou-se um calvário! Já não pode ! A separ ação foi tão violenta e monstruosa! Algo de seu lhe foi arrebatado, sem remédio algum nem pr omessa de futuro!
Ela: Cono seria a tal despedida?
Ele: E houve tempo de fazê-la?Esperaram, as ondas insofridas que as almas enamoradas trocassem, na verdade, o último adeus?! Não foram os dois arrebatados, num ápice, por garra violenta que não mais os largou?! É por isso que ele grita, em voz altissonante, deste mundo em que sofre, inconsolavelmente;:”Roga a Deus, que teus anos encurtou\ Que tão cedo de cá me leve a ver-te \ Quão cedo de meus olhos te levou”
Compadre: Por que é que ele não pediu a Deus’ Seria débil a sua fé ? Hesitante, por ventura? Não. O poeta é crente. Assim o diz a Epopeia Nacional Aqui, porém, era maid oportuno rogar-lhe a ela, visto que já se encontra na presença de Deus.” Se lá no assento etéreo onde subiste…”
Ela: É grande prazer respirarneste século , o aroma deliciante das eras passadas.
Manteigas \\ 15-2-1971
Ele_Restam agora, no fim da obra-prima, considerandos gerais, acerca do soneto.
Ela: Se bem o comparas com outros géneros, que te apraz dizer?
Ele: O lirismo português atingiu no soneto o nível mais alto. Sem palavras rebuscadas, sem afectação nem pretensões, realizou o vate a grande maravilha desta obra imortal
Ela: Bocage e Antero com Florbela Espanca, não distam muito.
Ele: São astros belos de primeira grandeza, no luzido firmamento das Letras Pátrias. Não posso negá-lo, que era fechar os olhos à mesma realidade! Sei que os admiras. Não ignoro, já se vê, a ternura que votas à poetisa infeliz.
O soneto de Bocage tem a chispa do génio mas, de vez em quando, perde logo altura o inditoso poeta! A isto acresce ainda que é pouco vultuosa a obra realizada. Em Antero há tragédia, há dor e pensamento, sem faltar inspiração., mas as suas coordenadas não s e encontram jamais. O mesmo juízo, quanto a Florbela. Há um labirinto, em que vacilo e caio, se é que não me perco, um vazio profundo, em que não reconheço a voz da Humanidade
Exprimiram-se os dois com vozes desabridas, sem pensar talvez que a vida não é Deus nem sequer um fim. Exigiram da existência o que ela não tem, pedindo-lhe bem mais que poderia ofertar-lhes.
Ela: Mas já viste alguma vez a alma em convulsão, falando por uma voz que é um grito de Além? Já sentiste no peito ecoar a voz sonora que se arranca da alma, alagada em pranto? Que é isto que eu sinto, ao ler Antero e Florbela Espanca?!
Ele: Admiro por certo o lancinante dos gritos e o caos da angústia, que se desprende de seus lamentos. Entretanto confesso que não me reconheço, tentando penetrar nos recessos dessa dor! Há mistério profundo que me fala e não entendo; rugido de leão, apanhado em armadilha ou gemido horroroso que um naufrágio provoca. Donde vem o desacordo? Por eu ter fé e eles a não terem?!
Ela: Exprimiram no soneto o impossível da vida: mais fundas ânsias não se torna possível encontrar jamais. Corações atormentados por dor lancinante, encontraram no soneto expressão imortal. Neste particular, são inimitáveis!
Ele: Esse aspecto é exacto e não posso negá-lo, mas no conjunto eu digo com firmeza e grande convicção : em Camões, há princípio, não faltando meio e fim., três formosas unidades que o povo grego um dia criou. Nele há dor e grande tragédia , abandono e desespero, mas o alvo não se perde: a Humanidade encontra-se presente. Se procuro encontrar-me em seus ais magoados, identifico-me logo, compreendendo à maravilha tudo quanto expressa: isto é belo, sem dúvida! Não tem par nem se compara, nas Letras Lusitanas.
Manteigas \\ 16-2-1871
Ela: Embora maais tarde apanhemos o fio, para assim quebrarmos a dura monotonia, será melhor talvez mudar o assunto,
Ele: Inteiramente de acordo Escolhe então e vamos a ele.
Ela : Tenho para mim vir hoje a propósito aquilo que se prende ao romance moderno: fundo, estrutura, linhas gerais e aspectos secundários.
E le: Discreteemos, pois, à volta do romance, vogando satisfeitos, ao sabor da corrente , em paz de espírito e sossego do peito! Ela: É impressão minha , baseada nos factos, que o género em causa vai perdendo terreno. Televisão e Cinema são vias mais fáceis, razão pela qual vão tomar-lhe dianteira, se o não fizeram ainda..
Ele: Há certa razão em teus considerandos, embora não aceite, de ânimo leve e em toda a extensão. Na verdade, é bem mais agradável observar os factos na tela colorida ou expostos ainda no atraente espelho da nossa televisão que debruçar-se incomodamente, sobre centenas de páginas escritas dum livro qualquer. Entretanto, isso não é regra. O investigador, o homem curioso, artista e sedento, recorrerão livro, que fornece, desde logo, em maior grau e com mais pormenor, dados preciosos, que não encontram, à margem dele.
Aquele é estudo sumário, que não satisfaz o nosso entendimento; este é fonte generosa que, brotando a flux, dessedenta o sequioso. Acontece, por vezes, uma coisa interessante, que vale a pena frisar: após a visita, assaz passageira, que o Cine e a Tele proporcionam às gentes, busca-se o autor, no original. Para quê? Sinal evidente de que o nosso espírito, desejoso e sedento, não fica saciado!
E la: Adoro, sim, tuas belas razões , que são judiciosas. Entretanto, não destroem cabalmente os motivos fortes , que vão inclinando para outro lado.
Manteigas \\ 17-2—1971
Ele: O que me parece, no tocante ao assunto, é o que digo em seguida: o romance de hoje tem de ser reduzido. O meu alvo, de momento, não é a quantidade mas a espessura .A vida moderna , agitada e cheia, nervosa e fatigante não se compadece com obras volumosas. Há que suprimir, evitando o supérfluo . Escolher o assunto, com finura delicada e tacto perfeito!
Ela: Impor-se-á talvez remodelar as estruturas?!
Ele: Não parece! O romance é a vida , e esta, de facto, brota do homem Acaso mudou ele. em essência e natureza?! No fim de contas, +e sempre o mesmo: inquieto, insatisfeito, cheio de amargura, dor e su+lício; frustrado, a valer, nos seus mesmos idais; logrado pelos outros! Variam as circunstâncias, nascem aspirações, morrem conceitos, surge nova esperança. É este, na verdade, o condicionalismo, em que a vida se processa.
Claro se torna, pois, que o romance habitual e tradicional pode igualmente espelhar o nosso mundo, sem mudar estruturas ou ainda assumir um tipo diferente.
Ela: O fundo tem de mudar! Não é assim?!
Ele: O aspecto humano e de tipo material ou espiritual, sem dúvida nenhuma! Se não fora assim, escreveria para os mortos aquele que o fizesse! O escritor há-de situar-se, no tempo em que vive; observar com argúcia; estudar a fundo a alma humana e sentir na carne a dor da Humanidade .Estilizando os gemidos, e, de igual passo, investigando, a rigor suas causas profundas, é homem do seu tempo, compreendido e sempre amado.
Ela: E quais são, nesta hora, os maiores anseios da Humanidade? Os seus grandes problemas?
Ele: Urge conhecê-los, para dar-lhes expressão. Em meu entender, os mais prementes são os que deixo: a solidão, a sexualidade. confronto racial, entre brancos e negros,; capital e trabalho; inflação da moeda e causas provocantes ; a luta pelo pão; a crise das religiões; a premente aspiração, já irreversível, das classes humildes.
Ela: Muita coisa junta, meu bom amigo! Isso quer dizer, por certo, que graves problemas se apresentam hoje, para atormentar os senhores do poder, os educadores, as autoridades, pais e patrões, chefes das gentes e subordinados.
Prevejo, desde já, que sem boa vontade, espírito religioso e equitataivo, não vai subsistir a pobre Mumanidade!
Manteigas \\ 18-2-1971
Ele: Nada existe que não tenha solução! O caso está somente em que todos os homens se dêem as mãos, num espírito de amor compreensão.
Ela: É difícil, por vezes, chegar a tanto, mas não impossível Onde todos querem e todos pagam, tudo é fácil e nada custa. Para isso, renunciar, de bom grado, a situações lisonjeiras ou ainda a privilégios de tempos recuados. Os bem instalados na vida terrena, se ninguém os molestar, não se dão por achado. Entretanto, os outros vão gemendo” Eles que se arranjem” Ouvidos de mercador! Lamentos fingidos! Migalhas atiradas, com certo desdém! Eis o que resta dessa bondade.
É útil sobremodo não ficarmos apenas a observar, registando os actos. Apontar os remédios vale bem mais , para que o mundo enfim se levante.
Ele: para isso, estudem-se as causas, em primeiro lugar, o que nem sempre é tarefa agradável, por que muitos se doem e levam a mal
Ela: Se toda a gente assim discorresse, jamais decerto haveria progresso ou sombra de melhoria. O despotismo, a injustiça e a própria miséria continuariam sua longa marcha, enquanto os instalados gozariam em paz seus prazeres e delícias.
Ele: Raciocinas claro! Nada vou contrapor. Lancemos, pois, a semente , visto que a terra aguarda ansiosa . Como já dissemos, um dos problemas que vive a Humanidade, na hora presente, é, sem qualquer dúvida, a amarga solidão.
Ela: Q eu entendes por solidão? Segundo me parece, a raiz da palavra encontra-se em ‘solus’, que significa ‘sozinho’
Ele: Bem observado! Isso denuncia logo o conteúdo em foco! Situação de alguém que se encontra só!
Manteigas \\ 19-2-1971
Ela: Recordo, neste passo, o provérbio latino: Vae solis”( Ai de quem é só Na verdade, é bem triste! Não poder comunicar! Para quem desabafam?! Q uem os apoia? Alguém os defende? Quem os acarinha? Encontrão eco suspiros e ais? Impressionam alguém Quem sofre ou canta, juntamente com eles?! Algu+em os compreende ou teja animar?! Realidades fortes, sem dúvida alguma! Ape sar de tudo, há uma coisa aí que eu não compreendo!
Ele: Diz então, para falarmos dela!
Ela: Ao longo dos séculos, o homem desamparado, sofreu e chorou. Por que é que só agora se ouviu esse grito?!
Ele: Ouve-se apenas agora, porque é mais forte. Antes, era isolado; hoje, é conjunto. O infeliz e desditoso tomou consciência, verificando alarmado que abusavam dele. A medida estava cheia. o fruto maduro, a hora bem propicia! Era em número exíguo o que vivia contente. Entre os ditosos , que nem todos são maus, ecoou esta voz. A imprensa em globo agita o caso. Toma-se posição e levantam as armas. A causa em foco é mais que justa!, pois ataca excessos que afligem os humildes! Estes fazem coro e saltam para a liça.
Olhando para si e fazendo o paralelo, sentem-se frustrados , por culpa de outrem. Quem pôde roubar-lhes o que Deus ofertara, generoso e bom?!
Ela: Já parece um discurso o teu arrazoado. Por demais me convences! Não preciso mais razões! A humanidade está só em cada infeliz, que não se vê realizado. A maturidade chegava já tarde, e o homem gemia, acorrentado e preso pelo costume. Raiava, por fim, a aurora esplendente
Manteigas\\ 20-2-1971
Ele: Era um contra-senso! Gregário por natureza, o homem viver só! Desacompanhado em tudo, na vida e na morte, com parentes e sem eles, no trabalho e no ócio, no ruído r no sillêncio!
Afinal, a solidão é bem mais extensa do que eu pensava! Em boa verdade, pode o homem estar só, mesmo entre gentes! Casou de mau grado, por insinuação, fazendo-lhe ver o mundo em redor, a cores diferentes?! Tem mulher e tem filhos? Não vive sozinho A realidade, porém, não é o que eu digo. No meio do ruído, ouve gemer o desejo dum bem, que ele não possui e gostaria de ter. Influências estranhas de maus conselheiros é que originaram a profunda ruína, em que vive mergulhado! Resignado talvez arrasta pela Terra seu amargo viver, não achando jamais aquilo que buscava – o sonho dourado, que nunca viveu!
Morreu tudo a seu lado: é uma sombra ambulante! Quisera regressar, mas é tarde em excesso.
Ela: Acompanhado, sim, mas sem ninguém. Parece contra-senso, mas de facto não é!O que importa, na vida é viver um ideal que não seja imposto nem sequer insinuado. Quando forças estranhas meteram valimento, cola boraram num crime, quue gera a solidão. Orientar bom é, a partir da escolha livre. Sugerir, lembrar, impor, insinuar, eis traçado o caminho que leva à solidão.
Ele: Assim é, na verdade. Se o mundo é infeliz, como tanto acontece, a culpa reside nele: não em Deus, que é bom e fonte de todo o bem. Urge, pois, associarmo-nos, juntando a nossa voz, para suba mais alto o grito de protesto. Prepara-se o caminho , que leva à justiça, dando a cada um quanto lhr pertence!
N ão queira ninguém jogar com a ventura, trucidando o próximo que agoniza maldizendo.
Manteigas \\ 21-2-1971
Ele: Recriemos o mundo, que Deus fez tão belo, restituindo-lhe a paz, que há muito perdeu. Tirania e despotismo, incompreensão bem como a injustiça é já tempo de acabarem! Que me importa ser bela, ter bom cabedal, se eu tenho na mão o fruto proibido? Se contribuí, de modo leviano, para a miséria de alguém ou ainda empreguei injustos meios, que lhe cavaran a ruína?! Como é possível então dormir sossegado quem traz consigo ideais tão mesquinhos?!
Ele: Trabalhemos de gosto, sem revolta nem matança, estruturando assim os alicerces de um mundo melhor. A solidão é temível! Não alegra ninguém! Quem a origina, faz de assassino, que não respeita os irmãos. Deus é nosso Pai e quer a valer, que todos vivam bem, gozando a vida em perfeita paz. Assassinatos e más vontade s coisas são que desadora!
Ela: Esta luta findará, no dia da vitória. Empenhemos a vida, com a mira no triunfo. Desterrar a solidão, actuando com valor, é fazer obra sã, que trará consolação! Refaçamos, pois, o mundo que, sem Deus, é torturante! Venha Deus habitá-lo e jamais a solidão!
Ele: Se acabar o nosso encanto, restando-nos vida, partiremos também à conquista do mundo, para Deus seu autor! Q ando Ele não faltar a solidão não tem vez: toda a gente é ditosa e gostará de viver!
Ela: E se alguns não quiserem, persistindo em ficar, onde sentem vaidade? Em seu trono resplandente, que a malícia ergueu, estão firmes e ditosos, não querendo baixar!
Ele: Mentalizado que seja o orbe em geral, já não há resistência. O que domina, avassala e se torna senhor é, sem dúvida, o número. Como forte vendaval que se atira impetuoso, caminha desde início, confiado na vitória! A força pode muito, e a razão muito mais: se alguém cair na liça, não importa o sacrifício! Aquilo que importa é vermos a solidão a fugir pressurosa deste mundo que habitamos.
Em seu lugar, ficará só amor, a cantar e sorrir, bendizendo para sempre quem o trouxe aos corações. Com o mundo transformado, será então um prazer viver nele e amar.
Mamteigas \\ 22-2-1971
Ela: Por ser delicado o assunto de hoje, requer atenção e muito cuidado.
E le: A sexualidade?! Pois vamos ao caso: nada há sobre a Terra que não seja tratável! E se existe, como creio, razão suficiente, para ventilar a magna questão, não vamos incorrer no crime do silêncio! Aquilo que Deus cria não pode ser mau nem oferecer, ao menos que eu saiba, motivo dr escândalo! A malícia humana é que altera e deturpa, envenenando as coisas,.
Ela: É indubitável ser esta, na verdade, uma questão basilar das que são mais prementes e inquietantes, para o homem actual. Até ouso dizer que foi sempre assim.
Ele: Inteiramente de acordo. Se o não parecia, era, julgo eu, por falso recato, que punha malícia, onde a não havia . O facto assenta nisto: Deus, autor da vida e fonte de bondade, transmitiu, desde logo. à sua feitura, o poder de gerar, depositando nela a centelha da vida, que passaria a outros, em tempo futuro. Este plano ,abrangendo também animais e plantas é belo e grandioso.
Cada árvore em si é já portadora de vários embriões que, desenvolvendo-se, originam mais tarde plantas iguais.
Cada animal, por mais insignificante, alberga no seio as fontes da vida , que hão-de permitir, em tempo vindouro, que ela se mantenha.
Ela: é deveras curioso e digno de registo. Vê-se claramente que houve, de facto, uma Cabeça- Mestra, ordenadora de tudo, com recursos infinitos, a qual deixou marca em toda a criação. Sempre a mesma orde, constante, harmónica, surpreendente, bela, admirável!
Ele: Por meio da obra se conhece o A rtista! É interessante o dito popular: fizeste uma obra como a tua cara!
Manteigas \\ 23-2- 1971
Ela; De quanto fica exposto, deduz-se a conclusão: o Arquitecto do mundo e criador de tudo concebeu argutamente dispositivo bem simples , que dá plena garantia, ao longo dos séculos de que a ida não morre. As lindas flores, garridas, perfumadas, aguardam pacientes o voo dos insectos , para ali depositarem os grãos de pólen, E quando a flor é de si completa, escusando pois intervenientes , realiza ela mesma a polinização. Em tal caso, os gâmetas-machos caem directamente , das pequenas anteras para os estigmas
Ele: Bem estou vendo que recordas o passado e os altos estudos! Acabado fosse o nosso encantamento, para agirmos livremente!
Ela: Tenho para mim que esse dia não ta da!
Ele: Quanto aos animais, a coisa é semelhante. Pela união de duas células, masculina um, outra feminina, dá-se a fecundação, convertendo esta o óvulo em ovo. Nas plantas, em geral, o ovário dos carpelos desenvolve-se muito, originando o fruto) (no ovário animal, o óvulo fecundado segue os trâmites próprios).
O objectivo é o fruto, que alberga, por sua vez nova semente
Assim, pela assistência de Deus, garante-se de facto a vida na Terra. Esta chama sagrada jamais se apagará, enquanto o mundo existir
Ela: A sexualidade, pelo que vemos, não é coisa má: assegura ao mundo a conservação das espécies, transmitindo-se vida de uns seres para os outrod.
Ele: definiu-se já bem o papel da sexualidade.
Manteigas \\ 24-2-1971
Ela: Convém tratar agora das várias circunstâncias, em que a vida se processa.
Ele: O autor da vida, para que esta, na verdade, ficasse imunizada, no tocante a deficiências, rodeou-a logo de enormes cuidados.
Ela: Na planta, dou eu testemunho. Com vista certeira, ao fim maravilhoso, encontra-se no estigma a substância viscosa, que prende, sem demora, os gâmetas masculinos. Às vezes, deparam-se também sementes com asas, a fim de que o vento as leve ao longe; outras vezes, apresentam-se as ditas providas de garranchos e abraços adequados, por meio dos quais se prendem à lã de carneiros e ovelhas.
Notamos claramente haver em tais factos suma inteligência de tudo ordenadora, a qual se fosse humana, teria nomeada! Entretanto, ningu+em se apresenta a reclamar tal glória.
Ele: Tudo isto é belo e convida à reflexão. Se agora das plantas vai a atenção pa- ra o reino animal, então o caso aumenta de interesse. Os habituais incómodos e enormes fadigas que rodeiam a gravidez; aqueles que derivam da alimentação ; os que acompanham também o desenvolvimento do ser em formação podiam levar os pais a evitar encontros, provocando assim a estagnação d vida na Terra e, possivelmente a sua extinção
Para obviar a esse grande mal, que seria desastroso, foi o coito rodeado de singular atractivo, que o animal procura, diligente e sôfrego, haja mesmo de lutar com outros concorrentes. Ela: A Providência Divina foi de facto engenhosa e assaz admirável , pois se apresenta solícita e deveras paternal
Ele: Sim, a marca indestrutível da sua passagem ficou bem assinalada.
Ela: No tocante ao homem, por ser racional, a quetão é mais digna de exame acurado.
Manteigas \\ 25-2.1971
Ele: Calha hoje então a permuta de impressões, a respeito do homem , que é, na verdade, o ser mais belo de toda a criação. Além do estímulo, de carácter venéreo, que sempre aconpanha o acto sexual, e que dissemos haver nos próprios brutos, nota-se aqui algo de mais nobre e digno de atenção - o amor humano a ligar dois seres, Este sentimento, belo, indifinível, procedente da vontade e não do instinto ou da própria carne, colocam o homem num lugar àparte, afastando-o imenso da esfera animal.
Há nele decerto profunda ansiedade s vontade incontrastável de consagrar-se a outrem, para obter algo de que sente enorme falta e não pode esquecer ou subestimar. Votar-se â esposa e logo aos filhos, dando seus carinhos e recebendo meiguices ; granjear em seguida pão e abrigo, obtendo em paga o conforto dum sorriso
Ela: Lá diz Miguel Torga: “A felicidade é feita de pequenos nadas…
Ele: … que os outros não entendem e que nós percebemos ! Entram, ao que vemos, diversos factores neste mecanismo ,todos apostados, em legar a vida e logo assegurá-la. Como ser racional, tinha de ser estremado e muito diferente dos que o não são. Por isso, na própria base da sexualidade e, para além da mesma, há grande realidade que não pode negar-se - o amor humano.
Ela: Grande e sublime é tal sentimento que, nestes dias. rasteja pelo chão.
Ele: Procuremos nós ambos mantê-lo a bom nível, e o mundo em que vivemos tornar-se-á melhor. A carência afectiva, imperiosa e desbordante, que leva todo o homem a dar e receber, constitui, sem dúvida o móbil supremo de aproximação e fraternidade. O contacto físico, associado ao prazer, é causa determinante, para manter-se a vida e, ao mesmo tempo, nutrir-se o amor
Ela: Em resumo, a vida sexual, em harmonia e bom equilíbrio, como o Santo Deus estableceu, não é coisa ignóbil nem despicienda. É fonte de alegria, paz e amor, fundamento e garantia de subsistência vital, compensação adequada para os desaires da vida
Manteigas \\ 26-2-1971
Ela: O sexo puro é digno de reparos!
Ele: Que devemos entender por sexualidade?
Ela: Tentarei exprimir o que tenho na ideia. Sexo puro é o que se confunde ou melhor direi que é instinto e nada mais. É qualquer coisa, extensiva aos animais e, já se vê, limitada aos sentidos. Chamam-lhe erotismo
Ele: Isso, realmente, é pura animalidade! A nossa esfera tem muito mais luz e aponta para o alto! Confinado embora com a pura matéria, visa de facto um mundo mais belo e entronca na alma. È fruto de amor, sua exigência e confirmação.
Ela: Assim devia ser, mas tenho para mim haver degenerado, em muitíssimos casos.
Ele: É próprio do homem deixar-se conduzir, abusando às vezes, ou fugindo ao dever. O que nos faz ditosos é a paz de consciência e pão sobre a mesa. Acontece, porém, que a vida dos sentidos , a que a razão é, por vezes, estranha, não sendo chamada a pronunciar-se, leva o ser humano às maiores baixezas, donde só provém ódio, intriga e mentira.
Ela: Na verdade, a vida familiar, segundo o plano gizado por Deus e organizada como faz a Igreja, é a fonte mais firme de paz e ventura. A instabilidade no amor humano, o sombrio divórcio , os filhos de várias mães, rixas furiosas, calúnias e vinganças, é esse, de facto, o cortejo maldito, que aguarda neste mundo os gozadores da vida
Manteigas \\ 27-2-1971
Ele: Não há dúvida, comadre! Fora de Deus e da Santa Lei , nem há paz nem ventura! O mero prazer como fruto proibido, traz logo consigo o travo amargo, que faz da vida autêntico inferno!
Ela: Se bem me lembro, que nem sempre a memória é fiel e prestável, destinámos este dia à luta armada, entre brancos e negros. É um assunto candente: para ele se viram, à data presente, governos e povos. Em tempos idos, era o desdém a única resposta, mas hoje, de facto, a questão já foi posta e exige solução.
Ele: Aparentemente, vão tratando os assuntos, mas bastante pouco s e fez ainda, em benefícios dos fracos. O espírito do Evangelho é que deve informar os povos da Terra! Sem isso agir, é tudo uma ilusão
Ela: Aparentemente?! Por que é que dizem isso, meu bom compadre?! Ou é ou não é!
Ele: Assim parece, mas dá que pensar! Os vários povos de raça negra, apercebendo-se já de que a sua própria vida era um dom para os brancos , acordaram do sono, resolvendo lutar. Querem ser gente, organizar-se também em grandes sociedades, viver livremente e agir como pessoas. Decidiram com firmeza dar o passo em frente, preferindo morrer, se tanto fosse preciso.
Ela: Não podemos censurá-los, que são filhos de Deus e herdeiros do Céu.
Ele: Longe de mim fazer eu tal coisa! Custarem, na verdade, o sangue de Cristo, no Monte-Calvário e são como nós rebanho do Senhor! O que hemos de reprovar , tanto nuns como noutros, é o ódio figadal, a cegueira porfiada, o espírito de vingança, a ambição desenfreada e a dissimulação!
Ela: Sendo isto assim, há culpas graves, tanto dum lado como do outr.
Ele: Os grandes do mundo acenam de longe, prometendo liberdade e riqueza imensa, enquanto acendem ruinosas malquerenças, e ateiam labaredas.
Ela: Vejo muito bem que é errado o caminho e digno de censura!
Ele: Libertam-se eles dum senhor tolerante e compreensivo, que lhes garante a paz e assegura o pão, lançando-se ingénuos em garras aduncas, de potências vorazes.
Ela: Deviam ser guiados e bem esclarecidos, a tempo e horas, esses infelizes, que o azar e a má sorte assim verga e destrói!
Manteigas \\ 28-2-1971
Ele: É o que nós fazemos, em todo o Império. Apesar disso, a mentira vai lavrando e fazendo vítimas.
Ela: Lamento a dura sorte das almas inditosas, vítimas inocentes de algozes e carrascos.
Ele: Obcecados na vingança e não raramente instigados de fora, lutam sem fruto por um bem que não alcançam. Que liberdade é essa que algema e fere, pois ficam a soldo de potências estrangeiras?! Dever dinheiro é já ser escravo: não luz a chama, onde se aferra o duro credor!
Ela: Por que vão fiar-se em promessas mentirosas?! Por que aceitam favores de quem traz no peito ambição desenfreada?! Não governa bem a casa o senhor que a conhece?! Fê-lo exactamente por lhe ter amor.
Aspirações à cara liberdade, não posso reprová-las! Eles têm direito! Não é favor, se lhes dermos acesso! Colocá-los a par, em relação aos brancos, não é mais que um dever, mas tal obra há-de ser lenta, para haver bom sucesso.
Ela: Harto racional e bem pensado! A verdade é patente! Quem o não creia reveja melhor o que tem sucedido! Salazar é que via claramente, afirmando inspira- do:” Saí vós, para entrarmos nós!
Ele: Quem ama está dentro: ali verteu suor. A terra foi banhada e amassada, talvez em sangue do seu corpo. Os vampiros de longe, sem respeito nem lei, ensaiam as garras na presa cobiçada. Não levarão, à primeira, seus desígnios avante, que o direito vem de Deus, e o roubo, do inferno!
Manteigas \\ 1-3-1971
Ela: A luta persistente de raças e classes entendo ser justa, se ela concretiza aspirações e dons que o Direito patrocina. Em verdade, se não fosse ela, a miséria aumentava , tripudiando sempre regalados e nababos, sobre as multidões! Que seria do mundo?! Escavaria cruel, destroços humanos, em que uns tantos viveriam, sugando o próximo e cevando apetites!
Ele: Sim, é justo lutar por uma causa sagrada! Que armas empregar?! A que meios recorrer?! Há sempre o meio termo, que é o lugar ideal Atacar só uns, para defender os que são contrários, não acho justo! Um caso à vista: atacar o capital, de fendendo o trabalho, pode ser uma injustiça. Mais lógico seria, no presente momento, indicar os defeitos duma parte e da outra
Ela: E logo em seguida, apontar os remédios! É que, na verdade, sempre a um direito corresponde um dever. O trabalho é sangue, amor e canseira; via de resgate; garantia de vitória; penhor de salvação; desdobramento de alguém. Deve ser remunera do em tempo devido, sem nada ficar.
Ele: Houve abusos decerto, mas hoje é diferente. A melhoria económica sem base moral, não resolve a situação, onde quer que ela surja. O sentido da equidade não é fácil de acertar: recebendo o que é devido, outro mais se cobiça. Ela: O Santo Evangelho é que deve nortear-nos
Ele: Há direitos e deveres de uma parte e da outra. Cada um será prudente, não querendo o que é de outrem. O capital é a base do progresso e, se é fruto do trabalho, é também efeito da mente pensante. Grande nau, grande tormenta! Assim reza o provérbio. Havendo grande azar, aquele que mais perde é logo o capital.
Comadre: Boa harmonia é que é preciso e boa união, Tudo o mais é fantasia!
Manteigas \\ 2-3-1871
Ele: Que é que vamos hoje tomar em conta?
Ela: Se bem me lembro, é assunto difícil, embora actual e de muita utilidade - a inflação e causas respectivas.
Ele: A economia, assim o julgo eu é, sem dúvida alguma, a base mais firme da vida material Sem os bens terrenos, o estômago não age e tudo paralisa, O factor económico, suas fontes directas e boa administração, é assunto grave da máxima importância, no viver dos povos.
Ela: Lembro-me agora da conhecida máxima: Primeiro Cristo e depois isto! Por outras palavras: em primeiro lugar, hão-de pôr-se, é claro, os bens espirituais e logo em seguida, outorgar a precedência às fontes de produção. Ele: Embora assunto árido, é deveras forçoso tomá-lo a sério, uma vez que o homem não pode alhear-se do seu objecto . A riqueza de um povo é fonte de três causas: o capital, a inteligência e, por fim. o trabalho..Não vamos nós agora condenar uma delas para que as outras se imponham e vigorem! Igualmente necessárias, elas, a rigor, são complementares. Não pode negar-se.
Ela: E há por aí quem faça tal?! Parece-me absurdo!
Ele: A inteligência ninguém a nega. Seria prova clara de extrema loucura! Ela está +ara a vida como a luz para os olhos! O mesmo acontece, em ordem ao capital e ao próprio trabalho. O Comunismo ataca o primeiro; o capitalismo investe igualmente contra o terceiro. Absurdo e condenável!
Atacar o trabalho é, na verdade, paralisar a indústria e, de modo geral, qualquer actividade, realizada pelo homem. Banir o capital é banir a máquina e , do m esmo passo, a tecnologia.
Manyeigas \\ 3-3-1971
Ela: Tenho para mim que um desses factores é mais nobre que os outros - a inteligência.
Ele: Em si mesma e na ordem cronológica, estou de acordo. Basta não ser de ordem material, pois se trata de um bem que reside na alma. Creio firmemente e assim todo o mundo, que o nosso espírito sobreleva à matéria. Entretanto, na ordem estrutural, exigem-se mutuamente, completando-se todos em boa harmonia.
Ele: Estamos, na verdade, perante as fontes da nossa economia. e não se discor da de que é preciso haver pão e, por isso, dinheiro, para comprá-lo. O segundo co rolário não pode actuar, caso o dinheiro não tenha, a rigor, poder de compra, a fim de equivaler ao pão desejado. Se começa a perdê-lo, requer -se desde logo mais nume- rário, para haver alimento. Se ele realmente se desvaloriza, por modo inteiro,( sempre inflação) o caso em si reveste, desde logo importância capital. já que ter dinheiro equivale a não ter nada!
Ele: Vê -se , pois, que a camada inflação consiste realmente na desvalorização Quando é total, vem logo a ruína, acompanhada sempre de um cortejo fun esto; angústia e fome; intranquilidade; insónia, mal-estar!
Ela: Faço ideia aproximada, embora não consiga viver a realidade. Efectivamente, possuir dinheiro, mas se m valor, é já o cúmulo da própria miséria.
E ter filhos pequenos, vendo-os dia a dia morrer de fome?!
Ele: Experimentou-se ao vivo, após as guerras do século, tanto em 1918 cono 1945! O marco e o franco foram condenados ao ostracismo, De nada valia possuí.-los em momtões! Ninguém os aceitava!
Ela; Chamam bancarrota a casos dessa ordem! Há-de ser trenendo e bem lastimoso!
Ele; Para alguém se levantar, após queda assim, faz logo mister um esforço gigantesco, em que todos se empenhem! Sem isso, nada feito! Serão insuficientes os meios aplicados.
Resignado talvez, arrasta na Terra seu amargo viver, não achando jamais aquilo que buscava – o sonho dourado que nunca viveu. Morreu tudo, a seu lado: é uma sombra ambulante! Quisera regressar, mas é tarde em excesso!
Ela: Acompanhado, sim, mas sem ninguém! Parece contra-senso, mas de facto não é! O que importa na vida é viver um ideal que não seja imposto nem sequer insinuado! Quando forças estranhas meteram valimento, colaboraram num crime, que gera a solidão. Orientar bom é, a partir da escolha livre. Sugerir ou lembrar, impor, insinuar, eis traçado o caminho que leva à solidão.
Ele: Assim é, na verdade. e o mundo é infeliz, como tanto acontece, a culpa reside nele: não em Deus que é bom e fonte de todo o bem. Urge, pois, associarmo-nos , juntando a nossa voz, para que suba mais alto o grito de protesto! Prepara-se o caminho que leva à justiça, dando a cada um quanto lhe pertence. Não queira ninguém jogar com a ventura, trucidando o próximo, que agoniza maldizendo!
Manteigas \\ 4-3 -1971
Ela: Apreendido já o significado das palavras em uso, necessário se torna esquadrinhemos diligentes a causa da inflação
Ele: O poder de compra vai diminuindo, uma vez que é preciso, sempre mais dinheiro, para comprar as mesmas coisas. Posto assim o caso, navega-se pela certa, em águas turvas.
Ela: Neste assunto não me sinto à-vontade. Sinceramente confesso que o acho abstruso. Uma dúvida me assiste: se é preciso mais dinheiro, para comprar então o que era pago com menos, chega-se, por força, a quantias astronómicas, que tudo vão complicar!
Ele: É por essa razão que se fazem, por vezes, alterações, para tornar o cômputo de mais suave manejo, Aconteceu em França, com o franco novo, e no Brasil, em ordem ao cruzeiro.
Ela: Mas outro problema tenho para mim, que não é insolúvel. Aumenta-se, depois, o númer o de notas e … pronto! Fica tudo arrumado!
Ele: Aumentá-lo não custa! Já o mesmo não sucede, querendo a gente garantir-lhes o valor!
Ela: Nesse caso, o valor real não se encontra no dinheiro, mas fora dele!
Ele: Sem dúvida! Uma nota de100#00 não passa, afinal, de um papel vulgar, mais ou menos atraente!
Ela: Que vai então garantir o valor real de que está pendente?! É curioso!
Ele: É aquele ouro que o Estado possui. Chama-se ‘cobertura’ a garantia real que esse ouro lhe dá!
Manteigas \\ 5-3-1971
Ela: Quais são pois as causas de tal inflação?!
Ele: É matéria delicada que não sofre hesitações ou aldrabices. Não sendo especializado, não vou aprofundar o assunto em causa, mas tenho para mim que , entre as mais importantes, acharemos as seguintes: ambição desmedida; empobrecimento do erário público; desequilíbrio enorme da chamada balança de pagamentos; juros muito altos; vencimentos elevados.
Ela: Que vem a ser então o erário público?
Ele: É o tal ouro que serve de cobertura.
Ela: Em que pode a ambição influir neste caso?
Ele: Supõe o seguinte: aumentado o salário, levanta igualmente o preço das coisas. Que vai seguir-se? Desvalorização, não haja dúvida!
Ela; Qual seria o remédio, estando acessível?
Ele: Serem mais comedidos patrões e operários, o que vale a dizer: contentarem-se com menos. O que toca a estes abrange os Bancos. Casas Comerciais, Firmas e Empresas, os negociantes e assim por diante!
Ela: N esse caso, impunham-se, ao que julgo, medidas pr eventivas!
Ele: Isso não bastava, como foi demonstrado. Mentalizar os povos rudes, mediante a instrução, a fim de verem claro. Simultaneamente, impõe-se, desde logo, a formação moral, pois que sem ela nada conseguimos, em terreno acidentado.
Manteigas \\ 6-3.1971
Ela. Falou-se ainda a propósito do erário público, no depauperamento.
Ele: Quanto mais dinheiro andar circulando, maiores dificuldades criamos ao Estado.
Ela: Sendo povos ricos, à maneira talvez, como os Estados Unios?
Ele: Sim, dizes bem, mas é utopia! Não sei, de fonte certa, . porque não vejo nem mo diz alguém se, mesmp lá, é bastante a cobertura. Onde, porém, não pode havê-la é, a rigor, nos povoa deficitários, que são, afinal, a grande maioria.
Ela: Compreende-se então que, na base de tudo, há certamente uma grave questão de ordem moral. Sem tal formação nada s e consegue.
Ele: As medidas violentas, as multas e a cadeia não bastam, realmente, para alcançar o objectivo.
Estou elucidada, quanto à inflação: já não tenho dúvidas, acerca das causas e sua debelação. Colaboremos todos, nesta obra excelente, a fim de suavizarmos a tarefa do Estado., evitando para logo a ruína dum povo e o fatal descalabro, que a segue de perto.
Ele: É preciso querer! Ora, muitos há que não estão dispostos. A terrível ambição não deixa ver claro e obceca o espírito.
Manteigas \\ 7-3-1971
Ela: Ventilemos hoje, se estiveres de acordo, outro problema deveras candente - a luta pelo pão. Pelo que tem de humano, já ele me parece em extremo natura. Até os animais abham com fartura o alimento necessário. Ora, sendo assim, não faz sentido eu o rei da criação, que a todos sobreleva, fique num plano, assaz inferior! De facto, quando Deus o criou, foi-lhe logo oferecido o primado de tudo. Espoliado e sujeito, viveu assim, durante longos anos, sem er guer um protest Fosse medo ou não, é indiscutível que ele sofria. Como explicar esse facto doloroso? A que atribuir a situação vexatória? Conhecida a causa, virá fácil o remédio.
Ele: O problema é complicado e não vai resolver-se, em pouco tempo! Creio, no entanto, sem receio de errar, que entre as raízes de maior profundidade, avultam, por certo, as que exponho em seguida: incapacidade, por parte de alguns; indolência de muitos; falta de recursos; analfabetismo.
Ela: Há quem julgue, erradamente, achar-se no Comunismo remédio eficaz, para esse mal. Eu, por mim, não aceito a doutrina!
Ele: Nem eu tão pouco! O que é contra Deus não pode subsistir! É qual edifício, construído sobre areia! Donde vem, afinal. a estabilidade?! Passará como o homem! Frágil como ele, nem vestígio deixará!
Ela: Um socialismo cristão seria o ideal!
Ele: Pode haver mais caminhos que nos tragam a solução! Para tanto, haja boas vontades, generosidade, compreensão e desprendimento, com espírito cristão
Manteigas \\ 8-3-1971
:Ela: Provado está, pois, que a luta pelo pão é, na verdade, uma causa sagrada! Colaboremos então, porque Deus assim o quer!
Ele: Quando me lembro de que há uma sociedade a proteger os animais, pergunto desorientado qual é o espírito que nos anima. Efectivamente, o ser racional fica, na verdade, infinitamente acima, pela sua dignidade, beleza sem par, no reino animal,e pelo seu agir.
Ela: Haver criancinhas a morrer de fome… e cães de luxo a nadar em abundância é duro em excesso para o meu coração!
Ele: Não se vá pensar que eu odeio os animais! Aprecio-lhes bastante o instinto maravilhoso e as raras qualidades que os impõem a todos. A verdade, porém, é que nenhum dos cães mereceu ainda uma gota de sangue do Senhor Jesus Cristo! Uma alma humana vale imensamente, pois custou caro a Nosso Senhor!
Ela: Para não ficarmos apenas em vãos lamentos, que pouco ou nada interessam agora, em que vamos assentar? Que fazer, desde já, em seu benefício?
Ele; seguir à letra as belas directrizes da Igreja Católica, exaradas que foram em várias Encíclicas: Rerum Novarum, Quadragesimo Anno, Mater et Magistra, Populorum Progressio e Paz na Terra. Imitar alguns Estados que vão à frente, nesta matéria, incentivando o bem-estar geral e dando a mão pronta àqueles que são pobres! Proporcionar trabalho a qualquer que seja e remunerá-lo devidamente é um belo caminho!
Ela: E quem faz isso, com segunda intenção?! Pois não haverá quem seja vigarista?! Se o fito é sugar, que benefício representa?!
Ele: Não vamos pensar que tudo é farsa, cá neste mundo! Há indivíduos e povos também, com boas intenções, que até gostariam de acertar no alvo! Façamos breve, da nossa par te, o que esteja ao alcance.
Manteigas \\ 9-3-1971
Ela: O assunto de hoje é mais delicado.
Ele: Adivinho, desde já, aquilo a que aludes. É a crise da Igreja? Este problema é efeito directo do que vai pelo mundo. Não há razão, para fazer escândalo! A instituição é de origem divina: os seus membros, porém, não passam de homens! Como sabemos, é formada por elementos, que vivem neste mundo. Imutável só Deus! A volubilidade, quase permanente, em altos e baixos, é uma das constantes que distinguem o homem! Que admira isto, se até o ser físico se altera e muda constantemente?! As combustões que se operam nas células, desgastam e consomem a própria matéria de que são formadas! Destruição ´e logo a morte!; desgaste da matéria e sua reparação, mudança e novo ser! Se acontece no físico!...
Ela: Que eu me escandalize não é assunto, para tratar-se! Mudar constantemente é prova bem clara de insuficiência! Se Deus não muda, é porque não se engana!Por vezes, acontece que éum bem o desvio e quando for um mal, a causa disso é o engano.
Inteligência harto limitada, o homem, neste mundo, segue duvidoso, pelos caminhos da vida. Aqui tropeça, além se levanta, colhendo amargamente o fruto sem sabor de seus logros dolorosos
Ele: Por outro lado, a evolução e o mesmo progresso vê dizer-nos ser errado, por vezes, o que se faz. A nossa inteligência pode iluminar-se; a sensibilidade vai-se requentando; alteram-se os costumes e as leis modificam-se, Surgem amiúde novos conceitos, aparecem outras fontes, e a Humanidade, insatisfeita, clama a Deus por por muito mais. Costumes há tão velhor, que até ignoramos a sua origem, mas são realmente vestígio claro da malícia humana.
Ela: Nestas fileiras, achamos também o repelente joio!
Ele: A Escritura é bem clara, a este respeito. Não disse Jesus Cristo que era seu desejo haver trigo e joio crescendo juntamente?! Com esta economia, é natural o desvio, pois os filhos do mal terão obras más.
Sim, a crise é um facto, mas não invalida, por modo nehum,a origem divina da Mensagem Cristã e o fim maravlhoso que ela em vista.
Manteigas \\ 10-3-\971
Ela: Rareiam vocações e, por outro lado, abundam falsos deuses.
Ele: Não é tanto assim, minha boa comadre! O homem, por exíguo, tem raras vezes, o sentido do equilíbrio, o que o leva amiúde a ser exagerado, em suas afirmações. Acordo, realmente em que haja, de facto, menos vocações, mas a chorada penúria, de que tanto se fala, pertence com efeito ao domínio da lenda!
Ela: Não entendo bem o teu pensamento, relanceando os olhos, pelo mundo além.
Ele: Deus com certeza não olvida a sua Igreja e há-de suscitar, invariavelmente, aquelas vocações que forem requeridas. Basta, para isso, fazermos pedidos, rogando com fervor! A chamada abundância, quanto a vocações, não passava, muitas vezes, de mera excrescência, algo dispensável.
Eja: Falas para aí com tanta persuasão , como se visses, realmente a baixeza do mundo!
Ele: É isso mesmo! As condições humilhantes, que chamamos, às vezes, sócioeconómicas Na falta de recursos e na impossibilidade, para vir a adquiri-los, levavam os rapazes a entrar no Seminário! Havia ali um ‘furo’ par quem não tinha outra via a seguir!
Ela: Eu tenho para mim que, sem negar totalmente os argumentos expostos, estás a ver as coisas, à luz deste mundo, sem admitires, como é necessário, uma concepção harto providencialista da vida humana. Eu penso deste modo: o recrutamento de vocações tem, ao que julgo, sectores determinados, em que a Providência quer manifestar-se.
A acção divina revela-se melhor, nas classes humildes, o que vemos realmente em acordo perfeito com os planos salvíficos de Cristo Redentor
Ele: Pois seja como dizes, no entanto, não pode negar-se que houve, por vezes, falsas vocações, o que logo motivou um funcionalismo assaz desastroso.
Manteigas \\ 11-3-1971
Ela: Que vamos pensar do êxodo clerical?
Ele: Eu tenho para mim que se trata dum fenómeno, bastante aceitável, por ser natural! Quem se julga chamado por Deus do Céu, e sente bem-estar no exercício do cargo,não tem, com certeza, a tentação da fuga. É que, em tal caso, a pessoa realiza-se, frutifica e é útil! Com alto prestígio, entre os cristãos, vendo seus esforços coroados de êxito, entende por isso que navega sempre em águas tranquilas. onde gosta de manter-se.
Ela: Mas é reparável o facto em causa e dá logo ensejo a tremendas críticas!
Ele: Que seja assim, não vou negá-lo, mas ´é preferível tal situação a um labor, deveras ingrato ou constrangido! Quem se não sente chamado por Deus, procura desde logo, um caminho deferente. Quantos há-de haver que ingressaram nas fileiras, sem maturidade?!
Ela: Essa agora! Então aos 24 ou 25 anos, não sabe um homem o que anda a fazer?! Tanta leitura, meditação frequente, exercícios piedosos … eu sei lá!
Ele: Há erro profundo, na tua apreciação, pois até mesmo aos 80 anos, pode não haver a tal maturidade! Vou expor aqui já o meu pensamento! Imagina, por momentos, que um rapazinho é tirado do seu meio, para o lançarem depois em outro diferente . Uma vez ali, criam-lhe por certo novas condições, a que se vai adaptando, por maneira lenta, mas persistente. Quase não se apercebe! Vigiam-lhe os passos, estudam reacções, impõem leituras, proíbem-se autores e cominam-se penas que ele teme em extremo, por serem pobres os seus progenitores.
Ela: Nesse caso, não teríamos, de facto, um homem natura: seria, talvez um produto excêntrico, despersonalizado, artificial e até infeliz!
Ele: Pois aí tens o mau resultado: um ser lastimável e até desgraçado, que não conhece a vida nem os seus irmãos e apenas obedece a quem o manda agir. Que mérito haverá nas suas acções?! Inconsciente e autómato, quando ‘abrir os olhos’, terá, provavelmente acessos de fúria. Irá ele perdoar a quem o torceu, ocultando por sistema a pura realidade e colorindo aspectos diversos, que eram lisonjeiros?!
Deformado já e muito infeliz, é bem claramente a negação do ser.
Manteigas \\ 12-3-1971
Ela: Afinal de contas, eu não tinha reflectido no sentido dramático do problema em causa. Urge remediá-lo e já sem demora!
Ele: Nada existe no mundo que não tenha remédio, como diz o rifão. Impõe-se facto novo sistema, educacional, coisa que, felizmente, já se está ensaiando. O jovem seminarista há-de tocar a mesma realidade e conhecê-la a fundo. O saber livresco, auferido sempre à margem da vida e longe dela, forja somente amostra de homens! Ficam, decerto inadaptáveis! Para que servem então esses elementos?!
Ela: Unicamente para obedecer, mas essa atitude implica desde logo escravização
E le: Ai tens, pois, um efeito execrável, que não vai honrar, de modo nenhum, a espécie humana. Obedecer não exclui, decerto, a personalidade: antes a supõe! Entretanto, para haver mérito, na obediência deve ser consciente, amada e voluntária. Onde impera o medo ou vegeta a inconsciência, temos actos amorais, nada próprios do homem!
Ela; é preciso reformar a mentalidade, em extremo avelhada, arejando-a bem , à luz do Sol. Preparar aqueles homens que hão-de viver no seio do mundo como se,realmente fossem de clausura, é cometer de facto um crime abominável!
Ele: O mal vem de longe. Frequentavam eles o Seminário, ficando inibidos de seguir outro rumo.”Quem vem para aqui é para ser padre” Quem sai é traidor!”
Tal conceito é falso, quer se aplique aos mesmos jovens queraos adultos. Aquela Instituição não é fábrica de padres: é, sim, estúdio, para descobrir e preparar as vocações. Partindo daqui, vai então a criança, não para ser padre, mas antes verificar se poderá vir a sê-lo.
Ela: Assim, está bem, mas os pais, em geral, é que não entendem essa linguagem!
Ele: Há que mentalizá-los, insistentemente, fazendo ver claro os efeitos funestos de um erro imperdoável. Se um dia o conseguirmos, tudo mudará!
Ela: Não achas talvez que os lares cristãos abusam um tanto, no capítulo em causa?! Refiro-me é claro, ao recrutamento dessas vocações! Matraqueando noite e dia os ouvidos da criança, impõem-lhe logo um regime de vida que, não sendo realmente fruto natural, não pode ser amado.
Ele: Outro grande mal, que se impõe debelar, o mais breve possível!
Manteigas \\ 13-3.1971
Ela: É delicado este problema, pois a educação deve ser cristã.
Ele: Isso não tira! Qualquer actividade pode impregnar-se de cristianismo, sem levarmos ninguém a abraçar contrariado um ideal superior! Quem fizer isso não pode ser amado, ainda pelos filhos. Seria também deveras censurável fazer tudo, tudo sempre ao invés., isto é, afastar do caminho quem se vai seguindo, voluntariamente.
Respeitar a criança, ajudá-la a descobrir o verdadeiro rumo: nunca sugeri-lo ou muito menos intentar impô-lo. Seria um fardo enor me e insustentável, É que os filhos, para não entristecerem os seus progenitores, vão trilhando, às vezes, caminhos perigosos! Sabe Deus a tragédia que se está esboçando!
Ela: Nesse caso, volvido que seja um olhar retrospectivo, há-de haver reclamações e graves protestos
Ele: E os mais atingidos hão-de ser, na verdade, os pais e mentores a quem foram confiados. É que se trata, realmente, dum abuso sem nome! A criança nada sabe, acerca Ada vida w confia inteiramente naqueles que a cercam. As primeiras impressões impressões ficam nela gravadas para todo o sempre! Nada haverá que possa desgastá-las! É, afinal, como cera mole, em que outrem gravará o destino feliz ou desventurado!
Ela: A filhos meus tentarei elucidar! Serei toda olhos, a fim de observar, descobrir e registar. Não serei eu a impor um destino! Tão só alenrarei o que for natural e consentâneo à própria natreza e à psicologia.
Ele: O que motiva , em geral, funcionários e padres é, com certeza, a escassez de recursos. Impossibilitados funcionários e padres aproveitavam logo o ‘furo’ do Seminário, que recebia os filhos, quase gratuitamente. Por outro lado, afigurava-se harto horável e bastante cómoda a vida eclesiástica ( ao menos a seu modo) Viam nisso um arrimo! Como haviam de ser felizes esses padres lastimosos, que, afinal o não era !
Ele: Escória da sociedade e bodes espiatórios!
Manteigas \\ 14 -3-1971
Ele: Um sério problema, debatido, em nossos dias: o celibato dos padres!
Ele: Não admira! É efeito imediato de consciencialização. A pessoa humana vê-se a outra luz, dando o seu desacordo à tradição milenária. Entre as prerrogativas da existência humana, conta-se para já, a fundação dum lar. É que o homem, seja ele quem for, sente no peito necessidade premente de vir a desdobrar-se, viver também para outras realidades, de natureza sensível, comunicar em profunda intimidade, numa palavra, transmitir a outrem a centelha de vida, que alberga em si, tendo nisso, afinal, a base da ventura.
Ela: Mas tenho para mim que o estado célebe é um caminho de alta perfeição, que garante, ao mesmo tempo, disponibilidade, total e pronta. Ora, sendo assim, é mais consentâneo com a vida eclesiástica.
Ele: Que pode ser, realmente, um bom caminho de perfeição, ninguém ousa negá-lo, no caso de ser livre! Sendo ele imposto, equivale, a rigor, a uma camisa de sete varas. No tocante, agora, à disponibilidade, já tenho sérias dúvidas, pois conheço leigos mais disponíveis que alguns sacerdotes. É, no fundo, uma questão de generosidade e princípios sólidos.
Ela: Mas não será chocante um padre casado?!
Ele: Habituados como estamos a vê-los solteiros, algo se estranha, ao menos ao princípio, mas com o tempo vão-se já limando tais estranhezas! A tudo nos amoldamos. Assim que o Papa autorize o facto, deixará logo de ser estranho! O mesmo se passou com o jejum eucarístico, a liturgia eucarística, etc.
Manteigas \\ 15-3-1971
Ela: Estás convencido de que o Papa actual envereda agora, por tal caminho, após uma tradição, veneranda e remota? Assistem-me já dúvidas bem sérias!
Ele: Eu não as tenho! Logo que haja, de facto, necessidade premente, é a via a seguir!
Ela: Nesse caso, o tal celibato passará à História como velharia, bem antiquada e desnecessária!
Ele: Não o creio assim eu. O celibato jamais acabará, pois há-de haver sempre almas de eleição, que desejam imolar-se, por amor a Cristo e também a seus irmãos. Abraçado livremente, é de facto, uma bênção para o mundo inteiro!
Ela: Mas, ó compadre, ele não vem já do tempo de Cristo?! Ou pelo menos dos tempos apostólicos?!
Ele: Nem uma coisa nem outra! Nem o Mestre Santo nem os seus Após t olos avançaram até lá, proibindo aos sacerdotes a fundação dum lar!O Papa e os Ap´´ostolos, Bispos a Sacerdotes eram homens casados , S.Paulo diz até: Que o Bispo deja homem de uma só mulher”
Ela: E ele diz isso?
Ele : É fácil comprova-lo pela Sagrada Escritura..Ora, se este Apóstolo, que era tão rigoroso, deu este conselho, claro transparece que não havia então celibato imposto!
Manteiga \\ 16-3-1971
Ela: Não seu que é! Confessar-me a um casado parece mais difícil!
Ele: Meras impressões, que se geram, por vezes, na fantasia, mas tendem com certeza, a dissipar-se breve! Não há profissões, em que o mesmo se dá?! O Médico, o Juiz, o advogado e outros não guardam também o dito segredo, que chamam próprio da sua profissão?! Uma questão de princípios!
Ela: Seria mais poética a tradição veneranda! Séculos e séculos, decorridos já, e só agora…
Ele: O Vigário de Cristo é quem governa. Que é que estamos vendo?! Ele em pessoa, dispensou, ao que , vimos, numerosos padres do celibato imposto , para virem a casar, sendo isso do agrado. Por outro lado, com a mira fisgada de proselitismo, admite, sem entrave, no sacerdócio católico, ministros protestantes, que deixam para sempre as suas igrjas Que prova isto?! Não haver, de facto, incompatibilidade, entre o casamento e o múnus sacerdotal.
Ela: Mas não será isso o fim de tudo?1 Tanta liberdade!
Ele: Não o julgo assim! Deus criou-nos livres, e o facto em causa não é dogma de fe!
Mera questão disciplinar! Se o Papa entender, por qualquer razão, que é melhor de outro modo, só temos que aceitar, deixando-nos dirigir pelo Chefe Supremo, representante de Cristo.
Ela: Dizem, efectivamente que na Igreja oriental houve sempre liberdade, bem como na protestante. Mas não era, realmente uma glória para nós?!
Ele: uma glória indevida, â custa de outrem, que vive contrariado? Onde estava, desse modo, a liberdade de filhos de Deus?!
Manteigas \\ 17-3-\971
Ela: Restam-nos agora as classes humildes Ele: Decorreram muitos séculos, antes de subirem ao grande tablado onde todos afirmam a personalidade, com altivez e segurança. Como em sono ‘hibernal’, jaziam obscuras, trabalhando, sem descanso, mais para outrem que para si mesmas. Eram peças ignoradas da máquina social, que viviam apagadas, com pena sem glória.
Ela: Coitados! Que pena imensa eu sinto no peito, evocando o passado!
Ele: Repara: nem a Literatura as teve presentes! Apenas tardiamente o século XIX lhes presta atenção! S+o deveres a cumprir, trabalho duro a executar, caprichos a servir, paixões a manter! Detestável situação!
Ela: Jesus Cristo morreu por todos nós, ainda os mais desgraçados!
Ele: É certo e provado, mas o homem é soberbo e aspira em seus actos, ao domínio total “ Amai-vos uns aos outros” é frase divina, mas não soava bem Arranjaram outra lei, para oporem àquela: Amai-vos a vós, com desprezo dos outros!
Ela: É chegada a hora que vai libertar a pobre Humanidade! Virá rompendo já o dia abençoado, que anuncia amor e paz?! Que bom, se for assim!
Ele: Rejubilo também, quando isso ocorrer. Um pouco mais de luz e calor… Quanto baste de alimento! Um abrigo modesto! Vestuário que chegue! Que ninguém morra à fome ou fique ao relento, derramando pelos olhos sangue feito lágrimas! Aos brutos e às aves concedeu o Criador tudo o que desejam, sempre que o precisem, obtendo-o sem angústia nem cuidados excessivos.
Ela: É verdade incontrastável o que afirmas agora : vejo isso, na floresta, na serra ou no mar. So então os infelizes, com direito ao Céu, não tinham neste mundo, o necessário à vida?!
Ele: Aguardemos confiados, que o tempo vai mudando! Mentalizemos todos os povos ,com grande clareza e fino equilíbrio! Nem ódios, que é feio nem armas também! A guerra do amor, a luta persistente da compreensão! Empenhemo-nos todos, que Deus é po nós!
Manteigas \\ 18-3-1971
Ela: Quais são os humildes que mais penam e sofrem?
Ele: Cá entre nós, é o agricultor. Entretanto, vai subindo já e, de dia para dia, meçhora seu viver.
Ela: Sim, é verdade, mas onde e em que terras? Longe da Pátria e dos próprios amigos, em que ele é olhado, à maneira de escravo. Aparentemente estimado? É só pelo que vale . Se a doença o prostra, quem olha para ele?!
Ele: Há muito de poesia, nas tuas expressões, mas em verdade, só a terra que foi berço é capaz de alegrar-nos. Os próprios seres, ditos inanimados, tomam logo vulto. É sorriso mavioso que nos encanta e seduz! Mas a vida é luta a que não pode fugir-se! Aquele ditado: “Onde se ganha o pão, aí é o nosso lar! “ Muito acertado!
Ela: Mas um lar emprestado, um lugar que nos ignora, um mundo que não é nosso, porque, na verdade, não nos viu nascer.
Ele: O que sucede, em geral, é que voltam, mais tarde, ao berço adorado que os embalou. Não vês, +pr ventura, erguerem-se por aí ridentes moradias, bem acolhedoras, nas quais apetece ficar para sempre?! Poderiam eles, alguma vez na vida, alimentar este sonho e torná-lo realidade?! Bem sei que é penoso abandonar a casa, onde tudo nos sorri, acariciando, com amor e ternura! Dizer adeus ao cipreste, que ensombra a campa fria, onde jazem sepultados aqueles entes que amámos
Ela: O emigrante… coitado! Que pena eu eu tenho de seu triste fadário!
Ele: Deixa-o ir mundo fora, alimentar o grande sonho! Talvez isso contribua, para o tornar mais feliz!
Manteigas \\ 19-3-1971
Ela: Que dizer das crianças, esse mundo encantador, que nos fala do Céu, com maneiras tão simples?!
Ele: Oh! também eu lhes quero, mas a bom querer, pois me lembram alguém, que amei loucamente.. Fizeste muito bem, sugerindo. nesta hora um assunto agradávej e deveras querido!
Ela: Tenho para mim, ceio não me engano, que só tardiamente começa´mos a olhar para um mundo tão belo!
Ele: Assim o julgo também, É um espaço inexplorado, onde florescem as rosas mais belas! Encanta e perfuma este mundo de sonho, mas não deixam viver ao pequenino ente sua vida infantil. Viu ternura e carinhos, e sempre à mistura, ambiente carregado, incompreensão, onde ele era nada.
Ele: Como sinto pena desses entes amados, que viveram constrangidos, ao ongo dos séculos! Obedecer e nada mais!
Ele; Só deveres a cumprir, nada mais, se permitindo! Sabes? Não agiam por mal!A intenção era boa: levar a criança a dobrar a cerviz, a não discutir, a ser forte na vida!
Ela: Também o escravo assim obedecia e, não obstante, era tido como gente! E os próprios animais, já domesticados?! Como eles são dóceis e deveras calados!
Ele: Há de facto, obra grande, que é preciso realizar! O pequenino ser que nos sorri do bercinho, é uma flor em botão, primavera florida!
Ela: é, de igual passo, o templo de Deus vivo. Encorporado em Cristo pelo Sacramento do Santo Baptismo, já faz assim parte do próprio Corpo Místico!
Ele: Conheces a fundo a doutrina cristã. Voltaremos aisso, .á mais para diante. que eu gosto do assunto!
Ela: Pois é tempo! Chegou, finalmente, a hora ditosa, em que os nossos olhos já devem abrir-se Toda (a) criança é digna de carinho e, juntamente respeito e amor! Urge, desde já, nos voltemos para ela, baixando a seu mundo! Procuremos compreendê-la e depois amá-la. pe rmitindo-lhe sempre viver a sua vida, à maneira infantil.
Manteigas \\ 20-3-1971
Ele: Hoje, afinal, de que vamos ocupar-nos?
Ela: Gostava, realmente, de conhecer o teu passado. se é que deste modo não sou indiscreta!
Ele: hei-lo-ás sabendo, por maneira gradual, no tempo devido Confidente fiel da minha longa existência e também depositárria de meus altos segredos, como havia de escondê-los?! Bem sei, na verdade, que há luz e sombras, entretecendo meu longo passado, mas não será esse o currículo de hábito, em cada ser mortal?!
Ela: Não quero sacrificar-te, seja embora ao de live. Só Deus é oerfeito. Na sua criatura, há sempre tudo, em grande profusão: mesquinhez e grandeza, glória e baixeza humilhação e triunfo.
Ele: Ainda estão muito vivas as chagas do neu corpo. Que cicatrizem um pouco e então falaremos, sobre tempos idos.
Ela: Por mim não sofras, que serei desditosa! Lembra já outro assunto, quenão prend no passado! Risquemo-lo até, da vida em comum, sendo isso preciso!
: Olha bem atenta, ao que vou dizer-te: há dias, era mercado. Enquanto dormias, fui de longada até Manteigas, a fim de espairecer. Oprimido de meus males, disfarçava no entanto, o mais possível. Encostado ao paredão, alongava o meu olhar e oarava, de onde em onde. Eis senão quando mulher feia vai subindo, carregada no aspecto. De repente, alguém sentado ali no muroj de costas para a estrada, roda velozmente e exclama arrebatado: “ Minha mãe querida, jã me não conhecias?!
Não calculas tu! Aquela mulher, de seno carregado, transfigura-se logo , num momento veloz! Toda ela é encanto! Seus olhos luminosos, fontes cristalinas, caudauis imensos de luz e fulgor! As faces avivadas, rosas tão puras de um verde tão celeste, que parecia divino!
Ela: Não vás apaixonar-te pelo Demo em pessoa!
Ele: Oh! o seu ideal! Esse me apaixona!
Era mãe! Que lindas são as mães! Como é bela a família!
Manteigas \\ 21-3-1971
Ela: Fizeste-me lembrar aquele trecho curioso, que vem, se não erro, nun livro de Francês: L’utilité des Artistes.
Ele: Não sei a que propósito! Muito longe de sabê-lo!
Ela: A contemplação, de mãos dadas com o sonho, é fonte de ventura. O que tu fazias era isso, exactamente! Contemplar e sonhar! Por outras palavras: querias ser o que não és!. Na realidade, o homem só é livre, quando é ele próprio, disse uma vez Raul Brandão. Escolher o seu caminho, realizar-se livremente, sentir fundo prazer naquilo que faz. Não é esta, de facto, a lição dos Artistas?! Não fazem assim?!
Ele: Em boa verdade, poderão todos imitar os Artistas? Até o mais humilde pastor?
Ela: Com certeza que podem! Juntar o útil ao que é agradável é ouro sobre azul! Amando todos seu mesmo trabalho, à maneira dos Artistas, seria um mundo de sonho, compreensão, paz e amor!
Ele: Belo demais, para ser atingido!
Ela: Olha que não, meu bom compadre! Se, durante a vida a ninguém coagirmos,, amarrando seu destino, fácil é de aceitar! Por que não reagir?! Para quê impormo-nos a tais criaturinhas, traçando um rumo que nºao seja o delas?!
Ele: Como eu sinto no peito ferir cruel espinho?! Se eu algum dia tivesse filhos, ia ser cuidadoso, neste ponto delicado.
Ela: Deixa lá, compadre!Viveremos em comum esse nobre ideal! Não serão eles mais tarde a lançar-nos em rosto danosas culpas que assaz atormentam! Deixá-los-emos crescer, no sossego aconchegado, respirando o bom ar e brincando descuidosos. Lançaremos directizes, após haver espiado seus caminhos predilectos, … sonhos lindos que geraram!
MANTEIGAS \\ 22- 3 -1971
Ele: Hoje é festa na serra!
Ela: Festa para mim? Eu que perdi tudo quanto há de querido e nada já possuo, a não ser, claro está, a tua amizade! Condenada à solidão! Eu que, bem fadada, nasci +ara o amor e fui, desde sempre, talhada para o lar! Há séculos desterrada, sem carinhos de ninguém, exposta e sujeita a frios e neves que, neste local. são agora o nosso pão! Festa como?!
Ele: Foi-se embora o Inverno e eu sinto no meu peito renascer a chama antiga.. Come-
çou a Primavera! Estão à nossa porta as belas andorinhas! Virão flores delicadas alfombrar o
noss chão, enquanto a neve odiosa chora lágrimas sem fim.
Ela: Chora a neve e choro eu! Minha vida é penar!
Ele: Pessimismo não conta! Mais vale esquecer! O porvir será nosso. Quem pode roubá-lo? Tu não vês, no Oriente, sorrir a bela aurora, convidando ao amor e ao carinho do lar?! Eia pois, minha amiga, lembra horas felizes e aviventa no peito um amor que já foi: Se o castigo fosse eterno, era eterna a minha dor, mas espero e confio no Senhor Omnipotente!
Ela: É o Deus dos cristãos que adoro também. Eu sei que Ele é bom e perdoa generoso Mas as culpas são tantas! Foi tão grande a ambição!
Ele: É verdade tudo isso e o mais que não diremos! Paganismo, idolatria, um viver desonroso! Tudo isso me lembra, mas não perco a esperança! Ignorância pode muito: necessidade também. Já que a luz chegou a nós, não fujamos para a treva! Findará o castigo deste exílio imposto, e então as nossas almas abrirão para a vida
Ela: Certo fosse o que dizes, mas sinto desfalecer este meu coração, no peito arquejante! Acabaria o Inverno, tormento sem fim?! Terei eu a dirá de ver ainda um sorriso de amor e, ditosa mergulhar na carícia do Sol?!
Manteigas \\ 23-3-1971
Ele: As andorinhas chegaram. Que eu esperava ansioso o breve anúncio da linda Primavera! Não sei porquê: este ano mais que nunca! Ou talvez saiba: um Inverno longo, frio e nevoso traz logo consigo o desejo ardente da fagueira Primavera! Renasce a Natureza e a minha alma também! Sinto a vida latejar-me no peito em ardência! Uma força invisível solicita-me e prende, com promessa ridente de vida feliz!
Ela: Já visre as andorinhas?
Ele: Não tive ensejo ainda, mas alguém participou!
Ela: Quem me dera encontrá-las, ouvir os seus gorjeios, acompanhar as canções! Ia fazer-me bem.! O gelo desta serra infiltrou-se em meu peito, Temporais e ventanias, geadas e nevões entorpeceram-me o cor+p. Poderei voltar à vida e cantar alguma vez?!
Ele: O futuro vem sorrindo, já cheio de promessas! Eia, pois, companheira, que arrastei na desgraça! Quero ver desabrochar um sorriso em teus lábios, perene fonte de gozo para o grande infeliz que eu sou, nesta hora. Ao findar o castigo que engendrou minha ambição, hei-de fazer-te rainha do mundo que eu sou!
Ela: Oxalá que voltemos ao sonho doutras eras, em que dis eram um, gozando imensa ventura!
Manteigas \\ 24-3- 1971
Ele: Férias à porta! Vem logo a animação! Evocar o passado traz funda saudade! Também fui estudante, razão de sobejo, para viver em cheio os problemas dos jovens. Quando os vejo alegres,, estremeço fundamente, sentindo remoçar o coração avelhado!
Ela: Tudo é sonho ara mim. Realidade não virá! Que me importa esse mundo, se eu vivo noutro, desterrada e mesquinha, ignorando a feliz hora, em que o Sol raiatrá?!
Ele: Sufro imenso, não calculas, por ver-te prostrada, sem um leve sorriso e fagueira es+erança, que alente meu viver!
Ela: Que é feito dos meus e que destino cruel os deitou a perder)! Aguentarei esta dor, sem morrer angustiada?
Ele: Quem pudesse trocar esta vida que detesto, para gozar a ventura de aliviar tua dor! Mais não posso, infeliz, que chprar o nosso fado! Sofreremos igualmente longo tem+p. não sei, mas em dia que ignoro, o nosso amor voltará
Ela: Minha vida pouco tem que seja em teu favor! Já se foi o alento e com ele a esperança! De que posso eu dispor?!
Eke: Como és te quero eu que preciso de ti A razão da minha vida és tu somente e nais ninguém! Não me deixes a penar, amargurado e sozinho. neste exílio de dor. em que a vida não sorri!
Ela: O que eu tenho é só teu: outra escolha já não faço! Deus do Céu te mandou, para grata companhia! Depois d’Ele, só a ti. Não me alegram outros olhos nem seduz outro rosto. Escolhi-te dentre muitos: foste aquele que adorei.
Manteigas \\ 25-3-1971
Ele_ Trago hoje uma notícia que vai dar-te prazer!
Ela: Que me dizes tu? Coisa nenhuma pode aviventar-me! Tão mudada ando já, que até penso nem ser eu! O próprio gosto se alterou em mim! Como é exacto o soneto do grande Camões, que se ocupa das mudanças! Ele: Mas, afinal, por que razão não mudo eu também?! Por que hei-de eu sentir, nesta alma apaixonada, o fogo reacendido e já crepitante, que não deixa repousar?! Terei então de sofrer a minha própria dor e tomar ainda parte em dores alheias?! Infeliz que eu sou, meu Deus e Senhpr! Mas eu, realmente, é que fui o culpado! A ninguém assaco os meus grandes males! De quem posso queixar-me? Comparando os meus males com a desdita alheia, é talvez bem provável que haja outro maior! Se vier a perder-te, nada mais resta já, que me possa despertar-me!
Gostavas de saber o meu passado longínquo. Foi desde essa hora, em que emergiu tal desejo, que vi murchar em ti a flor suave da esperança. Julgar-me-ás criminoso?! Vir-te-ão pensamentos de que sou grande monstro?! Sentirás, por ventura, nojo e rancor da minha presença?! Ou serão apenas saudosas lembranças, magoadas e tristes daqueles que eram teus?!
Ela: Não estranhes, meu amigo, que eu sofra o destino, vertendo lágrimas quentes! Se tinha pais extremosos, um irmão adorado, que era o meu orgulho e consolo na dor!
Ele: Não terei razões sobejas, para deplorar a minha triste sorte?! Os que eram meus, onde estão agora?! Jamais responderam a meus chamos veementes!
Manteigas \\ 26-3-1971
Ela: Desgraça tremenda bateu à nossa porta, mas tu és forte! Eu não sou! Se, pelo menos, um raio de esperança brilhasse ainda no meu horizomte!. No entanto, quem pode garanti-lo?!
Ele: Confiemos ainda! O tempo tudo leva e tudo traz de novo! Não disse eu, há pouco haver para ti uma coisa agradável!
Ela: Ia-me já esquecendo! Talvez a Primavera, o regresso confortante das meigas andorinhas! Não faço ideia exacta do que possa ocorrer! Já me afiz há muito, à privação em que vivo e temo grandemente que não me sinta bem, fora da solidão! Notícia agradável! Se tocasse, por ventura, àqueles que eu amava enternecidamente! Os que tudo faziam,, para ver-me feliz! Tudo o mais já não conta, ressalvada que deja a tua pessoa, que não posso dispensar!
Ele: Os ousados gigantes, para castigo do deu orgulho feroz, converteram-se em montanhas ou então foi-lhes dada reprimenda severa! Adamastor, convertido, num ápice, em em Cabo das Tormentas! Não está, com certeza, melhor do que nós, pois que ele, afinal, rodeado para sempre, das águas de Tétis, que ele amara no passado, jamais pode realizar o sonho de ventura. A minha falta é menor que a dele: eu, realmente não tinha, nessa data, posto de comando! O nosso destino, pois, tem de ser diferente!
Ela: E ele amava, de verdade. a bela ninfa Tètis?
Ele: Uma louca paixão! Infelizmente, porém, deixou-se enganar!
Ela, afinal é que o enganou?! Costuma ser ao contrário!
Ele : Isso é o qur dizem! A verdade, porém é assaz diferente!
Manteigas \\ 27-3-1971
Ela: Sinto hoje um pouco de alívio, estando ansiosa por saber em breve aquilo que prometeste.
Ele: Pois seja então, já que assim queres. A ninfa Tétis de que já te falei, notando ser disforme e até colossal, o amante Adamastor, não se enamorou. Isto exactamente ela disse à mãe. que logo aconselhou enorme prudência, não fosse o caso que ele despeitado e já cheio se ira, urdisse no porvir cilada horrorosa, a que elas, de facto, não pudessem escapar. “ Filha, disse ela, todo o cuidado ainda é pouco! Não lhe digas que não! Vai-o enganando e procura mantê-lo na doce ilusão!
Ela: Foi mau conselho, mas o receio pode realmente levar a tudo!
Ele: Aí tens, pois u, caso que não é único: muitas vezes, são elas que os enganam!
Ela: E, por fim, como terminou aquele embate, assim perigoso?!
Ele: Camões assim o diz, na grande Epopeia: no momento em que ele, já cego de amor, pensava realizar o sonho tão amado, recebeu prestes o castigo de Júpiter, por haver tomado parte na guerra dos gigantes. Transformado em grande Cabo – o das Tormentas – ficou rodeado, para todo o sempre, das águas de Tétis.
Manteigas \\ 28-3-1971
Ela: Chegados aqui. também gostaria de saber, ao certo, o destino infeliz de outros gigantes.
Ele: Pois bem. Vou falar-te de mais dois. podendo ser até que o último deles venha a interessar-te, de modo particular
Ela: Despertaste-me ao vivo. Fala sem demora, que rebento, de ansiedade!
Ele: O Gigante Atlas, excitado igualmente pela ambição, ladeou Adamastor, numa guerra fatal. capitão do Mar, altamente obedecido, viu, num momento, os esforços gorados., como outros seus irmãos!
E qual foi o castigo?
Ele: Tremendo, sem dúvida! Suportar o mundo , em cima das costas, pelos sécilos sem fim!
Ela: Que horror! Isso é trágico!
Ele: Pois ficou assim e lá o temos ainda. ao norte de África, sofrendo e pensndo!
Ela: Falta, pois agora, o mais desejado, não é verdade?! Diz já! Não demores!
Ele: O terceiro é Mondeguinho que se juntou a nós por ambição e funda amizade.
Ela: O quê?1 Repete esse nome! Mondegui… nho!
Ele: Sim, Mondeguinho! Foi, na verdade, convertido em fonte, não longe daqui!. Chamam-lhe fonte ou nascente do Mondego, mas aquilo são lágrimas, que jamais estancaram! Dizem por lá que um desgosto enorme foi causa de tal pranto.
Ela: Meu rico irmão! Aqui tão perto de mim, sem sabermos um do outro! Quem medera abraçá-lo! Há tanto já que não vejo o querido! Por que chorará aquele pobrezinho?!
Manteigas \\ 29-3-1971
Ele: Eu bem pensava que havia de alegrar-te! Quem pudera. na verdade, havê-lo sabido, com maior antecedência! Ia assim actuar, a fim de lenir tua imensa dor! Mas só agora é que fui inteirado! Melhor é tarde que nunca!
Ela: Rejuvenesci dezenas de anos e sinto de novo a alegria surgir, no meu coração! A partir de agira, alimento com razão um pouco de esperança! Oxalá tudo seja favorável e que o nosso tormento, prolongado e amargo, se volva agora em doce paraíso!
Ele: Aguardemos, pois, cheios de confiança, porque isto decerto é um bom prenúncio! Conhecemos já uma parte da história, para saciarmos o nosso desejo. O que pude recolher foi apenas isto, mas vou obter, estou convencido, muito mais informações, que intento por amor. De modo nenhum quero ver-te chorosa! Não te apercebes de que sofro também, por ver-te amargurada?!
Ela: Anos sem conto, perdendo a ligação com a vida circundante, em imobilidade, que era aparente. Este facto assim mais cruciava a minha pobre alma, quase agonizante! A minha existência foi como vês. Quanto eu penei sabe-o Deus a quem nada se oculta! Mas, enfim. se tudo mudar, voltarei a viver os gratos momentos de eras passadas! Bem hajas tu, pela vida nova que já insuflaste no meu coração! Quero-te mais pelo muito que sofreste, sem te queixares, a meu respeito! Serei tua confidente e amiga dedicada!
Manteigas \\ 30-3-1971
Ele:Decorreram os Passos, no dia 28
Ela: É verdade, Esse facto não passou despercebido, pois meditei a fundo no grande mistério da nossa redenção.
Ele: Observei cuidadoso e vi muita gente de lágrimas nos olhos. Tinha eu para mim que não fosse tão vivida a romagem dolorosa, acompanhando o Senhor.
Ela. Quem não há-de emocionar-se, com cenas deste género?! Um Deus a sofrer pelo homem pecador?! Só não tendo coração é que alguém se não comove! Que atenções ou favores é que Ele nos devia?! Bem ao contrário, nós sempre devedores, por indiferença ou ainda por olvido e, às vezes, menosprezo!
Ele: Houve tempo, de facto, em que eu passava, um tanto alheado, ao realizarem funções desta ordem, mas, nesta data, pensando melhor entendo já bem que fiz muito mal: não volto a incorrer em tal desamor!
Ela: Era ser ingrato para quem nos deu tudo, continuando a proteger-nos. Haverá aó na Terra mais feia mancha que a vil ingratidão?! Aquele que sofre é digno de compaixão e objecto de ternura, seja ainda um criminoso, Sendo o Homem-Deus, a carregar o pesado fardo, para remir as suas criaturas, faz dar voltas ao miolo!
Ele: Ainda bem que nos entendemos, sobre um assunto de tamanha importância! Já fui imprudente, se não atrevido, mas hoje, felizmente, deixei de o ser!
Manteigas \\ 31-3-1971
Ela: Meditando sobre o caso e olhando emocionada o lindo cortejo, distingui muita gente, que seguia compungida o nosso Redentor. Atrás d’Ele, ia um grupo reduzido, em quantidade, mas excelente em qualidade.
Ele: Quem era?
Ela: A Senhora das Dores e o Discípulo Amado. A eles somente é que o medo e os tormentos não tolheram o passo. Quem havia ali que ignorasse a bondade e a clemência do Senhor?! Quantos enfermos tinham sido curados! Quantos famintos recebiam pão, saciando a fome, até ao sobejo! ´
Eie: E na amargura que se vêem os amigos! Na prosperidade como na grandeza
enxameiam e crescem, à volta da abundância, mas assim que chega a hora da desgraça, eis que fazem rumo à vil ingratidão. olvidando os caminhos que trilhavam amiúde
Ela: Grande mistério que prova bem claro, quanto o Senhor é bom e indulgente! Quem dá tudo nada mais tem que ofertar! A prova suprema do amor humano reside nisso precisamente! Como não amá-lO e a tudo renunciar, para ser-lhe agradável!
Ele: Vê lá se me deixas e vais para o Convento!
E la: Bem sabes tu já que o lugar do Pai Celeste ninguém pode tirá-lo. Isso não impede qye te ame também.
Ele: Eu sei! Foi somente para amenizar, um tanto ou quanto o sério das razões! A fonte do amor é Ele e só Ele. À margem do Senhor e de costas para Ele, nada encontramos que mereça afeição. O amor humano deve ter como base o amor do nosso Deus, esteio e garantia do que existe no mundo! Se há lares infelizes, é porque lá dentro, não se ama a Deus!
Manteigas \\ 1-4-1971
Ela: Hoje é sexta-feira! Dizem não ser bom realizar certos actos, em dia como este! Eu
não vou nisso, mas às vezes, não sei que dizes!
Ele: Que razão te leva, pois, a julgar de tal modo? Por causa do nevão, que hoje nos cobriu?! Se bem analisares, não escolhe dia nem tem preferências!
Ela: Não digo o contrário, mas a Dona Madalena, do Frei Li+s de Sousa?! Não tinha ela receios fundados, alegando suas causas?!
Ele: Vejamos o caso: D, Madalena, embora fosse culta, vivia dominada po r uma ideia terrível, que na realidade, a não deixava nunca. O mínimo sinal, uma coisa insignificante fazia-lhe ver logo caminhos tortuosos, em que eram frequentes ciladas e agouros!
Ela: Mas eu lembro-me, a propósito, de algumas pessoas que navegavam am águas iguais.
Ele: Pode haver uma ou outra! Muitas, não!
Ele: Que dizer, por exemplo, de Eça de Queiroz e Fernando Pessoa?!
Ele: Conheço os episódios e não deixo de admirar-me! Entretanto, esses casos são raros e não devemos crê-los! Os dias são iguais e todos proveitosos! Deus do Céu, princípio de todo bem, não dava certamente poder assim nefasto às coisas naturais nem mesmo às pessoas!
Ela: Se Ele quisesse, ninguém o impedia
Ele: Inteiramente de acordo! Mas vemos conveniência em que seja de outro modo Se desligou da vontade funções orgânicas a que somos estranhos!
Ela: Vejo sem entrave a razão de tais coisas e julgo por isso, que te assiste razão!
Manteigas \\ 2-4-1971
Ele: Isto é que vai um tempo, boa comadre!
Ela: Nem me fale s em tal! Levei toda a noite a pensar no caso! Neve…sempre neve! E tu que me falaste, ainda há poucos dias, na bela Primavera! Em ninhos de andrinhas! Ridentes auroras!
Ele: Assim foi, na verdade, mas o homem põe e Deus é qye disoõe! Quem havia de contar com mais um nevão! Até parece castigo!
Ela: Que tristeza a nossa! Desde o princípio, logo em Dezembro, sempre envolvidos num manto de arminho, que para mais é já mortalha! Quem dera ver-me livre deste grande castigo e martírio sem igual!
Ele: Caminhamos, decerto, para o grato Verão e só melhoria nos vai aguardar! Eu sei há muito que os homens da Ciência andam alarmados, com tais alterações! Apesar disso, nunca desanimo!
Ela: Que dizem os cientistas e que podem avançar? Coisa boa não é, com toda a certeza!
Ele: Não vamos agora tomar à letra quanto dizem, sobre o caso! Verdade seja, que merecem crédito, embora falem, bastantes vezes, com dados só prováveis. Apesar de tudo, quantas coisas escapam! Deus somente é quem sabe tudo e nunca se engana! O que garantem é o seguinte: a temperatura tem vindo a baixar, desde há anos, Caminhando neste ritmo, voltaremos decerto a uma época, já glaciar. Assim foi outrora.
Ela: Oh quem dera que fosse verdade e tivéssemos cumprido este fado miserando! Sabes, por ventura, o que eu ia fazer?
Ele: Anda aí segredo?! Fuga prematura?1
Ela: Fujo contigo para terra africana, a terra dos meus amores, onde nunca há frio: há montes belos, que não são de neve!
Ele: Para onde tu fores, irei eu também!
Manteigas \\ 4.4-1971
Ela: Domingo de Ramos! Que saudade imensa não desperta na alma e que grata emoção vem erguer no peito! Quantas recordações dessa infância longínqua, tempo belo e descuidado que não voltaram! Em dia como hoje, sendo eu pequenina, íamos todos à Missa. Os dias precedentes eram cheios de ansiedade, por não chegar logo o doningo tão querido! Ramos formosos de loureiro e oliveira,”cordinhas violácias”, alecrim resplendente e apetitosas laranjas. incitando o desejo!
Ele: Por que é que tu distingues o facto, com tal emoção?!
Ela: São os tempos de criança! Alguma havia que faltasse à função?! Raminhos em barda, crianças buliçosas, adornos variados, laranjas pendentes, fazendo surgir água na boca de todos! Cada um de nós segurava orgulhoso o ramalhete adornado, olhando furtivamente para outros mas lindos! E se tinham fitas de cores variadas?!i
Ele: Teus pais eram crentes e ssim vos educaram?
Ela: Que doce harmonia reinava em minha casa!
Ele: Melhor dirias : “ no teu palácio”, uma vez que teus pais eram fidalgos!
Ela: Seja isso então, mas o caso não importa! Aquilo que mais vale e eu recordo sempre com infinda saudade, é o que lá ocorria: um pai afectuoso, uma mãe extremosa e un irnão que me adorava. Tudo perdi!
Ele: Mas conta para mim o que então fazias e gostas de lembrar!
Ela: A oração em família, com a presença de todos, era o laço de união! O cuidado materno, havido então, par que os seus amorzinhos louvassem a Deus! A sua paciência, o enlevo de alma que ogo a tomava, ao falar-nos do Céu! A sua grande fé, viva e operosa, o seu amor a Deus e o afecto à família! Que realidades belas, profundas, excelentes! E eu aptrecio, agora mais que nunca, lembrar o tempo grato, em que aprendi a rezar. Começarei brevemente a imitar en cheio aquela mãe saudosa que tanto amei na vida
Manteigas \\ 5-4-1971
Ele: Arrepiar caminho é sinal de velhice ou de arrependimento. Estarei eu fora de razão?!
Ela: Como posso negá-lo, se de facto o sinto? Apesar de tudo, é-me grato sumamente voltar ao passado. Só nele me acho bem, reencontrando a verdade. O verniz aparente que a sociedade me pôs; a maneira de tratar com as outras pessoas; essa imitação algo inconsciente que despersonalizou, em nada e para nada me valeram jamais.
Ele: Tens o culto do passado, como da família, dos amores empolgantes, que ninguém olvidará.
Ela: fiz parte da legião que enxameia pelo mundo. A juventude inquieta, generosa e sonhadora pensava então que podia endireitá-lo. Os envelhecidos não tinham sido capazes? Comigo seria diferente! Era só começar! Defeitos de outrem não alimentava. Eles, sim! Falta de perícia; esforço medíocre, pouca iniciativa!
E sentias-te bem a pensar desse modo?!
Ela: Feliz e orgulhosa, pois iria fazer o que outros, desditosos, não tinham conseguido.
Ele: E hoje e s tas mudada?! Repeliste o ideal?
Ela: A mesma mão sou! Aquilo, afinal, era fantasia, vaidade exaltada! Por que havia de e u ficar, em plano superior aos outros mortais?!
Manteigas \\ 6-4-1971
Ele: Por mais que tente, não posso dominá-los|
Ela: Isso me dói, porque a rigor. a vaidade é assim! Que poderei eu fazer, a fim de mitigar o teu sofrimento? Não me diz respeito essa nuvem negra, que te ensombra agora?! Pelo menos, assim o julg eu!
Ele: Não, por certo! São coisas do passado, que me oprimem e afligem, embora não queira!. Elas vêm ao de cima. turvando para logo o sossego que tinha
Ela: Remorsos talvez, Que eu não seja indiscreta! Gostaria de saber, para actuar eficazmente! Não sendo assim, que me resta, afinal?!
Ele: Fá-lo-ei mais tarde: agora, não posso ainda! Porei então a claro o que vai na minha alma. Segredos não tenho, que receie desvendar. É cedo, no entanto, ou melhor talvez: nãposso avibar o que trouxe rude golpe e constituiu para mim a prova mais dura!
Continuação de 10-4-1971… Ele: Se mais não deixasse que o Frei Luís de Sousa, já tinha assegurada uma coroa de glória. Efectivamente, ainda em nossos dias, é reputado sem favor nenhum, o maior drama romântico de toda a Europa.
Ela: E dizem alguns, bem canhestramente que o dramaturgo não foi grande psicólogo.
Ele: Se alguém o julgar, por essa obra-prima, não pode afirmá-lo! Revela-se o autor, bem ao contrário, um mestre consumado, para quem não há segredos nem subterfúgios. Aquela tensão, crescente e fatal, que abrange nas malhas personagens e leitores,não foi jamais superada, fosse por quem fosse. Segredos profundos e grandes amarguras, decepção e tragédia, a vida e a morte, tudo aflui à compita, retratando assim o viver deste mundo
Manteigas \\ 11-4.1971
Ela: Cristo ressuscitou. Alegria sem par, no C+eu e na Terra! Também me sinto mais jovem: o exemplo do Mestre é caminho seguro e bem definido, algo de belo atraente, certeiro!
Ele: Irmão entre muitos, Ele vai à frente e a todos espera, no reino da glória! Vencendo a morte, saiu vitorioso e no seu triunfo todos partilhamos. Agora é segui-lO, com empenho e júbilo, na certeza bem firme do prémio soberbo que lá nos aguarda, no termo da vida.
Ela: Ditosos, por certo, aqueles que O servirem. pois terão em retorno uma dita sem igual.
Como não amá-lO, se é fonte de vida?! Onde encontraremos a sonhada ventura, a não ser no seu amor?! Por mais voltas que dêmos, à margem de Cristo, não é possível alguém ser feliz
Ela: Sejamos na vida o que deseja de nós, para conseguirmos, logo após ela, um gozo sem fim
Ele: Seja Ele, pois, a base do amor e esteio firme da felicidade, a garantia do grande triunfo. Rene em nossa casa e mais ainda em nosso coração.
Ela: A nossa descendência há-de amá-lO também: só Ele é grande, amável e bom. Tudo o mais é nada, comparado a Cristo ressuscitado.
Manteigas \\ 12-4-1971
Ela: A paixão de Cristo, a sua própria morte e ressurreição constituem razão grave , para esperarmos, harto confiados. Na verdade, a glorificação é prémio do esforço, presente do sofrimento, recompensa da tortura. Sem humilhação, jamais há grandeza. Assim foi traçada a rota dos mortais! Cristo ressuscitou, com glória e majestade, porque havia morrido.
Ela: Bem deduzido. não hsja dúvida! Se nós sofrermos com Ele, também nos aguarda um prémio valioso. Tudo, neste mundo, obedece, com efeito, a um plano comum. Como é que as mães se desdobram, afinal, originando sempre outras vidas novas e dando à nossa Terra corações generosos?! É certamente, por meio do sacrifício, na base da angústia. Por que é que vicejam , no monte e no vale, as flores mimosas que a todos encantam?! Poique, na verdade, a semente morreu, dando generosa a semente que a formava?
Ele: É maravilhoso. boa comadre! Vê-se bem claro ter havido previamente um grande ordenador a quem tudo obedece! A ordem admirável, que existe no mundo; o plano gigantesco do grande conjunto; a marcha uniforme de toda a criação eliminam a dúvida, em espíritos rectos e bem-intencionados. É, pois, verdade que esta nossa cruz se volverá depois em grande triunfo. A nossa humilhação em grandeza soberba! O passado tenebroso, em ridente aurora! Jamais a tristeza. o abandono, a solidão! Voltará para nós ridente aurora que jamais terá fim!
Manteigas \\ 13-4-\971
Ele: Paixão e Morte e Ressurreição! Grandes mistérios que nos levam, por certo, a meditar um pouco, sobre a vida e a morte, o inferno e o Céu!
Ela: Sobre o inferno também? Já ninguém fala nisso e vens tu agora com essas ideias tão acarvoadas!
Ele: Não são os homens decerto que fazem a Religião: esta é que os molda! Quando ela se adaptar aos pobres mortais, é sinal evidente de não ser divina!
Ela: E não haverá outras, com iguais características?
Ele: Só uma as tem: aquela que fundou o Rabi da Galileia. Em todas as outras, há vestígios humanos , alguns dos quais são até degradantes ! Por esse motivo, são inaceitáveis!
Ela: Que valor atribuir às outras religiões? Sendo elas falsas, devem ser desprezadas e postas a margem!
Ele: A rigor, assim devia ser, mas Deus, afinal, criou o homem livre: por esta razão, não vamos escarnecer de quem professa, em boa fé, talvez, outra religião. A Igreja, por sua vez, dá inteira liberdade.
Ela: Isso, porém, não equivale, rigorosamente a sus aprovação.
Ele: de modo nenhum! As religiões, ainda que falsas, constituem barreira para o crime, incentivando a prática de boas acções. Não há erro nenhum que não contenha em si uma parcela de bem e se verdade. Com luz e sombras, apresentam, por vezes, vislumbres de beleza!
Manteigas \\ 14-4-1971
Ela: Afinal de contas, tocámos num assunto, desviando-nos dele! Ora, gostaria de ouvir-te , sobre algumas razões, que me convencessem , no tocante a ele
Ele: É sobre o inferno? Calculo que seja! Ora, tornou-se já moda falar pouco ou nada, sobre o castigo que poda aguardar-nos, após a morte. Isso, porém, não prova, decerto, a sua inexistência. Com efeito, a nobre Religião que nós professamos não se deve aos homens. Tem origem divina. Lá que o homem carnal prefira gozar a vida, entregue à luxúria e à libertinagem, atropelando insano as leis mais sagradas,,humanas e divinas, coisa é que se lamenta! Que ele, porém negue haver sanção moral, para desmandos desta natureza, é coisa inadmissível!
A quem é que apraz a negação do inferno? Aos grandes malandros. Jesus Cristo Semhor, infinita perfeição e alta santidade, referiu-se a ele, vezes sem conto. A quem prestamos crédito? A estes bandidos ou a Jesus Cristo?! Se não houvesse inferno, ficava em pé de igualdade o pecador e o santo,o humilde e o soberbo, o honesto e o devasso, a mentira e a verdade. Ora, isto opõe-se altamente à justiça divina. Negando tal facto, negaríamos tudo. Era a destruição do próprio Catolicismo!
Ela: Acho razoável, mas gosto muito mais de pensar no Céu e agir por amor! Creio ser mais nobre.
Manteigas \\ 15-4-1971
Ele. Reflecti pausado, sobre a resposta que ontem me deste. Comungo também nas ideias expostas e acho-as, na verdade, preferíveis às minhas. Com efeito, é muito mais nobre fugir do mal, por amor a Deus, que ser levado a isso, pelo temor de castigo. Entretanto, quem de outro modo não for capaz!...
Ela: Eu concordo plenamente que faz algum bem um pouco de temor, pois lá diz a Escritura: Timor Domini initium sapientiae ( O temor do Senhor é o princípio da sabedoria). S alguém se julgar em pé de igualdade com outra pessoa, não suporta avisos nem vai acatar imposições alheias.
Ele: Ocorre-me agora o famoso dito de Santo Agostinho. Ama et fac quod vis ( ama e faz o que quiseres) Enorme força tem o amor! Resolve dificuldades, aplana caminhos, opera maravilhas!
Ela; Admiras este santo? Como não apreciá-lo e querer-lhe em extremo?! Um grande coração, que fora pecador, servindo assim de norma, para me corrigir! Depois, há outras razões que mo tornam simpático: a inteligência aquilina; a grande humildade; o coração amoroso; a caridade esfuziante! Elegi-o há muito, para intercessor no trono de Deus e rezo-lhe amiúde! Creio ser ele um bom advogado, em causas supremas!
Manteigas \\ 16-4-1971
Ela: Entre as virtudes cristãs, ocuoa decerto lugar especial a risonha caridade.
Ele: Eu julgo até, ecreio não me engano, que ela, na verdade, é fundamento e até resumo de todas as virtudes. Quem a não possui é mendigo de Deus. Está de costas, no tocante a ele e fora de portas.
Ela: A teoria é bonita, mas a prática dela é um pouco difícil. Amar a quem se odeia, estimar , afinal, quem nos atraiçoa, permanecer fiel a quem tenta burlar-nos! Creio não ser fácil!
Ele: Fácil não é, mas é possível, porque Deus ajuda. Além disso, não é como sabes, por mérito do próximo que nós o amamos: sim, pelo amor a Deus, que assim o quer! Perdamos, esquecendo, para qu Deus bondoso esqueça também as nossas faltas e perdoe juntamente os nossos pecados.
Ela: Como se traduz, na vida prática, o amor ao próximo?
Ele: Não é pelos frutos que nós, a rigor, conhecemos a árvore?! Se eles forem bons, a planta não é mã. O invés também dá certo.
Ela: Nesse caso, evitar o ódio, ser prestável a outrem, rezar ao Senhor por quem nos ofende!
Ele: Sim, afastar do peito o que tenda a rebaixá-lo, defender-lhe a honra, impedir e afastar apreciações malévolas ou mal intencionadas, evitar alcunhas, olvidar humilhações e postergar ofensas bem como agravos.
Ela: É duro, sim, mas vale bem a pena dispender esforço, pois Deus é Pai que a todos ama
Manteigas \\ 17-4-1971
Ele: no fim de hoje, vamos ocupar-nos do belo civismo, qualidade excelente que nos leva e impele a ser gentis, amorosos e bons para toda a gente, sem fazer jamais acepção de pessoas
Ela: Não é ele,a rigor o fruto necessário e assaz cobiçado, cuja raiz imerge na caridade?!
Ele: Ninguém a contestá-lo. Efectivamente, a doce caridade procura servir, mais que servir-se! Há também o civismo como prenda natural, fruto de equilíbrio. humanidade e compreensão. O sobrenatural vem aperfeiçoar a própria natureza, elevando-a sempre à esfera superior. Jamais a destrói! Compreende-se bem que seja desse modo. Reportando-a agora à vida campestre, lembra-me prestes o que era feito, nos lindos pomares: belas enxertias que eu embevecida contemplava cismando! Total fusão, na qual duas vidas redundavam numa só!
Ele: Bem observado e muito judicioso. Qualidades naturais,. enxertadas na graça divina, ficam elevadas e mais perfeitas.
Ela: Neste capítulo, há muito que andar, não te parece?!
Ele: E que penar! Sendo fruto precioso de cultura e bondade, importa desde já lançarmo-nos todos, de peito aberto, numa vasta campanha de esclarecimento
Ela: De facto, quando o civismo é já integral, forma a vontade e muda o coração, ilus trando o espírito.
Ela: Acontece, não raro, haver também povos instruídos, que não primam decerto pelo civismo, constituindo perigo e até escândalo para os mais humildes.
Ele: Fruto danoso de simples instrução. houve somente ilustração do espírito, ficando à margem coração e vontade. Esse desequilíbrio é pernicioso oara a Humanidade.
Manteigas \\ 18-4-1971
Ela: Há quem julgue, embora erradamente, que a mera instrução chega para tudo.
E le: Isso, na verdade, é exactamente um dos grandes males, que ameaçam o mundo. Infelizmente, existem muitos pais, que enfermam desse mal. Educar para eles é obter noções, proporcionar também conhecimentos novos, penetrar devidamente nos grandes segredos, da Mãe-Natureza.
Ela: Isso. é claro, origina bons técnicos , grandes especialistas e, provavelmente, cientistas de renome! Entretanto, com a vontade em bruto e rendida ao mal, o coração forja imunda, em que pululam, sem qualquer travão, sentimentos degradantes, que pode a sociedade esperar então?!
Ele: Ideias incendiárias, artimanhas perigosas, anarquia, miséria. O mundo precisa, sim, mas de outra coisa! De monstrozinhos humanos e fontes de rebuliço prescindimos nós todos!
Ela: É verdade incontestável! Um santo vale mais que um sábio! Dizia Pascal:“Vale mais, a rigor, uma simples gota de santidade que um oceano de génio!”
Ele: Que vai a Terra lucrando com essa temível e horrenda fonte, que dá pelo , porque nome de energia nuclear?! Intranquilidade, inquietante incerteza, pavor sem limites! Destruir é fácil: construir, não! Os anarquistas e demolidores aparecem aos centos, porque a sua tarefa não custa suores
Ela: Que pena me faz a mim! Essas rimas de dinheiro e os cérebros dotados, por que não se encaminham noutro sentido?! Matar a fome aos grandes infelizes! Instruir a Humanidade! Aliviar o sofrimento de tantos desgraçados!
Manteigas \\ 19-4-1971
Ele: De momento, vou fazer-te uma pergunta, relacionada ainda com o tema de ontem, A ver se respondes, de maneira cabal.
Ela: Venha ela, compadre! Pelo menos, tentarei fazê-lo!
Ele: Onde se manifesta a boa educação)
Ela: Isso é dos livros! No templo de 0eus, à mesa e no jogo. Creio que foi isto o que li, há muito já e a que presto adesão.
Ele: O que era exacto, lá no passado, também o é no presente! Entretanto, a vida moderna apresenta mais facetas, em cada uma das quais o facto referido pode verificar-se
Ela: Sim, imagino até que daria com algumas.
Ele: Não pretendo, já se vê, que mates a cabeça, tendo em mira adivinhar.
Ela: Muito agradecida, pela tua gentileza, não resisto à tentação de apresentar um caso: a praça ou mercado.
Ele: Acertaste no alvo, pois era is so mesmo que eu tinha em vista, embora de facto haja outros aspectos, igualmente valiosos.
Ela: A Humanidade é sempre a mesma! Sempre igual em tudo!
Ele: É e não é: se prepararmos as gentes, educando-as a primor, o progresso imediato há-de fazer sentir-se!
E la: Actuar de preferência, junto dos pais, ou de seus filhos?
Ele: Seria mais profícuo, junto dos pais, visto que o exemplo é mais real, mas infelizmente como têm afazeres e sérias ocupações, limitamo-nos aos filhos , a quem tentamos elevar o nível1. Como é já tarde, voltaremos amnhã, para continuar!
Manteigas \\ 20-4-1871
Ela: Como disseste, fiz boa pontaria, não é verdade?!
Ele: Indubitavelmente! A praça ou mercado é um teste perfeito de civismo e gentileza e, ao mesmo tempo, uma Escola prática de aprendisagem.
Ela: Escola também?! Como entendes isso?! A mim parece-me que , em vez de Escola, será antes um inferno! Olhar de soslaio, referências picantes, apreciações malsãs, arremessos importunos! Eu sei lá! Um conjunto de horrores! E dás a isto o nome de escola?!
Ele: Sim, Escola de paciência e campo de observação. Falta dizer ainda que também se colhe ali bom exemplo a seguir; ao lado do mal, encontra-se o bem; junto à grosseria e rusticidade, notamos delicadeza e muito respeito. Isto, a rigor, não é escola?!
Ela: Não me atrevo a contestar! Ainda bem que assim é! Apesar de tudo, aquilo, por vezes, é de fugir! Serias tão ousado que fosses por fruta, vendo o que eu vi?! Gentinha imunda, para a qual a água não conta nada, exalando cheiro que deita ao chão, a pegar em figos que palpa a capricho e logo derranca?!Unhas tarjadas, em que o lixo avulta, imergindo breve no pericarpo do fruto, em que injectam o vírus?! É repelente! Insuportável!
Ele: Torna-se urgente elevar desde já o nível higiénico, aconselhando as massas a fazer largo uso da água cristalina, e apontando os males que podem sobrevir. Impõe-se como é óbvio, longa campanha de boa vontade e compreensão ,em que todos colaborem: imprensa e radio; televisão; igreja e escola; autoridades e toda a gente que possa ajudar
Manteigas \\ 21-4-1971
Ela: Como vínhamos dizendo constitui a praça um grave problema, em cuja solução, todos, naturalmente, hão-de colaborar. É dever geral: não apenas de um só! Quando todos ajudam, nada há que resista. Não se cria uma for ça que arrasta convencendo?!
Ele: Quem sente mais em cheio, direi até, em profundidade , é que vai fazer compras e não pode furtar-se!
Ela: Geralmente ,as senhoras, como é de prever! Eu não minto, declarando abertamente: é assaz penoso e muito enjoativo! Aconselhar alguém, no dito local, seria arriscado e, portanto, inútil!
Ele: Ali, não! Deve começar no próprio berço!, prosseguindo na Escola. Hábitos de longe, aliando sempre teoria e prática, é que há-de valer! A palavra e o exemplo,a compreensão, aliada à cultura, operarão o milagre.
Ela: Sim. Devem capacitar-se de a nossa água,, ainda fria, não faz mal a ninguém, exceptuando, bem está, o que seja doente ou provecto em idade.
Ele: O Inverno rigoroso leva muitos à fuga.
Ela: Por falta de treino! Habituados, desde o berço, limparão sempre as unhas, bem como os ouvidos, na parte mais recôndita. Também se não dispensa o banho frequente
Ele: Era excelente uma coisa assim! Proporcionaria ocasião de convívio! Não havendo higiene, poucos há que não fujam , ocultando embora a razão de seus actos.
Manteigas \\ 22-4-1971
Ela: A separação é causa de muitos males e um dos flagelos que torturam o mundo!
Manteigas \\ 24-4-1971
Ela: Se agora, da igreja, passamos à rua, então, sim, os arrepios são fundos e muito frequentes. O que já chegou a meus pobres ouvidos! Faz estarrecer! Nem é dado contá-lo!
Ele: Referes-te às crianças, não é assim?!
Ela: De modo especial! Que serão, amanhã, essas línguas depravadas, habituadas sempre a cortar a direito?! Palavras grosseiras, ditos soeses, injúrias e maus tratos. Que tenho eu visto?!
Ele: Façamos, pois, algo, por esses botões, ainda em flor, enquanto se não depravam, tornando-se danosos!
Ela: Ninguém se atreve já, porque insultam ferozmente. Fica até a impressão de nos encontrarmos em presença de feras! Que será o mundo, lá no porvir, com este princípio?! Qual a senhora que logo não cora e até se indigna, ouvindo palavras tão escurris?! A rua, afinal, devia ser livre, para nela passarmos tranquilamente!
Ele: Mas todas as crianças vão ser abrangidas pela tua censura? É que muitos pais sabem realmente cumprir o seu dever! A rua, na verdade, é má conselheira. Entretanto, vigiando as companhias e, ao mesmo tempo, escolhendo os lugares, já se não dará esse caso lastimoso. Somente os que vadiam, sem rei nem roque, ao sabor da Natureza, não temendo ninguém é que dão origem a cenas lamentáveis.
Ela: Evidentemente, não quero atingir seja quem for. No meio disto, há muito que louvar!
Manteigas \\ 25-4-1971
Ele: Importa grandemente prestar assistência à gente da rua, a fim de suavizar-lhe os costumes grosseiros.
Ela: E como proceder, para alcançar tal objectivo? Poríamos cobro a esta onda que é forte ameaça de tudo submergir?!
Ele: Nada há neste mundo que não tenha remédio, à excepção da morte, mas vindo ela, tudo acabou! Se cada um de nós agir com eficácia, junto de vizinhos, de seus amigos e conhecidos; se a Escola Primária elucidar o espírito e impuser sanções; se os Priores insistirem quer na sua igrja quer fora dela; se as Autoridades, civis e militares, forem, de facto, inquebrantáveis, a face da Terra em breve mudará! Ela: É preciso vontade e espírito de serviço.
Ele: Nãi era decertp, a primeira vez que tal coisa se fazia! Imaginemos, por alguns momentos, o que seriam os povos, ainda bárbaros, no século V e já nos anteriores! Não deram mais tarde, os povos civilizados da nobre Europa, civilizadora?! Alguém houve, de facto, que muito se empenhou e pelo sacrifício, alto e generoso, os povos bárbaros deram, seguidamente heróis e santos, honrados cidadãos e homens prestáveis.
Ela: Façamos, pois, alguma coisa útil, +elo mundo de amanhã, a fim de que seja bom. clemente e pacífico, a partir da instrução.
Manteigas \\ 26-4-1971
Ele: Venho atordoado, a mais não poder
Ela: Alguma aconteceu que não é das melhores!
Ele: Contrário a ruídos e vozes tonitroantes, deparou-se-ne um caso, que não posso olvidar!
Ela: Cavalheiro não era?!
Ele: Desta vez não, mas já os tenho encontrado, que são de peta e beta! Era uma jovem, de aspecto arrapazado, voz amachada, a tender para o grave e maneiras descompostas.
Ela: O que aí vai, por esse mundo de Cristo!
Ele: A procissão está apenas em meio! O tacão dos sapatos era largo e allto; os olhos escabreados e o cabelo entrançado mal se notava. Que eu agora nem distingo já entre um sexo e outro! Além disso, a mulher actual deixou realmente de ser elegante! Põe trajos excêntricos, não tendo em vista a graciosa simetria de todo o conjunto
Ela: Nem todas são iguais! Há que distinguir, fazendo justiça!
E le: Seja como dizes, mas eu pretendia que me deixassem em paz! Esta coisa molesta de aturar alguém que fala cerrando +e dentre tudo o que mais detesto. Repugnante e indigesto, repudio-o com alma! Chego até a convencer-me de que elas, *as vezes, põem força na voz, à falta de substância, nas ideias que engendram.
Ela: Nem tanto ao mar nem tanto à terra!
Ele: Se te visse s em apuros, como eu já me vi, dirias então o que agora não julgas! Basta assinalar que é só na Península que se fala deste modo! Será por isso que nos chamam Africanos?!
Manteigas \\ 27-4-1071
Ela: O nosso encantamento vai-se atenuando, o que me traz ao espírito alívio sem par!
Ele: Por que dizes tal coisa? Folgo com isso e pelo que me toca, sinto no peito imensa alegria.
Ela: Já saio disfarçada, indo por aí fora, a lugares diversos. Para quem viveu assim, tantos anos solitária,vê lá meu bem se não há razão, para eu exultar, de imensa alegria! Não foi apenas uma vez por junto. A princípio em giros exíguos; depois, já mais à distância
Ele: Isto promete e é já bom sinal! Quando o mano falar, então é que há-de ser!
Ela: Quem tivera tal sorte! Dos queridos pais já nada espero! Há tanto que os deixei! Agora, de Mondeguinho, de quem falaste já, não há muito ainda, albergo alta esperança!
Ele: Prometi, com efeito, revelar alguma coisa, mas é pouco ainda o que obtive , a respeito dele! Foi transformado em nascente de um rio, andando por aí com o nome de Mondego O povo ingénuo, em sua credulidade, julga simplório que é nascente de um rio, mas quanto se engana! Alguém adivinhará que se trata de lágrimas, em vez de simples água?!
Ela: Meu irmão a chorar! Pobrezinho dele! Carpir na solidão a mágoa oprimente, longe do que amava, e da mana adorada! Soubesse eu já onde é que ele mora, Havia de transformar, a poder que eu tivesse, em júbilo imenso a tristeza que o prostra.
Ele: Levar-te-ei qualquer dia ao lugar onde ele mora!
Ela: Como então serei feliz!
Manteigas \\ 28-4-1971
Ele: Hei-de ler-te, mais tarde, uns Diários que guardei. Creio ser-te agradável, pois falam de Mondeguinho. Foram eles escritos, em pleno ar livre: impregnou-os o ar puro e a frescura da montanha. Muito hei-de revelar-te, sobre tal assunto e outros mais ainda, que te são queridíssimos!
Ela: Quem dera que isso fosse, mas tão depressa é que não virá!
Ele: Fala dos teus giros e de quanto observaste, que há-de ser interessante!
Ela: Como seta ligeira, passava os povoados, sem dar jamais nas vistas de ninguém. Olhava com volúpia e muita presteza, quanto havia a meu lado, sem fixar os olhos ou prender a atenção. Como eu gosto de passear, inteiramente à-vontade, sem nada que moleste ou sirva de incómodo!
Ele: Uma coisa é ver, outra é dizer! Aquilo que se passa, ante ps nossos olhos tem a cor da alegria, o brilho do Sol e a beleza da verdade!
Ela: A Primavera risonha ostentava suas galas, orgulhosa e senhoris! Como ela é diferente, bem longe daqui, onde só desmaiada aparece já e tardiamente!
Ele: Havemos de vê-la ainda, do Minho ao Algarve, espraiada por vales, onde cantam rouxinóis.
Ela: Venha bem depressa a hora da ventura! Acabe para sempre a ingrata solidão! Qual passarinho, retido na gaiola, ansioso de liberdade, assim permaneço, desditosa e mesquinha!
Manteigas \\ 29-4-1971
Ele: Em tempos de egoísmo como são estes que vamos atravessando, causou impressão um facto recente, que eu observei, com grande avidez.
Ela: Nem tudo é mau, no mundo que habitamos! Algumas vezes, é mesmo a nosso lado, que topamos, de chofre, com cenas cativantes, em que avulta logo desprendimento e o próprio serviço.
Ele: Não é bem o que tu pensas, quer dizer, aquilo que referi não toca em pessoas.
Ela: Não entendo! Os animais, por incapazes, não podem ser gentis nem dedicados.
Ele: Não podem?! Pois que é senão isso aquilo que eu vi?! Que nome diferente poderia atribuir-lhe?!
Ela: Conta lá pois! Estou fora do assunto!
Ele; É a Russa prestável que já ultrapassou os 25 anos e é dócil como gente!
Ela: Estou à margem do caso e navego, deste modo, em águas turvas! Palavra que não atino!
Ele: É uma velha burra, que pode servir-nos de bom exemplo
Ela: Uma besta genuína a dar lições à gente!
Ele: ´o que eu te digo e sem vergonha o faço agora! Só queria que visses! Doçura e meiguice, tranquilidade, tudo emergia no simpático bruto, quando eu o vi. Amanhã contarei.
Manteigas \\ 30-4-1971
Ela: Venha de lá então o caso de ontem. Estou ansiosa por saber algo ,mais.
Ele: Passava eu em frente da igreja, quando vejo aproximar-se um velhinho já trôpego, levando a jumentinha de corda bamba. Ambos idosos e muito prestáveis, abeirava-se aquele dum pequeno muro. Quedo-me boquiaberto, a presenciar tal cena, que muito deliciava.
Ela: É preciso, na verdade, não ter mais que fazer, para esbanjar esse tempo vali
oso! Que dizem os Ingleses? Time is Money! ( Tempo é dinheiro!)
Ele: Importa-me lá do que dizem os Ingleses! Para mim, valej muito mais aquela cena rústica do que as minas de carvão da loura Albion!
Ela: Foi um gracejo da minha parte, que eu, na verdade, aprecio imenso tudo o que é humano ou serve o homem!
Ele: Pois como ia dizendo, o animal deslocava-se, ao ritmo preciso do seu próprio dono: passadas lentas, algo comedidas, um tanto incertas, quase pensadas! Quando ele hesitava em subir um lanço, a burrinha aguardava, pacientemente, retomando a marcha, no momento oportuno. Agora, encosta-se à parede, cosendo-se com as pedras e tornando-se imóvel. Ignoramos, a rigor, se está viva ou morta. É o momento cruciante!
Ela: Quem dera, ó Céus, que fosses pintor, para gravar, com todo o rigor, aquilo que observaste, bem deliciado!
Ele; Oh! se eu fora Rembrandt, o famoso flamengo, ia fazes, com certeza, um quadro vivo e assaz animado, que serviria de presente, no dia de teus anos!-
Manteigas \\ 1-5-1971
Ela. Hoje então vamos dar remate.
Ele: Não é fácil como julgas, porquanto o fim é sempre delicado, seja qual for a obra em questão
Ela: Mas, afinal, o velhinho referido conseguiu ou não montar a Russa?
Ele: Julguei, por momentos. que não era capaz e temi, a valer, um fim de tragédia! Imagina tu e depois dirás. Uma vez firmado no exíguo muro, sentou-se, de lado, à maneira das mulheres, tenteando em seguida, as pernas à esquerda, enquanto rodava sobre as ‘almofadas’
Ela: E não sente vertigem, ao fazer a manobra?!
Ele; Lá se ele as tinha , não posso dizê-lo! Uma coisa, porém, é mais do que certa: quem as teve fui eu! Sempre julgava que ele se virasse, durante a operação! Aquilo para mim era um sortilégio! O paciente animal haverá suspendido a função respiratória! Nunca eu vura coisa semelhante! Digo fracamente: fiquei maravilhado!
Ela: E burrinha amorosa não mostrou impaciência nem teve alguma vez breves reacções?
Ele: Parecia, no agir, criatura racional: cheia de bondade e compreensão! Ali se manteve, sempre inalterável, durante longo tempo, iniciando a marcha, quando verificou estar o dono a postos. Há prestabilidade e maior compreensão, entre eles ambos que entre muita gente!
Manteigas \\ 2-5- 1971
Ela: Gostava imenso de conhecer o animal! Desde que referiste a cena tocante, pensei a valer no caso singular!
Ele: Vou então prosseguir. Após as tentativas, deveras morosas, a que fiz alusão, “cara metade” acorreu prontamente a prestar ali ajuda: soergueu levemente cada uma das pernas, facilitando assim a posição desejada. Mais uns trejeitos, para maior equilíbrio e certo à-vontade, e pouco mais era já preciso. Passar, além disso, o casaco e o pau (uma bengala antiga, com longa história).
Ela: É comovente o quadro singular, numa época egoísta, em que todos procuram acima de tudo, o bem-estar pessoal No caso presente, a compreensão é total. O animal serve o dono, e este faz o mesmo, em compensação, Pois, na verdade, quem lhe faz a cama, livrando-o da humidade?! E o belo feno, apetitoso e macio, quem é que lho ministra?! Que outra voz diferente é para a Russa uma promessa fagueira?!
Ela: Até parece que estás inspirado!
Ele: Eu vibro enormemente com tudo o que é formoso! Não vês acaso nisto o efeito da união? Como seria bela a sociedade humana, imitando o homem as simpáticas atitudes de alguns animais! Mas que é o que ele faz? Ludibriar o próximo, auferindo à sua custa o que seja bastante para excessos e desmandos.
Manteigas \\ 3-5-1971
Ela: Hoje, afinal, é dia de Santa Cruz, meu bom compadre! Deve ocupar-nos a face religiosa, pois que o homem, de facto, não é só matéria.
Ele: Acho isso esplêndido e muito a propósito. Já sei ou adivinho o que vai na tua mente: o achamento do Brasil e a primeira Missa, ali celebrada.
Ela: À volta disso, pouco mais ou menos!
Ele: Este dia não posso olvidá-lo! Recorda, na verdade, ocorrências tristes e casos pessoais, bastante lastimosos! Realizara-se antes o Concílio dos deuses, em pleno Oceano. Foi então relembrada a porfiosa ousadia dos temíveis gigantes e proposto ali seu terrível castigo!
Ela: Já estou no encalço! Não foi a propósito daquela expedição à remota Índia?
Ele: É isso mesmo! Baco, deus do vinho, despeitado e rancoroso, é que pôs a questão .
Ela: Não tinha lugar, de maneira nenhuma, um ódio tão grande ao povo português, sendo o deus do vinho amigo de Luso ou até seu pai e companheiro na Índia
Ele: A maldita inveja! Sempre o mesmo e sempre igual!
Ela: O maganão! Só a habilidade a que então recorreu, para irritar as ninfas, convertendo-as logo â causa pessoal!
Ele: É o poder das lágrimas! Não foram elas, sempre eloquentes?!
Ela: Pois sim, não desdigo, mas nada conseguiram! Os portugueses, através do mar, chegaram à Índia e logo ao Brasil.
Manteigas \\ 4-5-1971
Ele: Recordo-me agora de que, em tempos idos, eras devota de Santa Mónica. Conservas ainda essa crença viva?!
Ela: Como no princípio! Tenho, de facto, premente necessidade, pois lá diz o povo:”Quem tem padrinhos não morre moiro!”
Ele: A minha admiração vai mais ainda para o grande Agostinho, que a teve por mãe! Apesar de tudo, não deixo de preza-la, como grande mãe e bela educadora!
Ela: Agostinho foi grande, porque teve por mãe uma grande mulher, excelente educadora! Não fora ela, com suas orações, intercessão e zelo inflamado, que teríamos hoje?! Um céptico provável ou melhor ainda, uma sombra de homem, que poria fim à vida terrena, por não haver encontrado a ventura sonhada!
Ele: É bastante provável que assim fosse, realmente! Demais, é já sabido que todo o filho será na vida o que a mãe lhe destinou. Herói ou trânsfuga, criminoso ou santo, humilhação ou glória, derrota ou vitória.
Ela: É essa a razão por que admiro e prezo a fonte de seus dias! Gostaria de imitá-la, já no seu exemplo, já na devoção a seu Deus e Senhor! Dezoito anos sofrendo, a fim de gerar para a eterna glória aquele que gerara para a vida terrena.
Ele: Essa frase é algo obscura, para quem não entende!
Ela: Quem ler alguma vez o precioso livro “ As Confissões” de Santo Agostinho, ficará elucidado, estou certa disso! Dera a seu filho a vida física e procurava depois ministrarlhe essoutra, ainda mais bela – a sobrenatural! E Deus escutou-a, pois teve realmente a grande ventura de o ver convertido a nobres ideais.
Manteigas \\ 5-5-1971
Ele: Como gostas muito de assuntos literários, relacionemos agora a Águia de Hipona com a Literatura, criada em Portugal.
Ele: óptima escolha que leva sem dúvida o meu beneplácito,
Ele: Remontemos, pois, ao século XVI, época gloriosa, da História Marítima.
Ela: Ouve lá uma coisa! Consideras já teu o que é dos Portugueses?!
Ele: Meu e muito meu! É terra adoptiva, bem entendido, mas julgo-a tão minha , como afinal é tudo o que me pertence. Irmanado com ela, há séculos já, não vejo outra coisa que fale tão alto! Identifiquei-me com a terra lusa, vivi-lhe os problemas, sofri com as gentes e amei também. Já sou português, em corpo e alma! É um povo humilde, bom e amoroso, rude talvez, mas dado e compreensivo. Quem alguma vez chega a conhecê-lo há-de querer-lhe por certo!
Ela: Eu tambem adoro este povo destemido e mal apreciado, no tempo de agora As tuas razões, no tocante aos lusos, não diferem das minhas, embora lhes note defeitos graves!
Ele: Perfeito só Deus! Onde há homens há logo cobiça. Entretanto, se não fosse, como é notório, a bossa alcoviteira e deveras trocista, que podias apontar-lhe?! O segundo defeito nem sempre é tal. Quantas vezes, se não transforma ele em alta qualidade?!
Ela: Como é isso?! Agora, não entendo o teu arrazoado!
Ele: Há troça elegante, que a ninguém prejudica! Fruto somente de fina observação, ele encaminha-se, de maneira grácil, a fins humanitários: alijeirar o ambiente; emprestar ainda um pouco de humorismo; dispor bem a assistência.
Manteigas \\ 6-5-1971
Ela: Remedeias tudo! Não me admiro já, se dentro em breve, divinizares tais faltas!
Ele: Há certo exagero naquilo que dizes, boa comadre! Quanto à primeira pecha, o assunto é mais grave, estou certo disso, mas perdoemo-la, a fim de compensarmos a sua bondade. Realmente ser correio, não tendo a profissão, coisa é que humilha e assaz deprime. Apesar de tudo, rememos firmes contra a maré, e assim o ímpeto será debilitado Ela: A fusão das raças, nos extensos domínios, vem certamente provar a teu favor! Não há melhor prova nem razão mais palpável! Enorme capacidade na adaptação; espírito dócil e humanitário; ausência de racismo; espírito generoso de associação; boa camaradagem.
Ele: Nenhum povo se equipara, incluindo o espanhol!
Ela: Aprecias muito os nossos vizinhos? Já esqueceste o rifão:!
Ele: Qual rifão? “ De Espanha nem bom vento nem bom casamento”?
Ela: Esse mesmo! Entretanto, devo dizer-te que o não sabes completo. Ouvi-o na íntegra, a certo advogado, que vivia na Guarda, onde exercia o cargo“. Se teu pai fpr espanhol, desconfia dele!”.
Ele: Bom, comadre, são rifões que perderam, decerto, a actualidade! Os tempos mudaram e, com eles também a mentalidade! A educação das crianças deve ser conducente a um bom entendimento e perfeita concórdia. O passado esqueceu e a vida é outra! Hoje, o que interessa é a boa convivência, entre todos os povos, mormente com vizinhos.
Manteigas \\ 7-5-1971
Ela: Por causa dos Portugueses, houve enorme digressão. Eles merece, verdade seja,, mas agora é bom tempo de voltarmos ao assunto, de que tínhamos falado.
Ela: Estava em foco o poeta Gil Vicente e o seu Auto da Alma É nessa obra, assaz engenhosa, de fina psicologia e nobre sentimento de carácter religioso, que ele presta homenagem à figura imortal do Bispo de Hipona, Santo Agostinho. O papel relevante, que lhe confia no Auto mostra claramente quanto ele o prezava. As mais belas orações, incluindo a introdutória, profere-as ali o douto filósofo e grande teólogo.
Ela: Que dizer de Gil Vicente? Será figura ímpar nas Letras Portuguesas?
Ele: Demais que tu o sabes, mas gostas de ouvir-me! Para mim figura ele entre os imortais. De facto, a sua bela obra, pelo que diz, representa e contém, só encontra paralelo no grande Fernão Lopes.
Ela: Mas este foi prosador e notável cronista!
Ele: Sim, isso no entanto não obsta de facto a que haja profunda semelhança, num aspecto que eu foco.
Ela: Pressinto já o que intentas expressar: a vida portuguesa, na sua totalidade encontra-se ali. Como se fora imensa tela, em que pintor genial estilizasse habilmente os primores da sua arte, assim de modo igual, por meio de tais livros, ficou exarada, a cores luminosas a História nacional, referente ao período
Ele: Acrescento ainda outra observação, que é da minha lavra: até somente pelo que a obra tem de original, é incomparável, grande modelar.
Manteigas \\ 8-5-1971
Ela: Gostaria imenso que desses opinião, sobre aquele assunto, a que fizeste refe-
rência, um pouco atrás.
Ele: É muito simples: os cronistas dessa época alistaram-se todos na corrente literária, a que eles chamam “ período quinhentista”. A preocupação de tais escritores é imitar, a rigor, os padrões antigos, que atingiram alto nível de perfeição e grandeza. Atenas e Roma estãp na berlinda e é de lá, realmente, que surge o astro novo, deveras promissor. O nosso Camões, assinalando este apego, inicia os Lusíadas por um verso famoso, igual ao da Eneida: “ As armas e os barões assinalados”(Arma virumque cano).
Ela: Com esse arrazoado é teu alvo definido afastar Gil Vicente dos trâmites gerais!
Ele: Exactamente! Perguntando-me alguém a que escola aderiu, não sei indicá—la! É tão ligeira a influência da época; conservou tão puro o cerne da alma, religiosa e lírica, que só a nuito custo alguém dirá, com razão, tratar-se dum vulto da Escola Clássica.
Ela: Sim, na verdade, mais que certo é isso! Se me dás licença, acrescento uma achega de certo valor, que vai contribuir, para dar-te razão. A chamada Escola Clássica preocupou-se tão só do homem culto e adulto, Por isso, apresenta Camões a Vasco da Gama, fazendo orações deveras empoladas e até magistrais, sem cultura bastante que justificasse o facto em causa. Não assim Gil Vicente, que apresenta nos seus livros, os misteres mais humildes e as pessoas mais obscuras.
Manteigas \\ 9-5-1071
Ele: Pelo que ontem vimos, foi original e harto piedosol o nosso Gil Vicente.
Ela: A sua obra não passa com o tempo, Uma vez que leva em si a marca do génio! A fina psicologia, que nela perpassa, o hábil jogo da redondilha, o gracejo adequado e tantas vezes cáustico, são traços indeléveis que nem o tempo desgasta!
Ele: Grande pena é que não conheçamos a obra em globo!
Ela: E que tenham alterado ou até substituído alguns versos do autor! Sabes, compadre? Há uma coisa que me faz pasmar e não logro resolver!
Ele: Que poderá ser, para de facto eo não calcular?!
Ela: Como podia o autor exprimir-se, à-vontade, não correndo perigo a sua exis-
tência?! É que ele, de facto, não poupava ninguém, incluindo os nobres! Tudo foi alvo que visou a sua crítica. Somente escapa a família real!
Ele: Eu penso e defendo que o escudo protector ia buscá-lo decerto , à estima e respeito do rei português!
Ela: Há-de ser isso, pois nenhuma outra coisa poderia valer-lhe! Fidalgos e nobres, vendo hora a hora que o rei o distinguia, falecia-lhes coragem, para atentar contra ele
Manteigas \\ 10-5-1971
Ele: Retomando o fio da nossa conversa, fiquei pensando, algo interessado, na figura triste dos que riam, tantas vezes, à própria custa. Dentre os papéis, creio ser este o mais difícil de todos.
Ela: Rir de si próprio?! Só mentecaptos o podem fazer! Afirmação gratuita, se não impensada! Que remédio tinham eles! Optavam ali pelo menor de seus dois males!
Ela: viver não custa: o que custa, realmente, é saber viver! Não é assim que diz o saber popular?
Ele: Não que elas doem! Imaginemos agora: rir de seus próprios defeitos1 É como lutar e até esgrimir contra si próprio! Amesquinhar-se a olhos visto; contribuir, de bom grado para a sua destruição. Ela: Quantas vezes, não me engano, por certo. haviam de ter o peito, a sangrar ao vivo . Apenas Deus sabe o que vai no peito, em momentos assim!
Ele: Havia também determinado facto, que não era despiciendo e teria influído no ânimo das gentes.
Ela: Sim? Qual seria, pois?! Desta vez, não acerto no alvo!
Ele; A sua autoridade, no campo moral, Era um homem exemplar!. O seu porte irre- preensível não dava ensejo a que alguém o beliscasse! Esta é, de facto, a melhor protecção que podemos arranjar! e a mais forte razão que podemos invocar!
Ela: Não duvido eu disso! É um caso igual ao de Sá de Miranda..
Ele: Havia gente de bom estofo, naquelas eras remotas!
Ela: Hoje, ao invés, não haverá tanta, mas a ocasião fá-la-ia aparecer, uma vez que o homem é produto do ambiente
Manteigas \\ 11-5-\971
Ele: Estava dito, comadre. O nosso Gil Vicente foi mestre exímio, na arte cénica., grande poeta e hábil dramaturgo, excelente português e homem de bem.
Ela: Quem nos dera a nós houvesse ainda homens do mesmo quilate!
Ele: Aquilo, na verdade, era ouro se m mescla! Em cultura, não digo afoutamente que fosse dos maiores. Apesar de tudo, possuía uma bagagem, bastante regula
Ela: É ponto assente que o português, em geral, não tem grande bossa para o Teatro! Que dizes tu, a este respeito?
Ele: Se nos comparamos aos povos civilizados, bem certo é que ficamos abaixo! Questão de feitio e maneira de ser! Cada um é como é!
Ela: És muito indulgente! Bem se vê, de entrada, que pixas a brasa à tua sardinha! Se houvesse mais esforço, não iríamos, decerto, um pouco mais longe?! Não é do trabalho que tudo provém?! Ocorre-me agora o pensamento de alguém: “ O génio, afinal, é uma longa paciência”.
Ele: Há fundamento naquilo que observas! Preguiça lastimosa e falta de esforço campeiam, não raro, em nossas fileiras, mas havemos de contar aom os dons naturais e o nosso ambiente.
Ela: Bem sei, não o nego, que, de onde em onde, aparecem também alguns vultos notáveis, mas achp muito pouco, olhando, já se vê. à densidade na população.
Manteigas \\ 12-5-1971
Ele: Proponho. de novo. mudança de assunto, para haver interesse. Que dizes a isto?
Ela: Óptima ideia! Na variedade consiste a beleza.
Ele: Eu já sabia! Um provérbio não viria longe! Pois bem! Dissertemos um pouco sobre o tacão, geralmente usado por senhoras e meninas.
Eka: Algum achado acaso te alarmou)!
Ele: Não te faças de novas! Ignoras o assunto?
Ela: Não posso igualar-te! É do teu conhecimento!
Ele: Claro se deixa ver que, não sei porquê, foi-me permitido, uma vez por outra,, discorrer pela serra,, embora disfarçado e irreconhecível. Agora já vagueio pelo nosso arredor, e nessas digressões, observo muita coisa!
Ela: Pois é isso! Eu fiquei longos anos prisioneira da montanha e só ultimamente, é que tenho já saído!
Ele. Là por isso, não haja questão! Eu informo e opino, aguardando no caso o teu parecer! O tacão moderno é na verdade, a coisa mais desgraciosa, grosseira, prosaica e disforme que podemos figurar! Alto e largo, Inquebrável e maciço, avantajado e tosco é símbolo contrafeito da mulher que desejamos Esta, a rigor, será graça e leveza: mais espírito, sim, do que matéria; lhana, simples e dócil
MANTEIGAS 13-5-1971
Ela : Aprecio imenso ouvir teus dizeres, mas longe estava eu de esperar, nesta hora, que vibrássemos tão forte! Que é que vai no tacão e que é que ele pode, sobre a vida humana.?
Ele: Vai muito, comadre, ou não sei já onde tenho a cabeça!
Ela: Mas olha lá: que te dói a ti o viver de alguém?! Acho que insistes demais, correndo assim risco de levar imenso dano à vida em sociedade!
Ele: Que hei-de eu fazer ou que providências me cabe tomar?
Ela: Se o visses em mim, tolerava a tua ira.
Ele: Ainda há no mundo quem tenha siso! Nem tudo é mau gosto!. Entretanto, não és capaz de avaliar a repulsa que me invade! Imaginas lá o grotesco e brutal, desconcertante e mais que censurável dum tacão semelhante?! Aquilo não á base duma +erna feminina: é, sim. creio eu, um apoio disforme de outra coisa animal! Um homem não tplera , não sofre nem consente uma grosseria que muito o acabrunha!
Ela: Esconjura, sim, a falta de gosto, mas sem perderes a paz de espírito!
Ele: O que intentava saber é que não consegui!
Ela: De que se trata, afinal, para assim importar?!
Ele : O teu sentir, a propósito disso! Por que não dizes?!
Ela: Quero ver primeiro: depois, falaremos!
Manteigas \\ 14-5-1971
Ele: Já pensaste na resposta?
Ela: Hoje, sim, posso já dizer-te o que sinto no peito, que já vi por meus olhos o que tu observaste!
Ele: Ainda bem que assim é, pois o teu parecer não irá contestar o que afirmei exaltado!
Ela: Detestável acho eu o tacão reprovado! Essa ira que foi tua, hoje minha também, é fundada na razão e viceja no meu peito! Excêntrica patorra, indispõe e revolta, só por vê-la à distância!
Ele: Eu havia de enganar-me?! Fazer de ti mau juízo?! Criticar erradamente?! Não sei definir o que experimento, ao ver de improviso espécimes desses, mas parece, nessa hora, que o olhar se me turva! Já não é mansidão e etéreo sorriso o que provém desses anjos,, a falar-nos do Céu! É algo de maçador, grosseiro e displicente, que se atravessa na vida, para mais a toturar. Aflição e pesadelo, algum sonho transviado, um anjo das alturas que, num abrir e fechar de olhos, se volveu em demónio!
Ela: Basta já, penso eu. Adjectivos não faltaram nem esconjuros, de natureza malévola Se, finalmente, com esta objurgatória, o tacão se não desfaz, é que anda lá dentro o demo disfarçado
Ele: Ó tacão duma figa! Diabo enegrecido e já esturrado!
Manteigas \\ 15-5-1971
Ela: Hoje, cabe-me a vez de fazer sugestões. Prefiro o Carnaval. Estás de acordo? É do teu agrado?!
Ele: Como não, se tu gostas disso?! Só estranho uma coisa: se ele já passou, há quase três meses, por que razão te ocorre u agora semelhante coisa?!
Ela: Aí precisamente é que tu descarrilas! Ele já passou! Está bem presente e jamia vai passar! Parece-me estranho que o não hajas notado, em tuas digressões!
Ele: Já se i o que é! Não digas mais, que perdes o tempo!
Ela: Cá me parecia que havias de saber, pois que tens dedo para coisas do género e outras quejandas!
Ele: O que passou, há três meses, é o velho Carnaval de estroinice e folia, em que se preteriam maneiras austeras, postergando velhos hábitos e nobres tradições, para darem expansão a tendências malsãs.
E la: Era assim, na verdade! Aqueles dias a fio ninguém lhes tocasse! Tudo era permitido e nada se estranhava! Agora, no entanto, o que era limitado não permite barreiras! A tal ponto ele abrange os 12 meses do ano!
Ele: O teu diapasão afina bem pelo meu! Bata, na verdade, sair à rua, deparam-se logo vultos excêntricos, dizendo-nos bem alto que o Entrudo são eles, e o Carnaval não findou.
Manteigas \\ 16-5-1971
Ela: Há quem goste e aprecie um longo Carnaval, que já não tenha fim. Qual a tua opinião?
Ele: Deveras aborrece o que é sempre igual!
Ela: \\ Excepto a comida, prezado compadre!
Ele: Perdão, comadre, mas eu não concordo! A própria comida, se for sempre igual, causa logo enjoo. Na variedade reside a beleza! Durasse eternamente um belo espectáculo. ninguém o tolerava! A psicologia é firme e constante, em aspectos vários!
Ela: Por outro lado, aquilo é sem beleza nem vislumbre de arte! O mais canhestro, vulgar e excêntrico, deselegante é que logo triunfa, sendo imitado por milhares de cabeças!
Ele: O teu sexo é pior, se bem que no meu também haja anomalias!
Ela : Há por aí rapazinhos, a que a loura Albion desconcertou os miolos! Mudança de sexo?! Descontentamento da própria natureza?! Aspirações incontidas?!
Ele: Eu bem si, e tu igualmente, o que podia curá-los!
Ela: Que propunhas, nesse campo? Alguma novidade?!
Ele: Torná-los, desde já, amas efectivas, com o ónus inerente!
Ela: Ias vê-lo furiosos, amaldiçoando os próprios cabelos e arrancando logo os tais conjuntos de cunho feminino!
Ele : E, se isto não bastasse, estudar o problema e dar-lhe solução!
Manteigas \\ 17-5-\971
Ela: De vez em quando, saem-te boas!
Ele: Há remédio para tudo! As manias do teu sexo curavam-se pronto,
Ela: Assim o crês?! De que modo, pois, se não é segredo!
E le: Quando vejo na rua, manequins deselegantes, sinto gana de espancá-los
Ela : Há um tanto de exagero! Deus te acompanhe, evitando, já se vê , . sarcasmo ou fúria!
Ele: É que tenho razão! A mulher foi criada, para alegra do homem, suavizando-lhe a existência. Isto não rebaixa nem deprime, afinal, uma vez que, fazendo assim, cumpre a missão e, ao mesmo tempo, realiza cabalmente o fim do convívio: alcançar a vida eterna É caminho de ventura para ambos os sexos. E que é o que vemos?! Em vez de tipo celeste, algo dr visão, já sobre-humana, que eleva o homem, surge-nos agora um mostrengo indesejável!
Ela : É para todas que falas desse modo?! Sinto e sofro profundamente!
Ele: Melhor fora! Assenta a quem assenta! Era o que faltava! Há muita mulher, com juízo assente, que sabe desempenhar o seu nobre papel, o que as torna felizes e motivo de orgulho , para seus maridos
Ela: Feito esse àparte, já fico serena! Comungo, sem dúvida nas tuas ideias e partilho e partilho juntamente em igual opinião.
Manteigas \\ 18-5-1971
Ele; A conversa de ontem, que foi muito azeda e algo agitada, continua ainda, uma vez que há facetas dignas de estudo.
Ela: Seja, pois! Comecemos já! Ele: Parecerão violentas, desabridas e rudes as minhas palavras. Entretanto, não há meio-termo! Para grandes males, grandes remédios! Não é assim que reza o provérbio?
Ela : Acho que tens razão! Para que tentam desviar-se, renunciando *a natureza e, ao mesmo tempo iludindo a si próprias?!
Ele: Abstraindo agora, por momentos apenas, do nosso destino, eterno e celeste, a que propósito viria a mulher, que já o não é?! A mulher que fuma, porque o homem o faz, ombreando com ele em tosas as coisas, ainda que repugnem à natureza?! Que olhe, devidamente, para o seu organismo: verá, de entrada, ser bem diferente o caminho a seguir! Prefere outra coisa? Ser espantalho e trapo de assustar?! Alvo sempre exposto da cobiça e efémera?! Objecto lúbrico a tornar-se repugnante?! Pois então que o seja e lhe preste muito!
Ela: Sabes, compadre, lançar, desde já, uma forte campanha, bem elucidativa, seria mais vantajoso!
Ele: Quando perde a vergonha e se atola no estrume, já não ouve nem sente! Jogou o seu destino e já não quer outra via. Já não chama para cima: bem ao contrário, carrega e desvia, deturpa e inquina, empesta e contagia!
Ela: Bem lá do fundo é bem infeliz a mulher que assim vive!
Ele: Esse, de facto, é outro problema, que vai bulir a fundi com a nossa crença!
Manteigas \\ 19-5-1971
Ela: Por que é que não falas de outro assunto qualquer ou focas então aspectos diferentes?! Existem apenas mulheres depravadas ou ‘estojos’ denegridos?! Não tens outras mais, que são anjos na existência, cuja vida +e sofrimento que abraçam co amor?! Não seduz tal martírio, ignorado e obscuro, em que passam gemendo, a construir um mundo novo?!
Ele: Sei que existem. Que seria de nós, sem as mães extremosas, que alentam para a vida?! Que são glória e orgulho?! Idolatradas esposas, que cimentam a paz, suavizando os tormentos com a luz do seu olhar?! Noivas e irmãs, filhas estremecidas, tudo eu sei que existe, fazendo homenagem. Admirar e louvar é, na verdade, o sentimento que domina, fazendo tais dados a glória de alguém! Mas eu, de momento, não queria falar dela. A todas essas eu rendo homenagem! Nem falar nem dizer que a virtude é suavidade; é trono que exalta; silêncio que prega; escuridão que reluz; solidão que faz eco.
Ela: Assim já gosto! Tudo o que é belo prende e arrebata! Tu não és insensível, como a dureza desta montanha e albergas no peito um coração generoso,
Ele: Preservemos do mal essas almas benditas, que são luz para nós e confortp de- sejado. Maldição e vida negra a quem tente desviá-las, introduzindo no mundo só dor e aflição!
Manteigas \\ 20- 5-1971
Ela: Vai grande animação, em concurso de beleza! Não que eu aprove ou fale despeitada, uma vez que não inejo as que são mais belas! Acordo ou desacordo, é questão pessoal. No tocante a mim, desaprovo e condeno, vendo no facto aviltamento da raça, corrupção de costumes, exposição aviltante de carne humana, lubricidade sem peias Que julgas dessas magas e seus admiradores?! E das gentes, em geral?!
Ele: Vêm-me ao de cima os deuses patifes, que os homens inventaram, para arovar seus erros. Baco, deus do vinho; Mercúrio, deus de ladrões e comerciantes; etc . Para mim, é sintoma evidente de que a perversão campeia no mundo. Que premiassem a virtude, o nobre espírito de sacrifício; heroicidade e imolação, coisa era que muito bem ficava! Agora, coroar quem não sofre nem mostra valor, é erro sem perdão!
Ela: Por outro lado, o que eu geralmente vejo é envilecimento do sexo feminino e falta de nobreza, por parte de outros.
Ele: Não haja dúvida, que assim é, realmente! Expor à luz do Sol o que deve estar oculto e cuja finalidade é nobre e muito alta, porque Deus o quer assim, é dar provas certas de que falta vergonha. Ora, quando ela se ausenta, que podemos esperar?! Mais sobe o vestuário, mais desce a honradez. Que dirão no silêncio as que passam ignoradas, vivendo obscuramente em honradez e vergonha?!Para onde se encaminham as atenções constantes do ente humano?! Não será isto um princípio de ruína?!
Ela: Admiradores e felizardos exporiam com agrado, suas filhas e esposas?! O que não permitem a familiares, por que o desejam, em ordem a outros?!
Manteigas \\ 21-5-1971
Ele: Essa tal mulher que o mundo assim preza, farejada aqui, proclamada além, coroada hoje de flores mimosas e amanhã de espinhos agudos, é infeliz e bem desditosa!
Ela: Não admira que o seja! Criada que foi para a família, o mesmo é dizer, para o aeu lar, só nele se realiza, em toda a plenitude. A estrutura anatómica e a fina psicologia, que lhe são peculiares clamam vivamente por um destino essencial – a maternidade.- labor dignificante que modela corações e forma caracteres.
Ele: A mulher da rua, com vida a talante, degenerou, chegando a aviltar-se. Para ela só gozo! Entretanto, doudejando a toda a hora, borboleta insana, em volta do facto, vem finalmente a cair no seu logro, desfazendo-se em ruínas! Hoje, aqui; amanhã, além. Hoje, adorada; amanhã, cuspida! Agora, solicitada; logo, corrida! Onde a estabilidade, a firmeza e a paz? Onde o apoio, a doçura e o carinho? Vítima de caprichos, vai a passos largos, caminhando cega, para o grande abismo!
Ela: Fora de Cristo, não há felicidade! Procurá-la noutra parte ´é amarga ilusão! As fatais sequelas far-se-ão sentir!
Ele: Trabalhemos denodados por um mundo melhor, em que as nossas mulheres , postergando a insensatez, se tornem credoras de amot e doação!
Manteigas \\ 22-5-1971
Ela: Que razão haverá, para que a mulher se afunde tanto?!
Ele: Por vá rios motivos, segundo me parece: falta de virtude; envilecimento do sexo fraco;; esquecimento do seu destino; abuso do sexo forte; protecção da lei; falta lamentável de maturidade.
Ela; Entre as causas referidas, apontaste o abuso. Terá sido geral e extensivo ainda a todos os tempos!
Ele: De modo nenhum! Bem ao contrário. Há casais modelares, eç que a discórdia não tem cabimemto. Daria imenso gosto viver de tal maneira!
Ela: Por que não imitá-los?!
Ele: Egoísmo na base; falta de civismo; afastamento de Deus.
Ela: A mulher moderna invade temerária a esfera do homem, acamaradando, à semelhança de igual e tentando libertar-se do que chama tuteka. Criará, deste modo, um futo melhor?!
Ele: Estou longe de o crer! Homem e mulher são, na verdade, complemento um do outro. Fora desta via, nãp há, invejar-lhe os cargos felicidade! Ombrear com ele, fazer tudo o que ele faz, invejar-lhe os cargos, sejam eles quais forem, expor-se de igual modo, é loucura rematada!
Ela: E se fosse apenas ombrear com Ele! Ela vai mais longe! Muito mais ainda! levada mais longe, por insensatez, não admite ingerências, ainda mesmo na casa paterna! lcool e Álcool e fumo, vilanias e drogas, a nada se furta, para “viver a vida” Ele: Quem assim faz, envergonha o seu sexo, arruína a saúde, compromete seriamente o destino dos filhos, não tem pudor nem mostra vergonha! Que será da sociedade com mulheres assim?! Não será isso a tal abominação?! Se Deus, em tempos idos, puniu a corrupção, por meio do dilúvio, que vai provocar a mulher do nosso tempo? Ensandecida perdendo inteiramente a noção da honra e o sentido exacto da responsabilidade, é apenas uma sombra da mulher que Deus criou e remiu. no Calvário
Manteigas \\ 23-5-1071
Ela: Quais serão, realmente, os defeitos do homem, na época presente?
Ele:: Por que razão me fazes a pergunta?
Ela: Tenho algo em mira, de que não te apercebes
Ele: Já sei o que é, razão pela qual acho judiciosa a tua inquirição. Na ver dade, quem perdeu o atractivo já não é procurado nem suscita interesse!
Ela: Não é esse o caso de muitos rapazes?!
Ele: Como causa única é inaceitável.
Ela: Como causa única longe de crê-lo, mas há-de ser um tanto basilar.
Ele: Não vás por lá dizer que eu fujo à quwetão! O rapaz de hoje é banal e frívolo, sem quaisquer aspirações . Entenda-se o que eu digo: esta medida não se aplica a todos. Ainda bem que assim é! A mulher, em geral, aprecia muito a virilidade e ama a fortaleza. Ora, na verdade, é o que ela não encontra na maior parte dos casos!
Ela : Sempre afinas por mim!
Ele: O seu a seu dono! Puseste logo o dedo na ferida maior! Alguns aí há que já vestem como elas! Floreado nas calças, blusa garrida, conjuntos estudados e cabelos compridos! Como hão-de apreciar esses cravos de janela, assim deformados e envilecidos, que são, realmente , a desonra e a vergonha da espécie humana?!
Manteigas \\ 1-6-\971
Ele: No homem adulto, surgem por vezes casos lamentáveis , que são o calvário de certos casais: é o caso do álcool bem como o do jogo, a que faz companhia a suspeita amarga de infidelidade, na parte feminina.
Ela: Vê solução a longo prazo?
Ele: Só com heroísmo e paciência de santa! Há que explorar certas qualidades , que podem ajudar Não vemos ,dia a dia. o respeito quase santo, a adoração quase celeste, a dedicação inexcedível que o pai vota à filha?! O fllho a sua mãe? O irmão a sua irmã?!
Ela: Estou, sem dúvida, no mesmo plano. Sei muito bem que o homem é tremendo e que, de vez em quando, pratica desatinos, mas qual a razão que o impele e arrasta?! Tantas vezes, o mau proceder da mulher que o trai! Ele: Querer ombrear em tudo e por tudo, se a natureza lho veta, que havemos de pensar?! Louvar a insânia?! Aprovar a loucura?! Só quando a podridão atingir a sociedade, de lés a lés, é que o homem abre os olhos?! O pai quer saber, exige-o imperioso, quais são os filhos dele, não admitirá que o jeito canino se venha instalar no mundo humano.
Ela: Estou certa e segura de que o Céu bondoso não vai permiti-lo . Se a Terra é já exílio, onde vertemos lágrimas, sem conto, que seria, pois, com esse ideal que nos dessora a cabeça?!
Ele: A reflexão dá sempre bom fruto. Nesta época, mais que em nenhuma outra impõe-se à mulher agir com acerto.
Manteigas \\ 6-6-1971
Ela: Para alguém ser feliz, bastará que seja livre o caminho trilhado? Não haverá talvez algum factor mais, para reforço de tal posição?
Ele: Com certeza que sim, mas acho basilar que o homem escolha, seguindo a capricho, a via que lhe apraz. Sendo-lhe imposta ou ainda sugerida, por via matreira, embelezando-a a rigor e ocultando, por sistema, os contras que a desdouram, estão lançadas as bases, para alguém não ser feliz.
Ela: Isso agora levar-nos-ia longe, sobretudo em Religião, no caso das vocações!
Ele: Não há dúvida nenhuma, sobre essa matéria.
Ela: E achas criminoso tal processo de agir?! Lembrar, a propósito um nobre ideal, par alguém escolher!
Ele: Lembrar não é mal, se for de relance, havendo como fim adaptar um caminho às tendências alheias e não às próprias.
Ela: Todo homem, neste mundo caminha para Deus e ele pode encontrá-lO, seja qual for o caminho seguido.
Ele: O avarento sente prazer no acto de forrar; alegram-no ao vivo as economias de grande poupança; rejubila a fundo, ao contar amiúde o seu amado pecúlio; exulta em pleno, ao fixar amoroso o fruto do seu cálculo, resultado cobiçoso do seu grande esforço! Por que não ser feliz?! Não tem ele o que deseja?!
Manteigas \\ 7-6-1971
Ela: Que pensas do bm exemplo assim como do mau?
Ele: Assaz contagioso, dizemos logo, mas nem sempre é isso verdade. Depende, com efeito, do grau preciso de civilização. A gente evoluída prende-se menos a essas atitudes. Quanto mais alto for o nível dum povo, muito menos atreito se revela então a influências estranhas. Exceptuamos, já se vê: insuficientes mentais, crianças oi idiotas.
Ela: Muito curiosa essa observação. De facto, assim acontece. Um agregado inculto e por desbravar, sente regra geral, à maneira das crianças. Qual cera receptiva, acolhe exactamente o que ali se gravar. Daí, pois, a responsabilidade que tem o ducador. Pode ser um criminoso, imprimindo em outrem a marca pessoal e não moldando a matéria, conforme as aptidões!
Ele: Sinto-me feliz, por haver coincidência nos pontos de vista! Assim, é grato viver! Não me cansa a existência!
Ela: O Deus verdadeiro, que nos tirou das trevas, velará por nós e há-de valer, nos em todas as crises. Unindo as nossas vidas e vivendo em harmonia, educaremos os filhos e seremos invejados. Importa chuva ou mau tempo, se vai ameno e suave , em nosso coração?! Reine embora a maldição, destrua-se o mundo ou embarquem para os astros, nós ficaremos, vivendo o ideal que nos enche de ventura.
Manteigas \\ 8-6-1971
Ele. Li, há dias, na Imprensa , um caso notável para o meio português. Melhor diria: quase escandaloso, aparentemente.
Ela: Qual foi então? Por que o chamas assim?
Ele: A ordenação dum ministro anglicano, que deixou para sempre a religião de seus mesmos pais, convertendo-se à nossa. Aquilo em Portugal actuou como bomba!
Ela: É só no princípio. Depois, tudo se normaliza. Apreciações, má vontade e dictórios vai tudo amolecendo, ao longo do tempo. Chocou, de início, por ser o primeiro caso de um padre anglicano, ordenado com filhos, sendo viva a esposa. Tenho para mim que, num futuro próximo, o mesmo público achará isso bem, dando logo aprovação.
Ele: Assim o creio também! Entre nós, gigantes, quando a princípio a mesma oposição criou sarilhos, decorrido algum tempo, tudo se aquietou, passando então a julgar bom o que era tido por mau .
Ela: Nunca havia falado em tal assunto! Então entre vós, também houve problemas?! E há muito já?!
Ele: Houve esse e muitos outros! Uma luta renhida, em que foi vencedor, naturalmente quem tinha razão! O tempo exacto não posso dizer-to: decorreu há muitos anos e eu perdi a memória, durante longo período. O que julgo não ser erro é dizer, a propósito, que passaram cenenas e centenas de anos.
Ela: Quando houver mais ensejo, vais contar-me essa história.
Manteigas \\ 9-6- 1971
Ele: Como insinuaste, é grande o interesse em saberes a minha história. Muito longa e variada, cheia de incidentes, com altos e baixos; páginas brancas e outras escuras. A própria vida assim o exigiu! Às vezes, teríamos nos culpa; outras, porém, fomos realmente levados na onda! Nestas circunstâncias, não há resistir!
Ela: Não estranho o que dizes, pois o homem, sendo embora gigante, não +e anjo do Céu!
Ele: Este caso alegrou-me bastante; é um facto histórico de primeira grandeza! Reconheço à evidência que te inflamas sobremodo, quando falas do assunto! Será por ventura que o vives em ti mesmo ou foste alguma vez paladino de tal causa?!
Ele: Tudo isso e muito mais! Nem quero lembrar! Deu-me que fazer! Sérios dissabores não faltaram também! Ser pioneiro é igual a seer mártir! Fica, na verdade, a consolação de de um lutar glorioso!, fazendo alguma coisa pelo bem dos irmãos Entretanto, quantos esoinhos cravados no corpo! Quantas horas de amargura! Que supremas agonias, momentos dolorosos e inolvidáveis! Ela: Não importa que morra! A melhor recompensa é a que vem da consciência! Bater-se por um ideal e sair triunfante é glória sem par! A obra aí fica, lembrando a presença de quem lhe deu vida, ser e movimento.
Manteigas \\ 10-6-1971
Ele: Fui dos grandes lutadores, que não temeram a morte nem os perigos infandos!
Ela: Oh quem me dera voltar a esse tempo glorioso, em que o meu coração adivinhou certeiro e a minha alma fundo estremeceu!
Ele: Por que razão alimentas a quimera?! Não sabes tu que tudo já ruiu e que serias de novo alanceado, cruelmente, no íntimo peito?!Gostarias acaso de ver-me prostrado, vergonha dos homens e ludíbrio dos deuses?! Nesse tempo, era eu pagão, mas hoje não vivo em trevas! É dia já claro no meu coração, que a Deus consagrei!
Ela: Para ver-te feliz, tudo eu faria! Não julgues, pois, que seria meu desejo voltar ao passado, com o fim de amargurar-te! Muito longe disso! É que saíste da luta com a fronte heróica, nimbada de glória. Orgulhava-me de ti! Por que não dizê –lo?! Foi assim que te amei, passando então os momentos mais ditosos da vida inteira!
Ele; Alcançada já a primeira partida, foi surpresa enorme ficar vivo, na segunda. Como eu lutava deveras ansioso, para elevar-me a teus próprios olhos e merecer depois o teu amor!
Ela: Era só por isso que desejava realmente voltar ao passado! Quanto ao mais, tudo são ruínas, cinza e pó, que não tento nem desejo reconstituir jamais! Muito menos ainda envolver-me nelas !
Ele: É muito cedo, para narrar esse meu combate: vibro fortemente e descaio sem alento! Adiemos, então para outra vez! Deixa passar algum tempo mais, que não sinto ainda energia para tanto!
Manteigas \\ 11-6-1971
Ela: não quero que sofras nem te aborreças! Que me vai a mim, na tua amargura?! Desejo intentar, muito ao invés, quanto sirva de apoio à tua felicidade! Olha! Sabes tu o que me lembra?! Não há muito ainda, prometeste falar-me, sobre o Mondeguinho, esse irmão adorado que chorei longamente e que julgava não mais encontrar.
Ele: Seja então como queres! Não há muito ainda, para te dizer! Já o sabes, por ventura
Ela: Por que me dizes tal? Será que adivinhas?!
Ele: Nada! Que eu não sou bruxo nem adivinho!
Ela: É que tu, num diálogo, insinuaste alguma coisa!
Ele: Como quer que seja, eu vou dizê-lo!
Ela: Ainda que fosse o que já registei, não deixava, por isso, de sentir prazer!, pois se trata, claro está, de quem amo tanto!
Ele: Tomara eu contar, na família de sangue, um membro assim, deveras amado! Um bom irmão ou talvez uma irmã.
Ela: Preferias esta àquele? Porquê?
Ele: Nada preferia! Aceitava o que me dessem! De qualquer modo ficaria satisfeito. Contudo, sendo uma irmã, talvez fosse acarinhado, não sentindo no peito o gelo mortal que me esfriou outrora!
Ela: Compreendo os teus dizeres, que são judiciosos1
Manteigas \\ 12-6-1971
Ele: Acedendo a teu convite, aqui me tens disponível para o que der e vier!
Ela: Muito grata ficarei, por obséquio de tal ordem.
Ele: Bem parece, na verdade, uma história encantada , mas posso afirmar ser tal como digo! Uma vez, descoroçoado já, passava eu pertinho da rústica fonte. Ia o Verão em mais de meio e a minha tribulação principiava a mitigar-se.
Ela: Qual? Acaso será outra?!
Ele: Ser para logo convertido em monte, sem perder a consciência, e levar anos sem fim, aqui na solidão, em grande amargura!
Ela: Não recordes essa fase, que felizmente se vai mudando já, Arriba, sim, pressuroso, aos tempos de agora,!
Ele: Sedento como ia, deparou-se-me ali o inesperado : vislumbrei, entre as rochas . em pequeno largo, muito ajeitadinho, uma bica gene rosa , que me aguardava paciente. Não calculas agora o que foi para mim este belo encontro! Alvorocei-me todo, num momento veloz! Longe embora da frescura, todo eu me deliciei, nessa linfa cristalina!
Ela:O poder da sugestão! Divertido realmente!
Ele: Aproximei-me, quase electrizado. Que era fluido magnético a percorrer-me ,de lés- a- lés!! Acorro, num pronto, esquadrinho a bela estância e fico ali deveras extasiado!
Manteigas \\ 13-6-1971
Ela: Êxtase ou pasmo ou lá o que foi, haverá terminado, sem contratempo?!
Ele: Receei bastante, manda a verdade, que novos perigos viessem rodear-me! Mas aquilo foi um momento! A frescura apetecida veio logo inundar-me, deixando a sensação do que tanto desejava.
Ela: Que me dizes, agora, sobre o local? Será ele tudo, menos deleitoso?!
Ele: Nem tanto ao mar nem tanto à terra! Lá por ser na montanha, nada impede que seja estupendo! Há horríveis que até são belos! Ouso afirmar que o sítio me agradou! Ameno hesito em chamar-lhe, entretanto reveste aparência harto acolhedora!. Creio ou sonhei haver lá passado pelo menos uma vez, mas era de noite! Gorgolejava a boa da linfa e cheguei a julgar que se tratava de choro! Paro uns momentos e , oh maravilha!, distingo com nitidez, o meu nome inteiro! Interrogo ansioso, mas não há resposta! Gostaria imenso de ficar ali, aguardando , em alvoroço o momento feliz , em que pudesse falar e também ser ouvido!
Ainda espero fazê-lo, embora não obtenha qualquer resposta!
Volvidos anos e cumprido , finalmente ,o nosso destino , pressinto, na verdade, que a sorte, ao presente, não há-de enjeitar-nos.
Ela: Não suspendas esse encontro, que eu ponho no acto a alma apaixonada! Relata em pormenor e concede a meu peito ventura sem par!
Manteigas \\ 14-6-\971
Ele: É um pequeno Largo, em semi-círculo. Se não fosse a estrada, ninguém por certo, iria aperceber-se da sua existência. Aconchegado, entre enormes rochedos, em exígua depressão, como descobri-lo, na vastidão da serra?!
Ela : Foste bem feliz, descobrindo o lugar!
Ele: Um acaso o deparou, posso dizê-lo, sem aldrabar. O que facilitou esse achado excelente foi a direcção, que eu lavava, nessa hora. Mais adequada não podia ter sido. Fazendo caras a Sul,e apurando a vista, algo se antolha, que prende a atanção
Ela: Habitações nem sombra!
Ele: Como era possível habitar ali?! Àquela altitude! Só em Julho e Agosto! Adivinhas tu o que chamou a atenção?!
Ela: Algum ruído estranho?!
Ele: Ruído! Qual ruído nem carapuça?! O que eu presenciei foi, ao invés, um silêncio de morte! Constrangi-me todo, observando tal cena! Só um pouco mais tarde, ouvi distintamente , um pipilar doloroso, bastante amortecido, que me encheu de amargura! O que chamou a atenção foram, bem me lembro, duas árvores esguias, cujos ramos verdes fazem contraste flagrante com o resto da flora,
Ela: Então, há sombra, nesse lugar?! Há-de ser aprazível!
Ele: Isso e muito maia! Há mesinhas de granito, com bancos em redor. Esquadrinhando então essa bela estância, verifiquei logo que apetitosas merendas se vão ali comer! Agora, como já é tarde, que aproveite a sugestão!
Manteigas \\ 16-6-1971
Ela: Despertado já desse longo sono , poderás, julgo eu, contar o ocorrido, no lugar solitário .
Ele: Dar-te prazer é grato para mim. Dormi, dormi ou cisme longamente , quando por noite velha, acordo em sobressalto! Um suspiro fundo e logp um ai que todo me varou! Quem mora aqui neste ermo desconfortável Espero, insisto de novo, e ponho-me à escuta. Qual não é a surpresa, ao ouvir distintamente a palavra Mondeguinho. A mesma resposta, a que seguiu, outra vez, um longo silêncio.
Ela: Bem o dizia o meu coração! É o meu irmãozinho! Já não tenho dúvida! Até que, enfim, veio a certeza! Como sou feliz, na minha adversidade! Tudo o mais terei perdido: pai e mãe, trono e glória, pátria e berço! Entretanto, a grande riqueza de tempos idos está perto de mim! Reside a meu lado! Com dois amigos certos, ainda tenho esperança no porvir que me aguarda!
Ele: Vejamos bem como os homens se enganam! Julgam eles, na sua ingenuidade, que é nascente de um rio e, afinal, são lágrimas puras!, emanadas dum peito em lenta agonia! Castigado também, por seguir ousado o partido da comadre, ali ficou longos anos, até se cumprir seu destino lastimoso! Se bem calculo, irá chegando ao fim, porque ele já responde, fazendo até perguntas!
Manteigas \\ 17-6-1971
Ela : O quê?! Podia saber o que ele perguntou?!
Ele: Sabê-lo-ás, amanhã, que vai longo o serão.
Ele: Já que tanto o desejas, vou fazer-te a vontade! As respostas dele são lentas em extremo, entrecortadas e muito dolorosas! Pelo menos, assim o julgo eu. Após dizer o seu nome, perguntou quem eu era! Se bem avalio, grande tortura ali o consome! Sílabas morosas e inacabadas, que os soluços afogam; a água, cristalina, que afinal são lágrimas; sua interrupção e longas pausas! Tudo aquilo afinal me infundiu tristeza e deu que pensar!
Ela: E tu respondeste ao que ele desejava?! Por quem és, dá-lhe tudo, tudo quanto seja possível” É a mim que o fazes!! A minha vida está pendente de ti e dele também!
Ele: Descansa, comadre, que tudo farei! Deixa, portanto, o assunto comigo e verás mais tarde que lhe dei cumprimento!
Ela:: Como foram então as suas mesmas palavras, querendo saber quem eras tu?!Gostaria de sabê-las, talqualmente as proferiu!
Ela: Aqui estão elas, sem alteração; “ Quem és tu, homem feliz, que dispões livremente do mais belo dom que o Céu nos ofertou?! Que passas, a capricho, junto do meu cárcere, usufruindo da luz e do calor solar?!
Manteigas \\ 18-6-1971
Ela: Quem me dera vê-lo e beijar-lhe sôfrega o rosto querido! Há tantos anos já, sem notícia um do outro! Que longo martírio! Que tremenda agonia! Meu pobre irmãozinho!
Ele: Deixa lá, vizinha, que o teu amigo fará o resto! Dias surgirão que vêm trazer-nos a paz desejada! Nessa altura, será grande a nossa ventura e ninguém jamais a poderá roubar!
Ela: Quem me dera que assim fosse! Mas olha lá: por que é que verte pranto o querido irmãozinho?! Dá cabo de mim, só de o pensar! Sabes? Não durmo, a cismar! Enquanto não souber, jamais terei repouso! Hei-de verificar! Preciso e quero! Quanto em mim couber e até o que exceder! Tentarei fazer tudo! Ele a a chorar e eu aqui tão perto! Quem seria tão cruel que provocasse impiedoso lágrimas sem fim?! E haverá, na verdade, coisa ou pessoa, que esteja na base de tal sofrimento?! Deus venha em auxílio desta inquirição, a fim de o que tanto desejo!
Ele: Não te exaltes, comadre! Estou senhor do segredo, pelo menos em parte! Aquieta-te já! Não dês tratos de polé à tua fantasia! Investigarei, mas pessoalmente, o mais que for possível e, por amor de ti darei a própria vida!
Manteigas \\ 19-6-1971
Ele: Pois que te apraz, vamos já de caminho e só em pensamento, ao lugar conhecido por Mondeguinho! Aquela pergunta revolveu-me o peito, A voz grave e pausada, solene e medida figurava porvir do interior da Terra. Quase tive medo ou pelo menos, a sensação humilhante de quem fica rendido!
Ela: E que é que respondeste àquelas palavras, em que pôs a alma, revelando, ao mesmo tempo quanto preza a liberdade?!
Ele: Por pouco, não chorei! A comoção agitou-me e uma angústia imensa tomou conta de mim! Ia soçobrando. Gente humana ali! Uma alma a prantear-se e todo o mundo, à sua volta, comendo em galhofa e bebendo à larga, inconsideradamente suas lágrimas puras! Que destino cruel! Q eu ironia tremenda!
Ela: Não chegaste a responder?! Satisfizeste acaso aquele peito em chama?! Não vês como é triste viver assim isolado, sem ninguém que acarinhe?! Meu pobre irmão! Meu irmãozinho!
Manteigas \\ 20-6-1971
Ele: Volvidos momentos - não pude fazê-lo antes - articulei, a muito custo não ei que palavras! Fiquei-me ,ali, pasmado e sem vida, escutando em silêncio o gorgolejar da linfa pura! Que aquilo, afinal, bem o sabemos, eram estremeções , assaz dolorosos, fundos soluços, amargos suspiros!. Não podendo supor ta r minha funda amargura, pedi licença para retirar-me, prometendo voltar, logo que possível.
Ela: E voltaste à fala?
Ele: Sim, após isso, já voltei a passar, com vista ao diálogo. Se eu pudesse, quebrava-lhe o encanto! Descobrisse eu maneira de fazê-lo cessar! Esperemos, no entanto e sejamos pacientes!
Ela: Eu, infeliz, é que não posso aguentar este fardo cruel Imaginas, por ventura o que é amar de verdade e viver assim isolada, na solidão duma serra nua?! Séculos e séculos! Que horror! Ele que era tão mimoso e acarinhado por todos, ver-se, num ai , atirado para um monte,solitário e despido, onde tudo é agreste, rude e hostil!
Ele; O novo encontro foi menos agitado. Dar-te-ei conta dele, na próxima conversa.
Manteigas \\ 21-6-1971
Comadre: Olha, compadre: Esta noite sonhei!
Compadre: E foi belo o teu sonho?
Ela: Com certeza! Se nele entravas tu e o pobre do Moneguinho!
Ele: Não foste adivinhar o que eu apurei, da última vez!
Ela: Para longe o agouro! Santo Deus!
Ele: Voltou a perguntar quem eu era, afinal e a cobiçar-me a doce liberdade!
Ela: Elucidaste-o bem? Terá ele compreendido?
Ele: Certamente, avaliando então pela sequência. Respondi-lhe breve que era, naverdade, o gigante Sol~Posto, que tomara parte na revolta dos gigantes, ameaçando Júpiter e toda a sua Corte.
Ela: Qual foi a reacção? Pareceu lembrar-se?
Ele: A princípio, hesitei bastante. Não distingui, com muita nitidez, entre soluços e gorgolejos. Pensava que era choro. pranto amargo, ao lembrar a desgraça
Ela: Depois que se passou?
Ele: Perguntou ainda se era, de facto eu o noivo mimoso de sua irmã Florinda, , a sua desventurada e querida irmã, pela qual sofrera tanto
Ela: Meu infortunado e querido irmãozinho!
Ele: Pediu-me também que passasse amiúde! Tinha muito a contar-me! Cumprirei, pois, a sua vontade.
Manteigas \\ 22-6-\971
Ela: Pudesse eu igualmente lidar com ele: o infortúnio, porém, é tão desmarcado, que vivo de ilusões, até ao fim da vida!
Ele: Não há-de ser como dizes! A propósito: lembram-te as palav rãs do grande Camões, na famosa Canção X?
Ela: Oh! O lastimoso poeta?!Se me recordo! Não a sei à letra, mas é tanto como isto: o tempo dá talho a tudo!
E le: Isso mesmo! Pois então aplica!
Ela: A lição da vida é já tão amarga, que nem sei às vezes, se deva esperar ou desesperar! Tentarei iludir-me, ainda uma vez mais!
Ele: Há sonhos, por vezes, que se tornam realidades!
Ela: Deixa lá que eu vou reagir, alimentando a esperança em dias melhores . Fala do que eu gosto!
Ele: Não posso olvidar aquele tom magoado, vivo e dolente que pôs nos seus dizeres: “ … a minha desventurada e saudosa irmã”Dá pena ouvi-lo! Penetra no seio qual espinho a cerado!
Ela: Coitadinho! Sem lar nem filhos, vivendo num ermo! Que torturante amargura!
Manteigas \\ 23-6-\971
Ele: Não haverá também uma história de amor?! Perseguido e castigado, por ser do teu par tido, não veria gorados seus planos de ventura?! Mas que fazer?!
Ela: Havia, sim, uma adorável menina , que talvez perdesse para todo o sempre! A seus lamentos e ais não é estranho esse caso triste! Mas que fazer?! Pobre Constantina! Quem pudera levar-lhe algum refrigério!
Ele: Não seria igualmente arrastada na queda e vítima de ira do furioso Júpiter Prestarei atenção, vagueando pela serra! Quem pode saber o que o tremendo futuro nos vai reservar e e quantas surpresas ele vai trazer-nos?!
Ela: Fosse realidade aquilo que tu dizes, já eu possivelmente seria mais feliz! Encantada talvez? Convertida em fonte, rocha, penedia ou outra coisa qualquer! Nem podemos supor o que o destino lhe impôs!
Ele: O nosso desejo é agora um só: descobrir a beldade que tornaria feliz o teu pobre irmão, Conseguido por fim, este grande objectivo, era só aguardar!
Ela: Aguardar o quê?! Alguma coisa em vista?!
Ele: O fim do castigo e o regresso à liberdade!
Ela: Que o Deus verdadeiro te ouça e atenda, para nosso descanso!
Manteigas \\ 24-6-1971
Compadre: Minha boa amiga, a saudade veio agora visitar-me!
Comadre: Ainda que eu mal pergunte: alguma novidade?!
Ele: A rigor, não, mas é como se houvesse!
Ela: Esclarece, por favor, o teu ponto de vista!
Ele: Era a bela noite do lembrado S. João! As fogueiras crepitando, os cantares e as folias!
Ela: E dá-te pena, claro se vê!
Ele: Os tempos de outrora, em que eu vibrava a fundo, apresentam-se ao vivo! Acorsam lembranças e, detendo-me nelas, remonto ao passado, que sorri prazenteiro! Gostaria de voltar, mas já não é possível, que o tempo cruel fez o seu mister, desgastando loucamente o que havia de fagueiro e pondo a nu meus sonhos belos!
Ela: Que fazer, pois, agora, nas ruínas do presente?
Ele: Contemplar embevecido o que me fez tão ditoso, nesse tempo recuado, em que, por ser eu próprio, a ninguém invejava!
Ela: Que nostalgia de cunho derrotista! Que aproveita ou que ineressa prantear a nossa dor, quando a sorte é adversa?! Esqueçamos o que foi e o presente de igual modo! Sepultando o que é hostil, começamos de novo!
Manteigas \\ 25-6-1971
Ele: A conversa de ontem avivou uma sentença que talvez conheças
Ela: Qual é, compadre, não sei tanto como julgas!
Ele: Bem fala o são ao doente! Olha que vem a propósito
Ela: Não vejo porquê!
Ele: “Sepultando o que é hostil, comecemos de novo!”
Ela: Ah! Quem proferiu essas palavras fui eu ontem ! Já me lembro, sim, e mantenho o que disse. Olha que é, na verdade, uma coisa excelente! Voltar a ser criança, pelo olvido total de quanto passou! É a tese famosa daquele livro francês: Le Voygeur sans Bagage
Ele: Uma coisa a teoria e outra a prática. Uma coisa é dizes, e outra fazer! Aparência não falta, mas a realidade mora tão longe! Esquecer, esquecer! Se eu pudesse! Quanto mais insisto, pior me acontece!
Ela: Há na tua vida certas depressões, que não entendo bem. Se o presente é nosso, muito, muito nosso! Que nos importa o passado?! Foi triste decerto amargoso e repelente? Fosse que não fosse! A vida começa agora! À medida exacta que dispomos de nós, concebendo a bel-prazer o nosso destino, sem paternalismo, sentimos no peito arder a chama viva, que brilha intensamente e convida ao sonho, à paz , ao amor
Manteigas \\ 26-6-1971
Ele: É mister que eu reaja, sepultando sem fundo recordações amargas, que assaz torturam Compreendo isso, aprovo e defendo, luto com denodo, por tal programa., Entendo que é bom! O único talvez que nos aponta a ventura.
Ela: Vês muito bem que eu tenho razão! Por que deixas abater-te por forças ocultas, fazendo, por esse meio, tua própria desgraça?! A minha depois, seguiria de pronto. Em que mereço não ser atendida?!
Ele: Não é esse o problema! Muito outro é ele, para assim o colocares, na tua pessoa! Nem sequer te diz respeito! O que me oprime, qual mola poderosa, diminuindo a resistência, e fazendo-me joguete de forças fatais, não és tu nem os teus! De ti, só ventura! Mas, a rigor, para que entro em pormenores, que só me apavoram?! Eu sei, na verdade, que gostavas de sabê-los. Insinuaste-o várias vezes, mas falta-me coragem!
Ela: Pode bem ser que te ajude em parte e a minha sombra te serva de escudo. Desabafa e confia!
Ele: O tempo seria curto e a voz impotente. Um passado tão longo, confrangedor e pesado! Uma história intrincada, cheia de altos e baixos! Uma luta inglória e tão fatídica! Que vou eu fazer, prezada comadre?!
Manteigas \\ 27-6-1971
Ela: Mas olha cá; não vás por aí! Quando houveres algum ânimo, será nessa altura que ouvirei deleitada a tua longa história. Não julgues erradamente que me sinto despeitada, por não se r já! Amar-te-ei sempre, de maneira igual, uma vez que o amor nos sorriu um dia, e a desgraça comum nos tornou semelhantes! Falemos antes de exames: é agora a sua época.
Ele: Dizes muito bem e harto acertado, bela companheira! Lá partiu o 5º ano, fumo à Covilhã! Coração agitado e espírito nebuloso, jovens e donzelas ei-los já todos em busca do triunfo!
Ela: Os que foram cumpridores vão mais confiados; aqueles, porém, que a preguiça geriu e o desleixo tomou levarão no rosto o sinal da derrota.
Ele: Assim há-de ser! Quem semeia ventos colhe tempestades. Gozar a vida, pôr os livros de parte e atender a ninharias: fica logo aberto o caminho dos vencidos!
Ela: Restam ainda os que trabalham a sério. mas afinal sem lucro notáve. Empregaram diligências, fizeram muitos cálculos, bateram-se logo por uma causa perdida!
Ele: Esses, na verdade, andam enganados, pois enveredam por um caminho que não é o seu! Desviados totalmente da rota verdadeira, vão ser infelizes, contribuindo também para o mal dos outros.
Manteigas \\ 28-6-1971
Ele: Lá fizeram Portuguès e Ciências Naturais!
Ela: Que te vai a ti, no que fazem ao homens?! Não pertences, por ventura, a uma raça eleita, de condição mais alta?!
Ele: Assim foi, noutros tempos! Agora, por+em, que espiamos crimes, pecados e desmandos, baixámos de nível, e os nossos problemas são já os dos homens! Ou estás convencida, não sei porquê, de um retorno possível ao reino dos gigantes?!
Ela: Gostaria que assim fosse, mas decaído o objecto de furor, para o grande Júpiter, sofremos na carne os efeitos amargos! O passado morreu, ficando nada mais que a saudade pungente: família perdida, reino deserdado, condição humilhante, expiação dolorosa! Que digo eu? Um rosário longo, que nos torna impotentes, e joguetes da sorte!
Ele: Deixa lá, pois, que não seremos tão inditosos! Baixámos de condição mas entre os homens, não ficamos mal! Impotentes como eles; diminuídos e acanhados no moral e no físico; limitadas como são aspirações e desejos, quem nos diz a nós que não seja melhor?!
Ela: Fazes-me lembrar a conhecida fábula “ A Raposa e as Uvas!” Por nãp +pder chegar-lhes, exclamou, decidida;” Estão verdes! Não prestam!”
Manteigas \\ 29-6-1971
Ele: Ainda que assim fora! Qie interessa o passado, quando já não e nosso?! Sonhos grandiosos, ilusões e quimeras, tudo ficou e para sempre! Esse, pois, é o grave motivo que nos leva a pensar noutra coisa diferente! Quem é que vai fiar-se em desvairos mentirosos?! A nossa realidade é muito outra! Não peçamos à vida o que não pode ofertar-nos! É essa também a minha convicção e nela morrerei
Ela: Ser antes realista, encarando as ccisas como elas são eis a grande virtude! É que, na verdade, raramente se apresenta, como nós desejamos. Os sonhadores e fantasistas vivem decepcionados, pois jamais se realizam seus belos anseios!
Ele: Por isso é que agora interessa, de facto, a existência dos mortais e te falei, há pouco, das Provas Escritas. Desta maneira, creio ser realista!
Ela: Pois bem. Entremos então na esfera terrestre e cinjamos a ela o nosso porvir! Limitar u desejo é grande qualidade que, por ser rara, maior valor tem.
Ele: Sabes? Isto de exames é coisa diferente
Ela: Em que notas, de facto, essa faceta?
Ele: Vai certo desinteresse, coisa que, na verdade, muito me surpreende! O nervosismo de outrora; grandes comitivas e seus acompanhantes; a precipitação e o fervilhar habitual tenho a impressão de que fizeram o seu tempo
Manteigas \\ 30-6-1971
Ele: Estive hoje a repensar o nosso diálogo, a respeito de exames.
Ela: E caso para isso! Aquele desinteresse é claro sintoma de ruína total! Alguma coisa há que já não sente e faz logo prever decadência ou morte!
Ele: Não vamos a correr para tanto exagero! A verdade, porém, é bastante dura, e a lição magistral, que daí tiramos, algo de atender! Desinteressados de um assunto qualquer são como doentes! Por mais que teime o infeliz professor e volte à carga, não consegue nada ou pouco alcança!
Ela: Mas há-de haver, com certeza, algum elixir que opere o milagre! Descobri-lo a tempo é tarefa de mestres!
Ele: Fundamentalmente, resume-se em pouco: insinuar-se nos jovens; tornar a aula agradável e interessante.
Ela: Não é vasto o programa! Com duas alíneas, é fácil retê-lo e mais fácil ainda pô-lo breve em prática.
Ele: Realizá-lo, porém, é mais complicado! Por outro lado, uma coisa é dizer, e outra fazer! Sonhadores e teorias não faltam nunca: muito mais importante é a rática das coisas! Guardemos o resto para o dia de amanhã, que hoje realmente vai já chegando!
Manteigas \\ 1-7-1971
Ele: Insinuar-se a tempo, no espírito de alguém creio ser pesado e um tanto ingrato!
Ela: Nem sempre é assim! Com efeito, basta, muitas vezes, um pouco de tacto, para lançar-se cheio na empresa encetada. Delicadeza e tacto, espírito de equidade, não fazer jamais acepção de pessoas!
Ela: Bastará isso, para cantar vitória?! Nada mais se imporá, a fim de triunfar?!
Ele: O que levo dito é o mais importante, embora possam juntar-se elementos valiosos, Basta, por exemplo, tomar interesse pela vida dos alunos; ajudar a resolver as suas dificuldades; estar presente na dor como na alegria. Todo aluno que veja no professor um amigo verdadeiro vai ficar rendido, não haja dúvida!
Ela: A primeira parte está explicitada, restando a segunda , que não é decerto, manos importante!
Ele: Interessá-lo no assunto?
Ela: Isso mesmo! A propósito: julgo não ser banal e tenho para mim que reveste importância.
Ele: Certos dias então, roça este caso pelo desespero! Mas nem sempre é assim! O grande segredo para a vitória reside precisamente em prender os alunos, cativar-lhes a atenção e fazê-los receptivos
Ela: Não é, de facto, insignificante nem parece ridículo , embora exija cuidados e demande atenção.
Ele: É nisso precisamente , que assenta o projecto A base é essência e garantia de tudo.l
Manteigas \\ 2-7-1971
Ela: Qualquer mulher é boa educadora, sendo a primeira mestra de seus próprios filhos. Por isso, me interessa, de modo especial, a conclusão do assunto, que trazemos entre mãos.
Ele: Lá diz já o famoso Napoleão: “O destino do homem começa logo nos joelhos da mãe”E é verdade. Receptiva e pronta como se apresenta a criança em geral, as primeiras impressões gravam-se nela de tal maneira, que ficam indeléveis para todo o sempre!. Neste campo, muito deve a mulher ao Padre Verney.
E la: Estou deveras grata, pelo que me toca Foi pura cruzada e obra relevante a que ele meteu ombros. Esses dizeres fizerem desde logo ocorrer uma ideia: se eu me insinuar no espírito de alguém, não é já difícil interessá-lo breve num assunto qualquer.
Ele: Bem observado, que é mesmo assim! O primeiro passo para a grande vitória reside no amor. Aqui está decerto a poderosa alavanca, o íman portentoso, que atrai e prende! Que milagres não faz! Que soma de prodígios ele não opera!
Ela: Recordo-me agora de que um belo dia, fizeram a D. Bosco uma pergunta do gènero: Que devemos fazer, para transformar os rapazes da rua? A resposta veio logo, pronta e luminpsa: “ Para isso, basta amá-los!”
Manteigas \\ 3-7-1971
Ele: Está dito, pois. Insinuar-se primeiro e logo interessar os alunos duma classe é a chave do triunfo. Para alcançar o primeiro objectivo, expus anteriormente, o que me pare cia, acrescentando logo que é o primeiro passo. Depois, virá o segundo. Entre tanto, há outros factores, que ajudam também. Não devem postergar-se!
Ela: Quais podem ser?
E le: Escolher os textos de fácil compreensão e mais atraentes. Portanto, os que giram, à volta do amor e da amizade; Deus e a virtude; religião e caridade; imolação e alto heroísmo; beleza e santidade; história e lenda; conto e novela; jogo e desporto; cinema e radio; etc.
Ela: Compreende-se bem que seja assim! O espírito juvenil sente-se atraído por essas realidades. Ainda mais haverá, neste belo capítulo?
Ele: Com certeza que sim. Variar o processo de ministrar o ensino! De outra maneira, vem a monotonia e, com ela, o enjoo! Por vezes, bastaria, quiçá, pequena alteração na sequência das partes. É importante não seguir uma ordem , no tocante às chamadas! Assim também: não passar toda a hora com um só aluno! De vez em quando, uma história adequada vem estimular a atenção dos alunos, que ficam receptivos, em ordem ao assunto
E la: Serão por igual rentáveis os grandes componentes da hora escolar! De modo nenhum! Aproveitar com empenho a meia hora de início!. A partir daí, o lucro é menor! As aulas da manhã rendem mais que as da tarde! A primeira e a última de cada parte do dia ( manhã e tarde) são de menor rendimento. Não chamar os alunos. por ordem alfabética!
Manteigas \ 4-7-1971
Ela: Já que nos achamos em época de exames e todos anseiam por bons resultados, qual será, na verdade o método preferível, no ensino rentável do Portuguès?
Ele: Não é fácil a resposta, que se trata dum assunto, severas subjectivo!, conducente a divergências! Cada professor tem, na verdade, o seu método próprio. Apesar de tudo, há linhas gerais que devemos terr em conta, porque revestem decerto importância enorme! Tenho para mim que, acima de tudo, é primacial a interpretação, acompanhada, é ckaro, de boa exposição. ao transmitir dos conceitos.
Ela: Se não me engano, vai girar tudo, à volta de dois eixos: interpretação e redacção. Não é verdade?
Ele: Sim, é claro, devendo juntar uma boa expressão, de natureza oral,porquanto., figure embora o mesmo. decerto o não é!
Ela: Então vejamos: quem escreve bem nãp fala bem?!
Ele: Sim ou não, conforme os casos! A verdade manda afirmar que não hã coincidência, nesse ponto de vista. Quantos escrevem bem, impecavelmente, diríamos até, e jamais articulam, de modo satisfatório! A propósito, citamos Herculano, de quem faziam troça no mesmo Parlamento, ao verem-no perplerxo, quando tinha a paiavra. Deixassem que escrevesse! Verdadeiro prodígio!
Manteigas \\ 5-7-1971
Ele: De momento, vou fala-te dum encontro.
Ela: Bom ou mau? Isso é importante, no assunto em causa
Ele: Este foi bom e muito chocante, ao menos para mim!
Ela: Chocante?! Alguma sucedeu que não é das melhores! Conta lá como foi, que não faço ideia!
Ele: Curiosa até ao fim! Que pressa descomposta!
Ela: Então, não digas jamais que estou desinteressada!
Ele: Como essas palavras não vê do interior, sempre vou dizer de que se trata afinal, par não rebentares. Nada mais, nada menos que do Dr. Barata
Ela: Quem é ele, afinal)!
Ele: Professor e sacerdote. Havendo exercido, com brilho invulgar, o cargo de Mestre, na Universidade, sita em S. Paulo, onde regeu com aplausos Filosofia e outras matérias,
regressou, finalmente, ao país de origem, onde logo pediu a sua redução ao estado laical.
Ela: Mas isso hoje não surpreende, até porque desses casos muitos houve já
Ele: Sim, entretanto, o que me chocou não foi isso exactamente! Antes, sim, a mudança radical operada nele, através do tempo! Todo branquinho e de corpo alentado, foi muito difícil reconhecê-lo agora! Há 34 anos, era ele, na verdade, um rapaz elegante, aprumado e dinâmico, ostentando com garbo cabelo preto e e olhos cintilantes.
Manteigas \\ 6-7-1971
Ela: Entre os agentes que desgastam a vida, ocupa lugar primeiro o chamado tempo.
Ele: Vem isso a propósito da conversa de ontem?
Ela: Pois com certeza! Não fizeste alusão a esse factor?!
Ele: O que acho interessante é que só verificamos essa realidade , naquelas pessoas que há muito não vemos! Em nós mesmos, como também nas que privam connosco não sucede o mesmo
Ela. Curioso, não é?! Seria aliciante investigar-lhes a causa, pois não há efeito que dela não parta!
Ele: Sim! É o que diz realmente a Filosofia, no que eu também comungo. O que observamos ,diariamente, vai-se realizando, em partes mínimas, o que motiva por cert não chamar a atenção! Por outro lado, trata-se como vemos, de uma alteração , lenta e gradual,, permitindo assim a acomodação da vista e criando um ritmo que nos parece igual.
Ela: Como vejo e aprecio, ainda não esqueceste o hábito admirável de bem raciocinar! Mas olha: o que mais admiro não é tanto isso! Antes a clareza que sempre te distingue!
Ele: Sem qualquer lisonja, lá da tua parte e falsa modéstia , cá do meu lado! Uma coisa e outra são dignas de censura!
Manteigas \\ 7-7-1971
Ela: Chegaram da Covlhã as notas obtidas, no 2ª ano.
Ele: E que tal?! São aproveitáveis?
Ela: Nada más! Calcula tu: em 22 propostos, 13 dispensas! 60 %! Além dos 22, foram ainda 13 pelo ensino individual, conseguindo 11 alcançar a meta!
Ele: Não há dúvida! Francamente bons!
Ela: Entre todas as matérias, salienta-se o Português, em que surgem para logo: 2 com 17; 3 cm 16; 3 com 15; 2 com 14; 8 com 13!
Ele: Uma coisa dessas não é frequente! O Português, pelo que exige de trabalho árduo , não costuma premiar aquele que o ensina .É bastante ingrato esse labor!
Ela: pois como vês, todos lá fixam, extasiados , a coluna brilhante, que mais se impõe e chama a atenção. A seguir, vem logo o Francês ; depois, as Ciências Naturais. e a Matemática. Finalmente, Geografia e Desenho
Ele: Neste capítulo, o que tem a palavra é a experiência.
Ela: Sem dúvida alguma, que é basilar! Há que levar em conta um método prático e acomodado, espírito lúcido e empreendedor, variação de processos, ordem nas aulas, e exigência do Mestre. Sem isso tudo, ´e nula a experiência .Já se nasce para tanto. Sem isso, é nula a experiêcia!
Manteigas \\ 9-9-1971
Ele: Esperam-se agora as notas finais do 5º ano
Ela: E haverá, realmente, bons resultados?!
Ele: Nem por isso, avaliando já pelo esforço dispendido!
Ela,: Esforço de quem? Dos alunos pu dos professores?
Ele: Olha! Dos alunos! Eles fogem do trabalho! Trato e descanso! Nada mais
Ela: Mas isso, a rigor, não é admissível! Aquilo ue precisamos vem do trabalho! De que vão socorrer-se, no dia de amanhã?!
Ele: Dá tu a resposta, que eu não sei! É uma época terrível a que estamos vivendo! Comer e dormir, distracção e sexo! Pouco mais! Desinteresse absoluto por quanto é válido, incluindo a própria autoridade, o esforço dos Mestres e a mesma virtude!
Ela: É apavorante! Contaremos com alguém, para manter a nossa herança? O património sagrado que os nossos maiores criaram um dia e souberam defender, quem o vai receber e depois continuar?!
Ele: O escol não promete! Em nada preza o que vem do passado? Pois que significa a revolta apavorante, contra o poder e a autoridade, ainda a mais respeitável?
Manteigas \\ 9-8-1971
Ela: Andei magicando nas palavras de ontem. ´´E assaz doloroso pensar na questão e mais ainda prever desde já os efeitos desastrosos!
Ele: Romper com tudo, nada respeitar, demolir à passagem!! Não serão, acaso, os bárbaros do tempo?!
Ele: Pior ainda que eles, pois vêm de dentro! conhecendo a valer os cantos da morada!
Ele: Fico perplexo e muito agitado, quando me apercebo de coisas semelhantes! A quem entregar o que o passado legou?! O tesouro inestimável que vem de longos séculos: a independência, a liberdade, pátria, Deus e família?!
Ela; Julgo não me engano: alguns dentre eles agora rebeldes e até desorseiros, ao pensarem mais tarde nos efeitos funestos de seus actos levianos , hão-de reflectir, arrepiando caminho!
Ele: è natural que assim aconteça, mas, ainda que seja, quantas ruínas se terão cavado?! Que destroços lastimosos se haverão amontoado! Quanta miséria, para então chorar?!
É útil e bom que os novos meditem. Em vez de abaterem, intentem conservar o que é belo e precioso
AMADORA, aos 28 de Agosto de 201o, com visão deficiente e 93 anos. Corrigi alguns erros e passei logo a computador os 37 livros de “As minhas Memória” “Antes destes, pusera já no mercado 27 volumes, com certo objectivo. Aqui, ficam dormindo dezenas e dezenas de originais, passados à máquina. No magistério de 34 anos, levei a exame em 5 línguas : Português e Latim, Francês e Inglês, e Alemão ( nos três ciclos de Letras.)
Como recompensa, recebo agora 303 euros, sendo-me recusada a pensão mensal a que tinha direito, por decreto do Governo. Amigos da Guarda me vão ajudando, para não soçobrar! Valerá a pena servir o Estado, cá em Portugal?! Aos 65 anos, eu não tinha um tostão e recusam-me a Reforma! A Torre Alta sabe como foi! Eu nem férias gozava,para fazer poupança!
E m Angola, estive três anos , até 1975! Vivia, no Chitembo, com a família, Nesta vila, começava uma zona de” Alto Risco”, na direcção de Serpa Pinto. Vivo desgostoso, muito magoado e. em parte, revoltado, pois colegas meus, que não saíram da Europa nem trabalharam a tempo inteiro, como eu fiz, receberam a Reforma, com menos de 5 anos, no Ensino Oficial.
Pedro da Fonseca
sexta-feira, 29 de julho de 2011
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