1-8-1974
Faz anos amanhã, que me fizeram presbítero, sendo pois, uma data algo marcante, no decurso breve da minha existência.
Foi na Sé da Guarda, cidade memorável, talhada em granito que, há 31 anos, se realizou esse acto solene. Determinava ele o meu viver, neste mundo.
Não tenho o facto como desairoso, no entanto, como eu julgo, não me encontro a nível, para desempenhar tão honroso mister.
Creio haver sido um acto imponderado ou, pelo menos, assaz imaturo.
Eu acredito, evidentemente, na grandeza incomparável do sacerdócio católico, mas entendo, na minha óptica, que ele deve assentar, logo desde início, em ombros firmes, que optem livremente, com pleno conhecimento, havendo-se formado, num
clima de à-vontade, franco dispor e liberdade total.
No meu tempo, havia causas diversas que impediam, a fundo, a maturidade e a escolha ponderada, livre e consciente: má formação da nossa consciência; abuso das circunstâncias, socio-económicas,em que estavam envolvidos quase todos os rapazes que frequentavam o Seminário; informação deficiente e, por vezes, diria tendenciosa, para facilitar e captar adesões;
criação dum ambiente, quase angelical, que necessariamente havia-de ter o seu revés; vigilância rigorosa e regime interno, ditatorial, que fazia desde logo autómatos perfeitos, inibindo os candidatos de assimilar, devidamente,os princípios impostos e de neles se integrarem..
Simples rodas, accionadas por homens, em grande máquina!
Actuavam , sem descer, não se lembrando talvez, de que éramos seres livres, com problemas diversos que exigiam auxílio.
Pensando em tudo isto, não me vejo acicatado pelo espinho da saudade nem festejo agora, com alvoroço, esta efeméride.
Ideal excelente, mas que aceitei com ingenuidade, sem preparação, na imaturidade. Nunca pedi as Ordens:era empurrado!
A vida à-parte que se levava.nos velhos Seminários, preparava elementos, para viver enclausurados, mas fora de Mosteiros ou de Conventos, isso jamais!
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Chitembo
2-8-1974
A tarde caía. Minha irmã e eu dialogávamos serenos, a Poente da varanda, espreitando o Sol que, dentro em breve,
mergulhava no Ocaso.
É frequente, à data, aproveitar-se a gente de lugares soalheiros,uma vez que o Sol, ao descer no horizonte,deixa-nos a Terra mal aquecida,
Minha irmã, sentada a coser, e eu em pé,encostado a um pilar, trocávamos impressões, acerca de várias coisas.
Nisto, depara-se lesta uma pena de ave, talvez de
galinha. No quintal e anexos, há muitas destas aves, porquanto
só pintos são mais de três dúzias.
Pois aquela pena era das grandes e fora arremessada pela fúria do vento. Uma rectriz ou então uma rémige? Quando a fixei,
agitava-se ao de leve, pois o vento embrandecera.
Havendo-a seguido, complacentemente, olhei-a mais de perto,vindo-me à ideia o lado pitoresco, apreciei o facto da seguinte maneira:
ditosas galinhas que deixais as penas, sem dar pelo facto,
larando-as inatentas, aqui e além, sem vos lembrardes jamai do que sucedeu!
Fizesse eu também de maneira igual, seria bem diferente a minha vida na Terra!
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Chitembo
3-8-1974
Vou deixar aqui um repúdio veemente, contra o Ensino e metodologia, no meu tempo de estudante. Podia cifrá-lo em três palavras, que abrangem globalmente os pontos a focar: leitura, tradução e, por fim, a análise.
Trata-se, em geral, de Iínguas estrangeiras e também, em parte, da Língua nacional.
Vamos, primeiro, às Línguas estranhas que, no meu tempo, eram só duas: Latim e Francês.Nessa altura, ceguinho como era, de gota serena, absorvia logo como néctar celeste o que vinha apenas do nosso Planeta. Hoje, porém, dobrado já o cabo dos 50, após haver lido, meditado e sentido quanto de injusto, assaz desumano irracional e insensato vegetava, nesses dias, não posso calar-me.
Devo falar alto, afim de que ouçam a minha voz os próprios mortos. Estou convencido, profundamente, de que presto à Humanidade relevantes serviços, furtando os nossos jovens ao duro sacrifício de extinguirem a memória, preparando o caminho para o duro negrume do Manicómio.
Comecemos já pelo Francês: em primeiro lugar, vinha a leitura.
Fosse ela, na verdade, exacta e correcta, que, nem assim. estaria bem. Nada aí chega ao processo natural.
Como aprendem as crianças a Lingua materna? Ouvindo-a
falar à mestra-das- mestras, que é sua mãe. É este o primeiro passo, utilizando a pronúncia correcta.
Falar... falar! Insistir muito e dialogar! Preferir sempre nomes conhecidos e de uso comum, mostrando os objectos.
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Chitembo
4-8-1974. (cont,)
Está, pois, condenada a própria leitura, como primeiro passo na aprendizagem de Línguas estranhas.É improfíquo, anti-natural, vão e abusivo. Falar, sim, mostrando os obectos, repetindo, sem contar, os sons mais difíceis, que exigem, a rigor,tempo bastante de acomodação, banindo o desânimo, ao prosseguir nesta via.
Havendo os alunos acomodado o ouvido e fixado um tanto a
posição dos órgãos, ditos articuladores, vem diálogo mais cerrado
tentando lentamente que o aluno, por si, construa pequenas frases,
em que entrem já os elementos básicos de qualquer proposição.
Como se vê, a fase oral compreende três tempos: ouvir e imitar e dialogar.
Quando eu estudei, mandava-se ler, primeiro que tudo. Mandem ler um bebé! Mas ler o quê?! Que pronúncia utilizar?
Uma coisa feia, amorfa, indistinta, que nem era Portuguès nem tão pouco Francès!
Que pessoas havia, à frente do Ensino? Seriam conscientes?
Julgar-se- iam super-homens?!
Ia assim a vida com os rapazinhos, respigados na aldeia!
Condenado este meio, por insano e incapaz, a leitura vem mais tarde, após a fase da oralidade.. Ouvir e repetir, durante longo tempo!...
Por este processo é que se aprende a Gramática.
Restam agora dois pontos delicados: tradução e Gramática. Como
exigem mais espaço, reservo-os então para outros Diários, possivelmente 5 e 6 de 74.
Ainda algo mais, quanto à leitura: após ensaios diversos e
algumas repetições, o professor manda ler, mas acompanha, olhando para o livro.
Por este meio, não adquire a certeza de que o aluno em causa já vai singrando. Ouvir ler, sim, não olhando para o texto. Se compreender, é na verdade, porque o aluno vai bem
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Chitembo
5-8-1974 (cont.)
Tradução.
Aos 61 anos, se me ponho a discorrer, sobre a palavra que encima o Diário, fico estarrecido!Quase arriscaria - desconcertado! Traduzir é difícil, para não dizer que seja impossível! Houve, sim, famosos tradutores, como seja, por exemplo, o insigne Castilho, o
maior de todos.
Apraz-me ainda citar outros nomes como o Padre Sena Freitas, Camilo Castelo Branco e poucos mais. Isto porém, só para talentos! Se pensarmos que,para tanto, é preciso, na verdade, saber, a fundo, pelo menos duas Línguas, como é que se exigia dum pobre rapazinho, filho de aldeões, que mal sabia Portuguès, traduzisse do Latim?!
Afigura-se isto disparate de tal ordem, que não encontro palavras, para verberá-lo! Punha-se então nas mãos de uma criança, ingénua e vazia, um Dicionário Latino ou outro qualquer, sem que o professor, inconsciente e leve, ajudasse o aluno a preparar a lição!
Se o rapazinho nem sabia estudar! Se eram palavras que lhe viravam os olhos em direcções de negrume!
Recordo-me bem de que, algumas vezes, lá nos meus princípios, gastava uma hora, para achar uma palavra!
De quem era a culpa?
Onde a Pedagogia e assim também a responsabilidade?
Maior insensatez, no campo do Ensino, jamais encontrei!
Traduzir para quê, se náo é exequível nem necessário?!
Como é que uma criança pode traduzir, se até os Mestres, já consumados e grandes literatos, experimentam sérias dificuldades?!
Que o aluno entenda necessário é, mas não precisa de traduzir! Os significados e passos difíceis devem ser facilitados, em aulas prévias, pelo professor.
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Silva Porto
6-8-i974
Gramática
Professores do meu tempo - refiro-me, neste passo à época de estudante - recorriam à Gramática, de maneira insensata, como se fosse, em boa verdade, um manual de aprendizagem. Assim ouviram, muitas vezes os meus ouvidos: :« Vem da página tal... até à págia X. Aprendam as listas de todos os sufixos em..»
«Decorem, por igual, todas as excepções!» .
Se eu não visse em pessoa, tendo sido objecto de tais desacertos, não acreditava! Mas eu vi, cismei e sofri; folheei, persisti e tentei fixar; pus, dispus e arrumei Como pôde ser!
Seriam estes, na verdade, professores de Ensino ou antes «batedores-marteladores?! Que lucro houve de tal ensino e do
esforço brutal?! Saber hoje, para olvidar no dia seguinte?!
Para que é nacessário decorar as listas?! E decorar excepções, elevadas a milhares, na Gramática Latina?! Esta ou outra não é decerto a Língua dum povo! Muito longe disso!
Quantas vezes não está ela em contradição com a própria Língua?!
A Gramática é morta: a Língua é viva! Aquela estaciona; esta evolui, sem pedir licença a nenhum Gramático! O uso da Língua é que vale,realmente. Não é a Gramática. Esta, afinal, debbruçando-se um pouco, sobre uma Língua, em certo momento, apanhou alguns aspectos e deduziu leis. A Língua, porém, continuou evoluindo, sem respeito nenhum pelas regras da Gramática.
Só depois de morta, podemos encerrá-la dentro da Gramática. Para saber Português, não precisamos de saber Gramática! Bastam noções de carácter geral!
Fazer ao contrário é despertar no pobre aluno horror e desagrado pelo que há de mais belo, sobre a face da Terra!
Seja a Gramática mero livro de consulta.Nunca de texto!
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Chitembo
7-8-1974
Desassossego Geral.
O espaço português atravessa, de facto, uma hora terrível! O que vai na Metrópole e sucede em Luanda é sintoma bem claro de
horizonte anuviado. De modo particular, na capital de Angola, as coisas não agradam.! Nenhum dia vai passando que não dê mortos e vários feridos bem como outros casos bem dignos de lástima!
Ainda hoje foi morto um doente, à janela do Hospital.
Sábado próximo, dia 10 se não erro, far-se-á um comício que vai ser luzido! Gostaria de associar-me, entretanto não é possível, por causa da distância. Toma parte a UNITA e todos aqueles que desejam, a valer, uma sociedade aberta e multi-racial.
Tenho para mim que haverán, nesse dia, cintura de segurança, ficando assim os manifestantes ao abrigo de rancores, moléstias e vinganças.
Noutras circunstâncias, havia de ser, ao que palpito, um mar de povo. Assim, por causa do receio, é muito natural que alguns não venham.Tenho a impressão de que os ódios mais danosos se
concentram a Norte, Cá para o centro e Sul de Angola, as coisas são outras.
Estas raças daqui têm colaborado, em boa harmonia, com elementos brancos e não se deixam levar por falinhas doces.
Apesar de tudo o receio invade-nos, pois nunca sabemos o que vai, realmente, no coração dos outros.
Com sinceridade, tudo se acomoda e resolve prontamente.
Dizem-se pacifistas e são leais? Nenhum mal advirá.
Os brancos gostam de paz e desejam, a fundo, harmonia e concórdia, prestando-se em breve a colaborar.
É,pois, de incerteza a hora presente, para não dizer de grande ansiedade.
Que será, realmente, o dia de amanhã?!
Agitadores e extremistas campeiam desenfreados! Casas incendiadas, mortos e feridos, crianças mutiladas, assaltos frequentes a carros e passageiros... Sei lá, SantoDeus! Não
será de fugir?!
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Chitembo
8-8-1974
Vinte e duas horas, dentro em breve! Um dia triste e cheio de ansiedade! Estou ligado ao radio, após as 19, para inteirar-me seguramente de quanto se passa,na querida Angola,
que promete ser grande,mas se encontra a braços com graves problemas.
Ouvi, emocionado, a negra descrição de mortos e feridos, na linda capital: casas a arder, com vidros estilhaçados; Comércios em chamas; agressões, à mão armada; assaltos, violências! Incomensurável e horrendo cortejo, em que os membros são díspares e incontaveis!
Ouvi também apelos frequentes de brancos e pretos, com
nobre finalidade, na mira de criar-se um ambiente de paz, justiça e
amor.
Que pena me vai, ao lembrar agora de que a bela cidade é lugar inseguro e cheio de perigos, donde foge aos milhares a gente espavorida, não podendo circular-se, ao longo das ruas!
O que tanto custou e foi fruto amaro de suor e lágrimas,
vê-se agora destruído, num abrir e fechar de olhos!
Não é assim que se ergue a Pátria do grande futuro!
Porquê e para quê - perguntava alguém - tantos filhos sem pai... tantos jovens sem noiva... tantos pais sem filhos... esposas sem marido...tanto ódio e rancor, entre gente amorosa que sempre viveu em boa harmonia, ao longo dos séculos?!
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Chitembo
9-8-1974
Hoje, ao que vemos, aqueceu um pouco
Foi o primeiro dia que arrumei, na verdade, a camisola interior ou
a sbstituí por oura mais fina, o que não fazia,desde Junho passado.
Estranhei bastante o clima deste ano, comparado, já se vê, com o de anos anteriores.( para mim apenas dois, pois tal é a duração que me liga, de facto, a regiões tropicais).
Como eu gostaria de levantar-me cedinho, muito antes ainda de assomar, no horizonte, o astro criador! Era para mim sobremodo agradável repousar os olhos nas tintas suaves de claras
manhãs e fixar embevecido o astro radioso! não foi dado ainda fazê-lo este ano! Por esta razão é que ando saudoso!
Sou obrigado a esperar que os raios solares aqueçam a Terra, para sair do leito. Não fora a pleurisia, 5 anos atrás:«Lembre-se bem de que é um homem tocado», assim disse o Médico, após o
tratamento, no Hospital de Manteigas.
Não esqueço a frase e tento acautelar-me.
Apressar o "embarque"? Não ando interessado em fazê-lo para já!
Hoje notei, a claro, a mudança do tempo. Muito gosto eu de que a chuva não moleste! Custa-me, a valer, que ela esteja de regresso, logo em Setembro!
Que beleza não é o tempo sequinho, em paragens africanas!
A época das chuvas não me quadra bem, seja embora mais saudável!
Aproximamse já as 22 horas e, sendo hábito velho, vou meter-me no leito.
Assisti, há pouco, à lição de Matemática, dada à nossa Gina pelo Carlitos e lccionei-o a ele, durante duas horas, na parte da manhã
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Chitembo
10-8-1974
Passado um mês, de novo em aulas? É provável que sim.: diria até que é mesmo certo! Entretanto, em Angola, a vida insegura, como já se encontra, não ofererce a ninguém condições estáveis.
Hoje, precisamente, ouvi uma notícia que bastante me alegrou: as Forças Armadas abateram a tiro, assassinos vários e salteadores , apanhados em flagrante.
Tenho a certeza de que, fazendo assim,tudo se normaliza.
É muito bom sanear o ambiente e libertá-lo de agitadores, como de extremistas que só fazem desacertos e causam mal-estar à gente de bem.
Apesar da actução das Forças Armadas, houve ainda 4 mortos e 16 feridos, no espaço de 12 horas.
Assaltam casas, espancam e matam; partem os vidros aos próprios carros; procuram, ostensivos desarmar a Polícia.
Espero em Deus que tudo fique sanado, em breve espaço,
Não há razão para o contrário.
Após a proclamação do Presidente da República, a nenhum
Movimento assiste o direito de continuar em armas.
«Um homem um voto!»
Quem tanto daria?
Porquê e para què tanto sangue derramado, na linda capital?!
Para quê tanto roubo, devastações e incêndios?!.
Dêem todos as mãos, afim de vencer, construindo para já os fortes alicerces da grande nação que Angola vai ser.
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Chitembo
11-8-1974-- Uma Visita.
Havia muito já que se falava no assunto, mas nada se resolvera. Eu, afinal, era estranho ao ambiente, pois me encontro no local apenas há dois anos!Absorvido por aulas, exercícios e leituras nem há horas disponíveis, para dar-me ao convívio.
Reconheço que é mal, no entanto que hei-de projectar?!
Maneira de ser!
Por temperamento, sou retraído e um tanto orgulhoso. Não admito jamais que alguém me aborreça.Já era assim, quando fiz os meus estudos. Preferia a solidão a contactos humanos, exactamente por não tolerar importâncias molestas nem permitir que outros me afligissem, com assuntos e alusões que nada me diziam..
Além disso, habituado à leitura, gasto imenso tempo nessa útil diversão.Hoje, porém, embora um pouco tarde, lá fomos em
visita ao compadre Barros, decano e maioral, nesta vila do Chitembo
Andará pelos 70 ou mais um pouquito, havendo casado com uma senhora, que é natural do Sudoeste Africano, e de ascendência alemã.
Amigo de conviver e de casa recheada, a sua vivenda é centro de encontros e alvo de procura.
Quem há por aí que não conheça já o" seculo" Barros?
Chegámos à vivenda rente às 16. Como é hábito velho, já
ali se encontravam bastantes visitas, sendo o seu número engrossado ainda por várias outras que vieram depois.
Em alegre conversa decorreu a tarde, ventilando então, como é natural, os assuntos do dia: assaltos em Luanda; perigo
iminente da população branca; incerteza do futuro:::
Vieram também apreensões e planos, sugestões e conjecturas.
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Chitembo
12-8-1974
As minhas férias decorrem lentas e sem variedade: regar diariamente a horta-jardim-pomar; assistir ao Português do nosso Carlitos, que se encontra, de facto, em estado miserável;
fazer outro tanto à pobre Matemática da nossa Gina que se acha ainda no ponto zero!
Pois se ela andava com 8! Que havia de saber?!
Impõe-se agora a revisão total do 1º ano e o avanço imediato pelo 2º, afim de não sentir quaisquer dificuldades,no próximo ano, que
está prestes a vir!
O mano Carlitos gastou a manhã inteira agarrado e unido aos livros de Portuguès. Embora ele seja aluno razoável, nas outras matérias, ( avaliando pela média), em Português, teve apenas 8!
Em razão do exposto, metemos ombros à empresa, como se fora uma empreitada: interpretação das ideias-mestras; análise
fonética; assim a morfológica e também sintáctica; noções elementares de Literatura; redacção escrita, etc,etc,
Estou empenhado neste caso especial, pois deseja formar-se, tirando, a seu tempo, um Curso Universitário. Precisa, como é óbvio, uma base sólida, visto que a nossa Língua servirá, no futuro como instrumento do próprio trabalho.
Ao mesmo tempo, é aconselhável manusear facilmente uma Língua estrageira que, segundo ele diz, há-de ser a francesa. Convém, realmente! Se um dia mais tarde precisar alguns livros
ou ainda revistas da especialidade, já pode utilizá-las.
A mana Gina irá seguir o Curso Comercial, tendo nisso empenho; a Guida fez o 5º ano; o nosso Isaías vai agora iniciar o
Ciclo Preparatório, em seguida à Primária.
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Chitembo
13-8-1974
A tudo chegamos, quando a nossa vida se alonga um
tanto! É provérbio famoso, com base filosófica: «A tudo se chega, se a vida dura».
Hoje, o cunhado Martins foi a Nova Lisboa tratar de negócios. Contra a sua expectativa, ao chegar ao cruzamento com a estrada do Huambo, que vem de Nova Lisboa. surgem "calcinhas" a pedir boleia. Era um grupo de quatro.
: Ora, por não atender,. o que em regra se faz, se o carro é doutrem, ouviu palavras soezes e vozes de ameaça. O maior insulto que se pode atirar a um homem honesto e de gente limpa é o de filho da ... !. A dita ameaça foi expressa nas palvras:«Espera!
Qualquer dia, já as pagas!»
Fiquei arrasadoI Não há motivo nenhum, para agirem deste modo! É provocação. aberta e declarada, que não pode trazer senão divergências, ódio e rancor.
Como vai aceitar-se alguém desconhecido, para mais ainda, numa época difícil, em extremo perigosa!
De quem se trata? De puros bandidos?! De salteadores? Estrangeiros ou cafres?
Pode acontecer tratar-se de boa gente mas, como não sabemos. é mais prudente recusar o pedido.
.Declaro, sinceramente, que não posso admitir atrevimentos
rasteiros, aleivosos. porcinos! Como resolver um caso destes?
Podiam até nem ser angolanos.
Suponhamos, de momento, que o cunhado Martins,
valendo-se de razões ou vendo-se agredido, fazia fogo. Tenho
para mim que os tais meliantes não levavam armas, caso afirmativo, fariam uso delas
E depois?"Ódio gera ódio e o mais que não se diz.
A quem recorremos, para garantia da nossa paz? De quem nos valemos?! É isto Democracia?!
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Chitembo
14-8-1974
Dia memorável, por várias razões: comemoração da gloriosa Batalha de Aljubarrota; a minha ida à Bélgica; aparecimento de vários panfletos, reaccionários, a que a Emissora acaba de referir-se.
Segundo ouvi dizer, ostenta o panfleto a cruz gamada, símbolo do racismo; convite aos brancos, para a revolta; incitamento ainda à não entrega das armas.
Não sei que pensar deste Movimento.
Abrangerá ele uma parte do Exército? Será estranho a ele? Incluirá somente brancos racistas? Recebe auxílio do estrangeiro?
Como estou à margem no assunto em causa, é para mim enorme incógnita.
Um facto se aclara: a insegurança é cada vez maior!
Eu penso e defendo que as etnias principais devem ser convidadas a participar no novo Governo, em data oportuna.
Governo só de negros ou só de brancos não é praticável nem de aconselhar.
No entanto, impõe-se desde já que as Autoridades assegurem a paz e o bem-estar dos povos em geral, seja qual for a raça ou credo.
Sem isto, cria-se desde logo um clima de suspeita, que nada facilita a acção das tropas. Estou convicto de que o nosso Exército, ao menos em certos casos, não tem actuado com a presteza devida nem com eficácia.
Avalio deste modo, pela voz das Emissoras.
Desarma-se a Polícia, abre-se fogo contra os elementos que garantem a ordem, dando a impressão de que pode cada um
fazer impunemente quanto lhe aprouver.
Como vai alguém seguir pela rua, tranquilamente, e providenciar a quanto precise?! A quem recorrer? Se não fazemos justiça por nossas mãos, o que é desaconselhável, alguém nos ajuda? Quem?
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Chitembo
15-8-1974
Ainda há pouco, meti na boca certo produto que parecia fogo.Se eu utilizasse, no mesmo caso, um ferro em brasa,
tenho para mim que seria a mesma coisa. Oh! grande seca!
Lá diz algures o nosso poeta, Diogo Bernardes, salvo erro:«Horas breves do meu contentamento...!
O grande Camões é da mesma opinião.
Por um só momento de enganoso prazer, assaltam-nos logo dezenas ou centenas de angústias e dores. Agora, é só a raiz de um dente enfermo. Estalou e desfez-se a parte emergente, ficando
o mais a ralar a existência.
Trata-se, afinal, do pré-molar superior, no lado direito. De vez em quando, põe-me o rosto inchado, que é uma dor de alma!
Por insuportável, ataco-a logo com tintura de iodo, há muito já feita. Bem recomendou o Dr. Bonfim, na capital portuguesa, que utilizasse apenas tintura fresca! Se não tinha outra, aqui à mão!
Seja como for, é preciso paciência! Aguentar e cara alegre!
Pode ser que amanhã este efeito se atenue
Enquanto a língua se mantiver à margem, não é nada mau!
Aquela borbulha que, de vez em quando, aparece na base, é de
tirar-lhe o chapéu!.
Seja tudo isto em desconto cabal das minhas faltas
Levando Deus em conta as angústias presentes, que ofereço habitualmente, vou já pagando uma parte do meu débito.
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Chitembo
16-8-1974
"Nosso Senhor nos dê uma noite bonita!"
Eram estas, a rigor, as palavras habituais dum colega, já velhinho quando, pela noite, se despedia de alguém.
Eu encontrava-lhe graça, porque então as minhas noites eram todas bonitas. Emendando o raciocínio, diria talvez um
pouco melhor, que nem sequer me era dado sabê-lo, uma vez que,
nessa altura, as dormia de um sono. Quando acordasse, era para erguer-me!
O que eu, então, não entendia, por modo cabal, sei-o agora
à maravilha, por experiência própria. Nada como isto, para falar, acerca das coisas! Foi o caso esta noite, mercê dum abcesso, pelo que julguei a noitada haver sido horrível. Costumava eu, em casos destes, utilizar, para mezinha, tintura de iodo.
Embalado no costume, fiz a mesma coisa: uma dor considerável, sobre a gengiva e... pronto! Mal acabo de a pôr, fica-me a impressão de que um ferro em brasa me houvesse tocado.
A situação prolonga-se até pela manhã, em que o meu rosto, medonho e grotesco, infundia pavor!! Impedia-me o inchaço de mover os lábios, não podendo comer fosse o que fosse.
O meu receio, porém, estava, de facto, no olho direito, uma
vez que se trata da única janela que dá para este mundo.
Qualquer infecção me deixa horrorizado!
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Chitembo
17-8-1974
Apareceram já os soldados da UNITA, para afixar, nas portas, cartazes do Movimento, com vista a elucidar a população da vila.Aqui, onde resido, expuseram dois.Têm visitado sanzalas e quimbos assm como embalas, perguntando às gentes quanto ganham por dia e, ao mesmo tempo, aconselhando as pessoas a não pagar o imposto.
Não que eu os ouvisse: o que deixo escrito é devido a informações que os indígenas fornecem, mas não sei. na verdade, o que vai sucedendo.
Dá-me a impressão de que têm receio dos outros Movimentos, que operam no Norte. Verifica-se neles o cuidado insistente em uniformizar o ideário próprio com as directrizes dos outros Movimentos, sabendo nós ao certo que divergem a fundo,
a avaliar pelo que disse o Chefe.
É natural que hajam medo. Os outros são agressivos, mordazes,
sangrentos, Isto é o que dizem, pois eu, de facto, não estou ao corrente do que vai por aí.
Haverá, realmente, contradição? A ser exacto o que me transmitiram, não há consciência nem sequer espírito de compreensão.
Efectivamente, propalar direitos sem falar de deveres, é
tornar o homem lobo, fazendo recuá-lo para o nível das feras
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Chitembo
18-8-1974
Ocorreu, exactamente, a noite passada e vale bem a
pena registá-lo aqui.Após o jantar, que não costuma ser tarde,
ouviu-se na varanda ruído passageiro. Agora, teme-se tudo,
principalmente de noite,.
Averiguando o caso, com a máxima presteza, identificou-se
alguém, com as seguintes palavras: «Estou, neste momento, à espera de boleia!»
Como havia frio e tinham caído umas gotas de água, o cunhado Martins não se opôs, realmente, a que o soldado preto
se abrigasse, na varanda..Podia ter receio de aguardar noutro sítio.
Lá ficou, pois, esperando confiado que alma caridosa o levasse dali, não sei para onde.
Julgávamos nós que seria pouco tempo, mas era engano, o que minha irmã verifcou em breve, espreitando curiosa, lá do interior, por entre a cortina.
Com grande surpresa e forte emoção, prestesmente notou que o dito rapaz se deitava no cimento, sem nada a cobri-lo.
Como fosse chocante presenciar o facto,decidiu logo prestar-lhe auxílio. Pediu assentimento e foi prestesmente por uma manta e alguns sacos.
Chegada ao pé, indicou-lhe brevemente o que havia de fazer, sugerindo que os sacos ficavam por baixo, enquanto a manta lhe cobria o corpo, defendendo-o do frio.
Podia suceder que ele roubasse, fugindo logo com os objectos, mas tal não fez.
Ficou muio grato e, pela manhã, tudo estava dobrado e no devido lugar.
Um caso lindo, sugesivo e humano, de parte a parte.
Os brancos não são maus, e os pretos também não: o veneno vem de fora!
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Chitembo
19-8-1974
Foram já publicadas várias medidas, na vasta esfera económico-social, as quais respeitam a funcionários do Estado
e a diversos casos de trabalhadores.
Tenho a impressão de que estas mudanças vão cair bem.no
ambiente geral. A incerteza como a insegurança avolumam-se já, de dia para dia.
Quanto ao meu caso, o que me desgosta, profundamente, no
Governo actual, é não assegurar, por maneira eficaz a ordem pública. Demais eu sei que um regime democrático jamais tolerou medidas repressivas,mas devemos ter em conta que o povo português só é evoluído, em fraca minoria e se trata de gente, dada a emoções.
Nestas circunstâncias, aplicar-lhe um sistema, elaborado lá fora, não pode sair bem, logo à primeira! É o grande senão que eu tenho a apresentar!
Quanto às medidas, acima indicadas, que dizem respeito
à sensível melhoria dos vencimentos, creio ser improvável alguém queixar-se, pois tal aumento é já superior,ao custo de vida.
Segundo informação do primeiro Ministro, representa a melhoria 4o % do Orçamento geral, abrangendo com vantagem os escalões inferiores. Assim: enquanto os mais altos apenas atingem 27% , os escalões opostos elevam-se, a rigor, a 58%.
O 13º mês; o subsídio de férias, equivalente exacto de meio
vencimento, recebido mensalmente; a actualização de várias pensões e o aumento substancial de 37,5 sobre o ordenado,
actualmente em vigor, são na verdade aspectos interessantes que
merecem aplausos.
Veremos na prática o que vai suceder!
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Chitembo
2o-8-1974
Sai amanhã, no Buletim Oficial, a nova reforma dos vencimentos, auferidos agora pelos funcionários. Como professor
interessa-me o assunto. Comunicaram também que o subsídio de férias bem como o de Natal são concedidos, já este ano, ficando o
Decreto em pleno vigor, logo a partir de 1 de Julho.
O mesmo é dizer que tem, para já, efeitos retro-activos.
Fiquei satisfeito com esta novidade, pois se remuneram, com mais equidade, os membros valiosos do corpo docente..Encontravam-se de facto, em plano desigual, relativamente a outros, no funcionalismo.
Para o trabalho render e tornar-se agradável, há-de ser bem
pago e sem nenhum atraso. De outra maneira, ninguém espere milagres!
Por outro lado, sendo necessárias todas as funções da
actividade pública, a do magistério não fica abaixo de qualquer
outra. Podemos afirmar ser ela a principal, uma vez que serve à outras de base segura, apoio e guia.
Que é que faz a instrução com a educação? Os povos não sobem nem deixam vestígio da sua passagem, quando faltem a algúem aqueles dois elementos.
Instrução apenas é temerosa. O diabo sabe muito e já era assim, antes da queda. Instrução apenas gera para logo armas e
engenhos que matam e destroem o género humano, em vez de protegê-lo.
Ainstrução, de braço dado com a educação geram Escolas, Hospitais e Asilos,Orfanatos e Igrejas, Assistência Social, Unuversidades e também Liceus, Leprosarias, Reformatórios e ouras Casas mais, para beneficência.
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Chitembo
21-8-1974
Em clia inseguro, todos são pessimistas. À mínima coisa, aventam-se logo absurdas hipóteses, entrando a fantasia em pronto desempenho do seu papel. Qualquer ruído, por mais insignificante, assume desde logo proporções inauditas, originando em breve comentários diversos e vários àpartes.
Após os tristes sucessos, ocorridos em Luanda, por serem mau exemplo e ruim precedente, é admissível seja o que for.
Hoje, porém, não foram só boatos, pois houve pancada que a muitos chegou..O caso deu-se aqui, em frente do portão.
Eu estudava Alemão, a rever as preposições e encontrava-me no quarto, fixando algumas regras, a relembrar estudos já feitos.
Nisto, ouço algazarra, de timbres diversos. Pensava eu que fosse brincadeira ou coisa semelhante.
O lugar é propício, mercê do relvado e, após uma pinga que faça aquecer No entanto, creio não ter sido, por causa do álcool.
Como tal facto se prolongava, subindo de tom, às vezes exaltado, assomei à porta e logo à estrada.
Multidão enorme, aglomerada no Largo, ao centro do qual havia
distribuição de socos em barda. e se davam encontrões.
Puxavam já de facas, mas veio a Polícia e tudo serenou. ao fim de breve tempo..
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Chitembo
22-8-1974
As minhas férias decorrem agora no sossego desta vila.. Nada me preocupa nem vem molestar. Se não fosse, realmente, a monotonia, sempre inevitável, em meios pequenos,
seriam férias ideais.Não mudar de ambiente é já um leve contra!
A semelhança do clima, o encontro fixo das mesmas gentes e a repetição, constante e uniforme, das mesmas acções, não despertam interesse, por aí além.
De facto, é tudo planalto, se olho aos lugares que vou frequentando, ao longo do ano.De 15 em 15 dias, vimos aqui, para o fim de semana.Entretanto, como a vilória é massa em potência, nada oferece que desperte a atenção.
O que há de mais grato é, realmente, a família que me rodeia
de muitas atenções e cumula de carinhos. Entretanto, preciso de algum tempo, fora do Chitembo, para fazer curativo em Termas adequadas.
Este ano já não saio, pois que lecciono o Carlos Alberto, em
Português, e a Gina em Matemática. Obtiveram só 8 nas ditas matérias. Ora, como elas, defacto, são importantes, é urgente, a valer, criar-lhes agora possibilidades, em ordem ao futuro.
Como regra geral, são 4 horas, dedicadas à tarefa.
É esta uma lembrança que ficará neste mundo, após a minha morte.
O ideal, segundo julgo, não consiste em deixar bens,
materiais e perecíveis que tornam preguiçosos aqueles que os recebem: reside, sim, na boa preparação para a vida prática,
mediante um Diploma que garanta o pão, à base do trabalho.
Esta reputo eu a mais bela herança que possa deixar-se.
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Chitembo
23-8-1974
Informaram pela radio que só em 1 de Outubro é que
vai terminar o ano lectivo, Aqui atrás, era a 1o de Setembro, mas
justificam a presente mudança: por maneira diferente, havia professores que não tinham férias.
Basta lembrar, a este propósito, que os exames derradeiros, no ano findo, terminaram ao destempo! Creio estar aí a razão
principal.Outras haverá que não posso alcançar.
Com esta notícia vieram mais algumas, respeitantes aos docentes do Ensino Secundário. Entre elas, avultam as seguintes:
13º mês, tornado obrigatório; subsídio de férias que já é pago este
ano, uma vez que a lei é retro-activa; horas extra, a preço mais alto..
Quanto às horas nocturnas, anteriormente ao 25 de Abril, já
eram pagas segundo o padrão a 1,5. Agora, vão pagar ainda mais.
Creio serem estes os maiores benefícios que vão premiar os professores de Ensino.Veremos então se o futuro próximo confirma os Decretos já publiccados!
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Chitembo
24-8-1974
Momento histórico chamam para aí àquele que vivemos.Não vou contestar a designação, por não possuir maturidade bastante, que me habilite a isso nem desejo de falar
de coisas melindrosas, que me ferem altamente a sensibilidade.
Teria de ser assim? Talvez...Apesar de tudo, o sofrimento geral é forte realidade, a que não posso furtar-me.
Momento hirtórico! Também foi histórico o momento horrível em que os pais estremecidos partiram deste mundo?!
Fatalidade? Para um crente, não há fatalidade! Há, sim. Providência, que rege e orienta a obra criada. Para o nosso Deus,
criar é amar, Não podemos conceber seja o que for, por maneira diferente!
A que votam os Brancos, residentes em. A ngola bem como
noutras partes do mundo português? Só Deus o sabe, pois tudo conhece!
De modo nenhum sou eu contrário à independência dos povos, mas já se vê, em condições normais, assegurando-se a ordem, a tranquilidade, e a doce paz.
Acho até humano, interessante e justo, sendo os próprios a querè-la e tomando compromissos, exigidos pela honra, honestidade e humanidade.
Entretanto, como as coisas se apresentam, é já suficiente para pensar três vezes, acerca do mesmo!
Os sucessos de Luanda! Por que não houve, de início, repressão
conveniente?!É o momento azado para bandidos e salteadores?
Amostra eloquente dum futuro próximo?
Quando um braço está doente, procura-se logo arranjar medicina:
sendo esta ineficaz e constituindo o membro ameaça para o corpo,
ninguém hesita um momento em eliminá-lo!
Não foi assim que actuaram em Luanda!
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Chitembo
25-8-1974.
Sinais dos tempos? Não o sendo, parece! A verdade, porém, é que parte deles não pode engolir-se! Quem, ao presente, se lança na vida acomoda-se fácil e, para muitos, não é preciso
qualquer adaptação.
Os que nascem no ambiente e os que sentem a uníssono com esta viragem, encontram-se já, no meio de sua escolha.
A mesma coisa não sucede comigo ou com gente do meu tempo..
De facto, não é fácil para alguém libertar-se pronto de antigas concepções, no meio das quais se foi criando e para as quais sempre viveu,.
São novos problemas a juntar~se a outros que a vida apresenta!
O caso foi ontem. Ocorreu no pátio desta moradia. O cunhado Martins entretinha-se ali, como é hábito seu, já de longa data, a arrumar os trastes, que os muitos clientes deixavam em desordem. Ao mesmo tempo. juntava diligente as agulhas do pinheiro, fazendo montículos, aqui e além.
Nisto, abeira-se um preto, já de certa idade, para tomar-lhe a mão. Não roga sequer nem oferece!
Actua prestesmente, enquanto vai dizendo: « Deixa ver! Isto não é para ti!»
E o bom do preto arrebanha tudo, com as próprias mãos,
empunhando o caixote, para lançar o conteúdo, no exterior do quintal.
Sensibilizou-me aquela atitude! Era assim, noutros tempos! É assim também, na velha Europa, civilizada! Quem precisa ajuda, para ser ajudado! Não é escravidão! Precisamos uns dos outros!
O costume doutras eras é agora excepção. Tanto assim, que logo ao passar certo rapazola, gracejou, dizendo:«Agora, tu és servente?!»
Nem resposta lhe deu o honrado "seculo", que se portou nobremente, oferecendo por estima seus préstimos ao branco.
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Chitembo
26-8-1974
Já lá vai mês e tal que vim para férias.. Se bem me lembro, foi a 20 do passado. Ansioso estava eu pelo repouso tão suspirado e útil, que o fardo era enorme!
Agora, porém, invade-me o tédio
Isto de passar férias, nos lugares habituais, é um erro nefasto e de
graves consequências.! Nem a própria saúde beneficia com isso,
porquanto exige mudança.
Caras diferentes, nova aragem também, tarefas variadas, regime alimentar, segundo outros padróes, enfim, um conjunto de elementos, aos quais , na verdade, não devemos renunciar
Vai para 9 anos , que não vejo o estrangeiro! Conto fazê-lo,
daqui por um ano. Será, talvez, o Novo Continente que vai atrair as minhas atenções, começando logo pelo Canadá.
Faria uma etapa na América do Norte ( Estados Unidos e
Canadá; outra, no Brasil)
Assim, pois, não falhando os cálculos, em 1975, visitarei a parte Norte; no ano seguinte, a região do Sul, interessando-me o Brasil irmão, e também a Argentina. Trago isto na ideia e mais ainda no meu coração. Realizá-lo- ei?
Outra digressão que muito apreciaria: percorrer, de uma vez a África do Sul. Seria delicioso passar fárias ali.
Para isto e o mais que trago no peito, conceda-me Deus vida e saúde, juízo e dinheiro.
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Chitembo
27-8-1974
Assistência inesperada.
Era quase meio-dia, quando me dirrgi à igeja local, pa ra fazer ali as minhas orações. Como ajudante estava o Isaías, para alternar com o mano Carlos, o que lhes faz a tarefa um pouco mais leve.
Procedeu-se então às primeiras diligências, na mira expressa de que o altar estivesse pronto, no momento preciso: hóstia e cális, Ordinário da Missa, corporal e manustérgio. Chegado que sou ao altar da igreja, deparam-se logo duas andorinhas, pousadas gravemente na barra de ferro. em ar contemplativo.
Tocou-me em cheio a sua compostura! Dir-se-ia que o próprio instinto as imobilizara, afim de prestarem a sua homenagem Áquele que tudo manda e impera também no mundo das aves.
Tão compostinhas, de ar concentrado, em perfeito alinhamento, julguei por isso que mandado celeste as havia reunido, para suprirem talvez a falta de fiéis.
Comparando agora a atitude respeitosa com a de certos cristãos, haveria alguma coisa a servir de bom exemplo.
O mundo animal oferece, tantas vezes, lições excelentes que, por modo nenhum, devemos esquecer nem podemos rejeitar.
Lembra-me, a propósito, o sermão famoso de Santo António, endereçado aos peixes. Não estavam atentos?! Não eram eles em número vultuoso e até surpreendente?!
Pois as simpáticas aves ali se mantiveram, quietas e mudas,
para vergonha dos nossos crentes que , podendo, não vão ou se fazem isso, nem sempre timbram em portar-se como elas.
Antes da consagração, chilrearam jubilosas, como a prestar ao Senhor homenagens sentidas.
Foi lição para mim. pois creio na Providência e tenho a certeza de que o Céu governa.
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Chitembo
28-8-1974
Um giro suspirado à Casa dos Eucaliptos.
Havia muito já, que deixara de lá ir. Deveres prementes, leitura e distracções impediram de o fazer!
O ano passado era visita diária. Após o almoço, por um Sol de rachar, o passeio habitual era para lá. Tresandava a paixão!
Aquilo, realmente, está no meu sangue! Criado no campo, a lidar com a terra, os animais e as plantas, sinto-me bem, num ambiente igual e não posso negar-me.
É irresistível o apelo da Natureza, de modo especial, quando ele se gerou, na infância longínqua., constituindo para nós uma força poderosa. Não há resistência que possa contrariá.la. Podem vir, à compita, requintes e maneiras de civilização, mil exigências de
natureza diversa, 10 longos anos de processo e jeito,militarizado,
(como foi o meu), que nada irá destruir aquela paixão!
O ar fresco das manhãs, o raiar triunfal da mágica aurora, o
melancólico tom do Sol agonizante, o cheiro activo dos bardos nas leiras e a campainha amiga e sonolenta dos pachorrentos bois, pesam mais em nós que os relevantes esforços de
qualquer educação, talhada aos quadradinhos. Esta, por ser imposta e gravada à força, não cria raízes.
Aqueles moldes, porém, lançados no peito, com o leite materno, constituem desde logo uma nova natureza. e aferram-se de tal modo à nossa existência, que nada os pode alterar e muito menos banir.
Perdi tudo ou quase tudo o que me impôs , à força, a educação aos quadrados. Aquilo, porém, que paulatinamente
acompanhou então a minha infância,ficando ligado aos seres que mais amei e por quem fui amado, nada há, neste mundo, que o possa dissipar!
É por isso, afinal, que eu amo a fundo a Casa dos Eucaliptos, em cujo pomar me sinto reviver, lidando na intimidade, com a terra criadora, os animais e as plantas.
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Chitembo
29-8-1974
Cento e cinquenta anos, após a independência.: 1825.
Nesta data, reconheceu Portugal a independência ao grande Brasil, que se declarara livre, em 1822, salvo erro de memória.
À data presente, vai passar-se o mesmo com as restantes parcelas do mundo português.
Consta já por aí que, em Setembro próximo, o Governo Português vai dar carta de alforria à Guiné- Bissau, sucedendo a mesma coisa a Moçambique e Angola..
Não sou adverso aos factos aludidos, chegado o povo à maturidade, (solicitando, por modo espontâneo, a sua independência) , mas oponho-me, por modo tenaz, à infiltração estranha e fraudulenta, se não pior ainda, à imposição dessa reviravolta.
Aos filhos maiores não impõem seus pais o abandono do lar
nem tão pouco admitem, alguma vez, que estranhos ambiciosos e mal intencionados, façam diligências em tal sentido.
Também não é, certamente, por meio de guerras e dissenções, que os filhos se emancipam: é, sim, na boa harmonia e grande compreensão, continuando juntos e sempre irmanados. Fora as violências bem como as opressões! É, sim, num clima bem digno
de franco entendimento, em que os cidadãos continuam a amr-se,
ajudando e querendo-se, espontaneamente, e prestando auxílio, quando necessário
Repudio, pois, toda esta comédia, que se tem passado.
Porquê pegar em armas? Derramar sangue de irmãos, tantas vezes inocentes! Como é lastimável uma atitude assim!
Não serão eles todos bem necessários à Pátria- Mãe?! Alguma vez seremos demais?!
Dento das paredes do lar amado, sem ninguém nos ouvir, concertando amigáveis os pontos desacordes, isso sim, que é lindo, humano e cristão!
Quantos filhos há que não largam os pais?!
Consulte-se primeiro a vontade dos povos e não se lhes dê o que eles não querem nem pode constituir a sua felicidade, quando tal se verifique.
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Chitembo
30-8-1974
Inflação.
Chamam-lhe, há muito, inimiga ferranha da Economia. e toma, ao presente, dimensão gigantesca, pois abrange, na verdade, todos os povos. O processo usual de opor-se a ela não é uniforme, dependendo certamente do critério pessoal bem como das circunstâncias político-sociais.
Assim, por exemplo: um regime democrático não vai, por via de regra, impedir autoritário o aumento dos ordenados, sustar preços nos artigos ou ainda reduzir o consumo de certos produtos, já em qualidade, já em quantidade.
Este sistema é posto em acção. exactamente, em todos os países de governo forte ou totalitário, como são, afinal, os de regine fascista ou comunista.
A razão do que afirmei, reside ao que julgo, pelo menos, parcialmente, no facto seguinte: os governos democráticos receiam perder a confiança dos povos que, certamente, retirariam apoio e logo os votos. Em substituição, reduzem prestes os gastos militares ou outros que tais, mas isso não basta.
Ora, como é certo e sabido, a inflaçãoo, não sendo combatida, por modo eficiente, prepara o mundo para o triunfo do próprio Comunismo e causa, para logo, o desaparecimento da classe
média, que não pode suportar a carestia da vida,
Na verdade, a inflação que é, afinal, a diminuição do poder de compra, cria, a breve trecho, situações delicadas, que provocam a fome, o subdesenvolvimento, e a própria morte!
Efectivamente, se muito dinheiro compra já pouco, não chega para as despesas, lançando o povo na crua miséria.. Este, por ser ingénuo, vai-se iludindo com a subida dos ordenados, mas
isso é um engano, pois só aparentemente é que eles vão subindo.
A verdade, nua e crua é que eles não fazem frente à carestia de vida. De que presta, realmente, subirem 100, se o custo de vida aumentou 200?!
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Chitembo
31-8-1974
Vinte e uma e um quarto, no final de Agosto.
O 8º mês de 74 está agonizando, muito lentamente, enquanto se
prepara o advento breve do 9º mês.
As férias grandes vão tocando no limite e novo ano lectivo
está já dealbando, no horizonte enevoado, que agora se apresenta sobremodo temeroso.
Concorri, terceira vez, para docente do 9º grupo, na Escola, João de Almeida, sita em Silva Porto. Familiarizado já, com o ambiente local, sinto-me ali bem. Entretanto, devido à insegurança, que reina, por toda a parte, e aos horríveis desencantos que, pela Radio, chegam até nós, temo e tremo, neste dealbar do ano lectivo.
Isto, não tanto por mim, como sobretudo por aqueles que sáo meus.
Crianças ainda, cujo crime e desacerto foi nascer em Angola, que lhes está preparado?!
Eu, com 56 anos, celibatário sem filhos, desiludido e já farto de viver, sem nenhuma esperança de melhorar a existência, que importa a minha vida?! A eles, porém, faço ainda falta, visto que posso ajudá-los, num porvir incerto e de mau cariz.
Vou iniciar mais um ano lectivo, ao que prevejo, com muitíssimas aulas., já que pedi, na devida altura, regime grato de acumulação, além das 10 ou 12 ,extraordinárias.
Gosto de trabalhar para o bem de Angola, que promete vir a ser um grande país, de futuro risonho, mas apreciava que a ordem reinasse, por toda a parte, cessando os roubos, assaltos e desordem que nos tiram a paz.
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Chitembo
1-9-1974
Democracia.
Palavra formosa, cujo sentido embriaga as gentes, mas de fino conteúdo, reservado somente a povos evoluídos, de temperamento
já corrigido e boa educaçã do povo em geral, e não de minorias, como sucede aqui entre nós.
Sentimental, como é, de facto, o povo português, que vive muito mais do coração, a que tudo sacrifica, não se acomoda fácil a tal sistema nem o faz em pouco tempo!
Lançá-lo dum jacto em sistema democrático é tentar o impossível e criar situações que trazem dissabores.
Por demais sabemos nós que a sensilidade gera muitas vezes
fortes injustiças, irreflexão, actos precipitados e superficialidade. É preciso limar, corrigir e ensinar.
Esquemas estrangeiros não podem aplicar-se, em terra portuguesa, sem acomodação e tempo necessário.
Que seria dos transeuntes - pensava eu - quando fossem pelas ruas, vigorando entre nós um regime democrático?!
Os factos de agora vêm comprovar o que eu temia. Tão
eloquentes... dispensam comentários! Ninguém está calmo! Quer
de noite, quer de dia, a insegurança alastra e aumenta, apresentando-se o dia de amanhã envolto em nevoeiro.
Migalhas reunidas, ao longo d existência, fruto bem amargo de tanta economia e resultdo assaz fastidioso de ingentes sacrifícios, num abrir e fechar de olhos, evolam-se inteiramente, sem restar deles o menor vestígio.
Contou-nos hoje o Gouveia do Múmbue que lá para o Norte.os pretos contratados, que vão daqui trabalhar, nas grandes roças, andam temerosos, pela fúria acesa, pois ouvedizer: «Ide lá para os brancos que são vossos amigos!»
Assaltos e roubos, espancamentos e impudor é o que reina, por toda a parte.
Reserva Deus- Pai algum castigo, para servis-nos de expiação?!
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Chitembo
2-9-1974
Caça à toupeira.
O daninho animal andava inquietando, pois erguia montículos, através do pomar, enquanto no subsolo abria galerias
que eram pavorosas!
Cada vez que o facto se oferecia a meus olhos, todo eu fremia, de horror e má vontade, pois conheço o malef'icio que tais bichos origimam às plantas e às regas. por baixo do terreno.A viçosa hortelã já tinha secado, por causa disso. Ali muito perto, há uma laramjeira nova e promissora, que enche de cuidados! Interessantte observar que esses mesmos cuidados foram a causa de tais galerias!
Como regava amiúde as plantas e a horta, o solo amaciava, a pouco e pouco, tornando-e em breve, fofo e refrescante.
Na época das secas, deve ser para a toupeira magnífico achado!
Foi o que sucedeu. Experimentando, achou desde logo que devia continuar. Eu, porém, é que não tinha coragem para suportar, indefinidamente, o enfadonho animalejo. Já ontem lhe jogara furiosa sacholada, mas sem resultado, por falta de experiência.
Hoje, cheguei ao local, no momento exacto.
Havia ali um montículo fresco, pormenor excelente, para chamar a atenção. Firmando bem a vista, apercebi-me logo de que o diito
animaiejo lavrava no interior, arremessando ao alto rolos de terreno.
Não faço mais nada: comunico a meu cunhado.
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Chitembo
3-9-1974
Informaram, há momentos, que nem todos vão gozar do direito a voto.
Embora, à primeira vista, cause estranheza, por termos efectivamente um regime democrático, há certa razão, uma vez que agora se trata, afinal, do reverso da medalha, Como quem diz:
Amor com amor se paga! Se esta é verdadeira, igualmente o é a sua contrária, segund um critério puranente pagão.
Na verdade, enquanto vigorou o regime anterior, não se tomavam em conta os votos dos adversários, pois nem sequer podiam votar. Sendo partido único, os não afectos ao regime vigente, quer dizer, os da oposição, não contavam para nada!
Eu, pessoalmente, como prezo a ordem, tinha certa simpatia pelo Governo de então, mas teria igual apreço por outro diferente,
mantendo-se a ordem, a paz e o bem-estar de todos os cidadãos. De prepotência fiquei saturado já, na adolescência, quando os rapazinhos se não distinguiam como indivíduos: formavam eles aglomerado informe, sobre o qual se exercia autoridade rigorosa,
por maneira despótica, sem respeito nenhum pelos direitos pessoais.
Isso aborreço-o, tanto mais que Deus governa também à maneira democrática: nos pecamos e Ele não castiga, logo de enfiada, Espera bondoso que arrepiemos caminho, suspendendo a punição..
Não votarão: elementos integrantes do Governo anterior; igualmente os Deputados à Câmara Corporativa; os Presidentes de Municípios; Governadores Civis, etc,etc.
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Chitembo
4-9-1974
A toupeira do pomar (cont.)
Afligia-me em extremo, o bichinho diligente, em ziguezagues, algo caprichosos, abrindo no terreno extensas galerias.
Que ele, sem água, não se atrevia! Aquilo é sempre um castigo! Aperta que aperta, não havendo maneira de romper a gleba! Deixem,porém, que a humidade a penetre, logo surge,
num ápice, a próvida toupeira!
Eu, então, esfuziava de rancor, por não sofrer montículos, aqui e além, arruinando as plantas, ainda novinhas!
Na verdade, após as galerias, como levar ao terreno a água das regas?! Esgueira-se breve, por um lado e outro, em correrias, um tanto azoratadas, que nos deixam perplexos, enquanto as raízes das plantazinhas ficam ao léu!
Onde atalhá-la se ela foge e logo se esgueira, por subterrâneos, em forma de labirinto?!
Não podia ser! ComuniqueI logo a meu cunhado: era assunto resolvido! Não se fez esperar! Vem logo ao quintal, observa as avarias e, empunhando um sacho, destapa o corredor, em diversos lugares. Tinha isto por efeito descobrir exactamente a direcção que levava.
Uma vez certitficado, aguarda paciente, dizendo em voz baixa: «O máximo silêncio, porque ela há-de vir, para tapar os buracos!
No momento exacto da operação, jogo-lhe o sacho, vedando o recuo e... era uma vez a toupeira do quintal!»
Palavras não eram ditas, já esrava desalojada, acabando assim o longo pesadelo da ousada escava- terra!
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Chitemb
5-9-1974
Paternidade inquietante
Viúvo embora de pouco tempo, sabe já, por experiência,
quanto a vida é amarga! Quando a pomba vivia, repartiam as lidas, caprichando ambos em levar a meias, tanto as horas boas como as de azar.
Agora, porém, que se encontra sozinho, com filhos a criar, a vida é negra, desconsolada e triste. São dois apenas, bem entendido. Nao podiam ser mais! Apesar disso, que grande seca!
Enquanto não voavam, amodorrados, no velho caixote, pareciam duas bolas, muito desconformes, avultando somente a barriga e o bico. Mas agora!
Figuram helicópteros, sempre de asa aberta, fazendo ao mesmo tempo, um ruído infernal.
Pedir, pedir sempre, voar e persistir!
"Ando já saturado!"- vai desabafando.
O pai, coitado, lá os vai aturando, ora acolhedor e compreensivo, ora um tanto esquivo e mal humorado!
Que ele é demais tanta insistência ! O progenitor bem se acautela, já correndo matreiro, já voando, por vezes, com decisão Mas que lhe valem os tais recursos?!Matulões como são, já não têm problemas,O pai que os ature!
Às vezes, chego a ter pena do bom velhote, que eles martirizam, sem visos de piedade! Uma vez e outra!..Sempre, sampre, naquele fadário!.
Eu é que não servia para tais complicações!
À mãe defunta chamávanmos coruja, não só pela fealdade,mas também, pelo escuro, harto acentuado que ostentava nas penas,
Por isso mesmo, foi bastante cedo para a panela, continuando o marido a gozar os rendimentos.
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Chitembo
6-9-1974
África do Sul e o chefe Savimbi.
A 5 do corrente, após o noticiário, deteve-me a RadiRSA, na Língua Lusa, em vários considerandos, sobre Savimbi, Presidente da UNITA.
Ouvi com agrado tal comentário , pois nutro pelo Chefe não oculta simpatia. Se bem que o não conheça, de modo pessoal, o que tenho ouvido e respigado, em jornais e revistas é já bastante, para convencer-me de que é circunnspecto, equilibrado e muito razoável.
Numa época assim, de tanto desalinho e enormes desconchavos, é grato sumamente deparar-se-nos alguém, que por
nobres qualidades, inspire confiança.
Se bem me lembro ainda, focou o locutor os seguintes pontos: o mais prestigioso dos chefes angolanos; o que melhor conhece Angols inteira, os seus problemas, aspirações e logros enormes dos seus conterrâneos; o que é mais justo, prudente e ajuizado; o único dos três que não disse mal dos outros; o que mais sequazes tem.
Muito mais disse ainda aquela Emissora, mas é já suficiente, para fazer-se uma ideia do grande prestígio que ele tem entre nós.
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Chitembo
7-9-1974
Ontem- afinal. à maneira de excepção, infringi os meus hábitos. Efectivamente, é bastante raro guardar a escrita para o dia seguinte. Por via de regra, o Diário habitual circunscreve-se à data, pois desejo vivamente que ele seja verdadeiro, sob todos os aspectos.
Que havia de ocorrer, no Estado de Moçambique?
Uma coisa inesperada que apaixonou o público e pôs em alerta milhões de pessoas. Também eu, por minha parte, não fiz excepção. Na verdade, se me interessa, a valer ,tudo o que é humano , como dizia já o poeta latino, ( nihil humani a me,
alienum puto), com mais razão ainda, quanto é português.
Ao que parece, o Movimento "FICO" não é racista: convida em globo todas as raças , não excluindo idiomas e credos, a tomar parte efectiva no futuro Governo de Moçambique.
Opõe-se tenazmente a que seja a FRELIMO a representar o povo em geral.
Não deixo de concordar, se tal é, de facto, o querer dos cidadãos.
Querem referendo e, posteriormente, larga conferência
multi-racial, convidando a FRELIMO a participar, de modo igual.
Tomaram já, segundo consta, o Radio- Clube, o aeroporto, o ediício dos Correios Gerais e bem assim a Refinaria do do ouro negr
Sairá vitorioso o tal Movimento?
Segundo me parece, a atitude de Lisboa será decisiva. Veremos, depois, o que está para dar essa iniciativa, que é, de facto, apaixonante, pelo que tem de justo, razoável e humano.
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Chitembo
8-9-1974
Às 4 e 2o, já estava a postos, sintonizando o Radio-Clube de Moçambique. Ora em língua inglesa, ora em Francês, obtive, a espaços, minguada informação. Assim se manteve o dia inteiro, sem grande interesse e, ao mesmo tempo, com bastante ansiedade, pelo que me toca.
Da Radio- Moçambique vinham então apelos frequentes, distribuindo-se igualmente conselhos e pedidos.
Para este Movimento, aceitar-se a FRELIMO como única chefia, é colocar-se, de olhos abertos, sob Ditadura..
Chegavam amiúde vivas calorosos a Portugal e logo a Moçambique. Diziam eles:" Nós não somos traidores! Estamos.realmente, no devido lugar! A nossa pretensão é deveras justa!"
" O povo de Moçambique está connosco"
Foram libertos os membros da PIDE, acorrendo ao Estado muitos
portugueses dos povos vizinhos, para se incorporarem no dito Movimento.
Gostava imenso que triunfasse, porque não é racista.Tomam a peito a defesa de todos, sem excluírem nenhuma raça, e querem dar ao mundo inteiro um exemplo de amor fraternidade e colaboração.
Eu, por mim, creio sinceramente na boa vontade.
Quem dera estar lá, para tomar parte e ajudar também! Que há de mais belo, defensável e humano que uma sociedade multi-racial?! Os Portugueses não são racistas!
Pudesse eu ver agora com meus próprios olhos, aquela cena amorosa, imorredoura: um Clube inteirinho, cercado e amuralhado por mulheres e crianças! A fraqueza inerme a
constituir a maior das forças na linda capital! Mulheres e crianças!
Que belo exemplo! Já se viu coisa assim, no mundo em que vivo?
Quem se atreve a fazer fogo, sobre aquela inocência?!
Fiquemos, para sempre, neste solo abençoado, onde os nossos maiores gemeram e choraram, num esforço heróico, para torná-lo
grande, respeitado e forte!
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Chitembo
9-9-1974
O facto do tempo é o caso de Moçambique. Dia e noite, a toda a hora, cada um de nós aguarda ansioso o desenrolar
dos últomos sucessos. Nunca, em vida minha, estive deste modo ligado ao radio, tantas horas seguidas, entrando pela noite e começando logo, por madrugada!
Faço-o até com muita devoção e estreme carinho! Como se o caso fora muito nosso! Viveram-se momentos de grande euforia! A entoação vibrante do hino português pôs-me logo os nervos em grande agitação. E os vivas calorosos a Portugal?! Não posso descrever o meu estado de espírito!.Gostaria imenso que eles triunfassem, na certeza plena de que triunfaria a própria verdade,
a justiça e a razão.
Todos lucrariam: brancos e pretos!
Imensas adesões! Ofertas de toda a ordem! Dedicações inauditas!
Enfim, atitudes nobres que movem a todos e fazem cismar!
Três largas centenas de crianças negras, mas de alma branca,
vinham a caminho do Radio-Clube. Que maravilha!
Quem viu já um exército, constituído por crianças, de braços pendidos e sorriso nos lábios?!
Soube agora mesmo que o General Costa Gomes é, em parte, favorável a este Movimento, após se haver inteirado, sobre a maneira como tem decorrido
Os enviados de Lisboa prometeram garantias, sem no entanto cederem a tudo quanto foi pedido. Aguarda-se, finalmente, a decisão do Governo, após a informação.
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Chitembo
1o-9-1974
Após grande júbilo, vem logo uma tristeza! O Movimento incipiente já foi aniquilado e, neste momento, inspiram compaixão as gentes infelizes. Havendo sofrido tanto,
vêem seus esforços atirados à lama.
Quantos sonhos desfeitos! A ninguém atacaram nem são racistas! Chamaram a FRELIMO e queriam apenas ser ouvidos no caso. Julgo na minha que tinham razão! Tudo sem um tiro. O Movimento alastrou, como por milagre, a todo o Moçambique! De Norte a Sul, a vibração foi intensa.
Por que será que tudo fazem? Por que não foram ouvidas essas vozes clamorosas?! Não são elas, acaso, vozes de cidadãos?! Por
que será que tudo fazem à margem, como se eles, de facto, não existissem?! Não têm direitos?! Só deveres a cumprir?!
Assiste-me a esperança de qte o Governo Luso, após informação, honesta e completa, há-de reflectir, sobre o caso em
foco!
Foi com ordem e respeito, dizendo. inicialmente, acatarem a decisão do Presidente Spínola.
Por todas as razões são eles merecedores de que a sua pretensão não seja postergada.
Deus ajude e proteja os que se acham em apuros e não ponha de parte seus pedidos veementes.
Não gosto de racismo, razão pela qual me custa admitir o que tem ocorrido.
Não sei se me engano, mas é esta, para já, a minha impressão: os problemas dos Brancos em nada interessam nem
preocupam tão pouco o Governo de Lisboa! Antes me enganasse!
Tantas vezes já liguei o Radio, para ouvir Moçambique!
É tudo assim, neste pobre mundo!
So Deus é grande, justo, bom e santo
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Chitembo
11-9-1974
O momento actual é de grande agitação e angústia sem par.Os casos de Moambique trazem as gentes a ferver em cachão e não sei de barreira que lhes ponha limite. A situação, em Lourenço Marques, é confusa em extremo, pois as notícias vêm desencontradas e sem coerência.
As comunicações foram interrompidas e, por essa razão andamos às cegas.
Conforme já se disse, houve, na verdade mais de 3oo mortos, e centenas de feridos. Que grande maçada e quantos abusos, numa hora ingrata que devia ser de paz, bem-esta e harmonia! Quanto eu lastimo os sucessos tristes da linda capital
que agora está de luto, vítima de incêndios, violência e pilhagem de toda a natureza!
De quem será então a culpa dos factos? Julgo difícil acertar a resposta, pois fica distante a lastimosa ocorrência.
Segundo os comunicados, agora recebidos, atribui-se a culpa ao Governo de Lisboa, que não chamou a Lusaca representantes dos Brancos.
Se o Governo é democrático, os Brancos tèm, por força,
representatividade, por serem mais evoluídos, mais prestáveis à nação e haverem sido, efectivamente, a alma de tudo, no mundo lusíada. .Aos Pretos, em geral, assistem direitos e aos Brancos também. É função dum Governo, dever inalienável, defender e garantir o seu uso cabal.
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2 Chitembo
12-9-1974
Estamos já vivendo uma hora de angústia, em que reina infrene a perturbação e se olha o futuro com grande pavor. Como será, realmente, o dia de amanhã?
A resposta é ditada, em geral, pelo temperamento de cada indivíduo, mas a verdade é que os factos passados não movem à esperança.
A desmobilização devia ser mais lenta e dentro de
salvaguarda.As forças da ordem haviam de ser respeitadas
e sempre obedecidas. Ora, é exactamente aquilo que não vemos! A Polícia actua? Respondem logo: «Vá-se embora, que eu sou livre!
Qualquer autoridade é olhada com rancor e votada ao desprezo! Por esta razão, assaltam amiúde os pobres transeuntes,
saqueiam habitações e incendeiam os carros.
Isto é que eu não engulo! Quanto mais, acho que está bem..
Igualdade nos direitos, e a mesma lei, quanto aos deveres!
Tudo muito certo. O que não me quadra nem posso admitir é a
falta de confiança, num futuro próximo a qual se baseia nos factos ocorridos e na insegurança, que vemos, por toda a parte.
. Pede-se boleia, ao longo das estradas e, não sendo concedida, vêm prestesmente, nomes injuriosos, ameaças de futuro, se é que não actuam imediatamente.
Como pode tragar-se tal situaão?!
Que obrigação tenho eu de meter no meu carro pessoas nalcriadas
que não conheço nem prezo e podem tirar-me a vida que amo?!
Que mal fiz eu e outros mais, para ser olhados com fundo rancor e até desfeiteados, logo cara a cara?!
Se não trato mal ninguém, tenho por isso mesmo o direito de exgir que me tratem de modo igual.
Entretanto, a lei é que deve proteger-me. Para isso foi feita
e se criam os Governos.
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Chitembo
13-9-1974 Descolonizar
É esta a palavra da moda, que anda de boca em boca e revela, sem dúvida,, um estado de coisas que chamam ieereversível. Onsiste. pois, numa força ingente, a que pessoa alguma poderá opor~se.. Apodam-na alguns de "ventos da História," um tipo genuíno de fatalidade, que ninguém, neste mundo, consegue já sustar.
Eu, pessoalmente, navego noutras águas, visto que nada há que seja fatal. A actividade humana é fruto de liberdade e consciencialização,adquiridas, já se vê, ao longo dos séculos, por
forças de reacção, guiadas pelo Céu.
À medida que o homem se tornou consciuente do seu direito sagrado bem como da força, reagiu de imediato, lutando vigoroso, por tudo aquilo que julgava seu.
Isto, exactamente, se está processando, no continente afriano. Raiou outro Sol, brilhou outra luz! O que ontem se permitia e era até louvado, em altas vozes, torna-se já hoje digno de censura e objecto de mofa.
Factos desta ordem causam distúrbio e provocam mártires.
Entretanto, como representam direitoe inalienáveis, não podem os canhões opor-lhes resistência. A força do direito pode maiis então que o direito da força. Demais. Nosso Senhor criou-nos a todos, para sermos livres, iguais e felizes
Não venha, pois, o homem arvorar-se agora, abusivamente, em senhor do semelhante! Senhor é só Deus!.ntretanto, o processo evolutivo há.de ser lento, com firme repressão de abusos intoleráveis, no respeitp pelos direitos de todos
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Chitembo
14-9-1974
A galinha cinzenta, que era extremosa e muito solícita escandalizou-me hoje, com modos arrogantes e atitudes harto desabridas. Tinha-a visto. no passado, inúmeras vezes, correndo afanosa, numa lida táo longa como o próprio dia., afim de proporcionar aos pintos, seus filhos, o melhor alimento.
Encantava-me a cinzenta! Aquilo era de facto o que podíamos chamar verdadeira mãe: protectora indefectível, zelosa em extremo, do bem -estar da prole, infatigável, na procura e oferta de boas iguarias. Um caso excepcional, não haja dúvida! Acorria a toda a parte, onde supunha haver migalhas, verdura ou insectos que fossem guloseima para os seus pintsinhos.
Hoje, porém. com enorme espanto e amarga desilusão, vi-lhe dar bicadas, fortes e cruas, num pobre coitado, que dela se abeirava.. Indaguei do caso, na mira de saber algo daquilo que se passava. Não vi prole a acompanhar e perguntei, a propósito, se o
tal pinto, de facto, lhe pertencia..
Pois era dela. sem dúvida nenhuma!
Tão carinhosa, ainda há pouco tempo, como pôde ela, breves horas depois, volver-se em inimiga do pobre enjeitadinho!
Deixou-me pensativo a galinha cinzenta! Bem sei eu que já podia bastar-se, provendo cada um às suas necessidades, mas ainda assim gostaria imenso de vê-la terna, muito afectuosa e indulgente, para com os filhos,
Escusado é dizer que se afastaram doridos e até escandalizados, pelas bicadas tremendas que jamais esquecerão!
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Chitembo
15-9-1974
Em vez de Chitembo, como havia já escrito, no topo esquerdo, vejo-me em Silva Porto, afim de cumprir a determinação que diz o seguinte: " Os professores que exerceram o magistério, no ano transacto, 1973- 1974, devem apresentar-se, necessariamente, no local de Ensino, entre 1o e 16 do mès corrente"
Aqui estou, pois, sem saber a razão por que devo apresentar-me. Amanhã, segunda feira, por volta das 8. lá devo estar, na mira
excitante de obter informaçóes, acerca do assunto,
Quase me parece que trata quiçá, da entrega próxima do nosso ordenado ou, mais provável ainda, que é meio seguro, para saberem, realmente com quem podem contar, no ano que segue.
Seja como for, a grande verd ade é que as férias presentes correm vertiginosas, visto que as aulas vão já começar, no dia 23 ( Ciclo Preparatório). e a 3o do corrente, no Liceu Silva Cunha e na Escola Técnica.
Tudo acaba, neste mundo, uma vez que, só a eternidade escapa à regra.
Sucede até que o mais agradável é aquilo que foge com mais presteza.
Apesar de tudo, convém realmente que seja deste modo, afim de quebrar-se a monotonia e variar um pouco de ambiente e meios. De qualquer maneira, vou começar um ano lectivo de grande labuta, visto que os alunos aumentaram em extremo. e os professores escasseiam agora, de maneira assustasora. devido como é óbvio. à conjuntura política,
Deus me ajude e não falte a ninguém, que bem precisamos da sua protecção!.
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Chitembo
16-9-1974
Venceu o mais forte!
Coecei o Diário, sem tema definido, esperando encontrá~lo, após alguns momentos de funda reflexão. Afinal, havendo aberto a folha, reparo na data bem como ainda na localidade. Nesse momento, verdadeiro diabrete se divertia comigo, insistentemente.
Irritou-me em extremo aquela teimosia, preparando-me logo para o extermínio. Ambos nós pugnávamos pela vida preciosa: ela a mosca importuna e desassizada, por alimento do corpo; eu, por minha parte, visava ali ointelectual. Dois combatentes, em luta animosa, procurando cada um ganhar o duelo!
A princ'pio, enxoteia com vigor, uma vez, duas e mais, voltando ela à carga, em constante desafio, provocador, insolente,
importuno.
Certo é que os nervos começaram logo a desafinar-se, o que
pronto me levou a tentar ali um golpe certeiro que logo a reduzisse à máxima impotência
Bem eu tenteava ali a pronta mão direita, arrojando-a com presteza! O mesmo era isso que estar parado! Não podia ser!
A grande maçadora vinha meter-se, despudorada, entre a face e os óculos! Que grande enjoo!
A investida repetia-se e eu, por minha parte, já não segurava
os nervos. em alto desalinho! Eles, de facto, é que me arrastavam a dar prontamente um final inglório ao molesto insecto!
Veio, por fim, a última diligência que foi feliz.
Não a vi jazer mas, como não voltolu,concluí certeiramente que passara desta vida para outra melhor!
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Chitembo
17-9-1974
O cozinheiro Mungindo.
Revezava-se este com o Mariano, aprontando as refeições, durante 15 dias. Era este um bom processo: ganhavam bom dinheiro, atendendo às suas coisas.
Tal situação mantinha-se já, havia longo tempo razão pela qual surpreendeu bastante a demora do Mungindo.
Acabara os seus dias o tal Mariano e, como era costume, devia apresentarse o outro camarada.Tal, porém, é que não sucedeu!
Veio então o Mariano que perguntou à mulher do outro onde
é aue ele estava.
Como ela dissesse que não lhe falava, tudo ficou na mesma.
As coisas, porém, estão neste pé: trabalhava na casa, ia para 2o anos. Devia ter, é natural, certo apego aos patrões. que são amáveis e sérios e muito generosos.
Entretanto, chegada a ocasião, tudo se dissipa: a própria amizade, a gratidão e até a lealdade!
Fruto da campanha que lavra entre eles? Mas não é assim que deve proceder-se! Avisar antes, dando o nome de outro!, para
substituí-lo!
Não há delicadeza nem abunda o bom senso!
Desta maneira, não vão as coisas pelo melhor! Gara-se breve a suspeita, cresce o mal-estar, avulta a grossaria!
Factores desta ordem não levam à paz nem trazem harmonia
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Chitembo
18-9-1974
Os dois irmãos gatos.
Vivem aqui, juntinho a nós, em amigável e grata camaradagem,levando uma vidinha que, por certo, faz inveja a outros animais.
Comer sem delongas e esperar por mais é o seu viver.
Conhecem, a rigor, as horas do repasto que não sacrificam a coisa nenhuma. Podemachar-se bem instalados, à sombra de laranjeiras, qoe nad os tolherá de marcar presença. Aproveitam logo o mínimo sinal de que os patrões vão para a mesa.
Nesse momento, ficam alvorotados e miam tanto, tanto, que faz nervosismo! O que anda mais gordo é precisamente o que exige mais.
São pretos retintos esses dois bichanos, com olhos pardacentos, aveludados e vivos. Sabem a fundo quem lhes quer mal. e distinguem claramente quem os estima.
A máe criadora já os não acompanha, em suas folganças, talvez porque a idade a inibe disso.
Embora com diferença, quanto ao nascimento e mais ainda em questão de tamanho. os dois irmãozinhos entendem-se ali, que é um regalo!
Raramente se encontram dois seres animais que tanto se que
tanto se procurem e gostem de conviver! Dormem ambos juntos, bem encostadinhos, por causa do frio.
Comem também do mesmo prato, repartindo amorosos quaisquer iguarias. que estejam disponíveis.
Um deles afasta-se, por alguns momentos? Entra logo o segundo a chamá-lo insistente, não cessando os clamores, até se encontrarem.
Fazem inveja estes bons amigos que podem ser modelo para irmãos desavindos.
Também a sorte os bafeja, porque a própria mãe traz ratos e ratazanas que fazem, à data, as suas delícias.
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Chitembo
19-9-1974
A Emília de Silva Porto
Ninguém há por aí que não conheça a Emília. Quase sempre em marcha, vemo-la agitar-se constantemente, levando nos ombros amanta sebenta que jamais abandona.
Passa de relance,exalando habitualmente um cheiro que tomba e, quando menos julgamos, volta de novo a passar por nós.
Vive de esmolas, dando a impressão de que é sozinha no mundo.
Não terá um abrigo, onde possa recostar-se? Qual será, na verdade, a sua família? Como há neste mundo, acumulando-se em grandes montões, vagas enormes de tantos infelizes?!
Pois ela passa e vejo-a diariamente, nada me pedindo. Só tem confiança nas pessoas conhecidas.
Se adrega de passar por algum benfeitor, estende a mão, confiada,
recebendo em troca uma pequena moeda que ela de facto adora: cinco tostões!
Nenhuma outra aceita, embora de mais valor! Recusa simplesmente. A mim não me conhece. Pobre criatura!
Há poucos dias, vi-a debruçada em cima de um caldeiro, velho e sebento, em cujo interior havia só lixo!
Que procuravas tu, desditosa Emília?
Uma forte piedade se ergueu em minha alma e férreo cinto me apertou o peito!
Um ser humano a aproveitar detritos, rejeitados pelos cães!
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Chitembo
20-9-1974
A cana de S. José
Havia muito já, que eu regava solícito a mimosa planta. É meu cuidado, ao passar pela horta, não descurar nenhuma ervinha, por
humilde que seja. Na verdade, ante o sol tropical, sinto-me obrigado a prestar socorro às plantas débeis, afim de arrortarem com a intensa canícula. Movido por esta ideia e tambám porque
aprecio todo ser vivo, seja embora vegetal, não passo em vão, junto das plantas.
Irrigação de mangueira, com débil pressão, não satisfez devidamente. Entretanto, não pôde ser melhor
Do mundo vegetal, existente ali, espécimes há que chamam a
atenção, de modo especial. É o caso preciso do que chamam lírios,, por julgá-los iguais ou muito semelhantes.
De folhas curiosas,em jeito de lança, pois são compridas e assaz estreitas, mostravam-se gratos à minha solicitude.
Verdinhas e mimosas, atiravam as folhassorrisos e beijos, à minha passagem, Pareciam dizer:"Bem hajas tu, pelo estreme carinho em que nos envolves! "
Sentia-me, por isso, muito bem compensado, pelas moras frequentes de imensa gratidão.
Eram 4 plantazinhas, de folha e forma paralelinérvia.
Um dia, ao passar, vi com surpresa uma haste veludosa, ostentando no cimo algo como bolsa.
Pedindo informaçóes, foi-me respondido ser tal achado a cana de
S.José. a qual estava prestes a desabrochar. Sempre quis saber o que vinha a ser aquilo.
Eis senão quando surgem com pasmo duas belas flores, harto encantadoras que não me canso jamais de admirar cismando!
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Chitembo
21-9-1974
Descolonização.
Está hoje na moda esta palavra! A propósito de tudo, irrompe dos lábios, embora tantas vezes com falta de propriedade. No entanto, usada a rigor, exprime um grande facto da época presente, que resulta afinal da tomada de consciêmcia, por parte das pessoas que se julgam lesadas, nos direitos basilares.
Dava-se isto com efeito. no sector civil como também no eclesiástico. É facto universal que a tendência do homem se exercita largamente em dominar o próprio semelhante ou viver à custa dele, logo que as circunstâncias lhe sejam favráveis.São relevantes os factos sociais ou de ordem política.
Chamam-lhe agora, em altas vozes," exploração do homem pelo próprio homem". Só Deus é Senhor!
Os homens, na sua esfera, tão limitada, são todos iguais, não
podendo uns ser escravos dos outros.
Quanto ao 25 do famoso Abril, só realmente acho mal duas coisas graves: rapidez na mudança; deficiente repressão de exorbitâncias bem como abusos.
A desclonização também fazia sentir-se, na esfere eclesiástica, pelo facto simples de os membros constitutivos serem também membros da sociedade civil. Avultava esse aspecto na vida interna dos próprios Seminários; nas relações do Clero com os Superiores; no contacto habitual dos seminaristas, em tempo de férias, com os seus párocos.
Amarras tão fortes ligavam os súbditos, que a vontade pessoal, o poder de julgar e dispor de si quase se apagavam, ante o poder do Superior
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Chitembo
22-9-1974
Descolonização
Ignoro, realmente se os outros Seminários adoptvem, nessa data
igual sistema, no tocante à formação do Clero Católico.
Estou em crê-lo, mercê da sobrevivência de instituições feudais, em alguns sectores
O que me valeu um pouco foi a leitura, a que me dava em férias, sem a qual ficaria, exactamente,como um anjo de carne.
Educação angélica, automatizada e sempre uniforme, imposta à força, havia de falhar necessariamente.
.Devido a isso, muito hesitei, quando se tratou das primeiras ordens sacras, alimentando até ao final a ideia de sair.
Jamais eu senti raízes bem firmes e era de opinião que não deviam conferir-ma as ordens sacras
Os Superiores, apesar de tudo, pensavanm de outro modo. Agora,
paguem por mim!
Verdade seja dita: não perpetrei nenhum crime gritante, mas
tenho levado um viver decepcionante e contrariado.
Tudo isto foi devido, indubitavelmente, ao processo claustral, quadriculado e unilateral, a que éramos sujeitos, durante o Seminário.
Em nome da obediência, que o não era de facto, e da vontade divina, que afinal era humana, cometiam-se ali arbitrariedades
Discutir, alguma vez, ordens superiores ou pô-las em dúvida, era coisa inadmissível, pois desgostava o próprio Deus.
A obediência estrita ao Regulamento havia de ser tota, cega, apaixonante!
Assim foi varrida a personalidade e o critério de julgar
numa idade amoldável, em que tudo aceitava como vindo lá do Alto
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Chitembo
23-9-1974
Descolonização
Também os Sacerdotes se vão descolonizando e já era bom tempo! A educação familiar, continuada no Claustro, levava, pois, o ingénuo rapazinho a assumir atitudes de subserviência.
Obedecer, mas cegamente, na mira de um prémio.após a morte!" Quem obedece não se engana jamais e tem, naverdade, o lucro garantido!"
Frases como estas e outras que tais,marraqueavam, dia e noita, os ouvidos atentos de humildes rapazinhos que, diminuídos na esfera social e sem recursos de tipo económico, as aceitavam logo, como vindas do Céu.
"Ordens superiores jamais se discutem!"! O que elas dizem é para cumprir!"
Quantas vezes sucedia mandarem o levita para um meio paupérrimo, estando seus pais atolsdos em dívidas, ao passo que outros, em situações, bastante desafogadas, eram colocados em melhores lugares?!
Seriam discutíveis estas ordens injustas?
Em suas relações com a alta hierarquia, havia sempre negação de personalidade, já que a vontade, capricho ou teimosia levavam sempre a melhor, sem qualquer oposição ou barreira criada.
Em que divergia esta nossa época dos tempos feudais?!
A ordem, quando injusta, na realidade ou aparentemente, deve ser discutida por ambas as partes. até chegar-se a um acordo. Só então começa a obediência-virtude, filha natural de uma vontade livre que se obriga, de facto, espontaneamente!
Não é considerado falta de respeito apresentar os contras, sendo isso afinal, um direito basilar da pessoa humana.
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Chitembo
24-9-1974
Descolonização
Que horror eu sinto, ao lembrar-me do passado, no tocante às minhas férias, no correr dos estudos! Que pena tenho de mim, recordando esse tempo, deveras opressor! Apenas tinha, para amenizá-lo, a grata companhia de pais e irmãos!
Que dias de tédio, em que a minha alma assim definhava,
comprimida, a rigor, por hábitos puritanos, peias tremendas que vinham exactamente de eu ser humilde e carente de meios!
Nunca o peito destroçado ouviu o doce canto da alegre juventude, pois o meu viver decorreu todo ele, entre medo e violência! IInformação miudinha, acurada e fanática , formava,à minha volta um aro de ferro, atormentando, por modo igual, os progsenitores,à mínima censura ou falta ao Regulamento!
Nem eles nem eu tínhamos culpa disso!
Na verdade, será criminosa a falta de recursos? Haverá pecado, não herdando riquezas? Apodar-me-ão de elemento danoso, por ser modesto e algo ingénuo?
Que poderia ser eu , iletrado como era, simples e sincero?!
Oh! férias duras, vigiadas e tenebrosas, em que não me era dado respirar livremente e expandir a juventude, afectiva e buliçosa, que Deus me concedara!
Centenas de olhos se pousavam em mim, para chamar-me traidor, ao ser o que devia! Naquele tempo ( sinto horror de pensá-lo!) quem frequentasse o Seminário, era para ser padre!
Ora isso, afinal, é o que há de mais falso, pois antes se destina a estudar a vocação.Outro modo de pensar é cruel tirania
e falta de humanidade.
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Chitembo
25-9-1974
Descolonização
Decorreram já umas dezenas de anos, após essas fárias do jovem estudante.Como elas,realmente, foram sacrificadas,amargos pensamentos despertam em mim.
Qualquer acto de culto exigia-me a presença, pois que sendo aluno, devia assistir e prestar auxílio, fosse a quem fosse, em todo o tempo e lugar.
Interiormente, não me conformava, mas que havia de fazer?!
O receio enorme de más infprmações que fossem prejudicar-me; a vida sacrificada. mesquinha e torturamte que meus pais levavam; mil conjecturas que então se afiguravam desprovidas de cofiança, tudo isso. afinal, me trazia peado e bem deprimido.
Sirva de exemplo: havia, por acaso duas Missas na igreja, sendo uma logomcedo. às 6 da manhã, e a outra às 11 horas! Qua sucedia? Tinha de prestar ajuda em ambos os casos, ficando assim abrangida toda a manhã, sem tempo disponível, para tratar, a preceito, das minhas coisas!
Ser eu prestável, em um dos casos, não era penoso, uma vez que gostava de cumprir o dever, mas de outro modo, quanto asco ei tinha ao sistema escravisante!
Aos domingos, havia catequese, a que nunca faltei.
Diariamente, rezava-se o terço, na igreja paroquial.
Juntado a isto o Regulamento escrito que trazia do "Claustro", que tempo me ficava?!
Havia, além disto, as visitas do costume, nomeadamente ao pároco. Este, depois, informava o Seminário, acerca das atitudes e
comportamento do jovem candidato ao Sacerdócio.
Servo de todos... escravo de tudo!
Viveria a vida como era meu direito? Seria livre, de facto, para escolher? Teria, na verdade, ambiente favorável, para me conhecer e medir a resistência?
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Chitembo
26-9-1974
A Cana de S, José
Durante vários dias, contemplei, embevecido, o encanto e frescura das flores maravilhosas. Igualmente belas e ambas voltadas em sentido oposto, apresentavam, desde logo forma de campânulas, em que exímio pintor houvesse manuseado o pincel de artista.
Olhei, olhei, vezes sem conto, prendendo-me ali como em feitiço.
Aquela alvura, com laivos escarlates, distribuídos com mestria,
teve-me suspenso, durante longo espaço. Volvido algum tempo,
abriu mais uma flor, de igual modelo, ficando agora très.
Porquê este número? Em honra, talvez, de Santíssima Trindade? Bem pode ser, que é digna disso.
Andava eu em visitas frequentes que me traziam enleio, quando ontem, se não me engano, fiquei, por algum tempo, assaz consternado: as maravilhas de tamanha beleza que me traziam suspenso, haviam murchado!
Como eu fiquei não posso descrevê-lo! Quanto eu daria, para não sentir esse desconsolo! Era quanti ficava de tão belo aparato!
Estames e carpelos, alvura e sortilégio, tudo issi, afinal, que fazia o meu encanto, se havia dissipado!
É assim a vida, neste mundo pecador!
Beleza e glória, poder e majestade, tudo se esvai, num abrir e fechar de olhos!
Só Deus, afinal, é eterno, imutável! Tudo o mais, passageiro e versátil, inconstante e volúvel!
Como tal não merece adesão nem sacrif´cios
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Chitembo
27-9-1974
Acaba de falar o General Spínola, após a conferência, realizada em Lisboa, com os representantes da mártir Angola.
Este encontro histórico, foi devido, por certo, à grande urgência de acalmar as gentes bem como os partidos- Está em causa, agora, a descolonização e o futuro governo do novo Estado
Pelo que parece, baseado no que ouvi, entendo agora que alguma serenidade terá baixado aos espíritos, já tão inquietos, no Estado de Angola.
Foi garantido pelo Supremo Poder que todos os Partidos vão fazer parte do futuro Governo.de Coligação e que o porvir deste novo país será definido pelos Angolanos ( pretos, brancos e mestiços. Recebeu então numerosos aplausos o famoso General e salvas de palmas coroaram também as suas palavras.De modo igual eu me sinto feliz.
De facto, minorias a rodos não interessam, para dominar e é já bom tempo de fazer justiça. Refiro-me é claro, à justiça social.
Assim está bem. Por isso, exactamente ,é que um dos auditores
proferiu então estas palavras:" Oxalá que a paz e o entendimento desçam aos corações, para garantia do bem-estar e felicidade de todos".
Angola é grande e tem lugar para todos, de modo especial para os que mais a amam que são, bentendido, além dos nativos
os europeus, radicados em Angola e os seus descendentes, angolanos de nascença.
Deus nos ajude, pois que sem Ele é vão e inútil o esforço
humano.
Que a Virgem de Fátima se n~ao esqueça de nós! Tudo, certamente correrá pelo melhor, havendo entre nós homens generosos de boa vontade.
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Silva Porto
28-9-1974
A vida humana é feita de surpresas que nem sempre agradam. Hoje, sucedeu precisamente uma de tantas. Apresentei-me na Técnica, afim de saber ordens e pedir juntamente o horário de trabalho. Ia satisfeito, como é naturl, pois amo a profissão e consigo, ao mesmo tempo, meios de subsistência.
Estivera no local, em maeados do mês, se bem me lembro,
assinalando a presença, com rubrica e data.
Não estando o Director, procurei, bem entendido, o Professor-Secretário, que é o Dr, Mesquita., Informou-mr rntão, com ar sorridente, fornecendo pormenores e dando esclarecimentos.
Fiquei lisonjesdo, porquanto me disse que podia ausentar-me, devido ao facto de não haver serviço e que, sendo necessária a minha presença ali, enviaria logo um comunjcado ,
Descansei, pois, na sua palavra e fui para o Chitembo.
Sou muito escrupuloso, chegando ao ex
Tinha havido, é certo, serviço de exames, no dia 26 e também 27, e eu estava ausente. Que valia a pena apresentar, por isso, atestadi médico, para justificar essas duas faltas.
Isto, em consciència, não era necessário, pois a culpa não foi minha.
Atitude irreflectida, arbitrária, injusta. Não esperava isto, pois sou cumpridor até ao escrúpulo
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Silva Porto
29-9-1974
Primeiro Domingo, passado em Silva Porto, já no começo do ano lectivo. Amanhã, vamos ter reunião, o que será pela tarde, com hora a marcar.
As matérias em causa hão-de ser, por certo; as que vou conjecturando: parte escolar; aspectos políticos; hora actual e a
Escola João de Almeida.
É natural ainda haver assuntos novos,para tomar em conta.
É bom tempo de iniciar as aulas, pois antes de Outubro j´á elas não começam!
Amanhã, entregarei, pois, o atestado médico, assistindo, por ventura, a exames escritos. Outras coisas surgirão, que desconheço, à data.
Para dizer quanto sinto, estreei muito mal o novo ano escolar! Dois dias de faltas, por motivo de exames.! Enfim, Deus seja louvado, que o não fiz por mal! Para castigo, bastava o desgosto, ao saber do caso. Isto é uma vida! Bem! O que morreu já lá vai!
Não posso adivinhar! Quem me avisou?!Agora, olhar com
firmeza para o futuro que breve me aguarda e arrancar em força!
Quanto ao mais, Deus será comigo!
Hoje, passei realmente um dia aborrecido! Sem aulas, vem o
tédio! Embora a roda esteja de facto sempre em movimento, levea seu tempo a dar as voltinhas!
Entretanto, o dia escoou-se e agora vai correndo já para as 22 horas.
Quem chegará, com ar triunfante, no termo do ano escolar?!
Deus me acompanhe, na curva perigosa que vou tenteando.
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Silva Porto
3o-9-1974
Dia agitado e cheio de emoções!
Em primeiro lugar, coisas atinentes à minha profissão: ida `Escola Técnica, para inteirar-me do serviço destinado que hoje me caberia;
avistar-me ainda com o Notário, afim de reconhecer o atestado médico; consultaao meu Banco, para entregar as promissórias, tendo já em vista a conversão imediata dos depósitos a prazo em depósitos à ordem; finalmente, recurso ao
Ginja, para reparar algumas avarias., de que o Taunus enferma.
O último número levou mais tempo e absorveu mais dinheiro. A pronto pagamento, foram-se embora 550$00.
Por bem pouco, não fiquei escoado, já que restam apenas 250$00
Não é tempo adequado a rechear a carteira, mostrando assim que a sorte bafeja. Em tais ocasiões, o melhor é o calado!, para conservar a estimada pele, em cima do corpo.
Mas havemos de concordar em que o depósito é diminuto! Só meio depósito de gasolina!
Mudemos um pouco de assunto, ambora se enquadre na área da emoção. Veio, por fim, a inesperada renúncia do
Declarou então o Presidente da República:"
-- Devido à pressão dos Partidos Políticos, é inteiramente impossível realizar cabalmente o programa global das Forças Armadas"
Que teremos agora, num país em convulsão? Ditadura
rígida sob Costa Gomes, à frente da Nação?
Bem me parece que haja de ser, uma vez que a nau se encontra já à beira do abismo!
Deus e a Virgem abençoem e protajam o nosso Portugal!
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Silva Porto
1-10-1974
Variemos um pouco, entrando pela Gramática.
Assunto de monta: sobre o condicional, muito muito há para escrever e vários são, para já, os consideraandos que o tema suscita.
A Gramática Inglesa, não o julga "modo",havendo-o por um tempo do modo indicativo. Muito ao contrário, os nossos Gramáticos incluem o dito na lista dos modos: indicativo, conjuntivo, imperativo. condicional e infinitivo.
Gera isto embaraço, perguntando-se logo: quem tem razão?
Em que devemos ficar? Admiti-lo? Recusá-lo simplesmente?
Creio e defendo que nem uma coisa nem a sua contrária.
Em Inglês, chamam-lhe simplesmente " future in the past" que podemos traduzir por "futuro imperfeito de pretérito,"visto que ele expressa uma acção futura, em relação com um tempo passado.
Exemplo: ele disse ontem que estudaria a lição, logo que tivesse oportunidade.
Se tal acção é futura, de modo igual, em relação ao momento presente, nesse caso, podemos escrever: ele disse ontem
que estudwrá a lição, assim que tenha oportunidade. Querendo exprimir a certeza ou ainda a esperança de que a tal ação não deixará de praticar-se, poremos assim: ele disse ontem que estudava a lição, logo que tivesse oportunidade.
Trata.se, neste caso e outros semelhantes, do "período hipotético do real,"(designação não muito correcta,mas consagrada pelo uso).
Em casos assim, é por demais evidente que não temos condicional, mas futuro imperfeito de pretérito, sendo pois um tempo do modo indicativo.
Mudando tais frases para o discurso directo, dá o seguinte:
- - Estudarei a lição,logo que tenha oportunidade.
O mesmo não acontece, tratando,se realmente do "período hipotético do irreal, Neste caso e só nele, temos nós verdadeiro
condicional.
Exemplo: se tivesse asas como a águia, voaria então pelo espaço infinito, sem temer distâncias nem recear climas.
Em frases destas, nega-se o conteúdo condicional e bem assim o condicionado.
Evidentemente que eu não tenho asas: por isso mesmo, não posso voar, pelo espaço infinito. Se a condição posta é imposível, claro
se torna que impossível fica a acção condicionada.
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Silva Porto
2-10-1974
Quando me falaram no caso de Luanda, cujos subúrbios foram saqueados e entregues como pasto a chamas devoradoras, fiquei apreensivo e muito conturbado, pela triste sorte dos pobres comerciantes. É sempre lastimável um fim como este! Economia e tantos sacrifícios de largos anos, desaparecem nas chamas em que ficam, às vezes , os mesmos sacrificados.
Partiram ainda os que a tragédia poupou, mas não levaram consigo o que haviam amealhado, com inensa dor e tenacidade.
Lá foram eles, de braçoa caídos,procurar outro sítio, onde possam , com razão, julgar-se tranquílos.
Fiquei choroso, lastimanso vivamente a sorte dos ilhéus, procedentes que são de Cabo Verde.
Teria, possivelmente, havido alguns abusos? É naturalm mas nem todos, por certo, se achavam culpados. Há tantos inocentes!
Tanat gente honesta que labuta e sofre, para subsistir!
Enm casos assim, pagam todos por igual! Será justo=
Foi o que sucedeu, naqueles dias horrendos, na linda capital!
Não posso avaliar a culpabilidade, em uns e outros: os que partiram, de alma em agonia; os pretos do Musseque, ardendo em ódio que tira a paz e mata a ventura!
Entretanto, nessa hora, creio haver surgido uma onda alterosa de ódios e vinganças, recalcadas e nutridas, ao longo do tempo.
Terão vindo ao de cima abusos de outrora, que os presentes pagaram?
Lá diz o Ditado: Fazem-nas uns e pagam-nas outros!
O facto está consumado!
Veio a talho de foice a minha exposição, porque ante-ontem fui ofendido, na via pública, por um cabo-verdiano. O Chico actuou realmente de um modo incorrecto, pois negou o facto e não assumiu a responsabilidade. Além disso, teve um proceder bastante soez.
Atitude indigna e assaz reprovável, pois não reduou nem pediu desculpa, limitando-se a negar.
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Silva Porto
3-10- 1974
Ainda o emprego do condicional.
Ficou assente que o condicional, propriamente dito, apenas se utiliza, no período hipotético do irreal, em que se nega, implicitamente, o conteúdo pleno da condicional e da condicionada.
Assim acontece, na frase seguinte: Se tivesse um milhão, daria logo mil aos mais infelizes. Já na condicional eu nego o facto, que me lavaria prestes a ser franco e generoso. Ningué dá, por certo, aquilo que não tem.. Ora, se não tenho riquezas, não
posso usar de tamanha franqueza!
Trata-se, pois, do período hipotético do irreal.
É este, na verdade, o condicional autêntico. Por esta razão, não pode considerar-se um tempo legítimo do modo indicativo.
Efectivamente, o indicativo é o modo da realidade, como sucede na frase: se fazes disparates, sofres as consequências.
A pessoa que fala não investiga nem tenta saber se a dita condição se verifica, de facto. Dá o caso por certo e acabou-se!
Além do caso real, temos ainda o caso possível. Exemplo:
Se fizeres asneiras, sofres depois as consaquências!
Resumindo: só há realmente condicional, no período hipotético do irreal.
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Silva Porto
5-10-1974
Feriado Nacional
Há 64 anos, implantava-se a República. em terra portuguesa, razão pela qual se não trabalha hoje, fazendo em lugar disso a
comemoração do facto histórico.
Várias manifestações ocorreram nas cidades, dando lugar a júbilo e grandes expansões
Sou mais novo 8 anos que a nossa república, pois nasci exactamente, no ano do Senhor, 1918.
Não faço nenhuma ideia, sobre aquele regime que vigorou antes - a chamada Monarquia. Era constitucional, havia 90 anos
mas, seguno a História, não corria nada bem.
Os sistemas estrangeiros, aplicados à letra, sem tomar em conta amaneira de ser dos povos e nações e costumes próprios de suas gentes, é máscara simples de graves realidades. Deve atender-se a numerosas coisas, que não podem omitir-se.
Veio a República e, juntamente , uma época nova que, segundo consta, não foi de lisonjear. Caíam Ministérios, ao fim de alguns dias; havia motins e vários atentados: ninguém sentia paz em seu coração.
O 28 de Maio de 1926 foi recebido, com enorme júbilo.
Vem primeiro Carmona e logo Salazar. Com eles no poder, estabelece-se a ordem, começando o progresso.
Era uma Ditadura, um Governo forte que reprimia, enérgico, deserções e desmandos. Julgo que, no princípio, estava bem assim, para repor as coisas no devido lugar.
A nação progrediu e o país levantou-se do caos tremendo em que havia caído. Entretanto, a Ditadura manteve-se, indefinidamente, e alguns colaboradores do grande Salazar fizeram arranjos, dentro do sistema, vigente à data, locupletando-se a si e postergando o público
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Silva Porto
6-10-1974 (cont.)
Agora, o signo é outro. O 25 de Abril , Revolução dos Cravos, enche a boca de todos e, no princípio. foi ele acolhido,
com grande euforia, por toda a população.
Houve já nada menos que três Ministérios, demitindo-se em breve, não só Palma Carlos, mas também o Presidente da República Lusa
De todos os Partidos foram chamados três: Socialista e Democrático e o Comunista. Além dos mencionados, havia ainda o Partido Monárquico, o Liberal e outros mais.
As Direitas de então foram postas de parte. sujeitando a punição todos aqueles que as haviam integrado .
O termo" Democracia brotava dos lábios de toda a gente eadmitiu-se logo dar ao nosso povo mais liberdade.
Entretanto, o Primeiro Ministro, protestando ao vivo contra os actos do Governo, diz serem eles contra a Constituição. pois
tratando-se realmente dum Governo transitório, nada podiam fazer, com carácter fixo e definitivo.
Ao demitir-se, é logo chamado Vasco Gonçalves, até que agora, há cisa de uma semana, veio Spínola dizer que renunciava
ao cargo, pois via o País a caminhar para a ruína.
Pelo que dizem os chefes, que eu reputo sinceros, grassa no País, uma certa desconfiança.
Afinal, o Partido Comunista, é dito à boca cheia, tomou efectivamente a chefia de tudo, absorvendo o Democrático e formando uma só frente com o Socialista.
Afirma-se em voz alta que o nosso País jáestá nas Esquerdas. Isto creio eu não ser o melhor para a nossa Pátria, que
deseja no Governo ,além dos Comunistas e Socialistas, outros elementos, que representem ao vivo, outras áreas políticas
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Silva Porto
7-10-1974
Primeira aula em cheio, pois no dia 4 foi só a abertura.
niciámos a lida três semanas depois, o que nos traz apreensão, tanto mais que há hoje outras incertezas de carácter político e até
administrativo.
É muito delicada a hora actual e ninguém, entre nós, confia no porvir que breve nos aguarda. Os sucessos de Luanda que, infelizmente, ainda não terminaram, originam ansiedade, no espírito das gentes. Fogo posto às moradias,economia arruinada, os bens perdidos... a esperança abalada! Porquê este inferno?!
É isto, realmente, a Democracia?! Amostra de liberdade?! Esperávamos, sim, coisa bem diferente, do novo Governo! Para crermos nele e haver paz e progresso, é necessário já, que os ditos
indesejáveis sejam prevenidos e, em caso notável de reincidência, afastados, em breve da vida política .
Como pode viver-se, em clima de incerteza, onde a paz e o sossego deixaram de existir?! Perderam,acaso, o significado e toda a expressão esses termos de magia?
Ainda não perdi a confiança total nas pessoas do Governo, mas já se encontra um pouco oscilante!
No campo do Ensino, verificam-se também cenas lastimosas, em algumas cidades: ocupação imediata dos Estabelecimentos; atitudes agressivas; exigências descabidas; um
sem numero de coisas que ficam muito mal!
Como obviar aos males presentes?! Em povos emocionais, é
necessário que haja repressão, embora com medida, até ´que os
espíritos sejam esclarecidos.Atitudes moderadas, no acto de exigir demandam, bem entendido, que se tomem a sério determinados pedidos.
Outros, porém, são de afastar, pura e simplesmente. A nação prospera, logo que haja ordem, trabalho garantido, estabilidade e mútua confiança.
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Silva Porto
8-10-1974
Vai já decorrendo a primeira semana de tempo lectivo e, ao que vejo, tenho para mim que tudo se fará, ordenadamente. É cedo ainda, para tirar ilações, mas que é que diz a sabedoria do nosso povo? "Para tudo, na vida,se quer ver bom princípio".
É hoje o terceiro dia do ano lectivo e quer-me parecer ( ou eu me engano!) que os nossos alunos estão interessados em ganhar diplomas, em vez de se entregarem a certos distúrbios, pouco ou nada lucrativos.
Quanto ao caso, a minha opinião está formada, há muitojá: pretensão razoável é de escutar; injusta e descabida não deve atender-se. Apesar de tudo, é preciso tacto! Os ventos de fora sopram com fúria e são violentos, deixando, à passagem, vírus
infecciosos, que podem alcançar os menos ponderados.!
Quantas vezes se imiscuem elementos suspeitos e nada gratos, a serviço do estrangeiro, os quais fazem distúrbios e incitam os outros a fazer a mesma coisa?! De princípio, ningém se apercebe
mas, passado algum tempo, o nada avoluma-se, toma logo corpo e
redunda em zaragatas! Portanto, em casos destes, a máxima prudência, ao tomar decisões!
Nada exigir que não seja razoável e aprovado, anteriormente pela
maioria de cada turma. É que os rapazes como as meninas tèm
quase sempre a noção exacta do justo e razoável! Não sendo atingidos por tóxicos deletérios, serão os primeiros a dar-nos razãoe a apoiar também os nossos objectivos.
Compreensão e diálogo actuam, pois, como dados básicos de primeira ordem. Serei eu pos, o mais justo possível,aceitando
por norma pedidos, equilibrados, mas endo firme, quando haja abusos
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Silva Porto
9-10-1974
Começaram de pronto as medonhas trovoadas!
Quem veio, há pouco, de solo europeu e assiste desprevenido a tal
espectáculo, não pode, ao que julgo, manter-se calmo nem cumprir devidamente os seus deveres. É algo horripilante, grandioso e,medomho , que pões os nervos em desafinação e logo
origina fundo mal-estar!
Ainda ontem, pela tardinha, se reptiu, por várias vezes, esse
hórrido soar que as gentes receiam e respeitam, a valer!
A princípio, recolhidos já, em nossos abrigos, começou a luz a escassear de leve, como se de facto a noite se abeirasse, vertiginosamente.
O luzente Sol da zona tropical não emite seus raios ou melhor diria, espessas camadas de nuvens porfiosas,.suspensas na atmosfera, lhe tolhem a passagem, sendo elas formadas por fina poeira, nuvens e areia. Como se isto não bastasse,originam-se, em breve,, correntes fortes de ar sacudido, que agitam as árvores,, por forma violenta e amedrontam os brutos, recolhidos nas tocas.
Não se enxerga vivalma!.Olhando então pela janela, avista-se, ao longe algum desgarrado, colhido de surpresa.
Inquieto e ansiado, aguarda nervoso, sob densa ramagem, o fim do temporal. Mas agora é diferente, pois ele tem visos de não acabar!
Entretanto, a noite caminha, urgindo assim o regresso ao lar, onde um tecto carinhoso preserva do perigo. e um coração belo e generoso,em ânsia ardente, bate apressado! Agora, a cena é
majestosa, embora tétrica, enervante e pesada.
Relâmpagos aos centos cruzam-se e brilham, intensamente,
rumando logo em várias direcções, enquanto iluminam o espaço todo, para o deixarem , logo em se guida, na maior escuridão.
Horrendos trovões ressoam nos ares, e o homem impotente,
em face da Natureza, torna-se mais pequeno, inútil e vão.
Em sua vaidade e orgulho rematado, vendo claramente que náo pode sobrepor-se a tamanhas forças, abisma-se calculandolo e teme para logo, o horror da morte, conduzida, talvez, por um raio luminoso.
Última flama, neste mundo pecador? Derradeiro cintilar que fere os seus olhos? Deus é que o sabe!
No meio de tudo isto, só Ele é grande, imensamente acima das forças da Natureza!
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Silva Porto
10-10-1974
Vinte e uma e 15!
Ao pequeno intervalo, pus-me a dialogar com o amigo Vidal, acerca de aulas escassez de professores e regime interno de acumulação. Prendi-me de tal modo, que assim olvidei o Livro de Ponto. Melhor diria; quando o procurei, não se encontrava no
lugar habitual
Palavra traz palavra, eis que me encaminho para a sala de aula, onde ocorreria a lição de Inglês. Só me apercebi de que faltava o Livro, quando o precisei, para escrever o Sumário,
Bonito serviço! Havia só um recurso: premir o botão sobre a
campainha, e chamar o Contínuo. Não fazendo, este marca falta,
muito embora eu esteja presente.
Toquei uma vez, toquei outra ainda, repetindo mais uma, com bastante insistência.
Os nossos Contínuos, com excepção de muito poucos, distinguem-se bem, pela serenidade e paz de coração.
A gente chanma... chama... e eles moita! É que assim vive-se melhor e durante mais anos!
Enfim, ao cabo de muito tempo, lá surgiu então um endemoninhado, rosto cenudo e cabelo em desalinho, apresentando na figura, sinais evidentes de sacrifício a Baco.
Conto-lhe o sucedido, que dá mostras claras de não fixar,
pelo que eu repito, vezes sem conto: 4º R A!
Lá se arrastou o nosso benfeitor que, para levar bem o seu
mister, julgava erradamente não ter precisão de maçadas e incómodos
Em seguida, qual Júpiter furioso, abre a porta da sala, para
fazer entrega do objecto pedido e, ao entregá-lo, iracundo e firme,
vomita nos meus ouvidos, a seguinte verborreia, numa atitude hostil:" Os senhores professores é quem tem obrigação!"
Fiquei desnorteado, com tamanho arrojo e os modos plebeus
daquele homenzinho.
Quanto mais delicados procuramos ser, maior o abuso de soezes e rústicos!
Lá diz o provérbio:" O vilão dá-se-lhe o pé toma logo a mão!"
O mais curioso é que, ao sair do alpendre, me pediu o guarda-chuva.Como estava a chover, não pude emprestar-lho
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4Silva Porto
11-10-1974
Ando a ler com interesse o livro "Psicologia", utilizado no 6º ano, o qual tem por autor:Augusto Saraiva. Percorri deleitado 65 páginas e cabe-me dizer que vou de vento em popa,
seguindo com ânsia os diversos pareceres e conclusões que o autor apresenta..
De tal modo acompanho o evoluir da matéria, integrando~me bem no evoluir do conteúdo,que me esqueço do mais, levando-me logo a alimentar esperanças e sonhos dourados,
que, mal de mim, já não posso realizar.
Na verdade, se não fossem,realmente, os 56, iria gostosamente frequentar ainda a Universidade, especializando-me na dita matéria. Assim, há-de bastar-me o que posso ter à mão.
Ao estudar a Filosofia, tinha só 20 anos, pelo que agora acho outro sabor a essa matéria, despertando em mim a curiosidade, num grau inconcebível.
É que, nesta altura, vários factores militam, de facto, a meu favor: a idade em cima; a longa experiêmcia; a leitura frequente; a observação e até a calma.
Acho curiosa a divisão típica dos fenomenos psíquicos, feita por Freud, atinentes ao eu, super eu e infra eu.
Impulsos fortes e inconscientes que movem ao prazer; proibições e normas, resultantes, é claro, da educação e da pressão social; força orientadora e moderadora (eu).
Se esta última não age, devidamente, pondo as coisas no lugar e procurando manter o equilíbrio, temos o neurasténico e
desequilibrado, o ser frustrado, talvez inepto e revoltado.
A educação gregária que tanto me prejudicou e considera o
homem como roda de máquina ou célula dum corpo também me deu que entender!
A contrária que o autor denomina" educação racional", é que me enche as medidas.
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Silva Porto
12-10-197
Todo início é algo doloroso: início de uma vida; começo dum mister; principio e lançamento duma nova sociedade.
A Revolução Framcesa cortou, em 1789, 40000 cabeças.
Apesar de tudo, inda há dificuldades, para integrar a sociedade, no lema desejado.
O Médico sofre horrivelmente, porque os seus primeiros passos estão sijeitos, diversas vezes, a impulsos do azar.
Em África, aplica-se também a lei geral.
Estão delineando novas sociedades, agora febricitantes, em virtude de os povos ganharem consciência dr que o belo Sol, criado por Deus, há-de ser para todos.
A consciencialização traz imensas agonias: os bem instalados perdem seus direitos; os remediados que viveram parcamente e levaram, não raro, vida sacrificada, olham o futuro com imensa amargura; os pais agonizam e temem, com muita razão, pelo futuro incerto de seus caros filhos
É um cortejo longo, longo de angústia e miséria, alteração cabal de quanto sonharam!
Independência negra, sem parte dos Brancos deixa estes à
mercê de caprichos e arbitrariedades.
O ideal vinha a ser: participação das forças vivas no Governo da Nação, tendo as facções delegados próprios, como garantia firme de todos os seus direitos.
Onde há homens há sempre defeitos e, por vezes, nefandos crimes: são logo vinganças e retaliações; opassado longínquo a vir ao de cima; hora bem azada qoe os celerados aproveitam logo;
labirinto infernal, em que tantos inocentes ficam imolados!
O grande mal-estar reside exactamente no facto lastimoso de o homem, neste mundo, se desligar de Cristo, fonte
perene de pax inexaurível e supremo ideal de perfeição.. Longe do Senhor, emerge a besta humana,com seus caprichos e fundas taras, desencadeando hórridos vendavais, que tudo levam, à sua passagem
Que Deus guie estas gentes, de modo especial os poderes constituídos, para que o sangue inocente não molhe o solo pátrio, derramado sem fruto, nas aras da vingança ou nos altares, harto pomposos, da impiedade.
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Silva Porto
13-10-1974
Acabo de ouvir, com certa alegria, um comunicado
sensacional: o Partido angolano que não tinha ainda deposto as armas, - a FNLA - vai já cessar as hostilidades, em 15 do corrente. Se bem entendo, chegaram finalmente a um acordo geral
os partidos em contenda, para formarem uma frente só, conforme o desejo expresso do Governo Português.
Imenso alívio para todos nós! Findou assim a guerra colonia!
Interrompi o meu Diário, para ouvir, em Língua Francesa, a
Radio RSA da África do Sul. Ora, confirmaram as notícias e eu,assim,fiquei elucidado, em que tinha dúvidas. Sintome feliz e
exprimento decerto uma sensação de enorme alívio.
Efectivamente, chegaram a acordo todos os Partidos, que pegaram em armas, durante a guerra que nos foi imposta. Numa Conferência realizada em Quinchasa, naqual tomaram parte Holden Roberto. Chipenda e Savimbi, foi decidida uma frente comum, ordenando o primeiro ais seus Oficiais que, a partir de 15, cessassem de todo as hostilidades.
Venha a paz dourada para todos nós! Trabalhemos antes, as mãos nas mãos, para fazermos de Angola uma grande nação, em harmonia, paz e progresso, compreensão, paz e amor.
Fala~se já num Governo provisório, a formar em breve, tendo proposto os Movimentos de Angola o Emgenheiro Falcão.
para fazer parte.
Creio, desde já que uma página brilhante se vai escrever,na História de Angola, em que lavra agora tamanha angústia e se ouvem, a pa,r tantos ais e lamentos!
Deus favoreça os esforços de todos, na mira de uma paz, justa e dura doura.
Vinde, Senhor, vinde já e socorrei,nos! Qur se faça justiça, mas na paz e no amor!
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Silva Porto
14-10- 1974
A noite passada, fiz gravações. Havia mais de um ano que não usava o útil gravador, razão pela qual demorou bastante recordar-lhe o actuar, Tais operações ocorreram ontem, momentos antes de entrar no leito! Foi hora e meia carregando nos botões,, a
fazer girar a fita e não sei que mais.
Por fim, eram já 22 e 3o minutos! Deitei-me sem demora, para utilizar a manhã seguinte, favorável ao silèncio.
Durante a noite, ouvia-se um radio, que me impedia o trabalho, Ora, logo de madrugada, ainda antes das 5, já me punha a pino, visto ser neu desejo apresentar-me nas aulas com a dita gravação.
Meu dito ,meu feito! O maquinismo foi posto em acção, gravando, nessa hora, lições de Inglês para o último ano da Escola Técnica. No entanto, é vão e inglório fugir dos perigos, visto que eles surgem, quando menos esperamos.
No maior entusiasmo, ouço um cão irritado, que estava protestando não sei conta quê! Se eu pudesse chegar-lhe, naquele oportunidade! Nas enfim, estava muito longe e fora de acçao!
Lá fui esperando, com intermitèncias, conforme lhe dava na real gana. Sentado na cama, fui realizando o meu objectivo. Não
ficou muito mal!
Experimentando, no final de tudo, achei desde logo que estava sofrível,embora necessitasse um poucco mais de altura.
É que as nossas turmas de 42 alunos, dispersos como estão, em amplas salas, requerem na verdade maior entoação.
Vamos lá ver se dá para todos!
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Silva Porto
15-10-197
Ontem, de manhã, pediram-me um seriço que logo recusei, pois vinha prejudicar o bom andamento dos meus trabalhos. Gostaria imenso de ser prestável, mas servir os outros, com dano grave, não me assiste coragem para tal sacrifício!
Por um lado, noto simplesmente que só olham para eles, não
lhes importando que o próximo sofra. Deste modo, seria fácil viver. Rogar, se preciso, que alguém nos ajude, é lícito fazê-lo, mas devemos estar prontos para ajudar também. É o que diz há muito o aforismo latino: Do ut des.
No campo religioso, o ideal seria dar, não esperando compensação, mas isso afinal, é já um grau alto de perfeição. do
qual nem todos serão capazes, por falta expressa de generosidade
ou vocação firme para o heroísmo.
Além do mais, não daria a minha aula, o que seria, realmente uma falta grave. Aleguei então que via mal ( e não era mentira) e que tinha uma aula, a seguir ao furo.
Não teve acolhimento a minha alegação, mas isso não importa, pois eu e mais ninguém é que disponho de mim.
Andar à pressa, co 56 anos, não me parece ideal que seja realizável, por não ser, de facto, adequdo ao tempo nem espontâneo.
Não basta já que eu o tenha feito, durante a vida inteira?!É tempo demais para descolonizar-me! Isto nada mais fazer do que
seguir a vontade alheia e sujeitar-se aos caprichos de muitos, é tempo de acabar! Findou, sim, pelo que me toca!
Nasci esmagado, lá na minha aldeia, cheio de privações, levando ali vida humilhante, imprópria do homem! Sempre correndo, fazia madrugadas e entrava nos serões.
Fui estudar, à minha custa,, sempre com o matraqueio de que era pobre; avancei entre espinhos, com o medo a meu lado,
tendo por companheiro o receio enorme de sossobrar,; medo obsidiante de que meus pais falecessem... enfim, uma série de papões que fizeram da vida uma existência que eu não vivi.
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Silv Porto
16-10-1974
Como a vida se apresenta e em que circunstâncias para os seres humanos! Ouvi ontem referi-lo e fez em mim tal impressão, que nada aí haverá que a possa dissipar!
Vagidos de bebé, exposto no mato!
Débeis, sim, mas audíveis já! Alguém que passava apercebeu-se
do facto
A principio, leve murmúrio chamou-lhe a atanção, imediatamente, pois a vozita, persistente e contínua, acusava decerto um grave incómodo! Um apenas ou mais? Não sei, a rigor, como hai-de chamá-lo! O meu pobre ser estremece de horror! e sinto na alma um frémito profundo que abala e prosterna!
De quem era, afinal, aquela vozita, em jeito de protesto? A
quem pertenciam os vagidos queixosos em lamentos sem par?
Impotência e dor, angústia e drama!! Um bebé recém-nascido,
abandonado e já lacrimoso!
Assim começa a vida o inocente infeliz!
Cheiinho de formigas que lhe percorriam o débil corpito, clamava
altamente, na sua impotência e grande miséria! Esfomeada e nua, a pobre criança aguardava ali um coração bondoso que a levasse a um Ninho.
Foi o que sucedeu! Hoje, encontra-se internada e ao abrigo
afagante da bela caridade! Desastroso início! Inconsciècia dos homens e bem assim a ânsia do prazer leva as criancinhas à maior dor humana!
Como pode a criatura descer tão baixo?!
Horrorizado, perante o facto, ocorrido na região, não posso escrever e perturba-se a razão! As ideias atropelam-se e não é dado exprimi-las já, convenientemente!
Disseram ainda que a mãe novita e está frequentando o primeiro ano da Escola Preparatória
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Silva Porto
17-10- 1974
Uma aula de Inglês.
Ocoreu ontem, após o meio-dia. Aquela turma ingrata vai prosseguindo,à luz da desordem, sob o signo da incúria.
Quase há três anos, com o mesmo professor e, apesar disso,
nem proveito nem arranjo nem qualquer outra coisa, representando agora leve melhoria!
Não há dúvida nenhuma de que está condenada! Àpartes... risinhos... comentários furtivos! É nauseabunda!
Isto que refiro, apesar da insistência, cá da minha parte, arrasta-se já há muito tempo. O último caso deixou-me furioso. Além do mais, agora está junta com a F.F.
Alguns dentre eles, querendo ser engraçados, procuram exactamente a aula de Inglês. Caso de inspiração? Podia ser! Tal
é o caso do Carlos e do seu amigo Melo.
Refiro-me, já se vê, à turma dos mecânicos, a qual tem perdido alunos, ao longo de três anos.
Foi esta razão que, no ano corrente, houve de juntar-se à Formação Feminina. eu é que agora não estou para amar!
Qualquer dia vomito-a pela boca! Já estou saturado, com tanta garotice! Irra! é para isto, afinal, que uma mãe cria um filho?!
Num futuro próximo, já lhes tiro as peneiras!
Hão-de fazer um Ponto como gente grande! Então é que hão-de ser elas!
O ano passado, nunca dei notas abaixo ae 8, no primeiro período, afim de os ajudar, na média geral, relativa aos outros dois, Este ano, porém, ainda não sei, mas bacoreja-me que as levam, provavelmente, segundo os Pontos que apresentarem..
Assim é que entendem!
Linguagem diferente julgo não a captam ou não querempercebê-la., quando chega a seus ouvidos,
A Formação Feminina era tão sossegada! Agora, com tais demónios, tudo se transformou, Eu, porém, é que não estou disposto a aprsr-lhes o jogo! Ou se emendam, procedendo como gente ou faço das munhas!
Não sou nenhum palhaço, para se isentarem de prestar obediência, portando~se em geral, como autênticos macacos!
Verei, nos próximos dias como sopram os ventos
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Silva Porto
18-10-1974
Realizar de um sonho? Quantas vezes penrei nisso, desistindo, em seguids! Entretanto, a realidade persiste e eu hesito novamente!
Pedir à Santa Sé a dispensa do ónus que acompanha os presbíteros... Lembra-me, a propósito, o que um dia ouvi dizer a
uma Religiosa, de origem espanhola:" uem comeu a carne coma também os ossos!"
Isto expunha ela, a pretexto da velhice, não decorrendo, em zona da Galiza, mas em Portugal, onde trabalhava.
Não é bem o caso, pelo que me respeita, entretanto existe semelhança.
Lançaram-me por via, em que tenho deslizado e ao longo da qual vou ainda caminhando, há mais de 30 anos.
Tratando-se embora de uma bela realidade, para aqueles que a vivem, não creio estar eu no caminho verdadeiro, pois fui de opinião que não devia segui-lo e movi-me contrariado.
Jamais alegria nem entisiasmo! Foi um ónus pesado que me lançaram nos ombros, após um treino cego, unilateral e mecanizado! Só mostraram uma via, sem alternativas, ocultando as demais ou evitando margem, para eu esclarecer-me.
Decorreram os processos, como se em mim não houvesse,de facto, personalidade nem usasse critério, para dispor.
Encaminhado, pois, numa só direcção, tinha de segui-la, forçosamente, julgando ser única.
Criado numa aldeia, perdida na Serra, onde o progreso não tinha assento, várias barreiras se ergueram ante mim. a tolher o
caminho da escolh pessoal.: problemas económicos; atraso social do meio, em que nasci; religiosidade quase absorvente; restrições morais;; consiència apertada; credulidade inata.
Quando Deus chama, tudo está bem! Não creio, a rigor, que seja o meu caso, com ónus de celibato! Imperou somente a vontade alheia, a maneira estranha de ver as coisas ou a teimosia,não tomando em conta as razões que aduzi., em sentido contrário.
Fui sincero e leal, dizendo francamente ser de opinião que não era aquele o caminho a seguir! Empurraram-me, no entanto, oloriginando um destino, com altos e baixos, num desassossego que as palavras não exprimem!
Estou convicto de que Deus no Céu não discorda também, apoiando o meu pensar.
Portanto, mais uma vez o problema surge! Pensarei, com demora!
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Chitembo
19-10-1974
Três semanas após, sabe que nem mel voltar ao remanso, onde as férias decorreram!
Como é agradável, repousante, desejada, a permanência aqui!
Rumores que entorpecem, agitação que nos envolve, mil e uma perturbações que a ressaca deixou, tudo aqui desaparece como por encanto! Quão grata suavidade baixa, desde logo, ao peito angustiado!
O nome "vila" só por ironia, já que nem aldeia ela chega a ser! Aglomerado exíguo não passa de "lugarejo" O que lhe dá certa cor é a via de Serpa Pinto e o Quartel Militar. Se não fora isso, quem se lembraria do encantado lugar?!
Apesar de tudo e embora contra tudo, havia de eu lembrar-me, que mourejam aqui os que o sangue e a orgem tornam semelhantes. É isto que me prende e, à maneira de corrente, me traz algemado
Estou agora a escrever em cima do joelho, sentado na cama.
Luxo e comodidade não existem aqui, mas para compensar, há outras realidades, mais belas ainda, como o bem-estar, a compreensão e a bela harmonia.
Fazem bem estes ares! Esquecer Silva Porto,livros e cadernos e, bem assim, os rostos habituais, que deixo de fixar,
gera na alma doce refrigério, que alenta e dá vida.
Amanhã, pela tarde, faço as despedidas, mas com saudade e
pendor acentuado, para não sair.
Viesse para aqui a Escola Preparatória! Concorria logo! Leccionaria Português e Francês, de que tenho larga prática e
bastante experiência.
Como iria aqui sentir-me bem, juntinho dos meus!
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Chitembo
2o-lo-1974
O Sol vai subindo, no azul cativante do céu infinito. Ao longe e ao perto, derrama seus raios de ouro flamejante, alegrando a Natureza e fazendo-a reviver. Surgiu no horizonte sem eu dar por isso, mas fui diligente e esfuziante, ao seu encontro.É que ele, na verdade,assoma triunfal, no horizonte carminado.
Antes quero precedê-lo, de olho fito no Levante, que ser ele o primeiro a clamar por mim. Será este, a rigor, o caminho ideal?
Muitos aí há que fazem da noite como se fora dia, entregando-se em cheio ao crime e à droga, até de madrugada!
Não me refiro aqui,evidentemente, aos que a vida obriga a longas vigílias, porquanto esses actuam por força.e necessidade.
Há também, claro está, as aves nocturnas e certos animais que não suportam a luz, visto que o Céu os fadou realmente, para exercerem actividades, pelo tempo escuro. Com o ser racional já o
mesmo não ocorre. Por isso, exactamente, é que eu me deito cedo,
entre as 21 e as 22 horas, para um dormir que me preste.
É que, na verdade, importa erguer cedo aproveitando no estudo a melhor parte do dia.
Após noite bem dormida. 8 horas chegam, não sendo enfermiço.
É gostoso dedicar-me a labores, em que aplico a inteligência.
Não sofre comparação o trabalho nocturno com o que é feito, ao
longo da madrugada.
As fadigas acumuladas e,bem asim, a dispersão do espírito, por
coisas variadas que absorvem a atenção, originam barreiras ao labor do intelecto.
Querer, de facto, estudar a sério, vendo cinema, durante a noite ou fazendo também da noite dia,é enganar os outros.
Assim, treino os meus sobrinhos, para seguirem na vida um rumo acertado
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Silva Porto
21-10-1974.
Baixei à liça, onde apenas triunfa aquele que trabalha.
" Comerás o pão com o suor do teu rosto" é palavra eterna que o Senhor proferiu: não pode falhar! Por isso, mãos à obra, para ganhar e merecer também o saboroso pão; aplicar utillmente as minhas faculdades; ajudar o semelhante e ocupar o tempo, de maneira agradável.
Se a nossa felicidade consiste exactamente em achar prazer naquilo que fazemos, logo que a tarefa se escolha livremente, há-de volver-se, por certo, em fonte de prazer que nos faz ditosos.
Desta maneira, atenua~se um pouco o viver amargurado que levamos, neste mundo.
Vou, pois, ministrando úteis noções aos jovens desta época, para assim fomentar a valorização destas gentes amigas, e a sua formação, religiosa e moral.
Actualmente, só dou aulas de Imglès È mais fácil a tarefa e rende bastante mais, intelectualmente. é que, deste modo, não preciso de repartir-me por matéwrias diversas, como era na Metrópole. durante os longos anos, em Ensino Particular,
Dava então Inglês, Português e Francês, acrescentando a isto Ciências da Natureza, História e Geografia,Alemão e Latim. E as matérias extensas do 6º e 7ª ano , em que figuravam também Inglês e Alemão?!
Trabalho exaustivo e assaz deprimente, não compensador,
sem noite nem dia, para respirar!
Não quero lembrar esses tempos ingratos, em que não fui parar ao
triste Manicómio, por ter Deus no Céu e alguém na Terra a pedir por mim!
Aquilo, na verdade, era insuportável! Coisas lamentáveis do Ensino Particular, não pago pelo Estado, em que se abusa dos Professores, como se fossem rodas de máquina potente!
O interesse patronal é o grande objectivo. Ainda bem que mudei para o Oficial! Só tenho pena de não havê-lo feito, há muito já! Se eu adivinhasse! Mas é proibido!
Estou como Bocage, embora o faça, por motivo diferente:
"Saiba morrer quem viver não soube!"
Outros se queixarão, com mais razão ainda do que eu o faço! Vale mais tarde que nunca!
Não há patrão como o Estado!
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Silva Porto
22-10- 1974
O momento que passa é de grande aflição para todo aquele que não tenha cor preta.Apesar de tudo, gostaria imenso
dum Governo estável, fosse embora constituído só por indígenas.
Havia de ser melhor que a Junta Governativa, pois esta, realmente, em nada protege os da mimha cor.
Insultam-se as pessoas, há roubos e incêndios, perpetram-se crimes e nada se faz, para os evitar. Não percebo tais medidas ou melhor ainda: percebo-as demais! Seria desejo, bastante aceitável
pela gente de bem, que pessoas e cargos, bem como os haveres, ficassem assegurados e que a paz e a ordem reinassem por toda a parte.
Assim. porém. quem pode haver que esteja descansado?!
É deveras lamentável o que tem ocorrido! Descolonização, mas sem enxovalhos a quem nada fez contra o seu dever! Quantos houve até que puseram em jogo a própria vida, a saúde e os bens,
só para benefício das gentes nativas! Não fizeram isso os Missionários e as Religiosas?!
Mesmo aqueles que mourejam ou mourejaram também lá no passado, para que Angola se desenvolvesse, não serão eles credores de mais alguma coisa?!
A penas gracinhas, vilipêndios a rodos e humilhações?!
Haja quem governe,exercendo o cargo honestamente!
Não acho justo que se postergue o preto, afastndo-o por norma, de funções públicas. Havendo capacidade e preparação, algo conveniente, deve ser chamado.
Venha, pois embora um Governo de pretos, mas que seja realmente garantia de paz, bem-estar e ventura..
Ideal seria uma sociedade muli-racial,com governo abrangente
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Silva Porto
23-10-1974
Os brancos vivem na angústia, em terra angolana e temem. com razão, o dia de amanhã.
A insegurança de bens e pessoas, a instabilidade que a vida apresenta e o custo assustador do que há no mercado, leva a gente a reflectir, pesada e gravemente, gerando para logo enorme apreensão.
Que será de nós todos, num futuro próximo?! Esta é, de momento, a voz magoada, permanente e dolorosa, que se ouve, a cada passo. Estas palavras brotam da alma, repassadas de amargura, sem um vislumbre que possa elucidá-las ou emprestar-lhes algum refrigério.
Ouvi, ontem, precisamente, um chefe de família, que mora neste prédio. Em conversa, no balcão, dirigindo-se à esposa que falava para alguém, dizia com ênfase e certo desalento: " Medo não tenho mas, o que me acabrunha é lembrar-me agora que tenho de partir com as mãos a abanar"
Estas palavras expressam a mágoa de quem veio da Europa ou já nasceu cá: não é tolerado. Efectivamente, que vai fazer alguém, com 50 anos, 60 ou 70? Havendo aqui trabalhado e considerando a terra como coisa sua, quem admitiria, uma vez que fosse, a ideia torturante , desumana, irracional, de tudo abandonar, para longe daqui buscar um abrigo, em terra diferente?!
Isso é possível, aos 2o anos ou ainda aos 3o!
Por outro lado, cheios de família, com três ou mais filhos, como vão encarar o futuro da prole?!
É decerto angustiador o momento que vivemos! Se houvesse ainda uma plataforma, um consenso razoável qie pudesse ajudar, na triste conjuntura!
Os ódios, porém, e a campanha deletéria que se fez, durante
a guerra, vão agora produzir seus efeitos maléficos.
Deus proteja Angola, pois ninguém, senão Ele, o pode fazer!
Se o Pai do Céu fosse vingativo que seria de nós!
Pois não têm certos brancos esquecido inteiramente as leis do Senhor?!
Confiamos, no entanto, que Ele nos defenda , ampare e acarinhe!
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Silva Porto
24-1o-1974
Aulas de noite.
Às 21 e 15, lá fui dar ontem uma aula desgarrada, o que vai suceder, às segundas-feiras, quartas e quintas. De todo o labor,é o
que mais pesa sobre os meus ombros. Habituado, há longos anos,
a deitar-me cedinho, sou forçado com frequência, a violar os meus hábitos e a arrostar, desde logo, com os duros elenentos da
Mãe- Natureza.
Aqui, sim, é que está o busílis!
Ontem, à hora habitual de ir para o leito, com os olhos cansados e cheios de sono,horrendo vendaval surge pela proa!
Vou à Escola Técnica?! São dois quilómetros ou cerca disso! Não vou! Hesito, vacilo e não há solução! Entretanto, é forçoso decidir prontamente! O cumprimento do dever assumido foi na
minha vida uma coisa sagrada!
Na verdade, quem toma compromissos deve cumpri-los,doa
sim ou não!
Neste momento, o bem da comunidade sobrepõe-se com força ao bem do indivíduo. Seria penoso saber eu alguma vez que os alunos da noite estiveram à espera, mas fora em vão, regressando aos lares, de alma caíde e revolta no peito! Lá fui. pois!
A connsciência resoluta levou de vencida a vontade perplexa, De 5 alunos faltaram só 2, sendo um deles de Nova Cintra.
É vontade séria de triunfar na vida! Após um dia, todo ele de trabalho, deslocar-se o Qieiroz, de Nova Cintra a Silva Porto, afim de preparar um futuro melhor!...
Que notável exemplo para muitos jovens, que perdem o tempo volteando nas ruas, sem outro cuidado que não seja o do pêlo, ondeado e comprido e a vigia das esquinas!
Duas correntes, assaz contrárias que se entrechocam, bastante amiúde! Quando é que a razão virá sobrepor-se ao mesmo instinto?! Quando é que a sensatez virá tomar o passo à frivolidade?!
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Silva Poro
25-10-1974
Hoje, ao chegar à sala, destinada aos professores, vi na mesa grande três folhas enormes que breve me encheram de satisfação. Não sei, realmente, que sortilégio estranho encerram tais dados, que logo alteram o peito dos viventes.
Preenchi, sem demora o espaço do meu nome, onde vi sem demora, em letra de imprensa: " Recebi".
Não me fiz rogar! Escrevi, alvoroçado, a minha identidade e... zás! Já está!
Agora é só aguardar que façam todos o mesmo, para que a "massa"venha até nós.
Razão tinha decerto o nosso João de Deus, para dizer nos seus versos:"O dinheiro é tão bonito Tão bonito o maganão Tem
tanta graça o maldito Tem tanto chiste o ladrão!"
Bom! É material a que a gente,de facto, não pode renunciar
Por meio dele, obtemos o necessário, para viver.Costuma dizer-se, por modo geral, que o maior bem é a nossa vida e, com certeza, não há engano! Ora, como o dinheiro é essencial para a mantermos, daí realmente, a sua importância!
Mas, voltando ao momento que ontem se viveu, aquilo é divertido!
Fui eu o primeiro a chegar ao local. Estando a chover, recorri ao Taunus, para suavizar o longo percurso. Como resultado cheguei mais cedo!. Por esta razão, pude observar o que estava ocorrendo.
É claro e natural que nenhum dos contemplados se mostrou indiferente: o rosto alterou-se; os gestos esboçaram-se; a vida tomou cor e ganhou relevo.; a própria fala se tornou, desde logo mais viva e agitada,
E os olhos? Esses revestiram-se logo dum bilho invulgar,
Dir-se-ia estar ali a salvação de todos. Isto, não obstante a desvalia do metal precioso. Ainda ontem me disseram que, para obter uns 1oo$00, é preciso desembolsar 185!
Que grande pavor e até desilusão! Portanto o diabo anda já metido nestes assuntos!
Os homens, com todo o fel e sua ruindade, não dariam às coisas tão maléfico destino!
Se Deus não intervém, que é que vai acontecer-nos?!
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Silva Porto
26-10-1974
A mana Agusta foi ao Chitembo, ficando nós, os restantes. em Silva Porto, o que raro acontece, pois é hábito velho sairmos todos. Vários motivos se hão conjugado neste sentido, sendo o maior deles treinar os meúdos , para se orientarem. De facto, a necessidade obriga a tudo, criando situações em que temos de bastar-nos.
A vida humana sofreu, em nossos dias, alterações um tanto
imprevisíveis, de modo que a pessoa vê-se logo em perigo, não dando solução, imediata e capaz, aos casos possíveis que barrem o caminho.
Em nossos dias, as coisas voltarm-se. O branco, agora, tem necessidade, absoluta, inadiável, de fazer, ele próprio, todas as coisas, visto que, dentro em breve, nem por dinheiro os pretos os servem.
Descolonização? Ódio refinado? Vingança reforçada? De
qualquer maneira, a presente realidade é muito diferente do que era antes.
Sendo isto assim, urge desde já, fazer face aos problemas
adaptando-se os brancos à nova situação
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Este foi pois, o motivo principal que nos levou a ficar.Deste
modo, pesa sobre eles a responsabilidade,: orientar a casa; fazer as refeições e o mais que é preciso, como estudar e criar aspirações, com vista ao futuro
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Silva Porto
27-10-1974
A grande má vontade, ódio e vingança que reina em África (e não so) contra Portugal e os Portugueses, foi semente daninha, que os nossos inimigos e invejosos lançaram por aí, ao longo de 13 anos.Cobiçavam o petróleo e os diamantes!
Que foi, na verdade, o que a velha Europa veio encontrar
no continente africano? Para ser imparcial, afirmo desde já que foi
mais e muito mais o que ela trouxe do que levou daí.
Tenho em mente a riqueza do espírito e não a da matéria!
Efectivamente, se fizermos o balaço obteremos, sem dúvida, um
balanço positivo.
Só a má fé, a ambição e a cobiça podem contestar a minha afirmação. Saldo positivo: lindas cidades, arejadas e modernas; largas avenidas que deleitam a vista e dá gosto percorrer; praças imponentes e mimosos jardins; piscinas e barragens; Liceus e Escolas;
óptimas Faculdades e Universidade; centros agrícolas
como pecuários; hospitais e asilos,jardins de infância; quartéis militares, enfim, montões de coisas,em que avulta , certamente a expansão do Evangelho, com as novas igrejas e centros de catequese.
É de tomar em conta a cessação das querelas tribais, um dos maiores cancros do continente africano, se não falarmos agora do feiticismo.
Saldo negativo: alguns casos de abuso, em que a lberdade e assim a dignidade se não tomavam em conta; alguns maus exemplos, em que a honra e o carácter não moravam já; injusta repartição dos bens materiais e falta de acesso à instrução ( nos
primeiros tempos) e aos cargos públicos.
O A cto Colonial, publicado por Salazar,na década de 3o. dava iguais diueitos a todas as raças. Mais recentemente, várias arestas se estavam limando.
Silva Porto
28-10-1974
Houve comício, a 27 do mês corrente. Vibrantes aplausos! Entusiásticos vivas! Barulho não faltou, para acompanhar! O MPLA estava presente. Não tomei parte, mas foi muita gente, avaliando o caso pela algazarra, assobios e vivas.
De todo lado, vinham pretos eufóricos e havia apressados que traziam no rosto a imagem do triunfo e a esperança fagueira de melhores dias.
Tive a impressão de que, ao longo das ruas, circulavam carros, apoiando o Movimento. Até me disseram que os soldados brancos se integraram no acto.
Consta por aí que o MPLA tem muitos adeptos, ainda entre os brancos.
Nem critico nem defendo! Cada um é livre e dispõe de si, para fazer o que bem lhe aprouver. Entretanto, exactamente por isso, vou deixar aqui a minha opinião: se dão aos brancos representação no Governo de Angola, como eu entendo que havia de ser, devem todos unir-se numa +unica frente, para defenderem os seus interesses,
Esclareço melhor: não para lutarem; sim, para trabalhar, em
perfeita união. Inconveniente, nenhum há decerto, pois que os ditos brancos são em menor número
Caso não seja dada qualquer representação, o que acho injusto,desacertado e pernicioso, ingressaria cada um naquele
Movimento que melhores garantias oferecesse, à data..
Isto que apresento dependeria, já se vê, das afinidades: sociais, políticas ou outras ainda.
Eu, por mim falo, não vou filiar-me em nenhum Movimento., seja
ele qual for! Pode suceder que venha a mudar.Entretanto, ao presente, não me assiste razão para o fazer.
Oportunismo?nNão é questão disso. Como pertenço à sacra hierarquia,, devo pôr o bem da causa acima da política.
Não intaressa, de modo nenhum. ver sangue derramado nem
rancores esquentados, pela minha actuação.
Acordo, amizade e colaboração, respeito e simpatia, servindo Angola, é na verdade o ideal cristão.
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Silva Porto
29-10-1874
Uma noite de insónia.
Revivi hoje, em profunda angústia, uma daquelas noites habituais, na Matrópole. Havia-me esquecido, mas o tempo, afinal, encarregou-se, pronto, de mo lembrar! Como é doloroso
voltear na cama, vezes sem conto e fixar o relógio que parece dormir!
Uma vez e outra olho os ponteiros , com certa avidez e não vejo maneirade eles avançarem! Que grande maçada! Outra volta em seguida, limpando o suor, que mana da fronte, e um olhar furtivo, para inquirir, mais uma vez, se os ponteiros se deslocam!
Situação desesperada que não deixa, a rigor, oportunidade, para sombra de repouso!
Tudo isto que digo, segundo me parece, é obra provável de batatas fritas! Esquisitices cá do meu fígado? Jamais perdoa leve transgressão! Depois, não foi só ele a fazer protestos! Estômago, claro, e intestinos,bexiga e rins, aproveitaram logo o belo ensejo,
para alegar razões!
Completa sinfonia de notas dolentes...a sinfonia da dor!
Faz imensa pena que a maior necessidade ( ou uma das maiores) que o homem experimenta,seja para mim um acto indiferente! Não será o alimento, com toda a razão, um prazer dos maiores que o homem usufrui?! Não rejubila, ao ver sobre a mesa apetitosos manjares?!
O natural é que seja deste modo! Para mim, porém, volveu-se desde longe, num castigo da vida!
Já era bem mau que realmente assim fosse, mas para o cortejo, vêm dores e incómodos que angustiam sobremodo, tirando, cá ma Terra, o estímulo da vida.
Para este mundo, são valores negativos! Que eles, ao menos, sirvam para o outro, utilizados como ouro, para conseguir a felicidade!
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Silva Porto
30-10-1974
A Voz de Angola.
Não está bem certo que o MPLA desenterre motivos que seriam aceitos, em tempos idos! De idade para idade, os conceitos alteram-se: o que era lícito, há quatro séculos, é hoje contestado.
Haverá, pois, razão, para avivar rancores ( já isso é desmedido), servindo-se de casos, pertencentes, em geral, a eras passadas, como se as gentes de agora tomassem parte neles!
Apraz-me em alto grau que os Negros de Angola acedam em breve à independência. que sejam senhores do seu destino e de
tantos outros direitos, a que a pessoa tem jus.mas que façam, levianos deflagrar o incêndio, activando-o amiúde, com achas do passado,em que os homens deste século não tiveram parte!...
Que noção aí há, de justiça estrita e são equilíbrio?! Por que motivo hei-de ser desfeiteado, se nada fiz, para merecê-lo?! Pelo
contrário, nunca me servi do que Angola tem ou teve jamais, para
juntar riquezas. Estou aqui de passagem e trabalho com prazer, no campo do Ensino, contribuindo assim para leventar, social e culturalmente a nova nação.
É isto um crime?! Nestas circunstâncias, ia ser doloroso fazerem de mim alvo de aleivosias.
Os verdadeiros infractores que sejam chamados, para se justificarem, mas eu e outros, que somos afinal a grande maioria,
por que havemos nós de ser maltratados?!
Alegar em alta voz os direitos sagrados do povo angolano é
admiissível, justo e racional. Ninguém estranhará! Entretanto, servir-se alguém disso, para activar ódios e gerar discórdias, é que
acho imprudente,, deveras injusto e desaconselhável.
Sou contra tudo o que saiba a violência, injustiça e desamor
bem como deslealdade.
História comum, raiz cultural, passado histórico que não desonra, mas antes se impõe, exalta e glorifica!
Para julgar uma época, devemos, antes de mais, integrar-nos bem nos conceitos das gentes que nela viveram
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Silva Porto
31-10-1074
Acontecimentos graves, na cidade Malange, fazem desde já prever dias maus, para esta Angola que trago aqui no meu coração.
Movimentos libertários e Forças armadas foram alertados,
para estar vigilantes. Há quem suspeite que venha a acontecer o que houve em Moçambique. É de notar já que Malange e Luanda,
Nova Lisboa , Lobito e Benguela são cidades progressivas, com seus pergaminhos, onde a raça branca tem raízes fundas.
Não me atrevo a afirmar que sejam racistas, porque isso, de facto, não existe em Angola, mas há interesses e grandes afectos, difíceis de extirpar, sem grandes tragédias.
A respeito de Malange, torna-se o caso mais delicado. Estou
agora informado de que esta cidade é perigosíssima, visto que os
brancos, ali residentes, ( não todos) provêm de gente lá refugiada e de prisioneiros, Sendo verdade!...
Dizem más línguas que, por tudo e por nada, vêm para a rua
fazer desacatos.
O pior de tudo é não ser esta ocasião adequada, para exibições de
tal natureza. uma vez que Angola se está preparando para vida nova..
Interessa mais que tudo harmonizar as vontades e criar, ao mesmo tempo, ambiente de confiança. Actuar diferentemente é dar provas claras de pouca sensatez e mente perturbada por certos preconceitos. Numa época destas, em que a menor faúlha origina catástrofes, não é revelar interesse algum, dedicação e amor à terra que habitamos.
Oxalá que nada corra à laia de Moçambique, onde a angústia, a violência e o medo continuam torturando o peito das gentes.
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Chitembo
1-11-1974
Este fim de semana era de aproveitar. Na verdade, com
furo à sexta-feira, só quem viva sozinho é que fica a cismar! Deu-me a impressão de que vinha para férias! Já lá vão tão distantes essas férias desejadas, que em sonhos nutria, dando-lhes cor! Ao chegar esta data, era já taxativo: contar os dias, horas e minutos, que faltavam ainda para o rico Natal!
Nem sei descrever aquilo que, ao tempo, se apoderava de mim! Bem-estar e ventura... Com muito pouco, já se é feliz!
Pois agora deu-se o mesmo! Não digo com justeza, visto que, nessa idade, fervia mais o sangue.Hoje, circula de espaço!
Nos meus tempos de jovem, não podia resistir!
O pensamento grato de viver com a família, tresandava a bálsamo a verter-se na alma!
O pior de tudo era, na verdade, o limite que as barrava!
Nada há no mundo que seja estável e não se altere! Tudo muda, afinal! Tudo se transforma.
Por um lado, não é pior, uma vez que, de outra maneira,
cairíamos por força, na monotonia! Como as coisas se processam é bastante melhor!
Quem assim determinou sabe, desde há muito, aquilo que faz!
Dizem os velhotes, na vila de Manteigas:"Já governa casa, há muito tempo!"Refere-se a Deus esta frase curiosa.
Altos e baixos, claridade e sombra, alegrias e tristezas, decepções e agravos, surpresa e desalento constituem assim mosaico variado que dá cor e animação à vida, neste mundo
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Chitembo
2-11-1974
Dia de finados! Grato, afinal, ao nosso coração,não
podemos esquecê-lo, pois a Vida continua e o amor não morre! Os laços resistentes que nos prendiam aos queridos finados nada os pode romper, nada aí há capaz de aniquilá-los!
Por esta razão, ao pensar nos entes que o Senhor levou,
orei fervoroso, para que o sofrimento se lhes abrevie ou atenue.
Como é delicioso sentir no peito um alento que dá vida...
viver na alma esta bela certeza: o que eu faço pelos mortos altera o seu viver, tornando-os felizes!
A ciência humana, em toda a largueeza; o saber dos homens, com toda a sua argúcia, nada criaram que de longe se compare!
A única realidade que ali se nos depara é esta, exactamente: por meio da oração, esmola e sacrifício, quaisquer obras meritórias e actos congéneres, posso aliviar as almas benditas, que se encontram ainda a purificar, na estância da esperança.
Como eu rezei, cheio de fervor, neste dia de finados!
Por meio da oração, pus-me em sintonia com os entes queridos, operando-se o milagre: aproximação e intimidade
entre belos corações que tanto me amaram!
Senhor e Pai Santo: num meio de aridez e extrema canalhice; numa sociedade, em que grassa a hipocrisia, deixaste ainda realidades formosas, que me animam e encantam! O poder da oração!
Mãos inocentes ou ainda penitentes erguidas para o Céu!
Que sublimes realidades a prender-nos a Vós, nosso fim derradeiro e razão de ser da mísera existência, neste mundo cruel!
Fui ao cemitério e chorou ali fundo a minha saudade, mas a alma alegrou-se e rejubilou: Deus-Pai que é bom concede aos finados o prémio incomparável da eterna luz!
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Chitembo
3-11-1974
Seis horas da manhã!
À mesa de trabalho, estou já escrevendo, enquanto aguardo a
presença habitual de quatro sobrinhos.
O primeiro que aparece é o nosso Carlitos, aluno do 5º ano. De livro na mão, um compêndio de Ciências, vem pressuroso, embora sonolento, para a hora de trabalho.
Às 6 e 5, ei-lo mergulhando no estudo a sério.
Em seguida, vem a mana mais velha, com livros adequados ao
6º ano. Junto aos compêndios, avultam cadernos e alguns apontamentos que elucidam problemas de Latim e Francês.
Declinar e conjugar põe imediatamente a cabeça da Guido em água de pàntano!
Entretanto, não desanima, porque a hora é de luta e só não sucumbe aquele que não porfia.
Seguidamente, vem a Gina, com livros e cadernos do 2º ano. Frequenta a pequena o Ciclo Preparatório e quer ver, realmente, se o adeus é este ano, para entrar depois na Escola Técnica, fazendo ali o Curso de Comércio.
Daqui por três anos, algo pode acontecer: um Diploma encantador que vá garantir a subsistència.
O Carlitos vai seguir, provavelmente, Engenharia de minas, segundo tem dito, repetidas vezes.
A Guida, por seu lado, optará por Românicas.
Falta ainda o mais novinho - o Isaías.
Frequenta o 1º ano, mas o trabalho não é com ele. Irá mudar, no futuro. Inadaptado ainda às lidas escolares, que lhe exigem esforço e concentração, vai abrindo a boca, desmesuradamente, uma e muitas vezes,
A idade que tem não permite mais. Com efeito, que faz uma criança com 10 anos apenas, saído recentemente da Escola Primária?!
Quanto a Curso, não sabe ainda.
Quando lhe pergunto, encolhe os ombros e mostra-se ali deveras agitado. por não saber o rumo nem ver possibilidades que lho façam aclarar.
O certo é que eu exijo e ele tem de trabalhar!
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Chitembo
4-11-1974
De novo à luta, com unhas e dentes, segundo usa dizer-se. Efectivamente, se alguma vez issi foi necessário, agora mais que nunca, pela ocorrência, algo inesperada e
quase violenta que se está verificando.
Autêntica disputa que os olhos presenciam. Nesta corrida, quem não tiver senso nem olhos abertos, ficará decerto pelo caminho. Será vencido e logo postergado pela nova sociedade
que tende abertamente para o Socialismo.
Claro se deixa ver que. em tal situação, " Tanto vales quanto rendes"
Vivemos, pois, sob o signo do trabalho, que resulta do esforço e da boa vontade. Indolência e preguiça vão ser relegadas para nível inferior, em que ninguém, por certo, há-de sentir~se bem.
Por tudo isto, incitarei os meus alunos a um esforço maior, na mira de alcançarem o que tanto desejam e pelo qual se batem, dias e noites.
Será, na verdade, um esforço inteligente, bem orientado e com justa medida. É que, de outro modo, não será eficiente nem lucrativo.
Noto com surpresa que os alunos pretos são os mais aplicados e em extremo ansiosos de pleno êxito. Ora, eles amanhã ocuparão decerto os melhores lugares e serão os mandatários. Por isso, os brancos retardatários que não acordarem, terão por certo amargas desilusões: serão postos à margem, não tendo cursos nem belos Diplomas. que logo os imponham como imprescindíveis, necessários e válidos, para o
futuro da nação.
Será, nessa altura que seus olhos magoados verterão quentes lágrimas, já sem proveito!
E, na verdade, para que serve alguém que nada vai fazendo ou pouco rende?!
É simplesmente um peso detestado por todos os outros que passam a vê-lo com olhos maus, tentando eliminá-lo, o mais breve possível.
Razão assaz forte que deve incitar a um labor sensato, bem equilibrado e inteligente, afim de que o amanhã não seja
amargurado.
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Silva Porto
5-11-1974
A nossa gatinha encontra-se mãe.
Vive no Chitembo, onde tem decorrido a sua existência. É preta, preta, do negrume retinto. em que a vista se cansa, por não achar variedade. O pior não é isso! Todos os filhitos saíam aos pais, nunca surgindo um tipo diferente Agora, porém, as coisas mudaram: no triunvirato, há dois, afinal, pintalgados de branco. Ainda bem que as coisas mudaram!
Apenas um deles seguiu a tradição.
Lá os vi a todos, muito desejosos do leite materno e do ninho quente, procurando cada um senhorear-se, em breve,
de posição acomodada ao encher do papinho. De olhos fechados, tacteavam à direita e logo à esquerda, enquanto a mãe, feita em novelo, os abraçava e dispunha, com extremos de ternura.
Servia-se das patitas, em casos extremos, nos quais actuava, com enorme precaução. Se algum escorregava, cingia-o levemente, arrastando-o com jeitinho, para o úbere
desejado.
Detive-me ali como em feitiço, admirando aquela cena de
ternura e encanto.
Num velho cestinho, em que havia calçado, misturado com roupa, lá se estavam preparando, afim de enfrentar a dureza da vida.
O pai, lombeirão, furta-se a cuidados e responsabilidade.
Contribuiu somente para fecundar. A mãe que se governe! Mas ela. afinal, dá conta do recado!
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Silva Porto
6-11-1974
O pensamento da morte acompanha-me sempre a todo lugar e, por mais que se tente, não pode ninguém eliminá-lo de si. É que ele está vivo, na alma dos mortais: nada o pode ocultar nem postergá-lo.
Os factos observados; os entes queridos que vimos partir; o que sucede aos próprios animais e a todos os seres´
ainda inorgânicos, tudo nos leva à mesma conclusão: a matéria decompõe-se; logo, altera-se... morre... desaparece!
O homem não pode escapar à lei da Natureza, pois Deus-
Providência, que é Senhor de tudo, assim o quis ou melhor: o
pecado o exigiu.
A esta ideia outra se liga - o lugar da sepultura. A tal pensamento, vem llogo um desejo com asas potentes que nos levam prestes à terra natal. Ali se encontram as nossas raízes:
lá se mirraram os nossos maiores. Também quereríamos findar ali a nossa existência, para ficar lado a lado, até ao dia belo da ressurreição.
Entretanto, se os vai-vens da sorte nos atiram para longe, será possível ainda realizar o objectivo?
Morte imprevista; um desastre fatal; qualquer bandido que nos transtorna os planos, enfim, tanta coisa inesperada, que
faz dar em terra a quanto amamos!
Apesar disso, grande que seja a distância que nos separa,
não desliga o pensamento nem consegue abafar os últimos afectos.
No que toca ao nosso encontro, após a ressurreição, Deus
Omnipotente há-de fazer então que nos reunamos todos no Reino da Glória, para sermos felizes, pelos séculos sem fim, em sua companhia.
Após a tormenta desta vida espinhosa, há-de vir, finalmente, a bonança do paraíso. Deus nos espera e, para tanto, é que Ele nos criou.
Basta amá-lO, neste mundo e amar a sua obra, para sermos ditosos.
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Silva Porto
7-11-1974
A malta de agora é assaz irreverente, sensual, precipitada. Passado que foi o 25 de Abril, tornou-se impossível qualquer entendimento!
Não vejo maneira de lidar com ela! Esperemos, pois, que o novo Governo,( embora de transição ), a formar-se em breve, dê rumo diferente à nova sociedade.
Que sucede aos transeuntes, quando alguma vez um cavalo selvagem e descontrolado toma o freio nos dentes?
Salvo agora o devido respeito e feitos os descontos, é o que está ocorrendo, nos dias que vivemos.
Apenas desordens, só exigências, aumento de salários e vinganças constantes! Fez-se, na verdade, um clima inaceitável, onde todos já perderam o gosto de viver!
A intranquilidade reina por toda a parte e ninguém se
convence de que tudo vai bem.
Desta maneira, a vida é um calvário! Sem repressão, temor e respeito, numa sociedade, ainda por limar, é impossível o convívio. Em meios de tal quilate, o que grassa realmente é o
canibalismo, vendo-se por toda a parte a virtude escarnecida e
a consciência desprezada.
A lei do mais forte, o costume da selva e o lema de Talião é o que vegeta, nesse campo ressequido!
Assassinos em barda, ladrões e devassos encontram-se à-vontade, para realizar seus planos tenebrosos. Todos os dias se fala de novos crimes. descendo a pormenores que põem, desde logo, os cabelos em pé!
Sendo isto assim, para onde caminhamos?
Só para a desgraça e para a morte!Resta ainda esperança?!
Com alguma certeza! Um governo que se imponha e
faça respeitar os valores humanos, base resisrente, em que vanha apoiar-se a nova sociedade!
Agora, só com repressão, violenta, imediata, lograrão
pôr cobro a esta onda de crimes nefandos e fazer que a paz regresse, de novo, à terra angustiada.
Deus valha aos homens de boa vontade!
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Silva Porto
8-11-1974
Chega hoje, exactamente, à capital de Angola, imponente e luzida representação: é do MPLA.
Havia 13 anos que o seu Presidente deixara Angola, afim de guiar o Movimento e levá-lo à vitória.
Após numerosas e várias alternativas, ora de triunfo, ora de inêxito, chegou finalmente a hora desejada, pois entram na cidade, em clima de amizade e camaradagem.
É o Governo Português que os chama e convida, prometendo agora colaborar, com vista à liberdade, que trará, por fim, a independência do Estado. Tem muita aceitação, pois inúmeros brancos aderiram a ele e outros muitos ainda lhe votam simpatia.
Dizia-se, à boca cheia, que o citado Movimento é pro-socialista.Sendo moderado, não destruiria a iniciativa privada: só utilidade ele nos trará.
O mundo todo e quanto ele encerra foi feito por Deus, para bem de todos: não só de uma classe!
Acontece que alguns, mercê de factores que nao vêm para o caso, se acham alcandorados, no templo de Mamona, em cujos altares sacrificam gostosos.
Não admito jamais o Socialismo esquerdista!
Acho bom e acertado o seguinte princípio: quem trabalha mais merece mais; cada pessoa deve conservar uma parte notável das suas economias Quem trabalha mais deve ter mais.
Entretanto, haver sangue-sugas que abusam do capital,
servindo-se dele. para explorar os desgraçados, que não erguem cabeça, isso é desumano, anti-cristão, inadmissível.
Por todas as razões, muito se espera da nova Delegaão do MPLA.
Que venha em boahora fixar-se entre nós e traga na alma o fermento da verdade e a raiz do bem. Que o desejo do
perdão, amor e justiça inflame o peito de chefes e aderentes, para que a nova Angola se imponha ao mundo,qual nação poderosa, cristã, prestigiosa.
Em comunhão fraterna com outros Partidos saiba perdoar e colaborar, afim de que a Pátria dê leis ao mundo,
seja desde logo modelo de progresso e luminoso farol que tenha a Deus como fonte de vida
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Silva Porto
9-11-1974
O sonho, diz Freud, revela um desejo. Por vezes, assim acontece. Hoje, precisamente, vi a regra confirmada. Não me lembram pormenores nem as cicuntâncias, em que o
sonho decorreu, mas guardo o essencial que muito me impressionou: um encontro fortuito com um bom amigo, Secretário do Capolo, Colónia Penal da Província do Bié.
Foi precisamente aquilo que originou uma grave sugestão, que não podia esquecer.
Ao longo da estrada, vem ele ao meu encontro, quando tento desculpar-me, de o não ter visitado.
Como se nada ligasse às minhas escusas, irrompe breve, nas seguintes palavras: " Como leal amigo que sou do coração, peço encarecido que se vá embora da nossa Angola!"
Fiquei desnorteado e bastante confundido, pois à queima-roupa e sem preâmbulo, foram proferidos aqueles dizeres
Claro! Eu conheço em parte a situação política, no Estado Angolano, a qual, de facto, não é muito lisonjeira!
Entretanto, daí a seguir o conselho dele, ainda havia decerto algo a ponderar.
Como explicar este largo conjunto de circunstâncias variadas?
Primeiramente: por que razão o tal Secretário e
não outro qualquer? Parece-me bem que tenho a chave.
Sendo pessoa amiga, era natural aconselhar portanto o que
tinha por bem. Por outro lado ( creio ser esta a razão principal), devo-lhe uma visita, na vivends do Capolo, poia
já várias vezes me convidou a fazê-la. mas receio a estrada e a minha visão que é deficiente.
A tamanha insistência, gostava de atender, para ser agradável e mostrar gentileza.
Consta por aí que o dito ramal já foi arranjado, mas tem desníveis , muito acentuados e algo perigosos.
Estou, pois, convicto de que a razão principal do nosso encontro em sonho, foi a preocupação que revela nítida e um desejo de amigo
Por isso, exactamente, estará Freud bem perto da pura realidade
Outrasvezes, nada ou quase nada terá o dito sonho com a realidade.
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Silva Porto
10-11-1974
Duas noites seguidas, com barulho horroroso!
Poder-se-á viver, deste modo ingrato?! Quem medera já, na minha aldeia serrana, onde tudo é paz, sossego e quietação, ao
longo da noite!
Nada há, neste mundo que valha o sossego, a tranquilidade e o belo descanso, que reina, desde sempre, nas aldeias do campo. O Chitembo recorda um tanto esses lugares.
Silva Porto não será dos piores, mas à data presente, com estas liberdades e os comícios em barda, é tudo agitação e grande efervescência.
Quando voltareis, segurança e calma, paz e bem-estar?!
Será possível ainda o vosso retorno, havendo-vos perdido?
Só o novo governo, venha ele donde for, poderá conseguir o que tanto desejamos. As riquezas do mundo, em
franco paralelo com a paz do espírito e o repouso sereno do meu coração, nada valem para mim!
Uma boa consciência dorme tranquíla, sem que nada a conturbe.
Agora, porém, neste mar encapelado, em que toda a gente se julga importante e mais que os outros, o que existe em barda são provocações e falsos motivos, dando sempre larga a instintos ferinos.
É fim de semana, bem entendido, mas descanso não houve, Veio sbstituí-lo, em larga escala, a dor de cabeça e a
prostraçao do corpo enervado. Isso, arigor, não é de modo nenhum para descrever-se! Apenas visto assim e experimentado, não uma vez, mas hora a hora, durante noites sem fim!
Um Bar, aqui perto, a 40 metros, frequentado, em regra, não sei por quem mas, ao que ouço, de noite, por gente sem escrúpulos, cujos corpos se dão a vilanias e permite cenas, harto indecorosas.
É gente, sim, de pouca delicadeza e muita grossaria, pois
berram e cantam, gritam, injuriam, lutam e apostrofam, figurando antes animais da floresta, que gente humana de alma e coração!
Por outro lado, vai hoje efectuar-se um comício da UNITA
Foi mais uma razão, para gerar expansoes e grande alarido! Os gritos U-NI-TA ecoaram, pela noite, a horas já mortas, em que tudo repousava.
Deus venha a permitir que todos estes sons de alegria incontida e justificada ou só de vinho,sensualidade e baixeza moral tragam dias mais calmos, em que o gosto de viver não seja um mito e passe além de simples desejo!
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Silva Porto
11-11-1974
Chegou ontem a Luanda, por volta do meio-dia,uma Delegação: a UNITA.
Avaliando agora, pelos dizeres que a radio emitiu, há-de ter sido um facto ímpar, uma vez que excedeu todos os limites de
quanto se previra, não deixando sequer executar todo o programa que haviam delineado.
Fiquei satisfeito com esta revelação, pois veio confirmar a opinião geral, sobre aquele Movimento. Senti-me feliz, por tudo correr bem, nomeadamente, por a FNLA haver colaborado em manter a ordem.
Oxalá que os Partidos se entendam à maravilha, afim de
que, pela harmonia de todos, possamos construir uma grande nação.
Não contive as lágrimas, durante algum tempo. As palavras proferidas por elementos da UNITA vieram confirmar a linha traçada, há muito já. Foi só um o caminho seguido; as mesmas coordanadas; os msmos princípios. Isto é assaz importante.
Havendo um tanto ou quanto de mal-estar e grave sospeita, já não há coniança nem paz se espírito.
Vincou-se, uma vez mais que são angolanos todos aqueles que nasceram em Angola, já oriundos daqui, já procedentes de pais europeus.
Aludiram também aos que optaram por Angola como pátria sua. Todos querem prestar ajuda e serviço, afim de lançarmos, em boa harmonia , o fundamento firme de uma grande nação, gloriosa e respeitada.
A vibrante ovação que lhe foi tributada mostra a claro o
enorme apreço que as gentes nutem pelo chefe, Savimbi
Deus o traga em boa hora, para que o nosso peito descanse, já tranquílo, e a paz dourada volte aos espíritos, já
tão conturbados.
São desejados e sempre benvindos todos os que lutaram,
durante longos anos, pela independência. ! Basta de sangue! Basta de mortos! Cessem os ódios! Jamais retaliações! Emudeçam as armas e brotem flores pelo chão maravilhoso que nos encanta e seduz!
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Silva Porto
12-11-1974
Aumentos.
Havia já tempo, que falavam no assunto, mas publicado nada viera. Pergunta aqui, pergunta além, os funcionários públicos
andavam desgostosos, uma vez que na Metrópole já se arrumara o mesmo assunto.
Dizia-se até que não mexiam no caso, dado que o Govermo mudaria brevemente, formando-se prestes um governo coligado, quero dizer, representado já pelos Movimentos.
Entretanto, coagida que foi a Junta do Governo por
elementos de preponderância e levada também pelo desejo de bem servir a causa das gentes, apareceu afinal o suspirado aumento. A expressão não é exacta, porquanto, alguns de nós
tiveram redução.
Foijusta a medida. Quanto mais baixo for o vencimento,
maior a subida! Por outro lado, retiraram privilégios e cortaram regalias aos que tinham já ordenados chorudos!
Sucedia, no passado que vencimentos altos, ( 15 contos, 19, etc,) chegavam a duplicar, mercê de tais aumentos!
Não se fala já de excelentes moradias, água e luz, carro e motorista, combustíveis diversos, gratificações e o mais que falta! Injustiça flagrane, pois quem mais precisava é que recebia menos.
Má repartição dos bens terrenos! Agora, porém.vão mudando as estruturas, com bases diferentes.
Acabou, para já o ordenado- base e o complementar;
solteiros e mulheres, novos e velhos tèm os mesmos direitos que os antigos casais, no tocante a moradias e outros privilégios.
Para nós (letra L), o vencinento mensal foi já fixado em
12o5o$00 . O acréssimo actual deve-se, pois, a 500$00; mais 1000$00 para renda de casa.
Melhor: acabaram de vez as rendas de casa ( regalias).
Aos que não recebiam subsídio algum, para tal fim, foram atribuídos 1000$00 mensais, para se equipararem aos que no passado tinham essa regalia.
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Silva Porto
13-11-1974
Descolonizar.
Etimologicamente não oferece dificuldade alguma. É só tirar o significado que a palavra tem: o contrário de colonizar! Este vocábulo pode ser tomado em vários sentidos, um dos quais equivale, de facto a : civilizar. Este é o mais nobre de todos.
As outras acepções poderão entender-se como vem a seguir: exploração pura e simples, a que não é estrnha a vil escravatura, abrangendo assim os vários produtos da Natureza e a própria liberdade que o Céu nos deu.Esta forma
geral de colonizar é a mais odiosa e jamais Portugal
a pôs em prática, sem alterar-lhe as facetas agravantes, até chegar, por fim, a suprimi-la, como fez, por exemplo Sá da Bandeira.
Houve um tempo infeliz, em que várias potências a
utilizaram em alta escala.
Haja vista a propósito, o que sucedeu com o rei D,Pedro V de Portugal,Quem não conhece o caso lamentável da famosa barca Charles et George?!
A exploração dos produtos naturais, sem atingir os seres humanos, foi por vezes impossível: acorrentados por necessidades humanas, algo prementes, a mão de obra tornou-se às vezes uma exigência, imposta pelas carências. Mas o velho provérbio, de origem latina, ( Do ut des) ainda teve aplicação,
Durante o período da escravatura, houve metrópoles que, auferindo embora largos proventos, dos domínios coloniais, levaram a essas terras a luz do saber.
Desta maneira, elevaram por certo o nível social dos povos nativos;
aproveitaram ali os produtos agrícolas, ensinando os indígenas a cultivar as terras; deram-lhes à mão o Santo Evangelho de Jesus Cristo, doutrina verdadeira, única, universal.
No campo famoso da evangelização, uma das glórias do povo português, respiga-se já uma bela epopeia de sacrifício heróico, total dedicação, amor e entrega. Missionários em barda e assim Religiosas, sem condições de qualquer espécie,
durante longos séculos, que não fizeram eles, em prol dos nativos?!
Não estiveram, de facto, mais perto do povo, sentindo e vivendo as suas necessidades, que os demagogos,
amiúde exaltados, a quem a palavra "povo" serve de mera capa, afim de encobrir fins inconfessáveis?!
Que grande epopeia de amor e renúncia, tão mal compreendida! Quem defendeu a liberdade do povo, zelando-lhe os direitos e lutando arduamente pela melhoria do seu viver?!
Quem aponta e exalta essa nobre imolação, beneficiente e desinteressada que só um ideal, religioso e santo podia sentir e realizar?!
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Silva Porto
14-11-1974
Colonização Lusa.
Dentre os vários padrões, sobressai notoriamente a colonização que Portugal realizou: tem marca indelével e ate
inconfundível.
É a mais humana, de quantas a História fala: compreensão e grande amizade; apego à terra e assim às almas; fixação no solo; doação total.
Quantas vezes não houve cruzamentos, entre portugueses e mulheres indígenas? Os próprios nativos dão provas inequívocas deste facto social.Ocorreria o mesmo, em
escala tão alta, no tocante a outros povos?!
Que me lembre agora, não sei de nenhum outro que possa competir. É certo e sabido que houveescravatura, nos primeiros tempos,mas era facto corrente, nessa data remota,
admitido sem escrúpulos. Apesar de tudo, foram os Portugueses , primeiro que ninguém, a levantar a voz, contra esse abuso.
O que não fez, nesta grave matéria , o benemérito luso, Sá da Bandeira, para só falar dum vulto notável?
Mais dedicação, menos brutalidade não conheço outros, além
dos Portugueses.
Onde existem homens, há sempre defeitos, pois a marca
indelével da sua existência caracteriza-se por dadas facetas, entre as quais avulta a sua imperfeição.Só Deus é perfeito, grande, santo e justo.
Entretanto, onde está o racismo, considerando os Negros inferiores aos Brancos?!Entre os Portugueses nem racismo existe! Nem segregação!Nem minimização!
É ver o que se passa, habitualmente, aqui no Bié! Foi
sempre assim!
Alguns abusos foram de particulares e jamais ocorreu ser o Estado Português ou a Nação! Li, há tempos, na História
Universal que os vizinhos Espanhóis queimaram no Peru a
família imperial dos povos Incas, fazendo a mesma coisa à dos Astecas do México, para virem a saber o paradeiro certo do tesouro real.
Aconteceria coisa semelhante, em relação aos Portugueses?!
Sei, igualmente que outros povos da Europa seguiram.na mata, os pobres indígenas, que logo abatiam, com armas de fogo, como se fossem, realmente, animais selvagens.!
Alguma vez se deu isso com os Portugueses?!
A Hiatória não faz menção. Por outro lado, intentaram sempre levar consigo a civilização aos povos do Império.
Com os navegantes, seguiam, por norma, ardentes Missionários e também Religiosas, para ensinarem a Lei de
Deus aos povos indígenas.
Quem tirou para sempre o facho luminoso das margens estreitas do Mediterrâneo?Quem é que o levou a toda a parte,
já mais luminoso e quase divino?
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Silva Porto
15-11-1974
Baseado somente no que ouço dizer, chego à conclusão de que o Chefe angolano, mais querido e amado do
povo em geral é Jonas Savimbi. Garantem admiradores que, do princípio ao fim, manteve a mesma linha e jamais foi achado na mínima incoerência.
É um aspecto curioso de tal personalidade, que revela bem o carácter impoluto e um caminho fefinido a seguir como ideal..
Não escondo, já se vê, a minha simpatia, pelo seu Movimento, embora na verdade, ache també útil o MPLA.
Na minha estimativa, vem logo , de facto, após a UNITA.
O Dr. Savimbi parece mais humano e até compreensivo, ao reerir-se aos brancos e encara a sério o problema grave do seu futuro, em terra angolana.
Julgo-o, realmente pessoa ajuizada e bastante circunspecta: predicados valiosos que muito são de estimar.
Terão os outros Partidos melhor preparação, no campo militar; mais capital e engenhos de guerra, mais sofisticados.
Aquele, porém, que tiver por si a força da razão e o apoio firme da maioria, tornar-se-á sempre o mais forte de todos.
Asseguraram-me hoje que é socialista, de linha moderada, o que deve tomar-se em boa conta. De facto, nem capitalismo nem comunismo é tema que alicie.
O primeiro deles açambarca a riqueza, e o segundo, por vias diferentes, faz a mesma coisa, enquanto nega no homem o direito de pensar como bem entender.
No comunismo, há uma classe deveras privilegiada, que
goza, em larga escala, de todas as regalias e arrebanha quanto quer: é o novo capitalismo, ainda mais ferranho, assanhado e bárbaro e intransigente.
Mal por mal, o capitalismo e, acima dele, o socialsmo, de tipo moderado.
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